O menino e os livros
Quando entrei pela primeira vez numa biblioteca fiquei enfeitiçado e nunca mais consegui sair do seu labirinto. Eu era menino, acomodado no meu silente e tenro mundo...
Eu era inocente, disputado pelos volumes alinhados ao meu redor.
Sobre o teto da minha pequena estufa abriu-se uma chaminé por onde sussurraram, a um só tempo, os mundos por descobrir acenados pelas capas e páginas coloridas. E eu embarquei sem mesmo fazer minhas malas. De enseada em enseada, em cabotagem interior, minha pequena embarcação ancorou perante grandes obras e me trouxe os amigos e mestres que me entenderiam. Advertido por Ícaro, nunca me lancei ao vôo; avisado por Teseu, aprendi a desenrolar um fio sem entrelaçar-me nele...
(...)
Hoje vou ocasionalmente à janela da biblioteca para respirar o ar que vem de fora e observar a vida em movimento. Passei a me interessar pelas personagens vivas, pelas cidades, pelo riso. Os que me acenam de fora já me vêem um homem feito, embarcação estável e segura a simplesmente cortar os oceanos em silêncio solitário.
Mas não consigo ir-me completamente, mesmo terminado o expediente: a primeira cadeira onde sentei, o primeiro abraço dos volumes, a primeira sensação de um chamado me envolvem, até hoje, em acolhimento que busco espraiar.
8 novembro 2004
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