Um desses poetas ufanistas de outrora, tinha um mote, supostamente para um rebento, que dizia o seguinte: "Não verás nenhum país como este". O dito NÃO SE APLICA, ao discurso do atual chanceler, que foi perfeitamente na linha do que fizeram TODOS os chanceleres anteriores, em todas as épocas. O único discurso de posse absolutamente DEMENCIAL, foi o daquele chanceler acidental da EA, a Era dos Absurdos, em 2/01/2019; dele se pode dizer com total certeza: "Não verás mais nenhum discurso como aquele".
Discurso de posse do chanceler Mauro Vieira
Rumo ao ‘grande palco das relações internacionais’
Minhas primeiras palavras são de gratidão ao Senhor Presidente da República pela confiança que em mim deposita para chefiar o Itamaraty e executar a política externa que reconduzirá o Brasil ao grande palco das relações internacionais.
Nada poderia honrar-me mais do que ser convocado para colaborar com esse trabalho, que será de todo o Brasil e em benefício de todos os brasileiros. Nada poderia dar-me mais certeza do privilégio que recebo do que recordar o papel único que o Presidente Lula exerceu, durante os seus dois mandatos prévios. Neles, com sua política externa ativa e altiva e a intensa diplomacia presidencial que conduziu, elevou o Brasil a um patamar inédito em sua necessária e insubstituível atuação internacional.
Ajudá-lo a retomar essa atuação, de forma criativa, inovadora e atenta às mudanças no Brasil e no mundo, é uma oportunidade sem par. Sobretudo, para mim, é também a culminação de uma carreira de quase 50 anos a serviço do Itamaraty e do Brasil.
Quero render uma homenagem agradecida a dois queridos chefes, estadistas de primeira grandeza, que marcaram profundamente a minha formação profissional e a minha vida pública. São eles os ex-Ministros Renato Archer e Celso Amorim.
O embaixador e ex-Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, amigo e inspiração de tantos anos, foi meu querido chefe em várias ocasiões e continuará sendo para mim um modelo de diplomata e de chefe desta Casa. É reconfortante saber que poderei contar com a sabedoria, a experiência, a colaboração e o olhar sempre construtivo de Celso Amorim, um dos maiores diplomatas da nossa história, para encarar a monumental tarefa de reconstruir nosso patrimônio diplomático.
Com o Ministro Renato Archer tive o privilégio de trabalhar no Ministério da Ciência e Tecnologia – inspirada, visionária e duradoura criação do Presidente José Sarney em 1985 -, sempre junto de Celso Amorim, e no Ministério da Previdência Social, também no governo Sarney. Aprender com um estadista do porte de Renato Archer foi uma etapa decisiva de minha formação e aqui o relembro com saudade, admiração e enorme gratidão.
Queria também dizer uma palavra de comovida recordação de meus pais, que já não estão mais perto de mim, mas que me acompanharam por décadas de minha vida e seguem inspirando-me e guiando-me. A memória doce e amorosa que deles cultivo justifica que agora peça, uma vez mais, suas bênçãos. Agradeço, ainda, minha família aqui presente.
Não é comum que a nós seja dada uma segunda oportunidade de voltar a fazer algo que foi brusca, involuntariamente interrompido.
Em maio de 2016, deixei o cargo a que hoje regresso, em meio a um doloroso processo de impeachment que fraturou o país e deixou marcas profundas.
Queria reiterar a gratidão que devo à Presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar a Presidência do nosso País, pela confiança que em mim depositou naquele período, lamentando que não tenhamos podido concluir, na política externa, as tarefas a que nos havíamos proposto.
Aceito agora o desafio de retornar a esse lugar e a essas tarefas, consciente de que mudanças importantes ocorreram no Brasil e no mundo nestes mais de seis anos e meio desde a minha saída. Consciente, também, de que o Brasil tem muito a fazer para reconstruir sua inserção no mundo e em sua própria região.
Não temos tempo a perder nesse trabalho que é de todos os brasileiros, de todos os Poderes, de todo o Governo, mas muito especialmente do Itamaraty, sob a condução experiente do Presidente Lula e contando com sua vivência e trânsito internacionais.
Quero também saudar a todos e cada um dos diplomatas, funcionários do quadro e funcionários locais do Itamaraty que, no Brasil e pelo mundo afora, defendem e representam o nosso país. São, nesse vasto mundo em que operam, às vezes em condições difíceis e em meio a crises e pressões, os guardiões da nossa soberania, dos nossos interesses e da nossa grande e crescente comunidade brasileira no exterior.
Em seu discurso de posse; em seu discurso em Sharm El-Sheikh, durante sua destacada participação na COP-27; em seu programa de governo; e na chancela que deu ao diagnóstico e propostas da equipe de transição, o Presidente da República traçou com clareza os desafios e os rumos que vê para a nossa política externa e para uma reinserção digna do Brasil no mundo.
Essa política externa é concebida como uma ampla tarefa que vai muito além da ação profissional e estatutária do Itamaraty, para alcançar o conjunto das políticas públicas brasileiras em matéria de crescimento econômico, meio ambiente, agricultura, educação, cultura, ciência, tecnologia e inovação, direitos humanos, desenvolvimento social e defesa.
Todas elas, associadas a uma política externa vigorosa, são indispensáveis para garantir e projetar a nossa soberania e a defesa dos nossos interesses. Só seremos fortes se atuarmos a partir da visão ampla de um país comprometido com o desenvolvimento sustentável, socialmente mais justo, politicamente mais maduro e reconciliado com suas melhores tradições de diálogo e de respeito.
Não será tarefa simples, nem fácil. Ela exigirá um esforço amplo de todos e a retomada de uma dose generosa do orgulho que sempre tivemos de nosso País atuando em sua região e no mundo.
Atravessamos um momento certamente dos mais conturbados no cenário internacional. Tensões entre grandes potências e uma guerra dolorosa na Europa ampliaram o risco de escaladas imprevisíveis, colocando em perigo a estabilidade política e econômica no mundo e exacerbando os efeitos negativos da pandemia da COVID-19 sobre a economia global, as cadeias de suprimento, o abastecimento de energia e a segurança alimentar. E deteriorando as condições de vida de milhões de pessoas que buscam na imigração mitigar seu sofrimento.
Teremos de saber operar nesse ambiente, com uma crise de governança global sem precedentes, agravada pela paralisação de mecanismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o próprio Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSNU).
E em um momento complexo também para nossa região, que segue enfrentando problemas graves de desenvolvimento, de sustentabilidade, de pobreza e de governabilidade, mas que perdeu muito de sua capacidade de articular-se e agir em conjunto e solidariamente. Será necessário recuperar e ampliar essa capacidade.
O quadro é agravado pela emergência climática, que coloca em perigo o futuro do planeta, com consequências já sentidas hoje sobretudo pelos mais vulneráveis. Além disso, a pandemia de COVID-19 demonstrou a importância da diplomacia da saúde e de reforçar a cooperação internacional por meio da Organização Mundial da Saúde (OMS), mundialmente, e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), regionalmente.
A boa notícia, como tem dito o Presidente Lula, é que o Brasil está de volta. Existe uma clara demanda do mundo pelo Brasil. O destaque dado pela mídia internacional à posse do Presidente Lula atesta o que acabo de dizer. Em seu discurso no Congresso Nacional, o Presidente saudou a vitória da democracia brasileira sobre as ameaças do autoritarismo e da desinformação. E reafirmou seu compromisso com a reconstrução do país e de suas pontes com o mundo. A primeira instrução que dele recebi foi a de reabrir canais de diálogo bloqueados.
Há, também, uma demanda do Brasil pelo mundo. Todos os temas prioritários para assegurar a prosperidade, o bem-estar e a justiça social no país estão sujeitos ao impacto de processos decisórios internacionais ou problemas globais.
Estivemos alijados do cenário internacional nos últimos anos por força de uma visão ideológica limitante. Com bom senso e muito trabalho e dedicação, reconquistaremos nosso lugar.
A principal tarefa da política externa diante desse quadro será de fato reinserir o Brasil em sua região e no mundo, como corresponde aos nossos valores e interesses. Isso vai requerer uso intenso de nossas capacidades diplomáticas e forte retomada da diplomacia presidencial.
Teremos de recompor relações bilaterais danificadas e retomar o protagonismo construtivo nos foros e organismos internacionais onde temos uma contribuição singular a oferecer. O Brasil será um parceiro confiável, um ator incontornável, uma liderança e uma força positiva em favor de um mundo mais equilibrado, racional, justo e pacífico.
A política externa voltará a traduzir em ações a visão de um país generoso, com mais justiça social, comprometido com os direitos humanos, apegado ao direito internacional e disposto a dar uma forte contribuição à sua região e ao mundo.
Para isso, o Brasil precisa reassumir a sua identidade de grande país sul-americano e em desenvolvimento, restabelecer a confiança na relação com nossos vizinhos e voltar a atuar como um país com interesses globais.
Para realizar essa política externa, nossa ação no mundo tem de ter coerência com a nossa ação interna.
Cabe à ação diplomática dialogar com a realidade do país que representa, bem como contribuir para a superação de seus desafios.
O Presidente da República deu o tom do que será sua política para a mudança do clima, reconstruindo as capacidades internas e retomando a cooperação internacional para alavancar o cumprimento de metas nacionais ambiciosas. Ao oferecer o país como sede da COP-30, em 2025, o Presidente Lula reforçou nossas credenciais internacionais na matéria e retomou a linha que havia começado em dezembro de 1988 com o sábio oferecimento, pelo Presidente Sarney, de sediarmos a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, verdadeiro divisor de águas na questão ambiental e do desenvolvimento sustentável.
O Brasil tem todas as condições de consolidar-se como modelo de transição energética e economia de baixo carbono. Isso exigirá esforço interno, mas também uma ativa política de atração de investimentos. Demandará recursos próprios, sem que deixemos de cobrar com firmeza a implementação, pelos países desenvolvidos, de seus compromissos em matéria de financiamento. E exigirá uma diplomacia ambiental e climática de primeira grandeza, ativa e determinada a defender nossos interesses e a desempenhar o papel de facilitador e de gerador de consensos que, desde a preparação da Rio-92, o Brasil sempre soube exercer até recentemente.
Nesse processo, seremos guiados por uma visão integrada do desenvolvimento sustentável em seus três pilares: econômico, social e ambiental – com especial atenção para a proteção da biodiversidade, para a preservação da Amazônia e de outros biomas, e para a geração de emprego e renda para milhões de brasileiros.
Fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) será fundamental para reativar a cooperação nesses e em outros temas de interesse dos países amazônicos, bem como coordenar suas posições em foros mundiais. A proposta do Presidente Lula de uma Cúpula amazônica será elaborada com grande atenção.
O Brasil realinhará a política externa em direitos humanos aos parâmetros da Constituição Federal e do direito internacional dos direitos humanos, sobretudo na promoção da igualdade de gênero; no combate à discriminação e à violência em função de orientação sexual e identidade de gênero; na promoção da igualdade racial e o combate ao racismo e a xenofobia; e na defesa dos direitos dos povos indígenas.
Vamos retornar imediatamente ao Pacto Global de Migrações da ONU e dialogar com os membros do Congresso Nacional para avançar na aprovação expedita da Convenção da ONU sobre direitos dos trabalhadores migrantes.
O Brasil e os demais países emergentes querem ter vez e voz na cena internacional. Não podemos conviver com estruturas decisórias desatualizadas, que não refletem a contribuição que podem dar ao enfrentamento de desafios comuns. Atualizar a governança global na terceira década do século XXI é uma tarefa inadiável.
Seguiremos trabalhando para uma reforma e ampliação do Conselho de Segurança da ONU, órgão de que participamos em 2023, o segundo ano de nosso atual biênio como membro não-permanente.
Colaboraremos, no Conselho e na Assembleia-Geral, com as discussões sobre prevenção e solução negociada de conflitos, mediação, manutenção e construção da paz, cooperação humanitária e a implementação da Agenda de Mulheres, Paz e Segurança. Retomaremos nosso protagonismo em desarmamento e não-proliferação nuclear, valorizando o Tratado para a Proibição das Armas Nucleares em um mundo de exacerbadas rivalidades geopolíticas.
O Brasil retoma, ainda, seu compromisso de reforma das instituições financeiras internacionais, de modo a torná-las mais representativas, em particular dos países em desenvolvimento.
Será importante fortalecer e destravar a Organização Mundial do Comércio (OMC) nas vertentes de transparência, resolução de controvérsias e de negociação. Vamos buscar novos acordos comerciais e de facilitação do comércio.
Vamos manter a cooperação com as instâncias da OCDE que geram benefícios para o país e examinar, à luz do interesse nacional, o convite que nos foi feito para a ela aderirmos.
Vamos utilizar de maneira criativa o G-20, que o Brasil presidirá em 2024, o BRICS, cuja condução nos caberá em 2025, e outros mecanismos de concertação, como o IBAS, cuja presidência assumiremos já em 2023, para reforçar nossas posições e interesses concretos em temas da agenda internacional. E vamos aproveitar a oportunidade da direção brasileira de organismos internacionais, como a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), para avançar concretamente em iniciativas mais acordes com nossa visão de mundo.
A diplomacia é instrumento fundamental na busca da ampliação e diversificação de comércio e investimentos.
Somos e seguiremos sendo uma potência agroambiental, com papel crucial na segurança alimentar mundial.
Em sintonia com a prioridade conferida pelo Presidente Lula ao combate à fome, atuaremos para fortalecer todos os elos da cadeia mundial de suprimentos alimentares, desde a livre circulação de insumos e tecnologias de produção até o acesso a alimentos de qualidade. Seremos incansáveis nos esforços para abrir mercados e diminuir e neutralizar barreiras ao comércio agrícola.
O Brasil também é ator incontornável em outros temas estratégicos e emergentes. Nesse sentido, fortaleceremos a diplomacia da inovação e participaremos ativamente dos debates internacionais sobre governança digital.
Por outro lado, buscaremos fortalecer a capacidade institucional de instrumentos vitais de que dispomos, como a Agência Brasileira de Cooperação e o Instituto Guimarães Rosa. A ABC, com sólida experiência em programas e projetos de cooperação, será o fio condutor do intercâmbio com países em desenvolvimento e outros parceiros, com atenção especial à América Latina e o Caribe; à África; e aos países de língua portuguesa. O Brasil voltará a ser um país solidário e engajado. O Instituto Guimarães Rosa, por sua vez, nasce como articulador institucional da diplomacia cultural e educacional, bem como da difusão da língua portuguesa, e será parceiro de primeira hora do relançamento da política cultural brasileira.
De todas as ausências do Brasil, o abandono da América Latina e do Caribe talvez seja a que nos ocasionou maiores prejuízos.
O retorno do Brasil à sua própria região significará o engajamento e o diálogo com todas as forças políticas, para que possamos recuperar a capacidade de defender nossos interesses e contribuir para o desenvolvimento e a estabilidade regionais. Nossa ideologia na região será a ideologia da integração.
Daremos atenção especial à parceria estratégica com Argentina, Uruguai e Paraguai, fortalecendo os mecanismos bilaterais e a implementação de projetos de interesse comum.
O MERCOSUL deve ser aprofundado, juntamente com nossos três parceiros, nas vertentes que tenham impacto direto na vida das pessoas e no comércio intra e extrarregional, com ênfase no avanço da liberalização e facilitação do comércio dentro do bloco, da conclusão de acordos externos equilibrados, na promoção dos investimentos, no turismo, e na facilitação da circulação de pessoas e bens.
Em diálogo com nossos parceiros, buscaremos recuperar em novas bases a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), garantindo claro sentido pragmático e eficácia à organização. O pronto retorno à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a sua dinamização serão, também, objetivos imediatos da política externa brasileira.
Seguiremos atentos à importância de fortalecer as instituições democráticas, contribuindo, pelo diálogo e os bons ofícios, para a superação de tensões internas, sempre com respeito à soberania dos países e sem nunca perder de vista o compromisso universal com os direitos humanos e com a democracia.
Coletivamente, a América Latina e o Caribe podem ser uma força a favor da multipolaridade e em benefício de ganhos reais para seus países.
Ao movimento de retorno à nossa região deve corresponder a retomada da política externa verdadeiramente universalista. A África, região da qual o Brasil esteve ausente nos últimos anos, voltará a ser prioridade. Continente dinâmico, a África tem avançado em seu processo de desenvolvimento; constrói, agora, uma gigantesca área de livre comércio; e abrigará, em alguns anos, quase metade da juventude mundial.
O diálogo político de alto nível com países africanos e suas organizações regionais será restabelecido para tratar de desafios comuns, como segurança alimentar, mudança do clima, comércio e investimentos e intercâmbio de tecnologias. Fortaleceremos a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.
No Oriente Médio, o Brasil retomará sua tradição de boas relações com todos os países. Trabalharemos para avançar na implementação dos acordos do Mercosul com Egito, Israel e Palestina, bem como para explorar a possibilidade de novas frentes negociadoras. Buscaremos parcerias diversificadas, envolvendo produtos de maior valor agregado, investimentos e a ampliação do intercâmbio em tecnologia e inovação.
Com relação a Israel e Palestina, dois países amigos do Brasil, retornaremos à posição tradicional e equilibrada mantida há mais de sete décadas, apoiando a solução de dois Estados plenamente viáveis, coexistindo lado a lado em segurança, e com fronteiras internacionalmente reconhecidas. Nossa bússola nesse tema voltará a ser, como sempre foi, o direito internacional.
De extrema importância será desenhar e executar uma estratégia ambiciosa para a Ásia-Pacífico, a região mais dinâmica do mundo, e, em particular, para a China, Índia e Japão, além do conjunto da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Buscaremos novas áreas de cooperação em temas de interesse do Brasil, como mudança do clima; proteção do meio ambiente; ciência, tecnologia e inovação; além de ampliar e diversificar o comércio e atrair mais investimentos.
As relações com países europeus serão retomadas em novas bases.
Aprofundaremos a parceria estratégica com a União Europeia e cooperaremos em temas de interesse mútuo, como a dupla transição climática e digital, a inclusão social e a igualdade de gênero. Valorizaremos os ideais democráticos de parte a parte. Nos interessa um acordo MERCOSUL-União Europeia equilibrado e com ganhos reais para a economia brasileira, tanto em comércio como em investimentos, e evitando que o meio ambiente, tema muito caro ao Brasil, seja utilizado como pretexto para o protecionismo.
Com os Estados Unidos queremos relações em pé de igualdade, baseadas em valores e interesses comuns, sem qualquer tipo de preconceito sobre temas e assuntos, e isentas de alinhamentos automáticos. Desejamos dinamizar nosso relacionamento econômico e atrair investimentos, bem como continuar a fortalecer os laços humanos, culturais e educacionais que unem as duas sociedades. Trataremos de maneira madura eventuais diferenças, naturais em uma relação com essa importância e densidade.
Mais de 4 milhões de brasileiros vivem no exterior e um número crescente viaja a turismo, negócios ou estudos a cada ano. A maior presença dos nossos nacionais em outros países aumenta a expectativa sobre a atuação da nossa área consular, que precisa estar pronta a garantir assistência às cidadãs e aos cidadãos brasileiros no exterior.
Para além da fundamental prestação de serviços e do auxílio em situações de emergência, a formulação da política consular também deve considerar ações de longo prazo para promover a proteção dos direitos essenciais, o bem-estar e a prosperidade das comunidades brasileiras fora do país.
Para viabilizar esse ambicioso programa de política externa, o Itamaraty precisa revigorar, modernizar e coordenar os instrumentos de que dispõe. O primeiro deles, e mais valioso, é a relação com seu corpo de servidores, cujo empenho merece todo o nosso reconhecimento. Nenhuma política externa efetiva é possível sem um Serviço Exterior valorizado e motivado.
Temos a consciência de que, para responder aos desafios do século XXI, o Itamaraty precisa modernizar constantemente sua gestão e estimular a formação de servidores com capacidade técnica e de liderança, que, de um lado, aprendam e se inspirem com o passado da instituição, e, de outro, construam seu presente com olhos no futuro.
A condição para isso é proteger as prerrogativas constitucionais do Itamaraty, valorizando aqueles que são os três mais importantes atributos das carreiras do Serviço Exterior: a experiência, que deve refletir-se na hierarquia; a memória, uma das nossas fontes de sabedoria numa área em que a história e os antecedentes têm tanta importância; e a qualidade do nosso trabalho.
Essa excelência deve ser compreendida não apenas como um dado, mas sobretudo como objetivo a ser perseguido diligente e permanentemente. Por isso, investiremos na formação e treinamento contínuo dos servidores. A grade curricular dos cursos oferecidos pelo ministério, inclusive pelo Instituto Rio Branco, será examinada à luz dos desafios contemporâneos.
Quero dar uma palavra especial aos jovens diplomatas, que são, ademais do futuro, também o presente vivo da instituição, e que devem ter seus talentos aproveitados desde cedo, estimulando o exercício da criatividade e da inovação a serviço dos princípios e dos objetivos da política externa.
Reconhecemos que os diplomatas ingressados na carreira nos últimos anos viram reduzidas suas perspectivas de poderem vir a assumir posições de responsabilidade condizentes com sua formação, talento e dedicação. Será necessário buscar soluções para um fluxo progressivo e previsível e, ao mesmo tempo, garantir lotação adequada de postos C e D e, sobretudo, consulares.
Seremos incansáveis no combate a todo tipo de assédio, discriminação e abusos da função e prerrogativas em nosso Ministério, assegurando independência no tratamento disciplinar.
A Ouvidoria e a Corregedoria do Serviço Exterior passarão a responder diretamente à Secretaria-Geral das Relações Exteriores. Será publicado Guia de Conduta do Servidor Exterior Brasileiro, bem como fortalecida a Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, Sexual e da Discriminação.
Determinarei a recriação de canais de diálogo para que todas as categorias de servidores possam expressar anseios e formular sugestões tanto na área administrativa quanto em temas substantivos.
A sub-representação crônica de pessoas negras e mulheres distancia o perfil da diplomacia brasileira da sociedade que representa. Para reverter progressivamente esse quadro, instruirei a Secretaria de Estado a elaborar uma política de diversidade e inclusão no Itamaraty. Seus parâmetros serão a excelência do serviço exterior, o estudo de melhores práticas sobre o tema, e a institucionalização do diálogo com grupos de servidores interessados.
Buscaremos recrutar mais mulheres, negros, indígenas e pessoas de diversas regiões do Brasil para o Serviço Exterior, em particular para a carreira de diplomata. Ampliaremos sua presença em cargos de liderança e trabalharemos para superar barreiras à igualdade de oportunidades na ascensão funcional. Aperfeiçoaremos o programa de bolsas de ação afirmativa para negros e reativaremos o Comitê para a Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
O diálogo interno deverá ser complementado por um diálogo estruturado e renovado com outros órgãos de governo, com a sociedade civil, e com a academia. Essa reabertura contribuirá para arejar a reflexão realizada no Itamaraty e dar sentido mais estratégico ao nosso planejamento diplomático.
Uma diplomacia pública ágil e consistente permitirá traduzir de modo mais eficiente, em um novo e complexo espaço informacional, os fundamentos das posições internacionais do Brasil, bem como transmitir de maneira clara os ganhos que uma chancelaria atuante e bem equipada assegura ao país.
Finalmente, a nova estrutura do ministério refletirá as prioridades da política externa, conferindo o devido relevo a temas como mudança do clima, tecnologia, integração regional, África, atenção às comunidades brasileiras no exterior, diversidade e participação social, entre outros.
Essa é a real dimensão do enorme trabalho de reconstrução que nos aguarda, depois de um retrocesso sem precedentes na nossa política externa. Estamos prontos a encará-la de frente e com confiança.
Tranquilizam-me a qualidade da nossa força de trabalho, a autoridade, a experiência, a sabedoria e a ampla visão do mundo e do Brasil que o Itamaraty e cada um de seus integrantes têm.
E alegra-me poder contar com o auxílio, na qualidade de Secretária-Geral do Itamaraty, da Embaixadora Maria Laura da Rocha nesta tarefa. Diplomata completa, de longa e variada carreira e impecáveis credenciais, ela possui vasta experiência na Secretaria de Estado, na Esplanada dos Ministérios, em postos bilaterais e multilaterais no exterior.
Após 104 anos do ingresso de Maria José de Castro Rebello, primeira diplomata e funcionária pública concursada do Brasil, uma mulher chega à mais alta função da carreira diplomática, a de Secretária-Geral do Serviço Exterior Brasileiro. Marco histórico e simbólico, a assunção da Embaixadora Maria Laura da Rocha ao posto de Secretária-Geral transmite duas mensagens. Uma de reconhecimento da trajetória das mulheres na diplomacia brasileira ao longo desses mais de cem anos. Outra de inspiração para jovens diplomatas, assim como para inúmeras meninas que sonham com a carreira: ao verem a si mesmas no rosto de embaixadoras em papel de liderança, ganha concretude sua aspiração legítima de protagonizar o presente e o futuro de nossa diplomacia.
Quero convidar a todos, dentro e fora do Itamaraty, a unir-se em torno desse grande projeto de política externa do Presidente Lula, que há de trazer o Brasil de volta a um intenso protagonismo internacional, para que todos os brasileiros voltem a orgulhar-se do seu País e a ver o mundo como um prolongamento das suas vidas, das suas lutas, dos seus valores e dos seus ideais e realizações.
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