A Cúpula Amazônica e a liderança do Brasil
Sérgio E. Moreira Lima*
O Globo, 8/08/2023
A Cúpula dos Países Amazônicos acontece hoje e amanhã em Belém. Anunciada pelo Presidente Lula, após sua eleição, em discurso na COP-27, no Egito, a reunião simboliza o reencontro do Brasil com sua agenda ambiental e a retomada da liderança do país nas questões de mudança de clima e desenvolvimento sustentável. Como Belém sediará ainda a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em novembro de 2025, a Cúpula Amazônica servirá para tratar das questões regionais, sem perder de vista os preparativos para a COP-30, que poderá tornar-se a maior conferência sobre o futuro do planeta e da humanidade.
A Cúpula Amazônica deverá reforçar a concertação entre os países da região, colocando em foco também o papel da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) na coordenação das políticas regionais com vistas ao cumprimento das decisões tomadas em Belém. Única entidade intergovernamental com sede em Brasília, a OTCA é fruto de uma iniciativa diplomática brasileira, o Tratado de Cooperação Amazônico (TCA), firmado em Brasília, em 1978, com Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O encontro em Belém permitirá melhor conhecer essa instituição que tanto tem a contribuir para a articulação e a consistência das políticas ambientais e de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Embora a França não participe do Tratado, o Presidente Lula, num gesto histórico, convidou o Presidente Macron a participar da Cúpula Amazônica. Essa atitude reflete a importância do desafio ambiental e a necessidade de somar esforços com a comunidade internacional para compreendê-lo e enfrentá-lo.
O Brasil já integrava o Tratado da Bacia do Prata, em vigor desde 1970, mas, até 1978, a maior parte do território nacional estava fora de qualquer arranjo cooperativo com países vizinhos. O pacto amazônico supriu essa lacuna, aproximou a região, reforçou o apoio ao Brasil e consolidou o paradigma da política externa brasileira de autonomia e universalismo a partir de um regionalismo robusto, lastreado no Direito Internacional, com o propósito de tornar a geografia em fator de aproximação e integração. Nesse imenso território, o princípio orientador da política externa brasileira, desde Rio Branco, de fazer da geografia a melhor política, promoveria o diálogo e a cooperação. A lógica do entendimento deveria prevalecer em meio a diferenças sobre programas de desenvolvimento nuclear, como ficaria ainda mais claro, na década de 1990, com a criação do Mercosul.
A realização no Brasil, em 1992, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92) colocou o país numa posição de contribuir para a harmonia entre aqueles dois temas antípodas no conceito de desenvolvimento sustentável, que concilia a preservação do planeta e a erradicação da pobreza e da fome. Com o agravamento da questão ambiental e das mudanças do clima, a posição do atual governo brasileiro recobra o protagonismo histórico e o respeito da comunidade internacional. Ao fazê-lo, resgata a tradição da diplomacia brasileira com seu compromisso em favor do regionalismo e do multilateralismo e de um ordenamento fundado no direito num mundo em que a lógica do conflito voltou a ameaçar o paradigma do entendimento, da cooperação e da paz.
* Embaixador de carreira e advogado.
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