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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A ascensão do Resto - Ruchir Sharma (Financial Times)

 A ascensão do Resto

O grande retorno dos emergentes 

Várias nações estão com posições financeiras muito mais sólidas que os EUA.

Por Ruchir Sharma 

Financial Times (Estadão, 29/08/2024)

 

Nos anos 2000, quando um amplo boom econômico nas economias emergentes atraía bilhões de dólares para os seus mercados financeiros, o escritor Fareed Zakaria capturou aquele momento histórico como "a ascensão do resto". Agora, uma história igualmente encorajadora está se desenrolando no mundo emergente, mas poucos observadores perceberam e um número ainda menor de investidores estrangeiros vêm atuando nessa mudança importante.

Um grande retorno está em andamento. Após enfraquecerem bastante na última década, as economias emergentes estão reconstruindo sua liderança de crescimento em relação às economias desenvolvidas, incluindo até mesmo a mais forte, os Estados Unidos, a níveis não vistos em 15 anos. A proporção das economias emergentes em que o PIB per capita deverá crescer mais rápido do que nos EUA caminha para saltar de 48% nos últimos cinco anos para 88% nos próximos cinco. Essa proporção igualaria o auge do boom dos mercados emergentes nos anos 2000.

Esse boom nascente difere do último em aspectos fundamentais. Nos anos 2000, o mundo emergente foi impulsionado pela rápida ascensão da China, um grande aumento nos preços das commodities e políticas monetárias frouxas adotadas pelos bancos centrais ocidentais. Muitos comentaristas assumiram que "o resto" poderia continuar crescendo em massa graças à ascensão da China, mas eles acabariam ficando muito desapontados. Em2012, atingido pelo exagero, alertei para um iminente "fim do resto". De fato, a década seguinte foi desanimadora para os mercados emergentes - e excelente para os EUA.

Agora, porém, muitas nações emergentes estão com uma posição financeira muito mais sólida do que os EUA. Como uma superpotência superestimulada que depende de déficits recordes para impulsionar o crescimento, os EUA encontram-se em um caminho insustentável. As economias emergentes têm déficits orçamentários e em conta corrente muito menores, deixando-as com uma capacidade maior de investir e impulsionar o crescimento futuro.

Até mesmo países conhecidos no passado pela prodigalidade financeira, da Turquia à Argentina, retornaram à ortodoxia econômica.

O destino das nações emergentes não depende mais tão completamente do destino da maior delas. A recuperação atual está sendo impulsionada por outras nações além da China, cujas dificuldades (de uma população que está encolhendo a dívidas pesadas) obscurecem os pontos fortes de seus rivais do mundo emergente. A virada nacionalista de Pequim e as relações cada vez mais tensas com o Ocidente assustaram os investidores globais, que vêm saindo da China e estabelecendo fábricas em outros países.

Na próxima década, as exportações deverão ser particularmente fortes para as tecnologias verdes e as matérias-primas necessárias para construí-las, como o cobre e o lírio, que são fornecidos principalmente por nações emergentes. O boom da Inteligência Artificial (IA) já está aumentando as exportações de fornecedores de chips relacionados à IA (Coréia do Sul e Taiwan) e eletrônicos (Malásia e Filipinas). Os investimentos estão aumentando em muitos mercados emergentes, atraídos por uma variedade de pontos fortes - o grande mercado interno da índia, o ambiente fértil da Malásia para centros de dados e a proximidade do México com os EUA.

Com a aceleração do crescimento econômico, os lucros corporativos tendem a fazer o mesmo. Excluindo a China, os lucros no momento estão crescendo a um ritmo anual de 19% nos mercados emergentes, contra 10% nos EUA No segundo trimestre deste ano, pela primeira vez desde 2009 as corporações dos mercados emergentes (incluindo a China) superaram as previsões de lucros por uma ampla margem em relação às contrapartes americanas. As margens de lucro vêm melhorando nos mercados emergentes e estagnando nos EUA há 18 meses.

Os investidores no mercado de ações global, hipnotizados pelas companhias de tecnologia americanas de enorme valor de mercado, ainda não responderam. A movimentação está praticamente paralisada na maioria dos mercados de ações emergentes, com os volumes de negócios atingindo os níveis mais baixos em 20 anos em muitos países. Entre os poucos mercados emergentes que registram ganhos competitivos estão aqueles que possuem uma base de investidores internos forte e em crescimento acelerado - como a índia e a Arábia Saudita.

Ainda assim, há sinais de uma mudança iminente. A crescente reputação dos EUA como o gastador deficitário mais irresponsável do mundo - um império financeiro que toma seu status de moeda de reserva como garantido - ameaça minar o dólar. Nas últimas semanas, a moeda americana finalmente começou a cair, o que historicamente sempre levou a maiores fluxos de capital para os mercados emergentes.

Após uma longa permanência na sombra dos EUA, os mercados emergentes são uma pechincha cada vez mais atraente. Embora tenham voltado a registrar um maior crescimento nos lucros, eles são negociados a valores baixos recordes em relação aos EUA Durante 15 anos, os EUA apresentaram crescimento superior nos lucros, impulsionado principalmente pelas chamadas "Big Techs", mas isso também está mudando. O crescimento dos lucros das "sete magníficas", as sete maiores empresas de tecnologia dos EUA, agora deverão cair mais de 50% no próximo ano.

É claro que nunca fez sentido agrupar nações emergentes em um pacote sem rosto. A ascensão do resto significará uma boa década para as nações emergentes em média, mas liderada por um grupo seleto de estrelas, cada uma extraindo força de maneiras diferentes a partir das tendências favoráveis no comércio global, no dólar, nas reformas econômicas e na nova liderança política.

Lembre-se que até recentemente muitos comentaristas alertavam que, após o choque da pandemia, o mundo emergente estava vulnerável a crises em série. As expectativas continuam baixas e os temores são altos de que os mercados emergentes estão fora do radar da maioria dos investidores globais. Mas essa é a natureza dos retornos. Eles saem da obscuridade e, quanto mais profundas as sombras das quais eles surgem, mais drama envolve o retorno - uma vez que ele é reconhecido. 

Excluindo a China, os lucros crescem a um ritmo anual de 19% nos mercados emergentes, contra 10% nos EUA. No 2^ trimestre, pela primeira vez desde 2009, as companhias emergentes superaram as previsões de lucros por ampla margem das contrapartes americanas.  

 

Ruchir Sharma é presidente da Rockefeller International. Seu novo livro é "What Went Wrong With Capitalism". Copyright: Financial Time

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