Anticomunista ferrenha, 1ª embaixadora do Brasil teve cargo poderoso no Itamaraty
Odette de Carvalho e Souza chefiou postos no exterior e soube navegar em ambiente masculino apesar de resistências Odette de Carvalho e Souza foi a primeira mulher promovida a ministra de primeira classe no Brasil, em 1956, quando também se tornou diretora do Departamento Político e Cultural (DPC) do Itamaraty. Poderoso, o órgão lidava com relações bilaterais e organismos multilaterais durante a expansão da então recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU). Na prática, segundo a estrutura do ministério à época, o posto fazia de Odette a número 3 da pasta, abaixo apenas do chanceler e do secretário-geral. A diplomata também foi chefe dos Serviços de Estudos e Investigações do Ministério das Relações Exteriores a partir de novembro de 1937, quando Getúlio Vargas iniciou o Estado Novo (1937-1945). Mais tarde, já na chefia do DPC, participou do controle de atividades políticas de funcionários da casa. Os Serviços de Estudos e Investigações tinham por objetivo "tratar da obra de repressão ao comunismo, mediante estudo especializado da doutrina marxista, sua infiltração no nosso país e meios de combatê-la de maneira prática e eficiente", segundo memorando escrito por Odette como argumento para a criação do órgão, após a Intentona Comunista de 1935, e acessado pela pesquisadora Adrianna Setemy. Nessa época, Odette lidou com autoridades de segurança, como Filinto Müller, chefe da polícia política do período repressivo sob Vargas e senador na ditadura militar pela Arena, sigla que sustentava o regime. Na Suíça durante a Segunda Guerra Mundial, ela chamou a atenção como conselheira técnica e secretária de delegações do Brasil em conferências internacionais de trabalho e paz. Nesse período, também foi representante do país na Entente Internacional Anticomunista. Embora seu papel na organização ainda não esteja claro, seu trabalho sugere que ela se conectava com grupos anticomunistas para além da atuação pública no ministério e na imprensa, para os quais escreveu com regularidade artigos sobre esse e outros temas, assinando "O. de Carvalho e Souza". Se, por um lado, sua presença destacada no país europeu mostra como ela desbravou território até hoje muito masculinizado, ela reflete também as dificuldades das mulheres na diplomacia naquele período. Odette articulara para trabalhar na representação brasileira em Londres, mas viu a designação publicada no Diário Oficial perder efeito antes que assumisse o posto devido à atuação do próprio embaixador no país, Raul Regis, que sugeriu a Odette o cargo na Suíça. "Num país [Reino Unido] que expressamente condenou a entrada de mulheres para o corpo diplomático, e numa corte de tradições conservadoras, só lhe adviriam inúmeros embaraços decorrentes da sua inclusão na lista diplomática. A aparição dessa senhora, como única mulher [...], a quanto comentário irônico não nos iria expor", escreveu Regis. A forma com que era chamada exemplifica o sexismo refletido na justificativa. "Dona Odette" estava em funções semelhantes ou hierarquicamente superiores a homólogos homens, que recebiam o título de seus cargos antes de seus nomes. A ela, porém, muitas vezes eram destinadas outras formas de tratamento, como "dona", "senhora" e "senhorita". Também sobravam comentários sobre sua aparência física, por vezes acompanhados de elogios a seu profissionalismo, humor e inteligência. "Quando o nome dela é mencionado no Itamaraty, normalmente isso é feito como galhofa, dizia-se que era uma pessoa que perseguia os outros. No máximo é isso que se fala, não do legado profissional dela: quem era, o que fez de bom e de ruim", diz a diplomata Carolina von der Weid, autora, com Eduardo Uziel, do capítulo sobre Odette no livro "DiplomatAs: Sete Trajetórias Inspiradoras de Mulheres Diplomatas". E, a despeito de suas ideias, ou talvez em parte devido a elas —a embaixadora defendia o lugar central da mulher na família, com abordagem conservadora em que tomava distância das discussões sobre liberdade sexual, por exemplo—, Odette soube navegar em um ambiente pouco afeito às mulheres. "A presença dela no ministério fez com que eu não tivesse a ideia de que ali pudesse ser uma casa machista quando ingressei no Instituto Rio Branco. Ela era respeitada. As pessoas que encontrei em Bruxelas tinham carinho por ela", afirma a embaixadora Thereza Quintella, primeira mulher egressa do Instituto Rio Branco a alcançar o cargo —ela também foi pioneira na direção da escola de diplomatas. Odette começou a atuar profissionalmente sem passar pelo instituto; na Bélgica, chefiou a delegação do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia, para onde foi Quintella quando a embaixadora já havia deixado o posto. Além dos cargos em Israel e Bélgica, Odette chefiou postos na Costa Rica e em Portugal. Há, entretanto, poucas publicações sobre a trajetória da diplomata, que vem sendo resgatada recentemente em livros, artigos e documentários. Sua relação (ou a ausência dela) com movimentos feministas de seu tempo, diante de seu pioneirismo, e seu papel na organização internacional anticomunista são exemplos de facetas da embaixadora que ainda carecem de estudos mais detalhados. "Odette era sábia para jogar com os grupos da época. Independentemente da filiação política, ela deixava clara sua ambição e tinha proeminência. Chama a atenção o silenciamento de seu legado", afirma Weid. Odette de Carvalho e Souza foi aposentada em 2 de outubro de 1969, por ter completado 65 anos de idade. Faleceu no ano seguinte, aos 66, na cidade do Porto, em Portugal. Não deixou filhos.
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