Luzes e sombras
Ricardo Seitenfus
(Recebido: 19/08/2924)
Na atual tragicomédia venezuelana sobressaem-se dois atores. O primeiro, Nicolás Maduro Moros, iluminado sob as luzes da ribalta, brilha intensamente. O segundo, o governo cubano, sabe que seu futuro depende do desenlace da crise, escolheu as sombras dos bastidores e o silencio como tática de guerra.
Embora fraudadas, Maduro sofre derrota eleitoral acachapante cujos resultados incontestes foram tornados públicos pela sociedade civil organizada. Inclusive governos, como o brasileiro, que não reconhecem publicamente os resultados, estão cientes de que a oposição venceu.
Para Maduro a equação é simples. Para conservar o poder ele poupa o seu Conselho Eleitoral e ataca seus adversários. Tanto os internos quantos os externos. Se trata de uma típica manobra diversionista para desviar, com efeitos de cena secundários, a atenção sobre o principal. Até o momento esse espichar da corda deu excelentes resultados e já aparecem vozes preconizando que ninguém deve se intrometer no domínio reservado venezuelano.
O Brasil busca uma saída para a enrascada em que se meteu. Entre idas e vindas caóticas e dos erros de uma falida estratégia, Lula declarou, em 20 de julho passado, que não cabe interferência externa no processo eleitoral de outros países. Apesar de fiador dos Acordos de Barbados, Lula abre uma fresta para o Brasil tentar escapulir do imbróglio.
Contrastando com uma crise exposta em praça pública, com uma esquerda dividida entre democratas e golpistas, e um Maduro malandro e, segundo um ditado gaúcho, mais liso que muçum ensaboado, escondido nos recônditos mais sombrios do cenário deste drama kafkiano, está o ator cubano.
Maduro se beneficia da proteção brasileira e cubana. A nossa decorre de fronteiras comuns, da migração venezuelana e de interesses econômicos. Outra é a natureza do interesse cubano.
A lenta agonia de Hugo Chávez, escondida de todos pelos médicos cubanos, demonstrou aos olhos do mundo a profundidade dos laços entre os dois regimes.
Ao escolher Maduro em 2013 para substituir Chávez, Cuba reforça sua presença na estrutura do Estado bolivariano. Do apoio de Maduro depende a sobrevivência da própria revolução castrista que enviou a Venezuela aproximadamente 30.000 colaboradores. Serviços de inteligência, policial e de segurança, de informática, programas sociais, cooperação militar, fornecimento de petróleo e concessão de empréstimos e a fundo perdido.
Portanto, os que se esforçam em salvar Maduro estão, por ricochete, fornecendo oxigênio e sobrevida a revolução cubana. Sob a bota do casal Ortega-Murillo, não é outro o significado da advertência nicaraguense quando ousa expulsar o embaixador brasileiro de Manágua. Nenhuma mediação será bem-vinda caso resulte na queda de Maduro.
O atual governo brasileiro é resultado de uma frente republicana formada para impedir a recondução de um desqualificado. Os setores que permitiram a vitória de Lula são sensíveis ao respeito das regras democráticas. O que, comprovadamente, não ocorre na Venezuela. Produto da malandragem de alguns, da incompetência de outros e da prepotência de muitos, não há margem de erro. Lula e seu todo-poderoso assessor internacional estão frente ao dilema da quadratura do círculo. Quem viver, verá.
Ricardo Seitenfus, Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra, autor de vários livros, foi Vice-Presidente da Comissão Jurídica Interamericana, representante da OEA no Haiti (2009-2011) e na Nicarágua (2011-2013).
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