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quarta-feira, 28 de abril de 2021

Carência de vacinas: entre o Brasil e a Índia, os EUA ficam com esta, diz Ricupero (Valor)

 EUA tendem a privilegiar Índia e não Brasil ao doar vacinas, diz Ricupero

Embaixador e conselheiro emérito do Cebri diz na Live do Valor que Brasil tem chances, mas "governo não ajuda", enquanto Índia é considerada estratégica pelos americanos

Por Gabriel Vasconcelos, Valor — Rio

27/04/2021 12h57  Atualizado há 59 minutos

O embaixador e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Rubens Ricupero, afirma que o Brasil tem chances, mas está muito mal posicionado para receber excedente de vacinas contra covid-19 a ser doado pelos Estados Unidos. "O governo não ajuda", resume o diplomata, que já atuou em Washington. Ricupero analisou o cenário na Live do Valor desta terça-feira.

Ricupero afirma que há muito pouco excedente de vacinas no mundo, a maior parte restrita aos Estados Unidos, além de volumes pouco significativos em países menores, como Israel e Emirados Árabes Unidos.

"O que há de excedente de vacinas no mundo é muito pouco. Mesmo nos Estados Unidos, o que há de concreto são 10 milhões de doses da AstraZeneca. O resto [outras 50 milhões de doses] são estimativas de produção futura, de maio e junho", diz. Na visão do embaixador, no entanto, a doação de imunizantes pelos EUA é movimento em "franca evolução".

"Os americanos resistiram muito à ideia de exportar vacina enquanto toda a sua população não fosse vacinada. Mas agora isso mudou, embora ainda não esteja muito claro como vai acontecer. No início deram a impressão de que privilegiariam o consórcio Covax Facility, da OMS. Agora devem usar isso como instrumento de influência diplomática direta", diz Ricupero. Para ele, os EUA devem aderir à noção de diplomacia da vacina, praticada desde o início da crise por nações como China e Índia.

A Índia, que permitiu exportação de vacinas prontas e insumos no início, teria se arrependido com o agravamento da crise e registros diários de 350 mil novos casos de covid-19. O país, na visão de Ricupero, será o principal beneficiário das doações norte-americanas.

"Os Estados Unidos devem privilegiar a Índia na doação de vacinas. Essa preferência tem componente de geoestratégia", diz o diplomata ao citar a aliança dos EUA com Índia, Japão e Austrália, com quem formam o Grupo Quad (quadrilátero) na região do indo-pacífico a fim de fazer frente à China. "Já o Brasil não tem tanta importância estratégica e isso pesa", afirma Ricupero.

Mesmo assim, ele acredita que o Brasil tem chances por razões estruturais, embora tenha dinamitado o "componente de simpatia". "O Brasil é um país do hemisfério ocidental, tem relações fortes e históricas com os EUA e se qualifica pela dimensão do desastre sanitário. Mas o governo não ajuda."

Ricupero menciona, ainda, que o Brasil pode comprar ou permutar vacinas com os EUA diferentemente de países mais pobres, como os africanos. A estratégia já teria sido vocalizada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mantém contato com autoridades americanas e já teria dado como opção o pagamento ou adiantamento de doses a serem repostas posteriormente com o avanço da produção brasileira para uso diplomático dos EUA.

A entrevista, conduzida pelas repórteres Marsílea Gombata, da editoria Internacional, Daniela Chiaretti, especial de meio ambiente, do Valor em São Paulo, pode ser assistida na íntegra pelo site e pelas páginas do Valor no YouTube e no LinkedIn.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/04/27/eua-devem-privilegiar-india-ao-doar-vacinas-brasil-esta-mal-posicionado-diz-ricupero.ghtml


segunda-feira, 26 de abril de 2021

Duas tragédias da pandemia: Brasil e Índia - Jamil Chade (UOL) e Paulo Roberto de Almeida

 Por mais triste que tenha sido a trajetória da Covid-19 no Brasil, sob o desgoverno inepto do capitão incompetente — que provocou muito mais mortes do que ocorreria “naturalmente” —, ela não é nada comparada ao que ainda vai ocorrer na triste e catastrófica experiência da Índia: haverá mortes às centenas de milhares, infelizmente, e isso vai perturbar o fornecimento de vacinas e insumos para o resto mundo, para o Brasil inclusive. Ou seja, uma tragédia magnificada!

Paulo Roberto de Almeida 


Tímida com Brasil, comunidade internacional se mobiliza para socorrer Índia

Jamil Chade
Colunista do UOL
26/04/2021 04h00

Tímida com Brasil, comunidade internacional se mobiliza para socorrer Índia
APRIL 26, 2021
A comunidade internacional se mobiliza para ajudar a Índia a superar seu pior momento da pandemia da covid-19, com a organização do envio de oxigênio, equipamentos, máscaras e até insumos para vacinas. A resposta global se contrasta com a reação tímida que ocorreu no momento em que o Brasil vivia, há poucas semanas, o que a OMS chegou a chamar de "inferno".

No domingo, a Índia voltou a registrar mais de 340 mil novos casos da doença, com 2,8 mil mortes. Hospitais lotados e escassez de produtos, porém, são sinais de que a crise pode se aprofundar ainda mais.

No final da semana passada, o chanceler indiano, S. Jaishankar, fez um apelo por ajuda internacional e promoveu um encontro virtual com governos da Alemanha, EUA e UE. Poucas horas depois, tanques de oxigênio estavam sendo enviados pelo governo de Cingapura. Na Arábia Saudita, sinais de que uma ajuda seria organizada também foram dados.

Um gesto similar ainda foi anunciado por parte dos Emirados Árabes Unidos, além da UE e Rússia. Mesmo entidades da sociedade civil no Paquistão também ofereceram ajuda. Mesmo o governo rival do Paquistão fez questão de "expressar solidariedade" com os indianos.

Nos EUA, a Casa Branca anunciou no final de semana que iria providenciar insumos para a produção de vacinas, assim como testes e respiradores. "Os EUA estão trabalhando 24 horas por dia para enviar os recursos disponíveis", disse uma porta-voz do governo americano.

Um gesto positivo também foi feito no fim de semana por Anthony Fauci, líder da resposta americana à pandemia, que indicou que Washington ajudará os indianos a aumentar sua produção local de vacinas.

Já o Reino Unido seguiu o exemplo de outros governos prometendo o envio de oxigênio. O primeiro-ministro, Boris Johnson, afirmou que seu país estaria "ao lado da índia como amigo e parceiro".

Parte da preocupação da comunidade internacional é de que, fora de controle, a pandemia na Índia possa gerar novas mutações do vírus, ameaçando uma vez mais o restante dos países.

Mas o mundo também contava com a Índia para ser a maior fornecedora de vacinas. Com a crise atingindo novos patamares no país, o governo local tem sido obrigado a proibir as exportações de doses para poder atender sua própria população. Em janeiro, antes da nova onda de infecções, o primeiro-ministro Narendra Modi usou um discurso no Fórum Econômico Mundial para garantir ao mundo que seu país abasteceria a todos com vacinas.

"O mundo precisa apoiar a Índia, da mesma forma que a Índia ajuda o mundo", declarou o chanceler do país nas redes sociais.

Bolsonaro e Itamaraty tiveram dificuldades para obter apoio
A mobilização, porém, se contrasta com a resposta global que o governo brasileiro recebeu de parceiros internacionais quando saiu pelo mundo para pedir socorro. Ainda no início do ano e no pior momento da pandemia em Manaus, o então chanceler Ernesto Araújo não conseguiu que seu maior aliado - Donald Trump - enviasse oxigênio para a cidade. A ajuda acabou vindo de Nicolas Maduro, que nunca foi agradecido pelo governo.

Recursos também chegaram de ongs estrangeiras, assim como do governo da Espanha. Madri anunciou na semana passada a doação de medicamentos do kit intubação, usado no tratamento de pacientes graves internados com covid-19.

Em abril de 2020, enquanto a OMS lançava um mecanismo global para distribuir vacinas aos países em desenvolvimento, Araújo evitou fazer parte e, no primeiro encontro da iniciativa, o governo brasileiro sequer estava presente. Semanas depois, sob pressão, o Itamaraty decidiu aderir ao projeto.

Para negociadores, porém, a falta de uma resposta internacional mais sólida ao Brasil é resultado de dois anos de uma política externa do governo Bolsonaro que ofendeu líderes estrangeiros, rompeu relações com tradicionais parceiros e transformou a diplomacia em um braço da ofensiva ideológica da extrema-direita.

Durante os primeiros meses da pandemia, o governo brasileiro ainda criticou a direção da OMS, não compareceu a reuniões com a China e atacou propostas da Índia

Nas últimas semanas, governadores e senadores fizeram apelos para que entidades internacionais e parceiros ampliassem a ajuda ao Brasil.

Com a OMS, a esperança é de que a entidade consiga enviar 4 milhões de doses de vacinas até o final de abril. O volume, porém, se refere a uma entrega que já estava prevista. Mas que, diante da escassez do produto, havia sido colocada em questão. Para maio, serão mais 4 milhões de doses, também dentro do cronograma.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/04/26/timida-com-brasil-comunidade-internacional-se-mobiliza-para-socorrer-india.htm

domingo, 7 de março de 2021

Índia: reflexões sobre a situação das mulheres - Paulo Antônio Pereira Pinto

 ÍNDIA – REFLEXÕES SOBRE A SITUAÇÃO DAS MULHERES

Paulo Antônio Pereira Pinto


“Uma Passagem para a Índia era livro considerado, na década de 1920, leitura obrigatória, para quem procurasse entender os exotismos indianos. Na obra, E.M. Foster descreve sua experiência, no início do século passado, com o desencontro entre dois mundos distintos: o dos ocupantes ingleses e o dos nativos da colônia.

Tratava-se, no século passado, de ressaltar “hábitos exóticos” de culturas antigas (pois a Índia é um espaço político, onde várias delas buscam conviver em paz), em comparação com as “normas civilizadas” britânicas.

Noticiário atual sobre aquele país, no entanto, costuma relatar tragédias que afetam, de forma bárbara, mulheres indianas. 

Efetuo, a seguir, reflexões sobre duas das inúmerascondicionantes que ora influenciam a situação das mulheres na Índia. Inicialmente, trato da necessidade de projetar no exterior imagem mais favorável do tratamentoque lhes deve ser concedido, em sociedade que visa aaparecer como em fase de modernizaçãoEm seguida,recorrendo à rica mitologia indiana, registro o papel reservado às mulheres em uma das mais conhecidas de suas lendas, o Ramayana.

A emergência econômico-política em curso da Índiatem sido analisada principalmente na perspectiva de suacrescente inserção internacional, bem como a partir da cobiça quanto ao acesso de centenas de milhões de seus potenciais consumidores à oferta de produtos e serviços estrangeiros. 

Esquecido fica entre outras condicionantes, no plano interno, que este processo de crescimento recente tornanecessário lidar com a visão de prosperidade, até então restrita apenas a reduzido grupo de dirigentes tradicionais. É necessário também levar em conta a crescente participação feminina na produção de riquezas. Como decorrência da maior exposição das mulheres em atividades antes restritas aos homens, fica evidente a carência de sua proteção na sociedade.  

Prosperidade”, naquele país, parece ter adquiridoforça de uma “cultura própria”. Isto é, a Índia tem que lidar com a evolução, da cultura da pobreza e da escassez -conforme ditam muitas de suas crenças religiosas - para a idolatria da abundância.  

Receia-se, a propósito, que o dinheiro se torne o valor supremo e o consumismo a moralidade final. Sinais de alarme surgem, quando o crescente individualismo aumenta, enquanto a Índia tem sido considerada uma sociedade baseada no coletivismo. 

Em compensaçãoo processo de crescimento acelerado indiano resulta em crescente urbanização, acelerado ritmo de vida, ruptura da estrutura familiar e, entre outros aspectos favoráveis, na mudança no papel das mulheres na economia.

Do ponto-de-vista econômico, cabe reconhecer que o país conta, ainda, com 260 milhões de pobres, vivendo com o equivalente a menos de US 1 por dia. Metade das crianças morrem antes dos cinco anos. A infra-estruturalamentável e o ensino deficiente, mesmo considerando os centros de excelência existentes, inclusive na área de medicina, com a fabricação de vacinas, não facilitam a inclusão da população rural no processo de crescimento tão alardeado nas áreas urbanas.

Em Mumbai, a maior cidade, centro financeiro e comercial, onde residem cerca de 17 milhões de pessoas, estima-se que a metade viva em favelas ou nas ruas.

É necessário, portanto, definir de que Índia se fala, quando são feitas projeções de uma potência emergente. Os filmes produzidos em Bollywood não podem ser considerados como representativos do país. São um espetáculo. A riqueza dos casamentos exibidos nas películas e a alegria de suas danças não refletem a realidade da população. O que está sendo projetado no exterior é uma caricatura.

Existem, no entanto, pontos da realidade indiana atual, que fogem do contexto dos enredos filmados. . O primeiro é sobre as características gerais do cinema indiano. O segundo diz respeito a tendência recente, nesta cidade, de reverter avanços sociais obtidos desde que o nome Bombaim foi substituído por Mumbai.

Assim, cabe lembrar que o filme indiano típico é uma mistura de coreografia sensual – o que agrada à plateia masculina – e um final sempre conservador – que condiz com a expectativa das esposas e mães. Isto é, Bollywood é capaz de, em suas películas, exibir parte de ou sugerir “formas femininas”, enquanto conclui desaprovando qualquer exposição do corpo da mulher.

As audiências, na Índia, esperam que as atrizes sejam, ao mesmo tempo, sensuais e conservadoras. Quando uma delas casa – na vida real - espera-se que deixe a carreira. Quase sempre acontece assim. Em poucos casos, como o de Jaya Bachchan, retornam após o casamento para desempenhar o papel de matronas, do tipo de sogras sisudas, mas bondosas. 

Os personagens principais do cinema indiano são mais manequins de desfile, do que atores com grandes talentos dramáticos. Espera-se, portanto, que sejam, acima de tudo, muito bonitos. Em segundo lugar, devem saber dançar. Quanto às atrizes, cabe saberem conduzir com sedução, mas dentro dos limites pudicos locais, as cenas em que aparecem – invariavelmente – com o sári molhado, sobre o corpo.

Se forem capazes de atuar de forma razoável, melhor ainda – mas não é uma prioridade. O principal é provocar o imaginário popular, com cenas de riqueza, casamentos opulentos, sugestões de erotismo, sem que nada tenha a ver com a realidade da vida no país.

Logo após a independência da Índia, sua indústria cinematográfica, então no início, produziu documentários que fortaleciam o sonho da consolidação da liberdade política, do desenvolvimento econômico e da modernização. Os filmes, com frequência, tinham como cenário áreas rurais e apresentavam heróis que combatiam contra os males herdados do sistema colonial e do feudalismo.

Mais recentemente, as produções de Bollywoodpassaram a ser gravadas no exterior, sendo a Suiça um destino preferido, pelo fato de suas montanhas geladas sugerirem cenários indianos, como a Kashimira – onde, devido a situação de conflito com o Paquistão, não é possível efetuar filmagens. Como consequência, o fluxo de turistas da Índia para aquele país aumentou sensivelmente. Cingapura, Nova Zelândia, Reino Unido, África do Sul e Austrália, entre outros disputam a preferência dos produtores locais, com vistas a atrair a vinda de equipes de filmagem e a consequente divulgação de suas belezas a atrações turísticas.

Na prática, Bollywood, hoje atende à demanda de uma crescente classe média urbana representativa da maior cidade indiana que, a partir de 1996, deixou de ser chamada de Bombaim e adotou – por razões nacionalistas – o nome Mumbai.

Bombaim era, justamente, o símbolo do sonho de progresso individual, da ruptura com o rígido sistema social tradicional indiano. Aqui, predominava enorme tolerância, quanto à presença de imigrantes de outras partes do país, bem como à diversidade cultural. Praticava-se uma saudável convivência, entre comportamentos modernos – como a emancipação feminina e a diluição das castas – e a preservação de tradições – como as celebrações anuais do festival do Ganesha (deus hindu), do Ramadam (muçulmano) e de festas religiosas diversas.

Nos últimos anos, contudo, Mumbai torna-se, cada vez mais, apenas a capital do Estado de Maharashtra – perdendo os ideais típicos de Bombaim. Isto se reflete, entre outros aspectos, em crescente intolerância contra o que alguns “líderes conservadores” definem como agressão à cultura indiana.

Menciono, a propósito, experiência vivida, durante meu período como Cônsul-Geral naquela cidade, quando se comemorou, de acordo com calendário ocidental, o Dia dos Namorados (“Valentine’s Day”)Mumbai passou, então, a ser palco de declarações contra o que poderia ser identificado como “terrorismo afetivo”, pelos referidos auto- proclamados “guardiões das tradições nacionais”.

De acordo, por exemplo, comum certo “líder conservador” Sri Ram Sene, caberia exigir que as mulheres indianas usem apenas sáris, não frequentem bares, não comemorem o Dia dos Namorados e não beijem em público. Houve ameaças de agressões físicas àquelas que contrariassem tais sentenças talibãs e de queima de lojas que vendessem cartões comemorativos da data.

Como reação, formou-se o consórcio das “PubgoingLoose and Forward Women” (Mulheres que frequentam bares e adotam comportamento liberal) que se dispuserama enviar calcinhas cor de rosa para o referido líder conservador, no “Valentine’s Day”.

Desenvolveu-se, então, curioso debate, tendo, por um lado o novo símbolo das calcinhas rosas, como protestos contra ações com forte coloração contrária à emancipação feminina. Por outro, o sári – parece que, de preferência, de outra cor – permanece sendo o símbolo da feminilidade indiana.

No dia 14 de fevereiro de 2009, a “polícia ideológica” (alguns integrantes envergavam seus uniformes de policiais) espancou casais, por simplesmente estarem juntos. Assim, houve caso em que um irmão e uma irmã foram agredidos, por engano. Rapazes e moças, por estarem próximos, foram obrigados a “casar” – ou trocaram votos matrimoniais. 

Em contrapartida, na mesma data, houve vendas recordes de cartões do Dia do Namorados. O rosa tornou-se extremamente popular, inclusive para preservativos. Jovens desafiaram os que querem ditar-lhes normas de conduta ditas “culturais” e celebraram, publicamente, seu afeto mútuo.

Enquanto isso, continua sendo politicamente correto homens andarem de mãos dadas ou intimamente abraçados - parece que como forma tradicional de demonstrar amizade masculina.

 

O Papel da Mulher Indiana na Política, de acordo com a Mitologia

 

Na Índia, a cada mês de novembro, comemora-se o Diwali, uma espécie de Natal hinduísta. Durante cinco dias, portanto, é marcado na Índia o “festival das luzes”.

Em Mumbai, o principal motivo de comemoração é a lenda sobre o retorno de Lord Rama ao Reino de Ayodhya, com sua esposa Sita e seu irmão Lakshmana, após a vitórasobre o “Rei Demônio Ravana”, de dez cabeças, há cerca de três mil anos.  

Ramayana, que narra a saga de Rama, é um dos textos mais antigos da Índia e, tendo sido escrito há mais de três mil anos, permanece imensamente popular. Tem fascinado inúmeras gerações (encarnações) indianas. Não resta dúvida, quanto ao mérito literário da obra, que justifica, em parte, sua sobrevivência. 

Da mesma forma que em outras epopéias, o foco é uma sequência de incidentes na vida do herói da narrativa: Rama. Existe, no texto, ademais, enorme riqueza de personalidades e eventos, bem como fantasias do tipo de carruagens que voam, macacos, aves e outros animais que falam, dramas como o sequestro da esposa de Rama, Sita, e o fato de o Rei ter que determinar o exílio de seu filho querido.

Acima de tudo, o Ramayana representa a celebração de emoções e ideais. Assim, ressalta-se o profundo amor filial de Rama, a devoção de sua esposa a ele, a aliança incondicional de seu irmão Lakshmana. Tais sentimentos fortes têm afetado os leitores, através dos sucessivos momentos de turbulência e incertezas que afetaram a longa história da Índia.

Em resumo, o enredo do poema desenvolve-se em período durante o qual, dois poderosos reinos, o dos Kosalas e o dos Videhas, predominavam no Norte da Índia, entre os séculos XII e X A.C. Segundo a narrativa, o Rei Dasaratha, dos Kosalas, tinha quatro filhos – com diferentes esposas – o mais velho dos quais, Rama, é o herói da história. De sua parte, o Rei Janak, dos Videhas, tinha uma filha, Sita, que se torna a heroína da trama.

Então, o Rei Janak, para escolher entre os pretendentes à mão de sua bela filha Sita, determinou que apenas aquele capaz de empunhar um arco cravado no chão seria o eleito. Como esperado, o heróico Rama realizou a proeza e, portanto, casou com Sita. Nada sendo perfeito, grande intriga foi urdida por uma das esposas do Rei Dasaratha – pai de Rama – obrigando o monarca a coroar, como seu sucessor, não o filho mais velho – Rama – mas um de seus irmãos mais moços – Bharata .

Ademais, a referida Sra. obteve a promessa real de que Rama seria enviado ao exílio, durante quatorze anos. Obediente à ordem paterna – como deve ser um bom hinduísta, destinado a servir de exemplo de subserviência filial por milênios do porvir – nosso herói partiu para a floresta, acompanhado por Sita e pelo irmão Lakshmana

No capítulo seguinte, o Rei Dasharatha – pai de Rama – falece, arrependido de ter tratado seu primogênito daquela forma, e o trono deve passar para o filho Bharata, que reconhece sua incompetência para administrar os assuntos de Estado e resolve apelar para que Rama assuma todos aqueles problemas. Este – no espírito de preservar a obediência ao desejo paterno, já assinalado acima, sem saber do arrependimento final do pai – recusa, afirmando que iria cumprir a tal punição de quatorze anos. Bharata, então, decide levar consigo as sandálias de Rama, como símbolo de respeito ao irmão mais velho. 

Começa, então, uma alegoria digna a fazer inveja aos desfiles de Escolas de Samba no Rio de Janeiro. Entra em cena uma tribo de demônios, que se relacionam com um Rei de dez cabeças, Ravana, desfilam uma ave e um veado que falam. Sita é sequestrada. Torna-se, então, como mencionado no início desta coluna, símbolo da fidelidade e devoção que uma esposa indiana deve ter, como exemplo para as gerações (encarnações) futuras.

Felizmente, entra em cena um reino de macacos falantes, que ajudam Rama a resgatar Sita. Nesse processo teria sido criada a controvertida ponte de rochas que liga a Índia ao atual Sri Lanka, objeto atual de discórdia política. A apoteose ocorre com combate final, entre Rama e Ravana, que, cada vez que tinha uma cabeça cortada, lhe nascia uma outra, até que nosso herói descobre um ponto vital, no pescoço do monstro e lhe atinge com uma flecha. Assim encerrada a tragédia, Rama e Sita retornam ao Reino de Ayodhya.

Então, em função, principalmente, deste retorno triunfal, é celebrado em Mumbai, e outras cidades indianas, o “Festival das Luzes” ou  Diwali. Neste contexto, são louvadas virtudes de devoção familiar (dharma)  submissão ao destino (kharma). 

Para os críticos da devoção a Rama, fica o argumento de que todo o sistema de castas indianas seria justificado pela narrativa. Isto porque, a legitimação do poder monárquico, enquanto prevaleceu como forma de governança na Índia, teria sido a principal função do Ramayana. Assim, quando Rama retorna à capital de seu reino, prontamente retoma a forma absolutista de governar.

Segundo, a propósito, a concepção histórica do Estado indiano – em análise reconhecidamente simplificada - o reinado não tem origem divina, de “mandato celestial”, como na China antiga. Pelo contrário, o Estado era uma demonstração e reflexo de poder pessoal do próprio rei – isto é, uma personalidade forte capaz de unificar regiões díspares, de forma tirânica, sempre sob a ameaça de desintegração. Tudo o que era exigido era uma determinação de talento superior, capaz de manter o indivíduo no poder.

Em contrapartida, o Imperador chinês, por exemplo, foi, durante séculos, reverenciado como o “Filho do Céu”(tíen-tse) e era suposto personificar os princípios da realeza, através de rituais religiosos. Tratava-se do mediador entre o céu e a terra. Caso houvesse derrota, fome ou catástrofes, e ele mesmo fosse derrubado, isto seria atribuído à perda do Mandato Celestial, decorrente de alguma deficiência pessoal. O usurpador do poder, então, a seu turno, passaria a reivindicar tal mandato, a ser herdado por sua nova dinastia.

Os Reis Hindus não contavam com tal mandato. Apenas uma deusa, de menor estatura, Sri Lakshmi, era tida como protetora do sucesso e continuação do poder. Ela escolheria seu protegido e, temporariamente, reencarnaria em sua pessoa. Fosse este derrotado, ela, chorosa, passaria a proteger o novo vencedor. Sri Laksminada tinha a ver com a virtude. Apenas com a política e a evolução cíclica dos tempos. A filosofia dos reis e poderosos, na Índia, portanto, era fatalista, cética e realista.

No Dia da Mulher, cabe concluir clamando que, na Índia, a Lei Maria da Penha peça passagem.


quarta-feira, 25 de novembro de 2020

India e Brasil: unidos no protecionismo e no mercantilismo: fora do RCEP economia da India vai diminuir no mundo

 A Índia e o Brasil sempre foram parceiras na rejeição de todas as propostas de abertura comercial feitas ao longo dos anos no Gatt e na OMC, e sempre lideraram os outros países em desenvolvimento para se oporem a quaisquer medidas de liberalização comercial ou de investimentos, sendo ainda ferozmente opostos à inclusão de serviços, de investimentos e de propriedade intelectual no sistema multilateral de comércio. Tanta obsessão no "anti-comercialismo" – como diria nosso patético chanceler – tem um preço: a despeito de serem ambas grandes economias – pelo tamanho do país e da população – são anões comerciais, com uma participação medíocre nos grandes fluxos. Isso apesar de que é o setor externo que garante boa parte do crescimento nas duas economias.

Paulo Roberto de Almeida


India’s rejection of RCEP and free trade will make it poorer and less relevant

The Regional Comprehensive Economic Partnership was an opportunity to recapture India’s success through economic liberalization. India now finds itself isolated and has compromised its influence in a region where economic integration has become a top priority for most countries

Mohamed Zeeshan

South China Morning Post, Hong Kong – 24.11.2020

 

A day after the  Regional Comprehensive Economic Partnershipm(RCEP) agreement was concluded in India’s absence, Indian Minister of External Affairs Subrahmanyam Jaishankar launched a scathing attack on trade and globalisation.

“In the name of openness, we have allowed subsidised products and unfair production advantages from abroad to prevail,” he said, asserting that the Indian government had decided to move away from trading arrangements in pursuit of an Atmanirbhar Bharat, or self-reliant India.

“The effect of past trade agreements has been to deindustrialise some sectors,” he said. “The consequences of future ones would lock us into global commitments, many of them not to our advantage.”

Some people might see Jaishankar’s comments as a jibe at China. Indians often complain that the Chinese unfairly subsidise domestic production and then dump their products in the Indian market. Indians also argue that, while China is able to dump its manufactured goods in India, Indian exports in the pharmaceutical and information technology sectors are subject to crippling restrictions by China.

India’s allergy to trade – and the foreign minister’s comments – goes far beyond China, though. For several years, India has struggled to agree on trade liberalisation with myriad partners, from Australia to the European Union and even Sri LankaBetween 2016 and 2020, India introduced the second-highest number of trade restrictions among all Group of 20 economies, according to the Global Trade Alert database.

Despite its obvious geopolitical value, India was kept out of the Obama administration’s Trans-Pacific Partnership (TPP) trade deal. This was in large part because none of the participating countries believed India would agree to its terms.

As a result, despite being the world’s fifth-largest economy, India is not even among the world’s top 10 trading powersThis is all the more bizarre when one realises that trade was a large part of India’s post-liberalisation growth burst in the 1990s.

In 1988, India’s trade accounted for about 13.5 per cent of its GDP and, 10 years later, it was as much as 24 per cent. Service trade more than doubled as a percentage of GDP and, not surprisingly, India’s real GDP increased by nearly 70 per cent in those 10 years.

This was in stark contrast to the dawdling economic progress made under its protectionist import substitution policies through the 1960s and 1970s. In the 1960s, India’s real GDP only increased by about 40 per cent in 10 years. In the following decade, it rose by a little over a quarter.

India needs to pick up the mantle from its days of economic liberalisation once again. Notwithstanding concerns over Chinese imports, the RCEP was a great opportunity to do just that. Despite its size and complexity, the RCEP is, in many ways, a relatively unambitious trade deal.

By one estimate quoted in The Economist, the deal eliminates about 90 per cent of tariffs but only across a period of 20 years after coming into effect. It hardly touches agriculture – one of India’s key political concerns, which drives protectionism. As The Economist pointed out, Japan will maintain high import duties on some “politically sensitive” agricultural products such as rice, wheat, dairy and sugar.

The fact India was not sufficiently confident about its domestic economy to sign up to even such an unambitious deal is worrying and will send the wrong signals to foreign investors.

Worse, Jaishankar’s caustic tirade is likely to undermine India’s already floundering trade negotiations with the rest of the world. Indian diplomats are, for instance, working hard to convince the European Union of New Delhi’s commitment to more openness.

India’s antitrade posture will also have geopolitical costs. Membership in the RCEP would have given India the opportunity to be a balancing power against Chinese hegemony in Asia. Its participation would have been particularly crucial at a time when the United States has been withdrawing from the region, and countries, especially in Southeast Asia, were looking for diverse partnerships.

For these reasons, nations such as Japan were strong advocates for India’s inclusion in the RCEP, even after New Delhi walked out of discussions last year. Now, however, India finds itself isolated and has significantly compromised its influence in a region where economic integration has become a top priority for most.

The RCEP comes amid heightened tensions between China and its neighbours. Yet, the fact that Japan, South Korea and Southeast Asian nations have all been willing to put political troubles aside for the sake of economic ties shows Asia is strongly committed to globalisation.

Meanwhile, even relative to the US, India might now find its antitrade posture out of resonance. As part of his renewed outreach in the Asia-Pacific, US President-elect Joe Biden is likely to consider rejoining the TPP – a deal he championed as vice-president in the Obama administration.

Trade and globalisation are key interests among Asia-Pacific nations. If New Delhi aspires for regional leadership and influence, it has to recognise this and present itself as a willing partner in region-wide economic integration. If it isolates itself through protectionist rhetoric under the guise of self-reliance, it is likely to pay a heavy economic price and will render itself less relevant in Asian geopolitics.

 

Mohamed Zeeshan is editor-in-chief of Freedom Gazette. He has previously worked at the United Nations and his first book, “Flying Blind: India’s Quest for Global Leadership”, will be out soon.