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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Carta aos Internacionalistas do Brasil - Francisco Rezek

 CARTA AOS INTERNACIONALISTAS DO BRASIL 2024

FRANCISCO REZEK

Presidente de honra do Congresso Brasileiro de Direito Internacional

Carta aos Internacionalistas do Brasil 2024


Apresentação da

“Carta aos Internacionalistas do Brasil


Prezada Comunidade Acadêmica,

É com grande satisfação que apresento a vocês o excerto que, a partir desta data, foi institucionalizado como parte integrante de nossas reflexões e discussões acadêmicas: a “Carta aos Internacionalistas do Brasil”, escrita pelo eminente Ministro Francisco Rezek. Este importante documento passará a ser publicado em todas as edições do Congresso Brasileiro de Direito Internacional, em formato de separata, e servirá como uma referência para a comunidade jurídica.

A Carta é um testemunho do pensamento do jurista Francisco Rezek sobre os desafios da contemporaneidade no Direito Internacional. Ela sintetiza a essência de suas reflexões e perspectivas, servindo como um chamado à reflexão para todos os pesquisadores e estudiosos dessa disciplina. O Ministro Rezek, com sua vasta experiência e profundo conhecimento, oferece uma análise que nos convida a reconsiderar e questionar as bases e as direções do Direito Internacional no cenário atual.

Convido a todos a se debruçarem sobre este documento, utilizando-o como uma ferramenta de inspiração e crítica em suas investigações e debates.

Atenciosamente,

Wagner Menezes

Presidente do Congresso Brasileiro de Direito Internacional



Carta aos Internacionalistas do Brasil, em 20 de Agosto de 2024


Francisco Rezek


Há pouco mais que cinquenta anos, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, nossos diplomatas inauguravam em Estocolmo o discurso que daria o tom, em 1992, à Conferência do Rio de Janeiro, lembrando a necessária irmandade entre a proteção ambiental e o desenvolvimento, e afirmando ante o concerto das nações que a pior das formas de poluição é a miséria

Será amanhã, em Natal, a abertura do 22º Congresso de nossa Academia, e o tema, desta vez, é o direito internacional ante os objetivos do desenvolvimento sustentável.

Sob pena de que a História nos venha a julgar por condescendência, e pelo abandono da causa da humanidade a que juramos não faltar quando de nossa formatura, temos algo a reconhecer e proclamar agora. Nada existe de mais insustentável, sob todas as óticas, que a catástrofe que se abate faz quase um ano sobre a Palestina ___ por obra e graça do Ocidente, cuja lenda civilizatória e cujo teatro humanitário desmoronam com as edificações de Gaza e da Cisjordânia ocupada, em meio ao sangue e às lágrimas de toda uma raça, de uma nação cuja identidade foi roubada, de uma cultura que florescia altiva até a primeira metade do século XX.

Uma rosa, no drama de Shakespeare, não perderia seu perfume se fosse chamada por outro nome. Um muro, segundo a Corte da Haia, não é menos muro se seus construtores lhe dão o codinome de barreira defensiva. Um genocídio, nos exatos moldes da tipologia da Convenção de 1948, não se redime pela indulgência de uma imprensa que não se envergonha de mostrar as imagens da destruição e do massacre, edulcorando sua linguagem ao gosto de seus mandantes, e dando àquilo o nome de guerra ___ uma guerra em que um dos exércitos mais armados e violentos do planeta investe contra a população civil, e contra escolas, hospitais, instalações humanitárias, jornalistas e agentes das Nações Unidas, a pretexto de eliminar terroristas. Quem contra isso se insurge, ainda que com o simples uso da palavra, é cúmplice do terrorismo: foi essa a imputação feita à pátria de Nelson Mandela, e a todos os que tentam de algum modo salvar a decência coletiva.

Atribui-se a Josef Stalin a ideia cínica de que algumas dezenas de mortes são uma tragédia, ao passo que algumas dezenas de milhares de mortes são apenas uma estatística. Assim devem enxergar o cenário os seus principais financiadores e patronos: como uma estatística, a perder-se, a diluir-se na história de outras tantas, aquelas do próprio Stalin, as de Leopoldo II da Bélgica, as de Adolf Hitler. Esses, de todo modo, não agiram com tanta arrogância e estardalhaço, nem tiveram cúmplices de tão variadas bandeiras fora do círculo fechado das respectivas claques.

A Corte das Nações Unidas, as agências especializadas da Organização, o Secretário-Geral, todos são alvos do mesmo descaso, da mesma humilhação e dos mesmos insultos, sem ouvir-se uma palavra de solidariedade dos países comprometidos, pela Carta, a prestigiar a organização e cooperar com ela. 

Como foi possível chegarmos a esse ponto, a essa perda total de nossa sensibilidade, de nossa humanidade, de nossos escrúpulos? A banalidade do mal, disse Hannah Arendt, é a mediocridade do não pensar, e não exatamente o desejo demoníaco ou a premeditação do mal. É imperativo que a sociedade internacional volte à razão, volte a aprender com o passado, recupere a autocrítica, abandone a indolência e o não pensar que ameaçam levá-la de volta a um estágio primitivo, devolva a autoridade perdida das Nações Unidas.

Presenciamos, neste momento, bem mais que uma crise de identidade e de autoridade da organização responsável pela paz e pela segurança coletivas. É o eclipse do próprio direito internacional, cuja virtude nos fascinou a todos, há alguns anos, no caso dos mais jovens, há tantas décadas, no caso dos que se aproximam do fim. Sua sustentabilidade ética foi posta em risco. A Organização das Nações Unidas – mais uma vez na linguagem da diplomacia do Brasil – foi fundada para prevenir a violência, o confronto, o derramamento de sangue humano; não para administrar as ruínas das guerras que ela não consegue evitar

Não sei se as gerações próximas da minha conseguirão viver o novo tempo com que sonhamos todos. Mas os operadores mais jovens do direito internacional por certo chegarão lá. E ainda que só por esta, se não houvesse tantas outras razões, faz sentido que encarem o futuro com justificada esperança.


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Meu comentário ao ex-ministro Francisco Rezek: 


Caro chanceler, e digníssimo ministro do STF e ministro da CIJ,

Compartilho inteiramente de seu horror e indignação em face da situação na Faixa de Gaza e na Palestina em geral, constatada a impotência da ONU e de outras instâncias internacionais quanto à tragédia que se desenrola abertamente aos ohos do mundo.
Acredito que nossa indignação deveria inclusive recuar não só a 2022, em face da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia,  mas também a 2014, quando o próprio governo brasileiro ficou completamente indiferente em face da ocupação ilegal da península da Crimeia.
O fato é que nossos horrores, nossos próprios e das autoridades, têm sido seletivos aos problemas que nos tocam mais de perto.
A tragédia do povo palestino é certamente inédita como massacre deliberado de toda uma população, embora já tenhamos visto esse tipo de atrocidade em casos não semelhantes, mas talvez similares, na África e em outros lugares também. Agora na Europa também.
A humanidade, e dentro dela certos governos, entre os quais eu colocaria o de Netanyahu e o de Putin, desceram muito baixo na escala da desumanidade. Não sei se conseguiremos reverter esses horrores sem o uso da força em reação.
Mas fico grato por ler sua mensagem lancinante e de uma pertinência impar quanto ao problema crucial de nossa época: o Direito Internacional já não recolhe o mesmo respeito que antigamente, se é que alguma vez recolheu.
O abraço do

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Paulo R. de Almeida

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