O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador BNDES. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador BNDES. Mostrar todas as postagens

domingo, 15 de agosto de 2010

OMC e Brasil: regras pouco transparentes suscitam questionamentos

A matéria objeto do editorial do Estadão, abaixo, é uma das mais importantes questões relativas à falta de transparência das políticas comercial e industrial do Brasil, e também ilustra como o cipoal irracional de tributos e subsídios seletivos pode causar problemas ao Brasil no exterior.
Em lugar de praticar uma política uniforme, homogênea, previsível e sobretudo simples, clara, igualitária para todos os agentes econômicos, o governo -- que labuta continuamente para aumentar suas fontes de receitas -- acaba concedendo favores especiais a grupos, setores ou mesmo companhias escolhidas a dedo, num total desrespeito para com o conjunto de contribuintes e consumidores, que somos todos nós, e numa notável falta de transparência em relação a nossas obrigações multilaterais, daí os questionamentos previsíveis.
O Brasil necessita, urgentemente, uma reforma tributária simplificadora e sobretudo redutora dos imensos encargos que tem de ser suportados pelas empresas nacionais, que assim não conseguem competir no exterior. Em lugar de equalizar as condições de concorrência, o governo fica concendendo favores a quem chora, e cria essa selva de disposições ad hoc que só complicam a vida de todos, agentes nacionais, advogados, competidores estrangeiros e organismos internacionais.
Trata-se de mais uma manifestação de irracionalidade continuada.
Paulo Roberto de Almeida

A OMC e o caso BNDES
Editorial - O Estado de S.Paulo
15 de agosto de 2010

Os parceiros comerciais do Brasil, os concorrentes e a Organização Mundial do Comércio (OMC) pedem esclarecimentos sobre as operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Querem saber se os empréstimos são concedidos com subsídios incompatíveis com as normas internacionais. Brasileiros também gostariam de saber mais sobre essas operações, pouco transparentes e muito mal justificadas por dirigentes do banco, pelo ministro da Fazenda e por outros defensores - incluído o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, cuja veemência na defesa do banco é mais um motivo para que se exija da instituição a maior transparência possível.

A OMC examina periodicamente as políticas dos países sócios. É um exercício rotineiro, mas de grande importância para os participantes do comércio internacional. O relatório divulgado pela organização oferece uma ampla informação sobre as condições econômicas de cada país e sobre suas práticas comerciais. Durante as consultas, diplomatas de vários países - e o número é tanto maior quanto maior o peso do sabatinado - participam da formulação de perguntas e expressam suas dúvidas sobre os temas discutidos.

Embora a consulta seja parte da rotina da OMC, o governo do país submetido a exame tem de estar preparado para defender suas políticas e mostrar a conformidade de suas ações com o sistema internacional de regras. Em Genebra, sede da OMC, diplomatas manifestaram a intenção de pressionar os colegas brasileiros para obter explicações sobre os financiamentos à indústria. Alguns já informaram estar trabalhando num "dossiê BNDES".

O interesse é explicável por vários fatores - o volume dos empréstimos à indústria, os custos às vezes menores que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e a importância do banco no financiamento à exportação. Além disso, o governo brasileiro atrasou a remessa das informações. Deveria tê-las mandado em 2009.

Segundo o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, Carlos Márcio Bicalho Cozedey, o governo dará toda informação relevante, mas deixará de notificar a maior parte dos programas do BNDES.

De acordo com a interpretação de Brasília, esses programas não envolvem subsídio. Como são empréstimos de longo prazo e no Brasil não existe mercado para esse tipo de financiamento, não se dispõe de um padrão para comparar com os juros do BNDES, explica o diplomata.

Só com o debate se saberá se esse tipo de argumentação será convincente para os diplomatas estrangeiros e para os funcionários da OMC envolvidos na consulta. No último exame das políticas de incentivos, americanos, europeus e argentinos pediram explicações sobre a chamada MP do Bem, editada para aliviar a carga fiscal de indústrias exportadoras.

O episódio da MP do Bem ilustra uma das mais importantes distorções da política brasileira. Aquela MP não concedeu à indústria brasileira nenhuma vantagem especial em relação às empresas concorrentes. Somente serviu para reduzir um pouco da absurda tributação sobre as exportações do País.

O governo já lançou outras medidas com objetivos semelhantes. O problema em relação às normas internacionais não existiria, e ninguém cobraria explicações, se o sistema tributário brasileiro fosse menos irracional e mais adequado às necessidades de uma economia aberta.

Enquanto o sistema não for reformado, o governo brasileiro continuará forçado a justificar-se perante parceiros e competidores, embora as exportações do País sejam muito menos subsidiadas que as de várias potências altamente desenvolvidas.

O governo tem errado, portanto, duplamente. Em primeiro lugar, por haver negligenciado uma efetiva política de competitividade. Uma bem desenhada reforma dos impostos seria um item essencial dessa política. Mas o governo preferiu o caminho mais confortável e produziu remendos muito suspeitos para o olhar estrangeiro. Em segundo lugar, errou ao conceder financiamentos em condições favoráveis a grupos selecionados arbitrariamente, usando para isso até recursos do Tesouro. Brasília não deve explicações apenas na OMC. Deve-as, antes de mais nada, aos cidadãos deste país.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A Bolsa Milionarios e seus custos verdadeiros...

Acho que a Miriam Leitão foi incompleta nessa sua matéria abaixo, sobre o custo dos empréstimos do BNDES para a sociedade, isto é, para todos nós.
Esse custo dos subsidios é apenas uma parte, a menos obscura, digamos assim, do custo BNDES.
Seria preciso computar os custos indiretos, a deformação de um verdadeiro mercado de capitais no Brasil, a concentração de recursos nas mãos do Estado, a despoupaça estatal (sim, porque tudo isso que é recolhido da sociedade poderia estar sendo consumido ou investido diretamente pela sociedade, com maior racionalidade).
A bolsa milionários é apenas a parte visível desse custo todo...
Paulo Roberto de Almeida

Bolsa Milionários
Miriam Leitão
O Globo, 08/08/2010

O manifesto das doze entidades empresariais em defesa dos empréstimos subsidiados do BNDES omitiu uma importante informação: quanto eles devem ao banco. Se dissessem, se saberia que defendem seu próprio bolso. Mas é revelador de como a elite adora o governo Lula e sua incrível volta à terra das políticas mortas do governo militar.

Lula, em cada palanque que sobe, critica “as elites” como sendo um grupo que tentou tirá-lo do poder. Ninguém tentou tirá-lo do poder, e a elite empresarial o adora como se vê nesse manifesto.

Quando tenta criar um inimigo incorpóreo, o presidente está conscientemente fazendo mais uma tentativa de manipular a opinião pública em época eleitoral. Nenhuma novidade.

Ele é assim mesmo. O que espanta é a maneira transparente com que as entidades empresariais disseram desta vez que querem continuar recebendo dinheiro público. “Sem dúvida, reconhecemos que o desembolso feito pelo Tesouro é um custo para a sociedade”, disseram os empresários em um raro momento de sinceridade.

Qual é o custo? Esse é um dos problemas. A sociedade que paga precisa saber quanto é o subsídio, a quem se destina o dinheiro, com que critérios os beneficiários são escolhidos. E são essas as perguntas feitas. Perguntas legítimas em uma sociedade democrática, em que o contribuinte exige respeito e informação sobre o que é feito com o dinheiro dele.

É ridícula a acusação de que há “um ataque ao BNDES.” O banco existe há 56 anos, sempre concedeu empréstimos com juros facilitados, cometeu muitos erros no passado, concentrou renda e comprou participações em empresas que faliram.

Ao longo dos anos foi tornando sua atuação mais transparente, mais auditável, corrigindo excessos e se firmou como um importante instrumento de todos os governos.

Só uma visão de Luiz XIV, do tipo “o banco sou eu”, faz com que o atual presidente Luciano Coutinho reaja às críticas à sua condução como sendo um atentado ao banco em si.

Um dos argumentos apresentados pela atual direção do banco, pelo governo e pelos empresários é que a instituição expandiu seus empréstimos com dinheiro do Tesouro apenas para enfrentar a crise econômica.

“Mas a crise passou e aparentemente o que valia em 2009 não vale mais em 2010”, lamenta o documento dos empresários.

De fato. Medidas emergenciais são para emergências.

Depois, os excessos têm que ser corrigidos.

Uma lição importante é que a bondade dos bancos públicos com dinheiro do contribuinte vira rombos que aumentam a dívida pública, que excessos e absurdos dessa transferência de renda para os ricos são inflacionários.

Mesmo na ação contra a crise, as decisões que o banco tomou são controversas.

O que há de anticrise nos empréstimos concedidos ao frigorífico JBS Friboi para comprar outro frigorífico no exterior? Ou a montanha de dinheiro transferida para a Telemar comprar a Brasil Telecom? Só para citar algumas das maiores operações que não criaram emprego, não ampliaram investimentos. Nestas duas operações os ganhos foram apenas dos seus acionistas.

“Ao contrário do que vem sendo dito, o BNDES não subsidia a compra de empresas, nem escolhe vencedores”, diz o manifesto dos super-ricos. Engraçada essa parte. Ela contraria os atos e palavras do banco. O próprio Luciano Coutinho justifica a neoescolha de campeões. Disse que sentia vergonha de que o Brasil não tivesse grandes empresas em algumas áreas.

Os jornalistas Mauro Zanatta e Alda do Amaral Rocha, do “Valor Econômico”, mostraram em reportagem na semana passada que o banco negou empréstimo a vários frigoríficos médios e deu empréstimos gigantes ao JBS Friboi e Marfrig numa escolha deliberada de alguns grupos para receber o dinheiro barato. O JBS comprou vários outros com esse dinheiro, aqui e no exterior.

Alguns frigoríficos estão falindo; outros nadando em dinheiro do banco. E que não se fale que a escolha do BNDES é por empresas mais sólidas. Como se sabe, o banco torrou R$ 400 milhões em empréstimo e compras de ação do frigorífico Independência, que quebrou em seguida.

O Brasil lutou muito pela estabilização da moeda. Foram anos dedicados ao esforço de corrigir distorções em inúmeras áreas. Uma das frentes da luta foi no saneamento dos bancos públicos.

A bagunça nas suas contas, a falta de transparência, a bondade excessiva aos grandes grupos empresariais, os perdões de dívida estavam na raiz do processo inflacionário. Aquelas políticas de apropriação do dinheiro público pelos muito ricos deixaram uma herança maldita e foram sendo eliminadas uma a uma. Não foi fácil. Só quem viu o dia a dia pode contar.

Grandes grupos empresariais conspiraram contra o processo de modernização.

São os mesmos que agora escrevem manifestos. Defendem essa estranha volta dos mortos-vivos; lutam com sucesso no cemitério das políticas extintas.

O Brasil tem muito a discutir para garantir o futuro depois da estabilização e do aumento da inclusão de brasileiros que a estabilização permitiu. É espantoso e triste que esteja às voltas com a discussão sobre se as políticas de concentração de renda e de benesses com o dinheiro público adotadas nos anos 70 eram boas ou não. Foram péssimas. Elas fizeram um enorme mal ao país. Isso está medido e contabilizado.

A quem interessa repetir os erros de um passado condenável e perigoso? Agora é mais fácil saber.

Os grandes empresários defendem a velha ordem. Eles são a elite amiga de Lula.

Eles não querem o fim do Bolsa Milionários.

sábado, 7 de agosto de 2010

Not Doing Business in Venezuela: tem gente que insiste, apesar de tudo

A notícia já é antiga, mas como disse um antigo filósofo, as consequências sempre vem depois. Suponho que o BNDES -- cujo nome poderia mudar para: Banco de Nababos, Ditadores e Empresários Sanguessugas -- vai acabar levando prejuizo nessa história. Mas, como sempre acontece, caro leitor, adivinhe quem vai pagar a conta?
E preciso contar?
Paulo Roberto de Almeida

BNDES empresta US$ 747 milhões para obras na Venezuela
O Estado de S.Paulo, 11/11/2009

A Venezuela anunciou nesta quarta-feira que assinou um financiamento de 747 milhões de dólares com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para obras de infraestrutura.

O Ministério da Economia venezuelano disse em comunicado que foram firmados dois contratos: um para a linha 5 do metrô de Caracas, por US$ 219,3 milhões, e o outro, de US$ 527,8 milhões, para a linha 2 do metrô Los Teques, obras a cargo da construtora brasileira Odebrecht.

O governo do presidente Hugo Chávez obteve em maio um financiado de US$ 4,3 bilhões com o Brasil, em meio a uma dramática baixa na arrecadação ligada a petróleo devido à crise financeira global.

O BNDES concordou nesta quarta-feira em prover fundos para financiar projetos de infra-estrutura na Venezuela realizados por empresa brasileiras.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Planejadores, burocratas e desperdicio de dinheiro...

Os brasileiros comuns, cidadãos pagadores de impostos como eu e você, não se dão conta da herança maldita que está sendo construída todos os dias, pelas mãos do governo, sob a forma de um endividamento exacerbado, criando uma conta que será paga por esta geração, um pouco mais adiante, e pela geração seguinte (e se calhar pela outra também).
Pessoas comuns não se dão conta que todas essas benesses, concedidas apenas a empresários amigos, serão pagas com o dinheiro arrancado dos seus bolsos. Os próprios empresários contemplados, temporariamente aliviados de seu constrangimento financeiro, não se dão conta que eles também, a categoria como um todo, continuará pagando esses benefícios setoriais e microeconômicos, com maiores custos macroeconômicos e menor eficiência do Estado nos serviços essenciais.
Em última instância, cada vez que o Estado cria um sistema público de financiamento, ele está arrancando, literalmente, da sociedade, os recursos de que necessita para fazer essas bondades setoriais.
As pessoas simplesmente não se dão conta de que o Estado não cria rigorosamente nada, que ele não produz um quilo de riqueza, um grama de valor agregado, que tudo o que ele "entrega" a alguém foi arrancado previamente de outro alguém, vários alguens, e que essas pessoas somos nós, trabalhadores e empresários, produtores de riqueza justamente, os únicos que podem fazer isso.
Quando é que as pessoas vão começar a tomar consciência disso?
Vai demorar um bocado, suponho. Até lá, o Estado vai continuar arrancando dinheiro da sociedade e enganando todo mundo com suas falsas promessas.
Por que as pessoas não acham melhor gastar o seu próprio dinheiro, em lugar de permitir que ele faça um "passeio" pelas mãos do Estado e volte sempre menorzinho, e apenas para as mãos de alguns?
Paulo Roberto de Almeida

Tesouro e BNDES, ligações perigosas
Editorial - O Estado de S.Paulo
13 de julho de 2010

Mais que um fomentador de desenvolvimento econômico, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é hoje uma poderosa arma política na mão do governo. Pode ser usado para uma sadia política de expansão e modernização do sistema produtivo e para a elevação dos indicadores sociais. Mas também pode servir para beneficiar empresários, grupos e setores selecionados de acordo com os interesses políticos de quem chefia o governo. Com desembolsos maiores que os do Banco Mundial, o BNDES administra uma espécie de orçamento paralelo, engordado com recursos do Tesouro Nacional. Esse dinheiro é subsidiado e para transferi-lo o Executivo tem aumentado a dívida bruta do setor público.

Desde o ano passado o BNDES recebeu do Tesouro R$ 180 bilhões para fornecer empréstimos a custo reduzido. Para formalizar a ajuda ao banco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou em 2008 a Medida Provisória 453, convertida em junho do ano seguinte na Lei n.º 11.948. A lei fixa a remuneração devida ao Tesouro e determina uma prestação trimestral de contas ao Congresso. Mas não indica prioridades nem vincula o uso do dinheiro a planos ou programas identificados oficialmente como orientações de governo.

Noutros tempos, mesmo durante o período militar, o contribuinte dispunha de informação bastante clara para relacionar a ação do BNDES às grandes linhas das políticas públicas. O planejamento no atual governo não é muito mais que um conjunto mal costurado de intenções e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é uma colagem meramente improvisada de promessas e planos.

Mais do que em qualquer outro momento, o BNDES pode conduzir suas operações de acordo com critérios próprios ou apenas vagamente relacionados a qualquer ideia de plano governamental. Isso é evidente no relatório trimestral enviado em abril ao Congresso. Há no começo uma referência ao Programa de Sustentação de Investimentos (PSI), lançado pelo governo em junho de 2009 como parte da política antirrecessiva. Mas isso é ação de conjuntura. Pode ser útil, mas não caracteriza planejamento econômico. Dos R$ 32,8 bilhões emprestados para projetos do PAC, R$ 25,6 bilhões, 78%, foram destinados a investimentos da Petrobrás ou com sua participação. O BNDES operou, nesses casos, como canal de transferência de recursos do Tesouro, a custo reduzido, para a estatal.

Um dos projetos incluídos no PAC - e mencionado no relatório - é a implantação, pela Fíbria, de uma linha de produção de celulose branqueada. Essa empresa surgiu quando a Votorantim comprou a Aracruz, em 2009. O empréstimo foi um desdobramento dessa incorporação.

A transação foi possibilitada pelo apoio do BNDES, numa evidente operação de salvamento, justificada, oficialmente, pelo interesse em criar uma empresa líder no mercado mundial, etc. Argumentos de igual valor seriam aplicáveis à prestação de socorro a outras empresas. Pode-se tentar justificar a decisão, mas isso não a torna mais transparente nem menos arbitrária.

O mesmo grau de arbítrio ocorre no uso do Tesouro para reforçar o caixa de um banco estatal. Em fevereiro deste ano, o economista Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central (BC), alertou para a tentativa de ressurreição de um animal jurássico, a conta movimento, extinta em 1986. Essa conta, criada nos anos 60, permitia a transferência de dinheiro do BC para o Banco do Brasil. Foi uma das causas das enormes pressões inflacionárias observadas no período. Outros especialistas lançaram a mesma advertência nos meses seguintes.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-diretor do BC e ex-presidente do BNDES, chamou a atenção, em artigo publicado na semana passada, para os perigos da recriação da conta movimento, desta vez montada como um canal direto entre o Tesouro e o banco de desenvolvimento. "No fim das contas há uma aterrorizante semelhança entre a versão da conta movimento do Banco do Brasil dos governos militares e a versão atual do governo Lula", escreveu o economista. O governo está criando um ovo de serpente, advertiu. O bicho nascerá nos próximos anos, sob a forma de sérios desequilíbrios, se o ovo não for logo exterminado.

sábado, 26 de junho de 2010

Como torrar o meu, o seu, o nosso dinheiro (e não responder por isso)...

Tesouro tem custo de R$ 66 bi com aportes ao BNDES
Vera Saavedra Durão, do Rio
Valor Econômico, 25/06/2010

O custo fiscal dos dois empréstimos feitos pelo Tesouro ao BNDES pode chegar a R$ 66,6 bilhões. Um estudo feito pela área financeira do BNDES calcula em R$ 36,6 bilhões o custo que o Tesouro terá de bancar pelo primeiro empréstimo, de R$ 100 bilhões, feito em 2009. A pedido do Valor, os técnicos fizeram uma estimativa muito simplificada do custo do segundo empréstimo, de R$ 80 bilhões . A perda fiscal, nesse caso, ficaria em torno de R$ 30 bilhões. As perdas ocorrem porque o dinheiro emprestado ao BNDES a longo prazo tem a TJLP como indexador - 6% ao ano -, enquanto o custo de captação do Tesouro é referenciado na Selic, hoje em 10,25% ao ano.

O estudo mostra que a diferença entre as taxas dos R$ 100 bilhões repassados ao banco em 2009 corresponde a R$ 1 bilhão ao ano. A remuneração média do empréstimo ao BNDES é de TJLP mais 0,63% ao ano, correção que vai incidir sobre o principal da dívida, cuja carência é de cinco anos.

O economista Thiago Rabelo Pereira, chefe do Departamento de Renda Fixa do banco, é o autor do trabalho "O papel do BNDES na Alocação de Recursos: Avaliação do Custo Fiscal do Empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pela União em 2009". Ele adverte que o valor exato dos juros sobre a capitalização do banco só poderá ser conhecido no fim do financiamento. E poderá ser bem menor do que a quantia estimada hoje.

"Caso a tendência da TJLP e da Selic seja de convergir no longo prazo, essa estimativa pode ser bastante reduzida". A projeção, explica, foi feita com base em curvas de juros futuros do mercado e da BM&F que embutem prêmios de risco. "Numa extrapolação linear muito simples, pode-se calcular que o custo do empréstimo de R$ 80 bilhões é de R$ 800 milhões ao ano". Como o prazo é de 40 anos, a conta vai a R$ 30 bilhões.


Leia a íntegra do estudo do BNDES

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Escondendo a farsa - Miriam Leitao

A tubulação
Miriam Leitão
O Globo, 28/05/2010

Quem vê o reluzente superávit primário do setor público pode concluir que está tudo tranquilo com as contas públicas. Infelizmente, não está. O governo teve déficit primário dois meses seguidos, a melhora ocorreu pelo crescimento do PIB. Há sinais apavorantes nas contas públicas, entre elas o que o professor Rogério Werneck define como "tubulação ligada entre o Tesouro e o BNDES".

Há vários sinais de preocupação.

O governo tem aumentado seus gastos acima do crescimento do PIB e isso, a médio e longo prazo, é insustentável. O Brasil já tem uma carga tributária exagerada, impostos mal distribuídos e alíquotas que se transformam em barreira ao crescimento sustentado.

Não há austeridade fiscal, nem controle de gastos. O superávit só aconteceu em abril porque a receita está subindo. A arrecadação em abril aumentou 22%.

— O governo brasileiro é uma máquina de gastar e tem contornado todas as formas de controle. O regime fiscal está montado para funcionar com a receita crescendo sempre o dobro do PIB, o tempo todo. Se fosse cauteloso, o governo deveria aproveitar o excesso de arrecadação para baixar as alíquotas.

Essas alíquotas altas foram criadas numa época em que o sistema de arrecadação era mais ineficiente.

Agora, tem se tornado mais e mais eficiente. Houve uma crise na receita, mas ela foi superada, o país está crescendo.

Tudo isso levou ao resultado positivo, mas o governo afirma que está sendo austero por ter resultado positivo.

Na verdade, está aumentando os gastos de forma irreversível, aproveitando a elevação da arrecadação.

Desta forma vamos para uma carga de 40% do PIB — diz o professor da PUC-Rio Rogério Werneck, especialista em contas públicas.

O que mais preocupa o economista é a tubulação ligando o Tesouro ao BNDES.

— De tudo o que mais me preocupa é o BNDES. Ele tem recebido recursos de fora do orçamento, centenas de bilhões de reais de emissão de dívida pública para a concessão de crédito subsidiado. O governo descobriu essa forma e pensa que ela é mágica. Por essa tubulação podem agora passar quantos bilhões forem necessários para obras faraônicas, para financiar Belo Monte a 30 anos e 4% de juros, para fazer o trem bala. Tem dinheiro para tudo.

É uma gambiarra que na prática é emissão de dívida — diz Rogério.

Esse dinheiro contorna tudo, até a contabilidade da dívida pública líquida, porque o governo registra como ativo o dinheiro emprestado ao BNDES. Assim, ele dá a impressão de austeridade.

— Nada acontece com a dívida líquida, mas essa estatística não faz mais sentido de tanta gambiarra feita pelo governo. Ele está bombeando dinheiro para o BNDES e pouca gente fala disso porque o empresariado foi todo cooptado. Antes havia dinheiro para alguns, e os outros reclamavam.

Agora parece haver dinheiro para todos e ninguém quer apontar o problema — diz o economista.

Essa despesa além de não ser mensurável encontra um bloqueio de informações por parte do governo.

O "Estado de S. Paulo" passou um mês pedindo ao Tesouro e ao BNDES informações sobre as condições dos "empréstimos" concedidos, e eles se negaram a fornecer detalhes. Só em abril foram R$ 80 bilhões de empréstimos, e com juros ainda mais baixos e prazos superiores a 30 anos. Em um único mês, a dívida cresceu 6,6% por causa dessa operação. A Controladoria Geral da União (CGU) também procurou saber as condições dessas operações financeiras para executar seu trabalho de fiscalização.

O BNDES alegou à CGU que não pode dar detalhes porque é uma instituição financeira e esses detalhes, se tornados públicos, representariam quebra de sigilo fiscal e bancário.

O banco recebe dinheiro de endividamento público — dívida que será paga por todos nós — em condições sigilosas e com esse dinheiro financia as empresas com um enorme subsídio. A CGU pede informações e o banco diz que isso quebra seu sigilo bancário. Curiosa alegação, já que o BNDES não é banco comercial e sim uma instituição pública financiada por recursos públicos.

O caso BNDES é apenas um dos problemas que os reluzentes números escondem.

Há 20 anos a carga tributária cresce no Brasil e tende a crescer nos próximos anos porque o governo Lula criou uma armadilha: ele aproveitou o aumento da receita nos anos anteriores à crise para aumentar gastos que não poderão ser comprimidos na época das vacas magras.

No ano passado, a pretexto de combater a crise, ele reduziu drasticamente o superávit primário e consumiu esses recursos em gastos de custeio. O investimento aumentou apenas de 5% para 6% da Receita Corrente Líquida. Esse aumento da máquina pode ter, em vários casos, boas justificativas como a necessidade de pessoal qualificado em áreas de atuação exclusiva do Estado, nos quais havia falta de pessoal ou a idade média é elevada. O problema é que essa renovação do pessoal teria que ter sido precedida de novas regras administrativas e previdenciárias para dar mais flexibilidade ao Estado quando a conjuntura mudar.

O Tesouro tem drenos pelos quais escorre para centros de gastos o dinheiro que é recolhido de todos os brasileiros. Por isso, o assunto nos diz respeito.