É que, como se sabe, as comitivas que acompanhavam Bolsonaro também eram presenteadas. Certamente com menos brilhantes, mas não com grifes menos valorizadas, como Cartier e Piaget. Até o final do mandato de Bolsonaro, apenas três ministros haviam devolvido seus mimos: Onyx Lorenzoni (que passou pela Casa Civil e pelo ministério do Trabalho); general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional – GSI) e o diplomata Carlos França, que foi ministro das Relações Exteriores. A devolução envolveu uma história peculiar. Na prática, segundo fontes ouvidas pelo Estadão, a ideia de entregar os relógios para a Comissão de Ética teria partido dos três ministros presenteados.
Mas, na verdade, também de acordo com assessores que participaram da operação, eles queriam que um diplomata do Ministério das Relações Exteriores carregasse em sua mala os objetos e os levasse para Brasília, pois não havia intenção de devolvê-los. O funcionário do Itamaraty, uma das carreiras mais tradicionais do serviço público brasileiro, achou que não era conveniente ser o portador da carga e se recusou a trazê-los. Já de volta ao Brasil, consultou, por sua própria conta e risco, a Comissão no Palácio do Planalto. Foi informado que ninguém estava autorizado a manter o relógio no pulso, devolveu o seu e avisou os outros três ministros.
Na semana passada, o ex-presidente anunciou, em tom de bravata, que buscaria as joias e relógios que estão em posse do governo federal porque lhe pertenciam. Segundo fontes que acompanham o caso, não há nada de novo em relação às joias e o que Bolsonaro estaria tentando fazer seria mobilizar seus seguidores. Esses mesmos interlocutores do Estadão observaram que tudo não passa de uma jogada política, talvez para criar contradições que lhe permitam levar todo processo para a primeira instância.
O problema é que, por mais que o ex-presidente queira reaver os presentes ou procure justificativas para isso, é de 2016 o decreto 4.344/2002 com a determinação para que, a exceção dos itens de natureza personalíssima ou de consumo próprio – como finas caixas de tâmaras que a comitiva bolsonarista trouxe de países árabes – sejam incorporados ao patrimônio da União.
Nessa época, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff devolveram objetos que estavam com eles. Da mesma forma, o acórdão 443/2023, relatado pelo ministro Augusto Nardes, determinou ao ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro que, “nos termos do item 3, inciso, III, da Resolução 3, de 23 de novembro de 2000, da Comissão de Ética Pública, entregue os itens em seu poder oriundos dos presentes recebidos na visita da comitiva presidencial à Arábia Saudita e também as armas recebidas dos Emirados Árabes Unidos à Secretaria-Geral da Presidência da República no prazo de 5 (cinco) dias úteis, devendo ser juntado, de imediato, a este processo o correspondente comprovante da entrega”.
Como já se sabe, foi aí que a coisa complicou. Boa parte dos objetos já havia sido vendida em Miami numa operação que envolveu o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro César Cid – que está preso – e seu pai, o general de Exército na reserva, Mauro Lourena Cid. Coube ao advogado do ex-presidente Frederick Wassef – que conforme o Estadão acumula dívidas no total de R$ 60 mil – recomprar um dos relógios Rolex, pagando por ele quase R$ 300 mil. Ele ainda nem explicou direito a razão de tamanho altruísmo.
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