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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Nova turma do Instituto Rio Branco homenageia embaixador morto pela ditadura - Eliane Oliveira (Globo)

 Tem declaração minha sobre essa posse escondida da imprensa no Itamaraty:

Muitos dos meus colegas, ainda hoje, não estavam sabendo de nada… Nem na ditadura militar o Itamaraty realizou formaturas às escondidas, como esta de 2021, inédita nos anais da Casa. Normalmente, os novos diplomatas são apresentados ao chefe de Estado, que costuma fazer discurso sintetizando as grandes linhas da política externa. Qual exatamente? — afirmou Paulo Roberto Almeida, único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa do governo Bolsonaro. “

Novos diplomatas homenageiam embaixador morto pela ditadura em cerimônia restrita no Itamaraty

O presidente Jair Bolsonaro não foi à formatura e enviou uma mensagem gravada aos alunos do Instituto Rio Branco; chanceler disse em discurso que José Jobim é 'referência' de dedicação ao país

Eliane Oliveira
O Globo, 01/09/2021 - 16:32 /

BRASÍLIA — Ao contrário do que acontece tradicionalmente, quando os novos diplomatas são apresentados ao presidente da República e ouvem do mandatário quais são as linhas mestras da política externa brasileira, a formatura dos alunos do Instituto Rio Branco deste ano foi marcada pela discrição. A cerimônia, na qual os 20 formandos decidiram homenagear um diplomata morto pela ditadura em 1979, José Jobim, foi realizada nesta quarta-feira sem a presença de Jair Bolsonaro, que preferiu mandar uma mensagem gravada.

Segundo fontes do governo, a escolha de Jobim pela turma do Rio Branco teria causado desconforto no Itamaraty e desagradado Bolsonaro. Diferentemente do que ocorre todos os anos  —  com exceção de 2020, por causa da pandemia —  a imprensa não foi credenciada para cobrir a formatura. Mas, oficialmente, o Ministério das Relações Exteriores sempre afirmou que a decisão dos estudantes era soberana e negou que tenha havido pressões para a troca do patrono.

A cerimônia estava na agenda oficial do chanceler Carlos França, que estava presente e fez um discurso em que elogiou José Jobim. Alguns diplomatas consultados pelo GLOBO disseram que não sabiam do evento.

— Muitos dos meus colegas, ainda hoje, não estavam sabendo de nada… Nem na ditadura militar o Itamaraty realizou formaturas às escondidas, como esta de 2021, inédita nos anais da Casa. Normalmente, os novos diplomatas são apresentados ao chefe de Estado, que costuma fazer discurso sintetizando as grandes linhas da política externa. Qual exatamente? — afirmou Paulo Roberto Almeida, único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa do governo Bolsonaro. 

Procurado, o Itamaraty informou que os formandos puderam levar à cerimônia até dois convidados. O número reduzido de participantes se deveu à necessidade de se preservar o distanciamento social por causa da pandemia de Covid-19, afirmou o ministério.

Discurso do chanceler
Em seu discurso, o chanceler Carlos França lembrou que, pela primeira vez, os formando concluíram as etapas do curso virtualmente.

— A turma que hoje acolhemos cumpriu todas as etapas de seu curso no Rio Branco em modo virtual. Pela circunstância da pandemia, nossos colegas formandos não chegaram a conviver no espaço físico das salas de aula — enfatizou.

Os alunos escolheram como paraninfa da turma a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, aposentada, mas atuante como presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB). França elogiou a paraninfa e também citou José Jobim.

— Quero dizer que, até antes de ocupar essa alta função, eu já era testemunha do excelente trabalho realizado pela embaixadora Maria Celina à frente da ADB. Como o embaixador José Jobim, que dá nome à turma, é referência de diplomata e de dedicação ao Brasil — afirmou.

Ele repetiu os três pilares que aponta na política externa brasileira, chamados de "três urgências": a sanitária, a do crescimento e geração de empregos e a climática. Também mencionou a aproximação do Brasil com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o "clube dos ricos", as negociações comerciais e parceiros importantes, como Estados Unidos, Argentina, China, União Europeia e África.

Já Bolsonaro enviou uma mensagem de cerca de três minutos aos novos diplomatas. Elogiou "a excelência dos quadros" produzidos pelo Instituto Rio Branco, disse que os padrões de exigência estão entre os mais elevados e destacou que os formandos terão um grande desafio pela frente.

— As tarefas que atribuí a Carlos França são complexas, mas juntos temos avançado muito e seguiremos avançando — afirmou o presidente.

Reconhecimento em 2018
O Estado brasileiro reconheceu em 2018, por meio da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, que José Jobim foi sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar aos 69 anos. Sua certidão de óbito foi então corrigida, depois de anos de esforços de sua filha, Lygia, em provar que o governo forjou a hipótese de suicídio. Jobim desapareceu uma semana depois de revelar que denunciaria o superfaturamento na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu em um livro de memórias.

A usina custou dez vezes mais que o previsto, totalizando cerca de US$ 30 bilhões. O embaixador, que havia servido no Paraguai, foi em 15 de março de 1979 a Brasília, já aposentado, para a cerimônia de posse do general João Figueiredo na Presidência. Ele mencionou então que estava escrevendo o livro, no qual detalharia irregularidades da obra.

No dia 22, saiu para visitar um amigo e não retornou. Na manhã seguinte, a dona de uma farmácia na Barra da Tijuca ligou para a família de Jobim e informou que ele havia lhe entregado um bilhete meia hora antes. O diplomata contava que fora sequestrado em seu próprio carro e que seria levado para “logo depois da Ponte da Joatinga”.

De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, o corpo foi encontrado por um gari dois dias depois do sequestro, a menos de 1 quilômetro da ponte. Ele estava pendurado pelo pescoço em uma corda de náilon em um galho de uma árvore pequena. Assim como as do jornalista Vladimir Herzog, seus pés, com as pernas curvadas, tocavam o chão, levantando suspeitas sobre a hipótese de suicídio.

Dança das cadeiras
No mesmo dia da formatura restrita, o colunista do GLOBO Lauro Jardim revelou que o ex-chanceler Ernesto Araújo, que deixou o cargo em abril deste ano, vai se desligar da carreira diplomática por um ano. A autorização da licença, não remunerada, passou a vigorar nesta quarta-feira.

Ernesto alegou que precisa tratar de interesses particulares. Sua mulher, a também diplomata Maria Eduarda Seixas Corrêa, foi transferida para Hartford, nos EUA, no mês passado.  Fontes acreditam que o ex-chanceler pode ter se afastado do Itamaraty para concorrer a um cargo eletivo, como deputado federal.

Enquanto isso, Carlos França promove uma dança das cadeiras em postos importantes da diplomacia no exterior. O atual embaixador brasileiro na Espanha, Pompeu Andreucci Neto, assumirá a embaixada em Quito, no Equador. Para sua vaga, o nome mais cotado é o do secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Orlando Leite Ribeiro.

Como a escolha de um embaixador é um processo delicado, que depende da concordância do governo do país de destino antes do nome se tornar público, as informações que correm atualmente são de bastidores. Por exemplo, fala-se na ida de Cláudia Buzzi, assessora parlamentar do Itamaraty, para Berna, capital da Suíça.

Claudia Buzzi deve ser substituída por Bruno Bath, atual delegado permanente do Brasil na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), com sede em Montevidéu. A vaga de Bath ficaria aberta para o embaixador brasileiro no Uruguai, Antônio José Simões.

Também há especulações em torno de embaixadas em outros países. Um exemplo é o posto em Pequim, hoje sob o comando de Paulo Estivallet, que poderia ir para Genebra representar o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). Estivallet é um negociador experiente e a OMC deve passar por uma ampla reforma. O atual embaixador, Alexandre Parola, iria para a Alemanha.

Neste ano, a primeira leva de mudanças foi promovida ainda na gestão de Ernesto. O então embaixador do Brasil em Moscou, Tovar Nunes, foi representar o país em Genebra, com ênfase para a área de direitos humanos. Assumiu no lugar de Maria Nazareth Farani, que foi para o consulado de Nova York. Substituiu Tovar em Moscou Rodrigo Baena, que estavam em Lima.

https://oglobo.globo.com/mundo/novos-diplomatas-homenageiam-embaixador-morto-pela-ditadura-em-cerimonia-restrita-no-itamaraty-25180716

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