Abaixo um resumo parcial e incompleto, feito pelo economista Ricardo Bergamini, complementado por gráficos que recolhi da fonte, do recente estudo do Banco Mundial sobre os gastos públicos no Brasil, mostrando coisas que já sabíamos, mas que ainda não tinham sido consolidadas num relatório completo, apontando todas as irracionalidades e equívocos das políticas públicas, que aliás contribuem para a regressividade e, portanto, para a concentração de renda no Brasil.
Para os gráficos e tabelas consultar o estudo completo, no site do Banco Mundial, abaixo indicado.
O jornal O Estado de São Paulo ofereceu um editorial a respeito que merece ser lido:
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,gastar-menos-e-fazer-mais,70002094035
Existem inúmeras outras considerações – como as distorções previdenciárias, por exemplo – que não estão cobertas neste relatório, mas que merecem ser lidas, pois são as principais fontes de desequilíbrios fiscais no Brasil.
Outras deformações, como os gastos excessivos com a dívida pública – que aumenta sem cessar – tampouco estão cobertas neste estudo, mas fazem parte de nosso descalabro fiscal.
Paulo Roberto de Almeida
Relatório do Banco Mundial Sobre Gastos Públicos
no Brasil
Resumo parcial feito pelo economista Ricardo Bergamini; gráficos selecionados por Paulo Roberto de Almeida
Capítulo I
Introdução
1. O Governo Brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal. Os déficits fiscais brasileiros são altos e a dívida pública do
país encontra-se em uma trajetória insustentável. As despesas públicas
correntes vêm crescendo regularmente ao longo das duas últimas décadas, e dados demonstram que a maior parte de tais despesas é ineficiente e regressiva. Esta Revisão das Despesas Públicas (PER, na sigla em inglês) analisa as raízes dos desafios fiscais brasileiros e
oferece recomendações
para solucioná-los.
2. Este estudo mantém seu foco principal no orçamento federal, mas também trata de
aspectos específicos das finanças subnacionais. O arcabouço intergovernamental do Brasil consiste em três níveis
administrativos: Governo Federal, Estados e Municípios. A Constituição determina a alocação de poderes tributários,
responsabilidades por despesas e mecanismos
de repasse entre os níveis de governo. Apolítica fiscal federal afeta as finanças dos governos subnacionais, que, por sua vez, constituem um risco
fiscal significativo para o Governo Federal. Enquanto esse relatório olha para aspectos específicos das finanças públicas dos entes subnacionais, particularmente com relação às aposentadorias e aos gastos com saúde e educação, o
enfoque principal é o nível federal. O orçamento federal é responsável por cerca de 60% do gasto
total do governo no Brasil. Além disso, ele determina
uma proporção significante dos gastos obrigatórios
dos entes subnacionais
via legislação federal.
3. O Brasil enfrenta uma crise de sustentabilidade fiscal causada por uma tendência estrutural de
aumentar as despesas correntes. Embora o aumento das despesas correntes tenha
se mantido constante ao longo das duas últimas décadas, sua insustentabilidade foi ocultada pelo
aumento contínuo das receitas durante o período de boom econômico entre 2004 e 2010. Contudo,
fora desse período, o aumento das despesas não foi acompanhado por um crescimento suficiente das receitas. Nos últimos anos, o déficit
fiscal cresceu drasticamente como resultado da queda
significativa das receitas causada pela recessão
econômica. Essa dinâmica resultou em déficits
fiscais anuais de mais de 8% do PIB em
2015-2106, bem como no crescimento da dívida pública, que
passou de 51,5% do PIB em 2012 para mais de 73% do PIB em 2017. O ajuste
fiscal necessário para estabilizar a dívida pública no médio prazo é grande – cerca de 5% do PIB no
resultado primário.
4. A PER é baseada no Novo Regime Fiscal aprovado por meio da Emenda Constitucional n° 95 de
dezembro de 2016, que introduziu um teto para o crescimento das despesas primárias federais ao longo dos próximos 20 anos. A adoção desse teto de gastos representa a estratégia do governo para atingir o ajuste fiscal necessário. Este relatório mantém seu foco em recomendações que permitiriam ao governo cumprir a meta do teto de gastos. É importante notar, no entanto, que passos complementares adicionais
podem e devem ser considerados como parte de uma estratégia de ajuste fiscal equilibrada, tanto em termos de
receitas quanto em relação ao controle dos gastos "abaixo da linha". Todavia, tais medidas adicionais não são
discutidas em profundidade neste relatório.
5. O cumprimento do novo teto de gastos será um desafio, o que evidencia a importância
de elaborar (e implementar) um programa de reformas fiscais. Para compreender a extensão do ajuste necessário ao longo
da próxima década para cumprir a meta do teto, vale ressaltar que uma redução equivalente a 5% do PIB nos gastos federais reduziria de um quarto as despesas primárias federais em proporção ao PIB,
restituindo-as aos níveis do princípio da década de 2000. Isso será muito desafiador no contexto da ampla rigidez orçamentária e das crescentes pressões de gastos relacionadas ao rápido envelhecimento da
população. Além disso, o teto não garante a qualidade do
ajuste fiscal. A extensão do ajuste fiscal
necessário
ressalta a necessidade de avaliar cuidadosamente quais despesas podem ser reduzidas sem
prejudicar os mais pobres e o
crescimento econômico futuro. A análise deste relatório
visa a subsidiar esse
debate.
6. Ajustes fiscais anteriores foram, em geral, prejudiciais aos mais pobres – é fundamental que os esforços futuros mitiguem esse risco. Logo, esta PER analisa detalhadamente quais
despesas fornecem serviços públicos
essenciais e proteção aos mais
pobres
e vulneráveis, e quais despesas beneficiam
principalmente os mais ricos. Cobrindo a maioria das áreas-chave de despesas públicas, este relatório demonstra como as reformas em diversas áreas podem gerar economias e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade dos serviços públicos e a equidade. As recomendações não representam soluções milagrosas; elas são pontos de partida para
a elaboração de reformas amplas que permitirão ao Brasil conduzir o ajuste fiscal necessário
minimizando os impactos negativos para os mais pobres.
7. Este relatório consiste em nove capítulos. O primeiro capítulo ilustra a extensão do amplo desafio fiscal que o Brasil enfrenta. O capítulo
examina as tendências de receitas e despesas, oferece projeções
da dívida pública e apresenta uma avaliação dos passivos
contingentes. Ele analisa importantes questões fiscais transversais, como rigidezes de despesas,
desafios de receitas e áreas onde melhorar as normas
fiscais. Ele não debate maneiras de fortalecer o processo orçamentário e o Marco
Fiscal de Médio Prazo (MFMP),
pois essa é uma área na qual o
FMI já fornece assessoria técnica (FMI,
2017).
8. Os oito capítulos seguintes concentram-se no escopo dos ganhos de eficiência e
equidade, e nas potenciais economias fiscais em áreas específicas.
Ajuste fiscal,
crescimento
e equidade no Brasil.
Tradicionalmente, ajuste fiscal no Brasil está associado à uma redução de bem-estar para pessoas comuns. No entanto, como esse relatório analisa em detalhes, a necessidade urgente de se abordar os desequilíbrios fiscais do Brasil oferece uma oportunidade de se corrigir vieses estruturais de longos
prazo que têm prejudicado o crescimento econômico, gerado “rent seeking” e corrupção, e cimentado desigualdades econômicas. Pode-se destacar quatro áreas em particular que vinculam diretamente ajuste fiscal com crescimento
econômico mais
sustentável e
mais
socialmente
inclusivo:
A necessidade de consolidação fiscal oferece uma oportunidade única para realizar importantes reformas estruturais, fiscais e setoriais. Tais reformas podem garantir o crescimento econômico futuro do Brasil, melhorar o acesso e a qualidade da prestação de serviços e impulsionar a redução da pobreza.
Quatro aspectos
das reformas determinarão o futuro
do Brasil:
• Recuperação da sustentabilidade fiscal e reconstrução de proteções fiscais. Isso inclui o tratamento
das
causas fundamentais das pressões fiscais, permitindo a redução das taxas de juros reais; a estabilização da dívida pública e sua colocação em uma trajetória decrescente; a reconstrução
de proteções fiscais; e
a mitigação dos riscos
de passivos contingentes. A reforma
do sistema de previdência pública é fundamental para conter as pressões de gastos e restaurar a sustentabilidade
fiscal de longo prazo. A racionalização da folha de pagamento do setor público
também é importante
devido ao seu
tamanho
no âmbito do orçamento federal.
• Prestação mais eficiente de serviços públicos. O Brasil poderia melhorar o volume e a qualidade dos serviços públicos por meio do uso mais eficiente dos recursos atuais. A eliminação de ineficiências criaria um espaço adicional para lidar com pressões de despesas futuras e gerar recursos que possam ser realocados para programas que demonstrem impactos positivos. Em particular, em áreas prioritárias como saúde e educação, as ineficiências das despesas significam
que resultados iguais ou
melhores poderiam ser obtidos com menos
recursos.
• Reformulação das políticas de apoio às empresas para fomentar investimento, emprego e aumento da produtividade. As projeções atuais indicam que o crescimento permanecerá tímido no médio prazo, oque exige que o Brasil impulsione o aumento da produtividade e, ao mesmo tempo, gere ganhos de
eficiência em sua estrutura fiscal. O Brasil gasta somas significativas para apoiar o setor privado, com pouco
impacto sobre a produtividade e a geração de empregos. Se direcionar os gastos atuais com
subsídios ineficientes ao financiamento de melhorias na infraestrutura ou a intervenções que visem ao fomento da inovação e à adoção de tecnologias, o Brasil poderia construir os alicerces para a
recuperação de taxas de crescimento mais altas e
sustentáveis e para a criação de empregos de qualidade.
• Aumento da equidade nas despesas públicas e na tributação.
A incidência de despesas primárias
federais é muito heterogênea. Atualmente, o Brasil gasta somas significativas com programas
públicos que são ineficazes em relação ao cumprimento de seus objetivos e beneficiam
principalmente os mais ricos. Embora alguns programas desempenhem um papel importante na
redução da pobreza, outros
são regressivos. Portanto, um ajuste fiscal bem elaborado não precisaria reduzir o apoio aos mais pobres e vulneráveis; ele poderia até aumentar a equidade por meio da
redução de gastos regressivos
e do aumento da progressividade da tributação.
9. Juntas, essas oito áreas representam mais de 80% das despesas primárias do Governo Federal e a maior
parte do crescimento das despesas primárias nos últimos 15 anos, além de cobrir uma parcela significativa
da prestação de serviços públicos. O relatório utiliza uma
variedade de abordagens metodológicas com o objetivo de identificar economias potenciais e ganhos de eficiência técnicas e alocativas. Por exemplo, parte da análise dos programas de assistência social e mercado de trabalho é baseada em uma análise de incidência e cobre vários
programas que permitem inferir o escopo para ganhos de eficiência e equidade.
A análise dos gastos públicos com educação e saúde é baseada em curvas de produtividade que permitem
inferir o
escopo para ganhos de eficiência. O capítulo sobre políticas de apoio
às empresas é baseado em vários estudos
que avaliam os
custos e a eficácia de programas específicos.
Capítulo II
Desafios para a Sustentabilidade
Fiscal no Brasil
O Brasil
precisa realizar reformas profundas e abrangentes em suas políticas de tributos
e despesas para que consiga cumprir a nova regra de gastos. O ajuste de 6% exigido
ao longo de uma década corresponde a 25% do orçamento federal. Isso é, por si só,
um grande desafio, que é exacerbado pelo fato de mais de 90% do orçamento ser rígido.
A remoção de alguns programas e a introdução de reformas marginais não serão suficientes.
Além disso, atualmente a política fiscal tem pouco impacto na redução da desigualdade
e da pobreza em relação ao volume dos gastos públicos. É necessário desenvolver
um plano abrangente para maximizar a qualidade (em termos de eficiência e equidade)
do ajuste fiscal e remover rigidezes orçamentárias.
Sustentabilidade e tendências
fiscais
10. O equilíbrio fiscal
brasileiro tem se deteriorado drasticamente nos últimos anos, o que evidencia a
insustentabilidade das tendências fiscais. Em relação a outros países latino- americanos,
o Brasil possui uma alta carga tributária e grandes gastos sociais. O rápido crescimento
das receitas durante os anos 2000 camuflou um aumento igualmente rápido das despesas,
impulsionado por fatores estruturais. Quando as receitas pararam de crescer e começaram
a cair (embora as despesas continuassem em alta), o saldo primário declinou de um
superávit médio de 2,9% do PIB entre 2004 e 2013 para um déficit de mais de 2% do
PIB em 2015 e 2016. O déficit nominal superou 8% do PIB em 2015 e 2016. Como resultado,
a dívida pública bruta do governo geral cresceu de 51,5% do PIB em 2013 para mais
de 73% do PIB em 2017. Embora a receita decrescente e as altas taxas de juros entre
2014 e 2016 tenham influenciado esse resultado, o rápido crescimento das despesas
primárias foi o motivador estrutural da deterioração fiscal. Sem reformas, a expansão
dos gastos primários resultará em déficit estrutural ainda maior no futuro. Para
reverter essa tendência, é necessário um ajuste fiscal de cerca de 5% do PIB para
atingir um saldo primário de cerca de 2% do PIB, capaz de estabilizar a dívida.
11. O principal fator de
pressão fiscal é o crescimento das despesas primárias obrigatórias, embora os custos
dos juros da dívida também tenham contribuído. As despesas primárias cresceram,
em média, 6,5% ao ano em termos reais entre 2006 e 2014, antes de cair levemente
em 2015. Mais de metade do aumento das despesas primárias deveu-se ao crescimento
dos programas sociais (53%), principalmente com gasto em previdência (no âmbito
dos três principais programas previdenciários públicos – RGPS, RPPS e BPC). Os repasses
a outros níveis de governo também contribuíram (35%). O Governo Federal mais que
dobrou suas despesas com educação em termos reais entre 2006 e 2014, embora tais
gastos permaneçam moderados (1,3% do PIB), pois a maior parte das despesas com educação
ocorre nas esferas estadual e municipal.
12. Embora os custos dos
juros e outras operações “abaixo da linha” sejam muito altos no Brasil, seria errado
concentrar a estratégia de ajuste fiscal nesses custos. Além dos déficits primários,
a grande conta de juros da dívida brasileira contribuiu para o aumento do déficit
fiscal nominal. O custo dos juros cresceu moderadamente entre 2006 e 2014 (de 6,4%
para 7,4% do PIB). No entanto, quando as taxas de juros superaram 14%, o gasto com
juros saltou para 8,7% do PIB em 2015, impulsionando a deterioração do déficit fiscal
nominal naquele ano. De fato, os pagamentos de juros desempenharam um papel importante
no desequilíbrio fiscal brasileiro, representando 62% do aumento do déficit nominal
entre 2011-2014 e 2015-2016. Todavia, atribuir demasiada importância às contas "abaixo
da linha" é um equívoco do ponto de vista de política econômica. Na verdade,
é importante distinguir o cálculo da contribuição de cada componente para o resultado
fiscal (que é simplesmente um exercício contábil) da avaliação das fontes de desequilíbrio
fiscal. De um ponto de vista de política fiscal, a despesa em serviço da dívida
é geralmente considerada endógena, pois ela é determinada pelo estoque da dívida
(acumulação de déficits passados) e a taxa de juros que, por sua vez, é determinada
nos mercados financeiros, influenciada entre outros fatores pela orientação da política
monetária e da absorção de poupança agregada, através de déficits fiscais e o prêmio
de risco da dívida pública. Seria incorreto, portanto, buscar solucionar o desequilíbrio
fiscal a partir dos custos "abaixo da linha". Em vez disso, a política
do governo deveria manter seu foco na redução do déficit primário (que, por sua
vez, permitiria a redução das taxas de juros, dos pagamentos de juros e do déficit
nominal).
Capítulo III
13. A pressão fiscal tem sua origem na indexação de grande parte das despesas
primárias federais ao PIB, às receitas ou ao salário mínimo, bem como na vinculação
generalizada das receitas e nos níveis mínimos de gastos obrigatórios. Em particular,
a indexação do piso previdenciário e dos principais programas sociais ao salário
mínimo – que, por sua vez, é indexado ao crescimento (positivo) e à inflação – resulta
em um aumento constante dos gastos com seguridade social. Estima-se que um aumento
de 1% no salário mínimo resulte em um aumento de 0,11% nos gastos primários do governo
geral (e 0,17% nos gastos primários do governo central). Considerando que o aumento
real anual médio do salário mínimo entre 2000 e 2016 foi de 4,8%, isso elevou os
gastos primários do governo geral em cerca de 0,5% ao ano (0,8% para o governo central).
Ademais, há uma vinculação generalizada das receitas a despesas específicas, além
de níveis mínimos obrigatórios de gastos com saúde e educação (na verdade, esse
fator não é, atualmente, vinculante, especialmente no caso da educação). Além de
serem a raiz das tendências fiscais insustentáveis, todas essas regras e restrições
reduzem a flexibilidade do orçamento e resultam em aumentos ineficientes dos gastos.
14. As receitas também contribuíram para a deterioração das contas fiscais
desde 2012, inicialmente devido às reduções discricionárias de impostos e, posteriormente,
à recessão econômica. Nos cinco anos até 2011, as receitas cresceram a uma taxa
real média de 6% (9,3% se for excluído 2009, o ano da crise). De 2012 a 2014, as receitas diminuíram levemente (taxa real média de -0,2%), apesar de a economia
ainda estar crescendo um
pouco, devido a tentativas de estimular o crescimento por meio de benefícios tributários direcionados. Em 2016,após dois anos
de profunda recessão, as receitas tributárias contraíram-se em outros 7,3% em relação a 2014, e as
contribuições previdenciárias (RGPS) caíram 7,1%, mesmo após o governo ter revogado alguns
dos benefícios tributários concedidos nos anos anteriores.
15. A deterioração fiscal obrigou o Governo Federal a utilizar fontes extraordinárias de financiamento para cumprir a “Regra de Ouro”. A chamada “Regra de Ouro”, que limita o
uso de novos empréstimos para o financiamento de investimentos em vez de gastos correntes, é
uma das regras fiscais mais comumente adotadas por diferentes países ao redor do mundo e faz parte da estrutura fiscal do Brasil desde 1988, pelo artigo 167 da Constituição Federal.
Especificamente, a “Regra de Ouro” do Brasil afirma que o total das receitas de operações de crédito não pode exceder o total de gastos de capital, que são definidos como o somatório das amortizações de dívidas e investimentos reais e financeiros. Qualquer empréstimo
acima disso exige uma aprovação especial do congresso. Desde 2015, déficits fiscais (empréstimos
líquidos) têm sido superiores ao gasto com investimento federal, sugerindo o não cumprimento da “Regra de Ouro”. Apesar disso, o Governo federal cumpriu a “Regra de Ouro” utilizando operações de financiamento
pontuais e receitas atípicas. Assim
sendo, sem um ajuste significativo
nos balanços fiscais, o cumprimento da “Regra de Ouro” será mais um desafio para a política fiscal
do Brasil
nos próximos anos.
16. As projeções fiscais indicam que, na ausência de reformas, a trajetória fiscal do Brasil
será insustentável. Utilizando um modelo fiscal detalhado da trajetória das despesas individuais e das linhas de receita baseado em um conjunto de premissas macroeconômicas razoáveis, este estudo simulou a sustentabilidade das tendências fiscais. O modelo demonstra que, na
ausência de reformas, o déficit primário aumentaria continuamente, chegando a 5% até 2030. O déficit nominal chegaria a 18% do PIB até 2030, e a dívida chegaria a 150% do PIB
no mesmo período.
Tais níveis de desequilíbrio fiscal não seriam aceitáveis para
investidores privados e, muito antes disso,
geraria uma fuga de capitais, o que levaria
a uma crise macroeconômica.
17. O panorama fiscal também é vulnerável a passivos contingentes significativos,
principalmente relacionados
a dificuldades fiscais subnacionais. Vários governos estaduais no
Brasil enfrentam graves dificuldades financeiras.
Três estados (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul
e Minas Gerais)
declararam estado
de calamidade financeira em 2016, e o Rio de Janeiro
suspendeu o pagamento de suas dívidas. Além disso,
em 2017 o Piauí declarou falência financeira do estado, anulando pagamentos devidos a seus fornecedores. A dívida desses três estados totaliza
R$ 270 bilhões (4,2% do PIB). A dívida de todos os estados juntos equivale a aproximadamente
12% do PIB. Uma vez que a maior parte desse valor é devida diretamente ao governo
federal, e o restante é devido a credores externos com garantia da união, o governo
federal é diretamente afetado pela inadimplência subnacional. Em 2016, o governo
federal reescalonou a dívida dos estados ao estender o prazo e acordar uma moratória
sobre o pagamento das dívidas de R$ 50 bilhões até 2018. Em seguida, em 2017 o Congresso
aprovou uma lei que permitia ao governo federal apoiar os estados em dificuldades
financeiras, adiando os pagamentos das dívidas à União por três anos e permitindo
que esses estados tomassem empréstimos com aval federal. Essas medidas dependiam
da adoção de reformas para restaurar a sustentabilidade fiscal, inclusive o aumento
das contribuições de seguridade social, a redução das isenções tributárias e a privatização
de empresas estatais selecionadas. O panorama fiscal dos governos subnacionais permanece
muito delicado, contudo, porque a maioria dos estados encontra-se onerada por uma
grande massa salarial e pelos déficits previdenciários, que são relativamente rígidos
por serem parcialmente definidos por leis federais. Ademais, as projeções atuariais
indicam que os déficits previdenciários subnacionais aumentarão drasticamente ao
longo da próxima década.
18. As empresas estatais também são fontes de riscos fiscais significativos. A petrolífera estatal Petrobras
encontra-se altamente endividada. Sua dívida
de US$ 118 bilhões, 80% dos quais
em divisa estrangeira, representa um passivo contingente do governo federal.
No entanto, o fluxo de caixa e a posição de liquidez
da Petrobras melhoraram desde 2015 devido ao aumento da produção de petróleo, aos preços mais altos
praticados internamente, a um programa de desinvestimento de US$ 35 bilhões e a uma emissão bem-sucedida de bonds. Três grandes bancos
públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES)possuem passivos equivalentes a cerca de 60% do PIB. Tais bancos podem vir a enfrentar problemas de
solvência caso haja uma recessão econômica prolongada (Banco Central do Brasil, Relatório de Estabilidade Financeira, abril de 2016). No caso do BNDES, a maior parte do valor é devido ao governo federal. Em 2014, a Caixa Econômica Federal recebeu um apoio de R$ 7 bilhões (ou 0,1% do PIB) por meio de um "banco ruim" de propriedade do governo (Empresa Gestora de Ativos,
EMGEA). No segundo
semestre de 2016, a Caixa deu início a um programa de demissão voluntária com o objetivo de
reduzir seus custos.
Capítulo IV
Incidência da política fiscal
19. Apesar do alto volume de gastos públicos, a política fiscal brasileira tem tido pouco
sucesso na redução
da desigualdade e da pobreza. Higgins
e Pereira (2013) estimaram
o efeito redistributivo da política fiscal sobrea distribuição de renda e a pobreza no Brasil.
Eles utilizaram
dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de
Municípios (PNAD) sobre muitas fontes de renda (de trabalho ou não); pagamento de tributos diretos; contribuições ao sistema previdenciário;
recebimento de transferências; uso de serviços públicos de educação e saúde; e consumo. Eles demonstraram que, por meio de impostos e transferências diretas, o Brasil reduziu a
desigualdade em 6%,
o que é considerável
para padrões
latino-americanos
(mas
não para padrões da Europa Ocidental). Ao considerar todos os tributos
e transferências (tributos diretos e indiretos, e transferências diretas e indiretas, isto é, incluindo
o acesso a serviços públicos), o Brasil
reduziu a desigualdade em 19%. Considerando o alto nível dos gastos, contudo, Higgins e
Pereira (2013) consideram que essa redução indica que a política fiscal não é muito eficaz na
redução da desigualdade no
Brasil.
20. Embora intervenções fiscais sejam bem-sucedidas para a redução da miséria, elas levam, de fato, a um
aumento da pobreza moderada. Para medir o impacto da política fiscal sobre a pobreza, Higgins e Pereira(2013) utilizaram as linhas de pobreza propostas pelo Banco
Mundial de US$ 1,25 PPC ao dia (miséria), US$2,50
PPC ao dia (pobreza extrema) e US$ 4,00
PPC ao dia (pobreza moderada). A miséria foi reduzida em 55%por meio de transferências diretas (líquidas do pagamento de tributos diretos); a pobreza extrema, em 28%; e a pobreza moderada, somente em 14%. No entanto, quando são considerados os tributos indiretos, a redução da
miséria é atenuada, a redução da pobreza extrema quase desaparece, e a pobreza moderada efetivamente cresce, quando são comparadas a renda de mercado e a renda pós-fiscal. Em outras palavras, o
número de indivíduos quase pobres que são levados à pobreza moderada por pagar mais em tributos do que recebem em benefícios é mais alto que o número de pessoas que se livram da pobreza por receber mais em
transferências do que pagam em tributos. Além do efeito prejudicial dos
tributos indiretos, o fato de a pobreza não ser mais reduzida apesar dos altos gastos brasileiros com transferências diretas também se deve aos
muitos vazamentos aos não pobres. Higgins e Pereira (2013) estimam que, em média, pelo menos 74% de
todas as transferências diretas beneficiam os nãos pobres. Com resultado, o volume restante é distribuído de maneira mais esparsa
entre os pobres.
A adoção do Teto de Gastos
21. Em dezembro de 2016, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que introduziu um limite para
as despesas primárias federais (o teto de gastos), o que forçará o Brasil
a continuamente priorizar suas despesas federais.
O novo regime fiscal limita o crescimento das despesas primárias federais (líquidas das
transferências a outros níveis de governo) com base na taxa de inflação do ano anterior (acumulada em
doze
meses até junho), mantendo constante, portanto, os gastos em termos reais. Considerando um crescimento da economia e das receitas próximo às tendências históricas de longo prazo, tal regra gradualmente
reduziria as despesas como parcela do PIB e geraria um ajuste fiscal suficiente para estabilizara dívida pública em cerca de 10 anos. Projeções baseadas no modelo fiscal, considerando
um crescimento anual do PIB de cerca de 2,3% e uma taxa de inflação em torno de 4%, indicam que, com o teto de gastos, o saldo primário retornaria a um estado de superávit somente em 2024
e atingiria 2% do PIB até 2029. De acordo com isso, é prevista a estabilização da dívida
pública em torno de 2028, com uma expectativa de queda muito
gradual a partir daquele ano. Naturalmente, um crescimento maior e taxas de juros reais mais baixas poderiam levar a uma estabilização mais rápida da dívida. Isso geraria um espaço fiscal muito bem-vindo
para
recuperar a capacidade de investimento do governo federal e, dessa forma, apoiar um crescimento
mais sustentável no futuro.
22. O teto de gastos representa a estratégia do governo para atingir
o ajuste fiscal necessário, que se concentra no controle das despesas primárias federais. A adoção do teto constitui um primeiro passo crucial para a recuperação da sustentabilidade fiscal. Ele trata
diretamente da principal fonte estrutural
do desequilíbrio fiscal, ou seja, o crescimento das
despesas primárias.
Ele
também ajudará a limitar as
políticas de gastos pró-cíclicos do passado.
Além disso, a regra é simples, o que facilita
sua explicação e
monitoramento. Dito isso, outros países adotaram diferentes regras fiscais, cada uma com suas vantagens e desvantagens.
Em
particular, muitos países possuem regras que se concentram no equilíbrio fiscal (o que permite que as receitas contribuam para o ajuste fiscal), ou impõem um teto aos níveis da dívida
pública; alguns países distinguem entre diferentes tipos de gastos públicos (despesas correntes vs. investimentos), ou aplicam regras mais sofisticadas que consideram o ciclo econômico; alguns optaram por uma estratégia mais abrangente que inclui múltiplas regras, combinando, por
exemplo, uma regra de gastos com um teto da
dívida; outros, ainda, incorporaram uma cláusula de salvaguarda para manter sua flexibilidade em
momentos de crise econômica ou lidar com
choques exógenos. Este relatório não considera essas alternativas e concentra-se, em vez disso,
nas
recomendações que permitirão ao governo cumprir a regra de gastos desde que mantenha o foco em
medidas para a redução
das
despesas primárias federais. Como será
discutido brevemente abaixo, medidas complementares adicionais podem e devem ser consideradas como parte de uma estratégia de ajuste fiscal equilibrada, tanto em termos de receitas quanto em relação ao controle dos custos "abaixo da linha".
23. A implementação da regra de gastos será um enorme desafio, pois, em termos práticos, ela representa uma redução de 25% do orçamento federal (ao longo de uma
década). O teto
de gastos
significa que, em relação ao
PIB, as
despesas
primárias federais
teriam de ser reduzidas em cerca de 0,6 ponto percentual ao ano (em comparação à projeção de linha de base de quais despesas teriam ocorrido na ausência de uma reforma, ou seja, considerando a
pressão atual para crescimento das despesas).
Ao
longo de dez anos isso corresponde
a uma redução de mais de um quarto nas despesas primárias federais.
Trata-se
de um ajuste grande, que
evidencia a necessidade de um
planejamento cuidadoso
para garantir a sua qualidade.
24. O ajuste fiscal será particularmente difícil devido ao alto grau de rigidez do
Orçamento Federal e às pressões demográficas. Segundo as leis atuais, mais de 90% das despesas
primárias do governo federal
são consideradas
obrigatórias. A maior parte de
tais despesas é composta por repasses obrigatórios a
outros níveis de governo, salários
do funcionalismo público, benefícios sociais e exigências de gastos
mínimos. Ademais, a pequena parte do orçamento que é discricionária contém importantes prioridades, tais como os
investimentos públicos em infraestrutura e o
principal
programa brasileiro de combate à pobreza, o Bolsa Família. Além disso, o Brasil vem passando
por uma rápida transição
demográfica, que levará a uma
pressão fiscal significativa
sobre os serviços públicos de saúde (World Bank, 2011). Uma vez que importantes componentes rígidos de gastos, especialmente
os benefícios concedidos aos idosos, tendem acrescer, os gastos obrigatórios totais (segundo as regras atuais) devem exceder rapidamente os níveis estabelecidos
pelo teto de gastos. Portanto, para permitir a implementação do teto de gastos e garantir que o ajuste não afete exclusivamente
a pequena parcela discricionária do orçamento, serão necessárias mudanças nos programas de
gastos
obrigatórios.
25. Embora o teto de gastos defina o volume do ajuste das despesas ao longo do tempo, ela não garante a concepção, qualidade e aplicação das reformas fiscais necessárias para
cumprir a trajetória de ajustes estabelecida pela regra. Uma vez que o limite para o crescimento
dos gastos
é aplicado somente às despesas primárias agregadas
(e
não a seus componentes ou programas específicos), ele não oferece orientação sobre onde reduzir os gastos. Nesse contexto, é fundamental determinar quais despesas devem ser reduzidas
devido a sua eficácia limitada, sua incidência regressiva e seu impacto negativo
sobre a produtividade, em vez de concentrar as reduções nos itens que podem ser cortados mais facilmente. A qualidade do ajuste fiscal terá
repercussões na prestação de serviços
públicos, na equidade e no crescimento econômico.
26. O resto desta PER motiva e elabora propostas de reformas que garantiriam um ajuste de qualidade alinhado ao
teto. O resto desta seção resume brevemente o escopo para reformas complementares do sistema
tributário e maneiras de lidar com as chamadas "despesas abaixo da linha"
(relacionadas à gestão da dívida pública do Brasil,
medidas relativas à capitalização das empresas estatais e os custos das operações do Banco Central). É importante considerar essas medidas não como substitutas
do ajuste das despesas públicas. Como ficará claro ao longo deste estudo, os gastos públicos brasileiros não estão alinhados a
padrões internacionais, são ineficientes em muitas áreas e, além disso,
falham em sua tentativa de reduzir os altíssimos níveis de desigualdade de renda e de riqueza. Os gastos públicos devem ser reformados
simplesmente por motivos de justiça e eficiência. O risco iminente de crise fiscal no Brasil somente aumenta a urgência da reforma.
Capítulo V
Complementação do ajuste de gastos: o papel da política fiscal e das despesas "abaixo da linha"
27. Devido à relativamente alta carga tributária agregada, o espaço para aumentos
adicionais de receitas
será limitado. Entre os mercados emergentes, o Brasil já possui uma das cargas tributárias mais altas. Ao longo dos últimos
25 anos, a carga tributária subiu
significativamente para incorporar os aumentos de gastos resultantes da Constituição de 1988 e
substituir o financiamento inflacionário em seguida à implementação do Plano Real em 1994. A receita do governo geral chegou a 38% do PIB em 2016, o que elevou o custo marginal de
aumentos tributários adicionais para a economia. Apesar disso,
uma reforma tributária poderia
gerar grandes dividendos em termos de crescimento e equidade, complementando, assim, o ajuste
de gastos.
28. A reforma do sistema tributário elevaria as perspectivas de crescimento do Brasil,
pois o sistema atual é
demasiadamente complexo, implica altos custos de conformidade e gera significativas distorções e ineficiências. O Brasil arrecada 85 impostos
diferentes. A
complexidade do sistema tributário é agravada pelo fato de a autoridade e a regulamentação tributárias serem divididas entre o governo federal, os 26 estados e o Distrito Federal, além dos
mais de 5.000 municípios brasileiros. Consequentemente, o Brasil ficou
na 181ª posição entre 190
países no quesito "pagamento de impostos” da pesquisa Doing Business do Banco Mundial em 2017.
As altas taxas tributárias incluem os impostos de pessoas jurídicas, os impostos sobre o trabalho e os vários impostos indiretos em cascata sobre bens e serviços. No entanto, os muitos
regimes especiais e outras isenções tributárias reduziram a eficiência do sistema tributário e
criaram uma série de distorções econômicas. Uma ampla reforma tributária que vise a racionalizar o sistema tributário, eliminar as brechas legais e, possivelmente, reduzir algumas
alíquotas tributárias
provavelmente levaria a
um aumento da produtividade e das receitas.
29. A reforma tributária também poderia melhorar a equidade, pois o sistema tributário
brasileiro é regressivo.
Tributos indiretos, que tendem a afetar os mais pobres de maneira desproporcional, representam 55% da receita
tributária. Apesar das baixas alíquotas, a tributação
efetiva sobre alimentos básicos é de 13,1%.Conforme mencionado acima, o efeito regressivo da tributação indireta acaba por neutralizar os efeitos positivos das transferências aos mais pobres (Higgins e Pereira, 2013). A tributação sobre a renda pessoal desempenha um papel relativamente
pequeno no Brasil (18% da receita tributária, ou 6% do PIB). Devido à existência de muitas fontes
de renda não tributáveis (tais como ganhos de capitais
e dividendos), a tributação sobre a renda
pessoal não afeta os ricos de maneira adequada. Os indivíduos que ganham mais
de 40 salários mínimos pagam somente 6,4% de sua renda total na forma de imposto
sobre a renda, ao passo
que os que ganham entre 20 e 40 salários mínimos
pagam somente um pouco mais (11,7%) (Gobetti e
Orair, 2016).
30. Uma ampla reforma tributária exigirá muita preparação. No entanto, a eliminação de gastos tributários distorcivos
e caros é um processo simples que geraria benefícios
significativos.
Embora isso não seja exigido no âmbito do teto de gastos, a eliminação das isenções fiscais que se demonstraram ineficientes como
instrumentos de política industrial e que beneficiam os segmentos mais ricos da sociedade contribuiria para elevar a eficiência e a equidade da política fiscal. Estima-se que o aumento da eficiência dos gastos
públicos e a redução das distorções
causadas por isenções tributárias e crédito subsidiado possam gerar efeitos positivos para o crescimento e a produtividade. A eliminação de isenções tributárias garantiria condições iguais
para todos, o que facilitaria a alocação de recursos para onde esses pudessem ser mais produtivos,
em
vez de mantê-los em setores e firmas que obtiveram um tratamento tributário mais favorável. A redução dos gastos tributários também poderia contribuir significativamente para o ajuste fiscal e, ao mesmo tempo, elevar a eficiência, reduzir distorções e diminuir
a regressividade da carga fiscal. O resto do relatório contém recomendações sobre como eliminar vários programas de gastos
tributários que parecem ser ineficazes
e/ou
injustos.
31. Uma melhor gestão dos custos "abaixo da linha" também poderia contribuir para o ajuste fiscal. O Brasil
possui uma grande conta de juros sobre a dívida, o que levou o déficit fiscal
nominal a superar 8% do PIB
em2015 e 2016. Embora a dívida pública brasileira seja superior à
de seus países pares e venha crescendo
rapidamente, ela permanece em linha com a média da
OCDE. Vale destacar, todavia, que a situação brasileira é atípica no que diz respeito a
sua conta de juros. As contas são infladas por operações quase-fiscais e pelos altos custos da política monetária. Assim, paralelamente à redução das despesas primárias e ao aumento das receitas, é importante reduzir os custos das operações "abaixo da linha”. Algumas propostas- chave encontram-se resumidas a seguir:
- Em primeiro lugar, a quase totalidade da dívida pública é interna, e o Brasil possui uma das mais altas taxas de juros do mundo. Após o Brasil ter passado por várias crises da dívida nos anos 1970,
1980 e 1990, o Tesouro Nacional decidiu reduzir a dívida
pública em divisa estrangeira, que, atualmente, encontra-se em cerca de 5% da dívida
pública total. Não obstante
os riscos cambiais, todavia, ao levarmos em consideração as
altas taxas de juros reais
brasileiras, é possível que a parcela ideal de dívida externa seja mais alta. Isso exigiria um estudo
mais aprofundado.
- Em segundo lugar, a conta de juros inclui vários itens que são peculiares ao Brasil, tais como o custo dos empréstimos ao BNDES, o custo da política monetária, o custo das grandes reservas internacionais do Banco Central e o custo das operações de swap cambial do Banco Central:
• No contexto da crise financeira global de 2008, o
Brasil expandiu drasticamente o crédito a
taxas subsidiadas oferecidas
por bancos públicos. Tais empréstimos foram financiados
por meio da emissão de títulos públicos, e a diferença (negativa) entre o empréstimo
subsidiado (com base na
taxa TJLP)19 e as taxas dos títulos públicos foi registrada como despesa de juros do governo20. Em2016,
a dívida pendente do governo com o BNDES (cerca de R$ 500 bilhões) equivalia a um prejuízo anual de aproximadamente R$ 29
bilhões (ou 0,5% do PIB)21.
• O nível de reservas internacionais também é bastante alto para padrões internacionais, o
que acarreta
um custo fiscal significativo (estimado como a diferença entre a taxa SELIC
e a
taxa de obrigações do Tesouro, multiplicada pelo estoque das reservas): cerca de R$ 150 bilhões, ou 2,6% do PIB. Seria
importante estudar cuidadosamente se há escopo para redução das reservas internacionais
• Além disso, limitar as intervenções cambiais por meio de operações de swap também poderia ajudara reduzir a conta de juros. Em média, os swaps cambiais levaram a perdas líquidas de 0,2% do PIB
entre 2013 e 2016 (com um pico de 2,2% do PIB em 2015). Desde o pico de US$ 110 bilhões em
março de 2016, no entanto, o volume de swaps
emitidos reduziu-se rapidamente, chegando
a US$
27 bilhões em agosto de 2017.
32. Por fim, medidas financeiras pontuais também podem ajudar a reduzir o nível da dívida. A privatização ou concessão de infraestrutura pública e de outros serviços pode gerar
recursos pontuais ou royalties, e
tais recursos podem ser canalizados para reduzir a dívida
pública. Da mesma maneira, além de reduzir as perdas financeiras, o pagamento antecipado de
empréstimos contraídos pelo BNDES junto ao governo federal também reduziria a dívida bruta
do governo. Um desses pagamentos foi realizado em 2016 no valor
de R$ 100 bilhões (US$ 29 bilhões); um segundo, no valor de R$ 50 bilhões (US$ 15 bilhões), deverá
ocorrer no final de 2017; e um terceiro pagamento
está sendo considerado para 2018.
Capítulo VI
Peso da Folha do Funcionalismo Público
Embora somente 12% das despesas primárias do governo federal sejam destinadas à folha de pagamento,
a massa salarial agregada do setor público em todos os níveis de governo é muito alta para padrões internacionais. Os altos níveis de gastos são impulsionados pelos altos salários
dos servidores públicos, e
não pelo número excessivo de servidores. Isso se verifica
principalmente na esfera federal, onde os
salários são significativamente mais altos que aqueles
pagos aos servidores dos governos subnacionais, ou aos
trabalhadores em funções semelhantes no
setor privado. Os altos
salários recebidos
colocam os servidores federais no
topo da pirâmide de renda nacional, o que contribui para aumentar a desigualdade no Brasil. Portanto,
há espaço para realizar economias significativas por meio da redução dos prêmios salariais pagos aos servidores públicos federais em comparação ao setor privado. Alinhar
os salários iniciais
aos pagos pelo setor privado e introduzir um sistema mais meritocrático de aumentos salariais
reduziriam os custos e aumentariam a produtividade no setor público.
Análise comparativa internacional da massa salarial do setor público
33. A massa salarial do governo geral brasileiro é alta para padrões internacionais. A análise comparativa internacional da massa salarial brasileira como
percentual do PIB, das despesas públicas e das receitas evidencia o fato que o Brasil excede a média de todos os grupos
de renda. Como percentual do PIB, a folha de
pagamento brasileira é mais alta que a de qualquer média regional de países. Como percentual das despesas e receitas fiscais, a
massa salarial brasileira fica um pouco abaixo das médias da América Latina e da região do Oriente Médio
e Norte da África (MENA); quase
se iguala
à média
da África;
e é significativamente superior às
médias encontradas na Ásia e Europa.
34. Como percentual do PIB, a massa salarial do Brasil cresceu, excedendo a média
encontrada em países de renda alta. A massa salarial do setor público brasileiro subiu de 11,6%
do PIB em 2006 para 13,1% do PIB em2015,
superando até Portugal e França, que registravam
massas salariais mais altas que o Brasil há uma década. Outros países desenvolvidos, tais como a Austrália e os EUA, possuem massas salariais consideravelmente menores (cerca de 9% do PIB), ao passo que o Chile, uma nação latino-americana de renda
média,
gastou somente 6,4% do PIB em
salários do funcionalismo público em 2015.
35. O número de servidores públicos no Brasil não é extraordinariamente alto, e, da
mesma maneira, o tamanho do governo federal não parece ser excessivo. Com base em dados
da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
a relação entre o número de funcionários públicos e a população no Brasil (5,6%) é mais alta que a média latino-americana (4,4%). No entanto, esse percentual é bem
mais baixo que o encontrado nos países da OCDE, da
Europa e da África. Similarmente, o emprego público como parte do emprego assalariado
no Brasil
parece ser relativamente pequeno, cerca de 18% (ou 24% como parte do emprego formal). Isso indica
que
o motivo de a massa salarial do setor público brasileiro ser tão alta é o elevado
custo dos servidores
públicos (altos salários),
em
vez do excessivo
número de servidores. A parcela de servidores públicos federais no Brasil é de apenas 10%, o que é menos do que em outros
países federalistas (tais como EUA,
Canadá e Austrália), onde a maior parte dos serviços que
demandam muito pessoal são prestados pelos governos estaduais ou municipais. Os estados e municípios detêm a responsabilidade primária por serviços de
saúde, educação e policiamento, e essas funções que demandam mão de obra intensiva justificam o número mais
alto de servidores nessas esferas em
comparação
com o governo federal.
Tendências de gastos
e composição
da massa salarial do setor público
36. Em linhas gerais, os gastos com salários do funcionalismo público no Brasil são
divididos igualmente entre os governos federal, estaduais e municipais. Os estados e
municípios são responsáveis pela maioria das despesas com educação e saúde, e essas áreas representam a maior parte de suas massas salariais. Desde
2010, as despesas com pessoal dos governos estaduais vêm crescendo em termos reais, excedendo aquelas do governo federal, ao
passo que os governos municipais têm aumentado seus gastos no mesmo ritmo que o governo federal. Entretanto, em termos de quantidade de servidores públicos, o governo federal
possui 10% do total, o que indica que o governo federal gasta mais do que o dobro por servidor que os governos subnacionais. Embora as funções desempenhadas pelo governo federal sejam bem diferentes
daquelas realizadas pelos governos subnacionais, essa grande diferença
indica que a remuneração dos servidores federais é muito generosa. Seria útil realizar uma análise
mais detalhada comparando servidores em funções semelhantes em vários níveis de governo, mas
isso ainda não foi feito
devido
à indisponibilidade de
dados.
37. O aumento da massa salarial federal ao longo das duas últimas décadas deveu-se, principalmente, ao
aumento da remuneração, ao passo que, em nível subnacional, o
crescimento da folha resultou de uma combinação entre aumentos salariais e contratação de
mais
funcionários. Com base em dados da PNAD combinados com publicações do governo federal (Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, MPOG), este relatório
analisou a evolução do número de servidores públicos nas esferas federais e subnacionais entre
1999 e 2015. Estimou-se, em seguida, a decomposição da massa salarial entre o número de
servidores públicos e a remuneração por servidor no Poder Executivo,
tanto em nível federal
quando subnacional. A massa salarial ao nível federal
teve uma forte alta entre 2003 e 2010,
impulsionada, principalmente, por aumentos salariais (e não pelo aumento do número de
funcionários), mas,
desde então, houve uma desaceleração desse crescimento. O custo por servidor
aumentou a uma taxa média anual real de 7%, ao passo que o número de funcionários cresceu a
uma taxa anual média de aproximadamente 2%. Por outro lado, o rápido aumento
da massa salarial dos governos subnacionais foi impulsionado na mesma medida por aumentos
salariais e por novas contratações. O custo
por servidor aumentou
a uma taxa média anual real
de 2,5%, ao passo que o número de funcionários cresceu a uma taxa anual média de aproximadamente 3%.
A rápida expansão do acesso a serviços públicos verificada no Brasil ao longo das duas últimas décadas explica o
motivo de o número de servidores nos níveis subnacionais ter crescido além
dos índices observados no governo federal.
Estimativa da lacuna salarial
ente o setor público
e privado
38. Em média, os salários do setor público são muito superiores aos pagos no setor privado. Segundo a
PNAD, o setor público agregado (federal e subnacional) paga, em média, salários aproximadamente 70% superiores (R$ 44.000 por ano) aos pagos pelo setor privado
formal (R$ 26.000 por ano), e quase três vezes mais do que recebem os trabalhadores informais (R$ 16.000 por ano)
O governo federal paga salários ainda mais altos: com base
em
dados de 2016, os militares brasileiros recebem, em média, mais do que o dobro pago pelo setor privado (R$ 55.000 por ano), e os servidores federais civis ganham cinco vezes mais que trabalhadores do setor privado (R$130.000 por ano).
A remuneração média por funcionário é excepcionalmente alta no Ministério Público Federal (R$ 205.000 por ano), no Poder
Legislativo (R$ 216.000 por ano) e no Poder Judiciário (R$ 236.000 por ano), apesar de os salários terem caído em termos reais nos últimos anos. Naturalmente, essas médias cobrem grupos bastante grandes e heterogêneos, e muitos
cargos públicos não são facilmente comparáveis a empregos no setor privado. Além disso, é importante observar
que os dados não capturam os
benefícios não salariais, tais como os bônus recebidos por alguns funcionários do setor privado e
os generosos planos
previdenciários
e outros benefícios
concedidos
aos servidores
públicos.