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domingo, 15 de agosto de 2010

OMC e Brasil: regras pouco transparentes suscitam questionamentos

A matéria objeto do editorial do Estadão, abaixo, é uma das mais importantes questões relativas à falta de transparência das políticas comercial e industrial do Brasil, e também ilustra como o cipoal irracional de tributos e subsídios seletivos pode causar problemas ao Brasil no exterior.
Em lugar de praticar uma política uniforme, homogênea, previsível e sobretudo simples, clara, igualitária para todos os agentes econômicos, o governo -- que labuta continuamente para aumentar suas fontes de receitas -- acaba concedendo favores especiais a grupos, setores ou mesmo companhias escolhidas a dedo, num total desrespeito para com o conjunto de contribuintes e consumidores, que somos todos nós, e numa notável falta de transparência em relação a nossas obrigações multilaterais, daí os questionamentos previsíveis.
O Brasil necessita, urgentemente, uma reforma tributária simplificadora e sobretudo redutora dos imensos encargos que tem de ser suportados pelas empresas nacionais, que assim não conseguem competir no exterior. Em lugar de equalizar as condições de concorrência, o governo fica concendendo favores a quem chora, e cria essa selva de disposições ad hoc que só complicam a vida de todos, agentes nacionais, advogados, competidores estrangeiros e organismos internacionais.
Trata-se de mais uma manifestação de irracionalidade continuada.
Paulo Roberto de Almeida

A OMC e o caso BNDES
Editorial - O Estado de S.Paulo
15 de agosto de 2010

Os parceiros comerciais do Brasil, os concorrentes e a Organização Mundial do Comércio (OMC) pedem esclarecimentos sobre as operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Querem saber se os empréstimos são concedidos com subsídios incompatíveis com as normas internacionais. Brasileiros também gostariam de saber mais sobre essas operações, pouco transparentes e muito mal justificadas por dirigentes do banco, pelo ministro da Fazenda e por outros defensores - incluído o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, cuja veemência na defesa do banco é mais um motivo para que se exija da instituição a maior transparência possível.

A OMC examina periodicamente as políticas dos países sócios. É um exercício rotineiro, mas de grande importância para os participantes do comércio internacional. O relatório divulgado pela organização oferece uma ampla informação sobre as condições econômicas de cada país e sobre suas práticas comerciais. Durante as consultas, diplomatas de vários países - e o número é tanto maior quanto maior o peso do sabatinado - participam da formulação de perguntas e expressam suas dúvidas sobre os temas discutidos.

Embora a consulta seja parte da rotina da OMC, o governo do país submetido a exame tem de estar preparado para defender suas políticas e mostrar a conformidade de suas ações com o sistema internacional de regras. Em Genebra, sede da OMC, diplomatas manifestaram a intenção de pressionar os colegas brasileiros para obter explicações sobre os financiamentos à indústria. Alguns já informaram estar trabalhando num "dossiê BNDES".

O interesse é explicável por vários fatores - o volume dos empréstimos à indústria, os custos às vezes menores que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e a importância do banco no financiamento à exportação. Além disso, o governo brasileiro atrasou a remessa das informações. Deveria tê-las mandado em 2009.

Segundo o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, Carlos Márcio Bicalho Cozedey, o governo dará toda informação relevante, mas deixará de notificar a maior parte dos programas do BNDES.

De acordo com a interpretação de Brasília, esses programas não envolvem subsídio. Como são empréstimos de longo prazo e no Brasil não existe mercado para esse tipo de financiamento, não se dispõe de um padrão para comparar com os juros do BNDES, explica o diplomata.

Só com o debate se saberá se esse tipo de argumentação será convincente para os diplomatas estrangeiros e para os funcionários da OMC envolvidos na consulta. No último exame das políticas de incentivos, americanos, europeus e argentinos pediram explicações sobre a chamada MP do Bem, editada para aliviar a carga fiscal de indústrias exportadoras.

O episódio da MP do Bem ilustra uma das mais importantes distorções da política brasileira. Aquela MP não concedeu à indústria brasileira nenhuma vantagem especial em relação às empresas concorrentes. Somente serviu para reduzir um pouco da absurda tributação sobre as exportações do País.

O governo já lançou outras medidas com objetivos semelhantes. O problema em relação às normas internacionais não existiria, e ninguém cobraria explicações, se o sistema tributário brasileiro fosse menos irracional e mais adequado às necessidades de uma economia aberta.

Enquanto o sistema não for reformado, o governo brasileiro continuará forçado a justificar-se perante parceiros e competidores, embora as exportações do País sejam muito menos subsidiadas que as de várias potências altamente desenvolvidas.

O governo tem errado, portanto, duplamente. Em primeiro lugar, por haver negligenciado uma efetiva política de competitividade. Uma bem desenhada reforma dos impostos seria um item essencial dessa política. Mas o governo preferiu o caminho mais confortável e produziu remendos muito suspeitos para o olhar estrangeiro. Em segundo lugar, errou ao conceder financiamentos em condições favoráveis a grupos selecionados arbitrariamente, usando para isso até recursos do Tesouro. Brasília não deve explicações apenas na OMC. Deve-as, antes de mais nada, aos cidadãos deste país.

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