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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Apogeu e demolição da política externa: palestra na Semana de Relações Internacionais da FMU: 15/09/2021, 19hs

Subsídios preliminares à palestra a ser proferida na Semana de Relações Internacionais da FMI, em 15/09/2021, para a qual prepararei uma outra apresentação.

O texto abaixo visa apenas suscitar questões a serem eventualmente abordadas na palestra. 

Link para visualização no canal YouTube da FMU: 

https://www.youtube.com/watch?v=-5hG5YtS5pE&list=PLO1x3kNEq3Hk5G6buE2OKPrlxyvHVe-au

Apogeu e demolição da política externa: o que temos agora?

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)

 

O título deste texto retoma o exato título de meu livro recém-publicado, cujo subtítulo é: itinerários da diplomacia brasileira. Não pretendo estender-me sobre o seu conteúdo, pois cada um pode recorrer a essa minha obra mais recente para constatar o que eu disse sobre os diversos temas nele abordados: a historiografia das relações internacionais do Brasil – ou seja, as grandes obras que figuram necessariamente na bibliografia dessa área –, um segundo capítulo sobre essas relações internacionais, ou seja, a matéria de fato, em perspectiva histórica, mais um capítulo sobre os processos decisórios em matéria de política externa, seguido de dois outros também de caráter histórico, sobre as diversas diplomacias presidenciais desde Vargas, e sobre alguns tropeços diplomáticos ao longo dos últimos 200 anos, consoante meu espírito cético ou contrarianista sobre as supostas excelências de nossa política externa; finalmente, eu termino com um exercício de planejamento diplomático para uma nova fase da governança no Brasil, uma que seja menos errática do que a atual.

Justamente: pouco mais de um ano atrás, mais exatamente em 26 de julho, eu escrevia um trabalho chamado “Posturas erráticas e irracionais do governo, grandes prejuízos para o Brasil”, que consistiam em notas sintéticas sobre os grandes desastres da política externa bolsonarista, mas eu apenas apontava os problemas, sem oferecer, naquela ocasião, algum remédio salvador para esses desastres; afinal de contas, ainda estávamos em pleno triunfalismo da diplomacia bolsolavista e de alguns outros aprendizes de feiticeiro na Esplanada dos ministérios, entre eles o certamente pior ministro da deseducação de toda a história do Brasil, cujo destino agora é obscuro em Washington, mais o antiministro do Meio Ambiente, que também foi entregue à obscuridade, depois de ter contribuído com ampla destruição do seu objeto de trabalho, sem mencionar o próprio responsável da área diplomática, aquele a quem eu chamei de “chanceler acidental” (mas ele não passava de um joguete nas mãos de amadores ignorantes em política internacional e em diplomacia). 

Esse meu trabalho sobre as “posturas erráticas e irracionais do governo” pode ser encontrado em meu blog Diplomatizzando (27/07/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/07/posturas-erraticas-e-irracionais-do.html). Muito bem, como estamos agora há seis meses, aproximadamente, da troca desse “chanceler acidental” por um diplomata profissional, talvez seja útil retomar aquele trabalho para ver o que mudou, ou não mudou, para saber se ainda existem riscos de grandes prejuízos ao Brasil, em decorrência do caráter errático e irracional deste governo. Para isso vou fazer um exercício comparativo, entre o que eu escrevi um ano atrás, refletindo o estado da “arte” (se arte existia) da época, e o que temos hoje, depois de um ano de avanços e recuos, aos trancos e barrancos. Vejamos como a situação se apresenta agora.

 

Posturas erráticas e irracionais do governo, grandes prejuízos para o Brasil (26/07/2020)

O que temos agora? O que mudou, o que ficou, o que melhorou e o que piorou (15 de setembro de 2021)

Caracterização geral da situação em 2019-2020 e na atualidade

O governo atual foi eleito de maneira até entusiástica pelos eleitores, com base numa plataforma supostamente liberal, de luta inflexível contra a corrupção e de continuidade nos ajustes econômicos necessários para superar a mais grave crise econômica – recessão, déficits e desemprego em níveis elevados – de toda a história do país, construída pelo último governo petista e em fase de reversão no anterior governo Temer. Ele teve um início relativamente promissor, a despeito de sinais contraditórios emitidos desde a campanha eleitoral, em 2018...

Não tivemos nem liberalismo, nem luta contra a corrupção (ao contrário, foram desmantelados os mecanismos existentes para tal efeito, inclusive o juiz-ministro); os ajustes econômicos não foram feitos, e não foi apenas por causa da pandemia, e sim por incompetência mesmo do ministro Guedes ou veto do seu chefe; continuamos em recessão, déficits e desemprego elevados, e juros em alta e fuga de capitais. Ou seja, no plano econômico, o Brasil está muito pior do que estava ao final do governo Temer, e isso não se deve apenas à pandemia. O Grande Capital já desembarcou do governo.

Os primeiros sete grandes equívocos da diplomacia bolsolavista, e o que mudou

1)     aparente hostilidade à República Popular da China e preferência por Taiwan, por motivos claramente ideológicos e anticomunistas, sem consistência econômica;

Desde fevereiro de 2018, os Bolsonaros revelam hostilidade à “China comunista”; isso permaneceu, mas reprimidos pelo agronegócio, tiveram de reprimir seus próprios instintos; o atual chanceler se esforça por corrigir o cenário.

2)     aproximação ao governo Netanyahu em Israel, em diversos temas do cenário local, e promessa de mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, por motivos também ideológicos, vinculados à base evangélica do candidato e adoção de postura anti-islâmica e antipalestina, mas ignara quanto a aspectos de caráter constitucional, diplomático e econômico envolvidos nessas questões;

O entusiasmo com a mudança da embaixada (no seguimento de ato similar por Trump) diminuiu também sob pressão do pessoal árabe no Brasil e dos exportadores de carne Hallal; mas instalaram um escritório da Apex na cidade e mantiveram boas relações com Netanyahou, que esteve na posse de Bolsonaro; expedição à cata de spray nasal foi um completo fracasso. A gestão atual desdramatizou a situação; primeiro-ministro Netanyahou saiu do governo. 

3)     adesão explícita, como diretriz diplomática, não exatamente aos Estados Unidos, mas ao governo Trump; o que rompeu com a postura de autonomia na política externa e na diplomacia, mantida, com altos e baixos, desde o Império;

O entusiasmo e provavelmente negócios com Trump perduraram durante toda a presidência dele, inclusive em detrimento dos interesses do Brasil e numa submissão que jamais ocorreu em toda a história do Brasil; Trump saiu, mas continua procurado pela família Bolsonaro.

4)     uma agenda negacionista nas discussões sobre aquecimento global e supostamente desenvolvimentista no que respeita recursos naturais e especificamente a Amazônia e as reservas indígenas, o que retrocederia políticas nacionais, com impacto internacional, longamente amadurecidas ao longo de décadas, em compasso com orientações da opinião pública mundial em temas de meio ambiente; anúncio de renúncia a acolher a 25ª Conferência das Partes sobre aquecimento global;

Antes mesmo de iniciar o governo já tinha ocorrido a recusa de sediar a 25ª COP e ameaça de sair do Acordo de Paris (tudo por sabujice ao governo Trump). A política antiambiental foi aos extremos e poder ser tida como responsável pela recusa dos europeus de ratificarem o Acordo Mercosul-EU, assim como por um potencial boicote às exportações brasileiras do agronegócio (o que é equivocado, pois não existe conexão). Sob a gestão atual, a política para fora recebeu nova roupagem, mas dentro do país continua a degradação ambiental.

5)     um nacionalismo de fachada ainda no terreno ambiental, com crítica não só a ONGs estrangeiras atuando nessa área no Brasil, ao funcionamento do Fundo Amazônia (que resultou na paralisia das contribuições de Noruega e Alemanha a programas de pesquisa), mas contra a própria agenda internacional relativa a mudanças climáticas, e anúncio da retirada do Brasil do Acordo de Paris;

O governo Bolsonaro se empenhou de forma totalmente irracional em sabotar as boas relações com importantes parceiros do Brasil nos programas de pesquisa na região amazônica em torno do conceito de sustentabilidade; outro fator foi obviamente o aumento da devastação florestal e as queimadas não só na Amazônia, mas também no Pantanal; no conjunto, o tema do meio ambiente foi um desastre gigante. Cabe à atual gestão tentar reparar os prejuízos.

6)     declarações altissonantes de luta contra a corrupção; quando sinais claros de comprometimento da família com negócios escusos já tinham sido revelados antes e durante a campanha, com repercussões negativas do ponto de vista da adesão do Brasil à OCDE, que tem um grupo de combate à lavagem de dinheiro no plano internacional, e da cooperação entre os países nesse terreno; a renúncia unilateral ao tratamento especial aos países em desenvolvimento foi gratuita e sem contrapartida;

A questão da luta contra a corrupção foi um dos fracassos mais monumentais do governo e o que motivou a saída do ministro Moro. Com isso também foi afetado o ingresso do Brasil na OCDE, tanto do lado ambiental, quando na questão do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro: o COAF, parceiro do GAFI nesse setor, foi completamente manietado, tanto que motivou relatório oficial da OCDE registrando a não cooperação do Brasil com a entidade; outros retrocessos se manifestaram em diversos setores dos organismos multilaterais. Não há previsão de melhoria nessa frente.

7)     e um nacionalismo e estatismo entranhados no candidato – em total contradição com o espírito privatista e liberal do principal conselheiro econômico; com repercussão sobre a agenda externa de abertura econômica e liberalização comercial.

O alegado liberalismo, abertura econômica e rebaixas tarifárias nunca ocorreram, tanto por nacionalismo obtuso do presidente como oposição das associações empresariais setoriais, que dificultaram inclusive o acordo com a UE. Até aqui, mudou o discurso, não a prática.

As mudanças sutis no curso dos primeiros meses e primeiros dois anos

Todas essas contradições, potencialmente problemáticas no exercício da nova gestão e apontadas desde o início por observadores mais atentos, foram deixadas de lado no decorrer da campanha e na inauguração da administração, em janeiro de 2019. Os problemas daí decorrentes começaram desde o primeiro dia, quando uma sinalização do chanceler e do próprio presidente em favor da instalação de uma base americana no território brasileiro foi imediatamente rechaçada e descartada pelos ministros militares do governo. Desde o início se registrou o desligamento do Brasil do Pacto Global das Migrações, um instrumento positivo do ponto de vista da grande emigração brasileira em diversos continentes, o que foi devido a uma adesão inconsequente e ideológica à agenda imigratória do governo Trump.

O mesmo chanceler confirmou, desde os primeiros momentos, as piores previsões quanto a essa íntima associação com o governo Trump, engajado desde o seu começo em causas ideológicas que não tinham nada a ver com os interesses nacionais do Brasil na condução de suas relações exteriores e na boa promoção de seus intercâmbios econômicos:

Os retrocessos no plano internacional tiveram início ainda antes da posse, com o anúncio da retirada da assinatura do Brasil do Pacto Global das Migrações, um gesto totalmente sem sentido, contrário até ao espírito do Direito Internacional (convenção de Viena sobre Direito dos Tratados) e aos interesses nacionais do Brasil e de seus milhões de expatriados, muitos deles ilegais. Aqui, como em vários outros capítulos, havia uma adesão cega e estúpida a posturas do governo Trump em matéria migratória, com declarações absurdos do presidente e da família a esse respeito. Essa submissão abjeta aos interesses do governo Trump se revelaram na aceitação de uma base dos EUA no Brasil (prontamente rejeitada pelos militares do governo) e no seguimento fiel da postura em relação ao governo Maduro, na Venezuela, numa atitude que pode até ser considerada abertamente inconstitucional (artigo 4º.: interferência em outros Estados). A hostilização ao governo Maduro deixou o Brasil sem condições de atuar no plano diplomático para s ter uma solução ao problema, chegando ao ponto da retirada do pessoal diplomático e consular do país e a declaração de persona non grata ao pessoal venezuelano no Brasil.

8)     hostilização da China, o maior parceiro comercial, podendo se refletir nas grandes exportações de commodities, essenciais para preservar o grande superávit bilateral;

A hostilização à China, a empresas chinesas e ao embaixador, por parte do chanceler e de familiares do presidente, continuou sem cessar, mas, pelo menos se marcou leilão do 5G.

9)     minimização dos prejuízos incorridos com as salvaguardas abusivas (e ilegais) do governo Trump contra as exportações de aço e alumínio e adesão à agenda dos EUA no que respeita eventuais reformas na OMC, sobretudo no plano institucional, com destaque para a paralisia do órgão de solução de controvérsias, o que é grave;

O governo Bolsonaro não defendeu os interesses comerciais do Brasil na adoção de salvaguardas ilegais por parte dos EUA, no aço e no alumínio; ao contrário, colaborou com importações americanas em setores (etanol) nos quais o Brasil é competitivo; luta contra o multilateralismo, ajudou a paralisar a OMC, o que pode ter motivado a saída do DG brasileiro.

10)  aceitação do tratamento agressivo em direção da população brasileira imigrante nos Estados Unidos com status indefinido, e que se concretizou na expulsão massiva de vários desses residentes ilegais com cooperação indevida dos consulados brasileiros no fornecimento de papéis para a expatriação;

Os brasileiros residentes nos EUA votaram maciçamente em favor do Bolsonaro; como retribuição, ele aceitou tratamento ultrajante aos brasileiros ilegais, colaborando até com as expulsões expeditivas que passaram a se fazer com papeis dados pelos consulados. Cabe verificar se já ocorreu mudança no tratamento dos brasileiros expatriados.

11)  adesão ao projeto largamente eleitoreiro de Trump no sentido de derrubar o governo chavista, o que obrigou a “ala militar” do Planalto a se fazer presente em diferentes episódios dessa questão; a evolução do tema não foi positiva para essa agenda muito agressiva, mas culminou com a retirada de todo o pessoal diplomático e consular de todas as representações na Venezuela, sem ruptura de relações, algo absolutamente inédito na tradição do Brasil e mesmo nos anais da diplomacia mundial;

O tratamento do tema venezuelano pela chancelaria bolsonarista foi a mais flagrante submissão dos interesses do Brasil a Trump, pois que deixou o Brasil completamente isolado, junto com a Colômbia, na região. O próprio reconhecimento do governo dito legítimo de Guaidó contrariou nossa política tradicional de reconhecimento de Estados, segundo práticas consagradas no Direito Internacional (controle efetivo do território). Na gestão atual o Brasil tenta recompor as relações, mas a ausência de pessoal dificulta esse passo.

12)  desprezo pelas instituições multilaterais, em nome de um suposto (e em grande medida fantasmagórico) globalismo, o que levou o Brasil ao isolamento mundial.

A adesão alucinada às teorias conspiratórias dos antiglobalistas cessou completamente, o que não impede a família presidencial de continuar seus atos de submissão ao ex-presidente Trump.

Os desastres causados aos interesses do Brasil e o que temos atualmente: 

13)  ofensas gratuitas contra o candidato peronista à presidência argentina, o que rompe um princípio constitucional – o da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados – mas também com a simples cortesia diplomática, o que já tinha ocorrido em ocasiões anteriores em relação a antigos ditadores no Chile e no Paraguai, e em outra tentativa de intervenção nas eleições presidenciais uruguaias;

Uma falta total de compostura por parte do presidente levaram à mais grave deterioração de uma das mais importantes relações bilaterais do Brasil, com a Argentina, a ponto de não se ter NENHUM diálogo entre os dois chefes de governo. De forma geral, Bolsonaro não mantém nenhuma relação próxima com qualquer parceiro regional; o atual chanceler tem se esforçado no restabelecimento dos laços, mas sem a colaboração de Bolsonaro.

14)  o próprio chanceler recrudesceu nas ofensas ao candidato peronista, assim como a outras personalidades políticas na região, em nome de um outro fantasmagórico inimigo, o Foro de São Paulo, com repercussões negativas do envolvimento direto do chanceler na política interna na Venezuela, da Bolívia e outros países;

O ex-chanceler se esmerou em também ofender o presidente argentino, o que obstou qualquer contato entre as duas chancelarias. O embaixador do Brasil foi retirado do posto. A despeito de se ter retomado os contatos entre as chancelarias, a ausência de contato entre os ministros da Economia impede qualquer conversa a respeito do Mercosul. 

15)  tanto o chanceler quanto o ministro da Economia mantiveram uma postura hostil e mesmo confrontacionista em relação às posições da Argentina em relação ao tema do Mercosul, o que inviabilizou qualquer projeto de reforma do bloco no futuro previsível, assim como negociações comerciais consensuais com novos parceiros;

O ministro da Economia demonstrou, desde o início, não ter o mínimo conhecimento do Mercosul, e desprezou o relacionamento com a Argentina, o que afetou severamente o tratamento de assuntos de interesse dos exportadores brasileiros; o Mercosul está praticamente paralisado durante todo esse tempo e não existem perspectivas de que se possa avançar nos temas mais delicados.  

16)  ofensas pessoais a líderes europeus, assim como a postura agressiva do presidente e do chanceler nas questões ambientais e da Amazônia inviabilizaram por completo a possibilidade de se colocar em vigor o acordo Mercosul-União Europeia, talvez o maior desastre de um dos grandes “sucessos” apresentados pelo governo;

O presidente e os ministros da Economia e das Relações Exteriores ofenderam os países europeus, inclusive no plano pessoal; o desprezo do ex-chanceler pela Europa fez com que os parceiros da UE congelassem completamente a ratificação do acordo. Mesmo com as mudanças na diplomacia brasileira, não existem chances de colocá-lo em vigor.

17)  frustração idêntica na questão do ingresso brasileiro na OCDE, não apenas em virtude da postura ambígua dos EUA, como também da sabotagem presidência no plano interno na questão do COAF, instrumento fundamental para a cooperação em matéria de combate à lavagem de dinheiro e da convenção anticorrupção da OCDE;

A despeito das tentativas feitas pelo atual chanceler de restabelecer o diálogo com a OCDE, não existe nenhuma chance de o Brasil de Bolsonaro ser aceito na entidade, não apenas pelas posturas do Brasil nas áreas já mencionadas (meio ambiente e lavagem de dinheiro), mas porque o nível do diálogo decaiu desde 2019, apesar de anúncios em contrário.

18)  postura agressiva da delegação brasileira em todos os temas relativos a direitos humanos e agenda de minorias, mas sobretudo direitos da mulher, o que rendeu críticas praticamente universais da comunidade diplomática internacional;

A agenda da diplomacia no âmbito da ONU, em especial no Conselho de Direitos Humanos, tem sido a mais penosa possível, com retrocessos em todas as frentes, em especial nos temas da mulher, das minorias, dos direitos indígenas e vários outros.

19)  deterioração completa das possibilidades de diálogo e concertação na região, com a eliminação de antigos esquemas de cooperação – inclusive na área militar –, o que deixa a América do Sul sem qualquer estrutura política de interação, num momento de especial preocupação com respeito à disseminação da pandemia na região.

Muito antes que a pandemia fechasse as fronteiras com os vizinhos, o presidente e o ex-chanceler acidental já tinham isolado completamente o Brasil da maior parte dos vizinhos; a tentativa de substituir a Unasul por uma nova entidade claramente gorou e já não existem mais estruturas de consulta e coordenação entre os países; o próprio Grupo de Lima foi desativado.

Meio ambiente e pandemia: dois temas ainda na balança de perdas e danos:

Existem muitos outros temas nos quais as políticas erráticas e contraditórias do governo provocam prejuízos concretos ao Brasil, em especial nas áreas ambiental, de relações exteriores e agora relativamente ao tratamento das medidas contra a pandemia, mas três deles são especialmente relevantes para os negócios e os investimentos no Brasil, com um potencial de prejuízos de enorme dimensão na balança comercial e nos investimentos:

O Brasil encontra-se numa situação inédita de total isolamento externo, nunca vista sequer durante o regime militar. Depois do término do governo Trump, não existe nenhum governo importante no mundo com o qual o Brasil mantenha um diálogo fluído. Mesmo a Índia de Modi, um outro nacionalista de direita, esfriou contato depois de problemas com a vacina. A nova retórica do Itamaraty deve melhorar marginalmente essa situação, mas será difícil.

20)  a contínua hostilização da China pela família e pelo próprio ex-chanceler, que inventou um “comunavirus” para prejudicar os países ocidentais e conquistar hegemonia mundial, o que é uma alucinação total; o mesmo se aplica ao caso do 5G, o que pode representar atraso no campo das TICs e retaliação da China em diversos campos dos intercâmbios bilaterais, não apenas no comércio; esse é muito possivelmente o de maior impacto negativo para Brasil;

Durante a gestão do ex-chanceler acidental, a relação com a China foi a pior possível, com possível ameaça de boicote no comércio bilateral; haveria certamente retaliações da parte chinesa se ocorresse, como pedia o governo Trump (mas Biden não é diferente), o veto à participação da Huawei no leilão do 5G, mas os prejuízos já existem, dado o atraso no processo, que já deveria ter sido feito. A China mantém postura profissional; a Comissão Mista se reúne com a chefia do vice-presidente.

21)  a postura ambiental desastrosa reiterada pelo presidente e pelo ministro da área pode prejudicar enormemente exportações do agronegócio brasileiro, em bilhões de US$;

A frente ambiental é possivelmente a de maior impacto na imagem internacional negativa do Brasil, e assim deve permanecer durante toda a gestão Bolsonaro. Vai demorar a recuperação.

22)  no caso da pandemia, o tratamento vergonhoso registrado nas posturas do presidente e das autoridades do setor levou à denúncia do presidente no âmbito do TPI; mesmo sem abertura de processo formal nesse foro, trata-se de fato negativo para a imagem do Brasil no mundo, com potencial para cessação completa dos investimentos estrangeiros, o que já era o caso no tocante ao tratamento igualmente desastroso das queimadas na Amazônia e das políticas relativas às populações indígenas, item igualmente inscrito nas denúncias apresentadas ao TPI.

À diferença de outros líderes de direita, Bolsonaro foi o único que se manteve negacionista de maneira irredutível durante toda a pandemia, inclusive com denúncias apresentadas no TPI (mas com poucas chances de prosperarem). A despeito de possuir menos de 3% da população mundial, o Brasil exibe números anormalmente elevados de contaminados e mortos, por falta de uma coordenação nacional e de fato sabotagem no enfrentamento da pandemia. A questão indígena pode ainda ser objeto de exame especial por parte do TPI, o que vai impactar ainda mais a imagem internacional do Brasil. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3724, 26 de julho de 2020;

Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/07/posturas-erraticas-e-irracionais-do.html);

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3968, 5 de setembro de 2020;

blog Diplomatizzando (09/09/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/09/apogeu-e-demolicao-da-politica-externa.html)

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 5 setembro 2021, 7 p.

 

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