Recebido por e-mail: 11/08/2024;
Certa vez escutei o grande arquiteto e humanista Oscar Niemeyer – o
construtor das mais belas obras arquitetônicas de Brasília e da Pampulha, em
Belo Horizonte – dizer : A vida é um sopro... Uma grande verdade, que só
podia ser pensada e dita por um comunista como Oscar Niemeyer !...
Pois hoje este comentário do Niemeyer me veio à cabeça ao receber o
comunicado da Jeanne-Marie, sua amantíssima esposa e da Pascale, a sua
adorada filha, e também de uma legião de seus ex-colegas e ex-alunos da
tristíssima notícia do falecimento na noite de ontem do nosso adorado amigo,
mestre e querido companheiro de lutas Pierre Salama. Triste notícia, que nos
deixa a todos os que o conheceram órfãos daquela figura humana extraordinária que foi Pierre Salama...
Eu próprio conheci o Salama – como o chamávamos todos os seus amigos – em
1991 quando cheguei a Paris para fazer o meu doutorado em economia na
Universidade de Paris XIII – hoje denominada Universidade de Paris XIII –
Sorbonne. Salama me acolheu como acolhia a todos os “exilados” do mundo que
buscavam completar os seus estudos de pós-graduação sob a orientação do
intelectual marxista e pós-trotskista que fizera o seu nome na Paris pós-68.
A todos este intelectual ímpar que sempre lutou pela justiça social e
econômica acolhia com o abraço afetuoso ajudando a desbravar os caminhos
íngremes da burocracia francesa para facilitar o encaminhamento
administrativo dos registros universitários mas, acima de tudo, dando o
exemplo da sua independência de pensamento e da procura constante de novos caminhos para a descoberta científica.
De longa data os caminhos do Pierre se cruzaram com a América Latina.
Primeiramente, com o México e a Argentina, de onde vieram muitos dos seus
alunos. Pouco depois, com o Brasil também. Lembro que o Pierre, ainda
estudante em Paris, foi assistente do nosso Celso Furtado na Universidade de
Paris I-Pantheón-Sorbonne, onde o Celso ensinava. Depois, tornou-se
professor da Universidade de Amiens, até transferir-se para a Universidade
de Paris XIII (também conhecida como Paris Nord, em Villetaneuse, até ser
rebatizada de Université de Paris XIII-Sorbonne). Também por longos anos foi
um dos professores mais reconhecidos do IEDES (o Instituto ligado à Paris I)
que se especializava nos estudos do desenvolvimento econômico e social dos
países em desenvolvimento – chamados então de “Terceiro Mundo”. Durante
décadas e décadas Salama dedicou-se a ensinar e a orientar academicamente a
legiões de alunos vindos da América Latina, da Ásia e da África, e a
franceses também. Sempre com a dedicação de sempre. E sempre com o costume
francês de ter os cafés parisienses como a extensão das suas cátedras. O do
Pierre era o Café Select, em Montparnasse, em frente ao conhecido La
Coupole, frequentado por Sartre e por Simone de Beauvoir e tantos outros
intelectuais dos anos 50, 60 e 70. E que, pelas mãos de Salama, também
passou a integrar o meu roteiro gastro-intelectual de Paris. De orientado
passei a amigo do Pierre e da família, da belíssima Jeanne-Marie – sua
companheira de vida- e da Pascale – a sua filha adorada. E para que falar
das adoráveis Judith e Élie, suas netinhas... Mon Dieu !, estou cada vez
mais sentimental. É que quando a gente se aproxima dos 80 – eu já faço 78 em
um mês mais – os amigos começam a ir-se para outras paragens e ficamos cada
vez mais cientes que já entramos na contagem regressiva... Quantos amigos
perdemos nos anos mais recentes, do mestre de todos nós Celso Furtado no
anos 80, logo após o meu amigo mais próximo e íntimo João Paulo de Almeida
Magalhães, a Ana Maria Kirchner no ano passado – que conheci por intermédio
do Salama -, a Tanyra Vargas, ao meu amigo do Pedro II Carlos Eduardo
Gouveia, o Antonio Barros de Castro, o Ignacy Sachs, o Hélio Jaguaribe e
tantos outros... Sem contar os que estão pela Bola 7 como eu próprio e
amigos que já entraram na rota da indesejada dos povos, como dizia o poeta
Manuel Bandeira, para que mencioná-los por nome, para deixá-los ainda mais
assustados. A vida é assim mesmo, um sopro...
Cada amigo que se vai nos deixa aquela sensação de que nos faltou a última
visita, o último fim-de-semana juntos, o último Réveillon, a última leitura
compartilhada...
Pois é, Pierre... Você se nos foi, pelos caminhos insondáveis e misteriosos
dos seres humanos... Eu costumava lhe mandar alguns versos sempre, pois
sabia que você gostava muito de poesia. Pois, à guisa de despedida,
mando-lhe agora os maravilhosos versos do grande John Donne :
“ Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do
continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a
Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa
dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me,
porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os
sinos dobram; eles dobram por ti”.
Vá então por estes novos caminhos, querido Pierre ! Sabendo que a morte de
qualquer homem nos diminui, porque somos parte do gênero humano. E não
perguntemos por quem os sinos dobram, eles dobram por nós. Aqui, em Gaza, em
Tel-Aviv, nas favelas cariocas, nos sertões do Brasil profundo...
Em breve, nos veremos novamente, Pierre !
À bientôt,
Mauricio (et Beatriz t’embrasse aussi...)
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