quarta-feira, 15 de setembro de 2021

O 11 de setembro e o fim da era das intervenções militares - Rubens Barbosa

 11 DE SETEMBRO E O FIM DA ERA DAS INTERVENÇÕES MILITARES

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 14/09/2021

 

Com o fim da Guerra Fria em 1989, restou uma única superpotência. Os EUA, imperial, moldaram o que chamaram de nova ordem internacional e por impuseram ações unilaterais. Os ataques contra as torres gêmeas de New York e ao Pentágono em Washington em 11 de setembro de 2001 colocaram fim a essa era. A quebra do mito da invencibilidade norte-americana e o primeiro ataque ao território americano desde 1814 afetaram profundamente a sociedade local e explicam, na política externa, a era de Guerra ao Terrorismo, iniciada com a invasão do Afeganistão contra o grupo islâmico Talibã para destruir os jihadistas da Al Qaeda, que assumiu a responsabilidade pelos ataques de 11 de setembro, e para buscar, vivo ou morto, Osama Bin Laden. A ação anti-terrorismo islâmico foi ampliada pela invasão do Iraque, justificada pelas “fake news” de que Saddam Hussein estava associado a Al Qaeda e possuía arsenal de armas de destruição em massa. A ocupação do Afeganistão e do Iraque, por inspiração neoconservadora do presidente George W. Bush, gerou alteração na Lei de Segurança Nacional prevendo ataques preventivos, mudança de regime (“regime change”) e reconstrução nacional (“nation building”), segundo os valores e as instituições norte-americanas (democracia, livre mercado, sistema político), sem levar em conta a cultura e as peculiaridades desses países. A política de reconstrução nacional foi aplicada em 19 países, entre os quais Síria, Líbia, Somália, com intervenções militares (drones) e de inteligência em 85 países que custaram milhares de vidas aos soldados americanos e aos civis desses países e gastos de mais de 8 trilhões de dólares em 20 anos.

            Contrário à guerra no Afeganistão como vice-presidente de Barak Obama, Joe Biden, durante a campanha presidencial de 2019, prometeu a retirada das FFAA dos EUA daquele país. Eleito presidente, manteve a promessa de campanha e a decisão de seu antecessor, Donald Trump, de retirar os militares até 31 de agosto. Em histórico pronunciamento colocou um final à mais longa guerra da história americana. Ao anunciar que estava começando um novo capítulo da política externa, Biden declarou que a saída do Afeganistão representava o fim de uma era que se iniciou em 2001. Contrariando Lincoln que dizia que “princípios importantes devem ser inflexíveis”, Biden seguiu o filosofo alemão que observou “não haver fatos eternos, como não há verdades absolutas”. Nas palavras do presidente dos EUA, “não mais haverá intervenção militar com a mobilização de tropas e tentativa de reconstrução de nações em outros países do mundo”. A pressão da política interna em um país dividido e radicalizado, consagrou a atitude de isolamento da maior potência global, com consequências e novas tensões no cenário internacional.

            A afirmação de que os EUA não mais promoverão intervenções militares para a mudança de regime e a reconstrução nacional é tão histórica quanto a de John Kerry, Secretário de Estado do governo Obama, que declarou, em pronunciamento na OEA, que as intervenções militares americanas na América Latina não mais se repetiriam porque o governo dos EUA estava colocando um fim na famosa Doutrina Monroe, contra a presença e influência europeia nos países da região. As intervenções militares de Washington para a mudança de regime estiveram vinculadas aos interesses americanos de combate ao terrorismo, com todos os excessos (gastos, corrupção, tortura e ataque à população civil) ao redor do mundo, enquanto a Doutrina Monroe foi utilizada para defender interesses ideológicos (Cuba, República Dominicana, Nicarágua, Colômbia, Chile) e econômico-comerciais (Granada, Panamá, El Salvador, Guatemala).

            Com o término da Guerra ao Terrorismo, simbolicamente representado pela desordenada retirada das tropas do Afeganistão, a nova estratégia geopolítica de Washington deverá ser alterada. Na política externa, a prioridade do Oriente Médio deverá passar para o Sudeste da Ásia com foco na crescente disputa tecnológica, comercial e, no futuro, militar, com a China, considerada “adversária” pelo establishment norte-americano. Internamente, a preocupação com a segurança nacional passará a ser o combate ao terrorismo interno. O isolacionismo dos EUA, com o país voltado para dentro, reforça a possibilidade de ações radicais da direita conservadora e a possibilidade de ações de lobos solitários próximos de organizações terroristas no exterior.

            A nova era que começa em 2021 poderá representar a perspectiva de Guerra contra a China em substituição a Guerra ao Terror? O relacionamento entre os EUA e a China vem se deteriorando nos últimos cinco anos na direção da desintegração e confrontação. Se essa tendência persistir, daqui a 20 anos, o mundo estará mais perigoso. Para tentar reduzir esse risco, Biden telefonou a Xi Jinping, na véspera do 11/9, para manifestar “o interesse dos EUA na paz e na estabilidade global e afirmar a responsabilidade dos dois países em assegurar que a competição não se torne em conflito”.

            Nesse quadro de grandes transformações, qual o lugar do Brasil no mundo na defesa de seus interesses? A pergunta deverá ser respondida pela sociedade brasileira nas eleições presidenciais de outubro de 2022.

 

Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington (1999-2004) e presidente do IRICE

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