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domingo, 6 de agosto de 2023

Isaiah Berlin, The First and the Last, Book review - Paulo Roberto de Almeida

 Isaiah Berlin, The First and the Last 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre o livro organizado por Henry Hardy, contendo o primeiro escrito de Isaiah Berlin, de 1922, com 12 anos, e o último, de 1996, aos 86 anos, dois anos antes da morte do grande pensador liberal naturalizado britânico.

 



 

Tenho uma especial predileção por este livro, The First and the Last (New York: The New York Review of Books, 1999), organizado e introduzido por Henry Harden, que contém o primeiro escrito do jovem estudante Isaiah, já vivendo na Inglaterra, e o último texto do grande mestre do liberalismo, escrito pouco antes dele falecer, com 88 anos, em novembro de 1997, talvez porque eu também teria apreciado guardar meu primeiro escrito “sério”, o que infelizmente não ocorreu. Não tenho certeza se meu “último” escrito será preservado, ou se ele igualmente desaparecerá no acúmulo de papeis de minha atual caótica biblioteca. Em todo caso, tomando como exemplo o trabalho efetuado por admiradores do ilustre filósofo, vou começar por expor esses escritos de Berlin e refletir um pouco sobre trabalhos extremos.

Isaiah Berlin nasceu em Riga, em 1909, mas sua família se mudou para Petrogrado em 1916, ou seja, durante a Grande Guerra, quando a agitação da oposição russa ao czarismo moribundo já preparava o terreno para os formidáveis atos revolucionários do ano seguinte, em fevereiro, quando a autocracia russa é deposta, e em outubro (ou novembro), quando ocorre o putsch bolchevique, pondo fim à breve experiência democrática da Rússia, antes de 70 anos de totalitarismo soviético. Em 1921, sua família emigrou para a Inglaterra, e com menos de um ano na nova pátria, que seria a sua até falecer, ele já dominava o inglês com certa suficiência, o que lhe habilitou a escrever o primeiro escrito que sobreviveu de seus primeiros anos escolares. 

Como explica Henry Hardy em breve nota ao primeiro texto, “The purpose justifies the ways”, Isaiah Berlin “came to England in 1921, aged eleven, with virtually no English” (p. 7). A história, que não tinha título no manuscrito original, se refere ao caso de um Comissário bolchevique local, presidente da Checa de Petrogrado, assassinado por um membro da aristocracia russa em 1918, e o título atribuído posteriormente ao texto se deve a que, como explica novamente o organizador,

... because it signals the way in which the story points forward to Berlin’s repeated later insistence in the inadmissibility of justifying present suffering as a route to some imaginary future state of bliss. (p. 8)

 

De certa forma, o título atribuído postumamente à história relatada por Berlin, “os fins justificam os meios”, de cujos fatos ele foi contemporâneo, aos nove anos, parece confirmar a primeira etapa de um itinerário intelectual seguido por ele de forma coerente durante toda a sua vida, o que é confirmado pelo último escrito inserido neste livrinho, “My Intellectual Path”, escrito 74 anos depois, em 1996, como contribuição a um volume organizado pela universidade de Wuhan, na China, sobre filósofos anglo-americanos. Este foi o seu último texto dotado de certa substância reflexiva, depois de uma “memória” escrita em 1988, “On the Pursuit of the Ideal”, em resposta a um prêmio que lhe tinha sido atribuído pela primeira vez pela Fundação Agnelli, em homenagem à sua contribuição à ética, como também explica o introdutor Henry Hardy (p. 23). Esse texto, que possuo em outro volume de seus escritos, foi republicado, depois de ter sido divulgado em primeira mão pela The New York Review, no volume The Crooked Timber of Humanity (Princeton Universitey Press, 1998). 

No caso do comissário bolchevique, o jovem Berlin identificava no “camarada” um homem de ação, que “dividia a humanidade em duas classes, a primeira as pessoas que estavam em seu caminho, a segunda classe as pessoas que o obedeciam. As primeiras pessoas, segundo a compreensão de Uritzky [o nome do bolchevique], não mereciam absolutamente viver” (p. 17-18). Não está claro se o garoto Isaiah assistiu aos fatos, ou se ele apenas relata o que ouviu de testemunhas. Em todo caso, ele descreve exatamente [e o texto preserva a pontuação defeituosa] o que ocorreu, quando um jovem aristocrata confronta o revolucionário que executou seu pai, um velho membro das classes proprietárias: 

And now finished Peter loudly pulling out his automatic [pistol], the hour come! hands up he shouted levelling his pistol with Uritzky’s forehead boom! sounded! The pistol and Uritzky without a groan fell heavily on the floor 

Ho! ahoy! soldiers! shouted Peter and when the soldiers appeared he faced them whith his pistol, the soldiers moved back in alarm, I killed your master he cried, and now my mission on earth is finished my father is executed… without a trial, and I have not got anybody to live for! Oh Father I am going to join you BOOM Fired Peter and fell heavily over the body of his dead enemy when the soldiers came near they found that both were dead (p. 19)

 


 Assim termina o primeiro escrito, que revela a forte impressão que deixou no menino Isaiah os primeiros meses da revolução soviética, provavelmente um estrondo de violência que o acompanhou pelo resto da vida, em busca do ideal de uma postura filosófica que o levou a concluir, no seu último escrito, “My Intellectual Path”, que a ideia de uma sociedade perfeita é uma “enorme falácia intelectual” (p. 78). Como ele mesmo escreve, ao final desse texto que resume o debate filosófico no cenário acadêmico inglês do século XX, 

... the very idea of the perfect world in which all good things are realized is incomprehensible, is in fact conceptually incoherent. And if this is so, and I cannot see how it could be otherwise, then the very notion of the ideal world, for which no sacrifice can be too great, vanishes from view. 

To go back to the Encyclopedists and the Marxists and all other movements the purpose of which is the perfect life: it seems as if the doctrine of all kinds of monstrous cruelties must be permitted, because without these the ideal state of affairs cannot be attained – and all justifications of broken eggs for the sake of the ultimate omelette, all the brutalities, sacrifices, brainwashing, all those revolutions, everything that has made this century perhaps the most appalling of any since the days of the old, at any rate in the West – all this is for nothing, for the perfect universe is not merely unattainable but inconceivable, and everything done to bring it about is founded on an enormous intellectual fallacy. (p. 77-78)

 

Duas coisas podem ser agregadas depois dessas transcrições do primeiro e do último texto escrito por Berlin, aos 12 anos, e aos 86 anos: a primeira é a notável continuidade filosófica do garoto recém emigrado depois da Revolução bolchevique de 1917-18, para o mais liberal dos países da modernidade, para com o maduro filósofo do liberalismo e leitor crítico da literatura clássica russa; a segunda é o fato de concluir sua contribuição a uma publicação universitária chinesa dos anos 1990, quando o gigante asiático começava a se recuperar da trajetória demencial do maoísmo prático, que tinha literalmente destruído o ensino universitário duas décadas antes, durante a Revolução Cultural dos anos 1960-70.

Em todo caso, entre o primeiro e o último dos escritos de Isaiah Berlin, figuram algumas obras que tenho em minha estante e que vale agora revisitar: The Proper Study of Mankind: An Anthology of Essays (Chato & Windows, 1997, editado pelo mesmo Henry Hardy e cujo primeiro texto é “The Pursuit of the Ideal”) e The Sense of Reality: Studies in Ideas and their History (Pimlico, 1997; também editado por Henry Hardy). Tenho especial predileção por Against the Current: Essays in the History of Ideas (Viking Press, 1980), cujo título corresponde ao título similar de um dos meus livros: Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2019). Não sou filósofo, mas sei reconhecer os grandes... 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4453, 6 agosto 2023, 3 p.


 

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