O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador China. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador China. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 25 de março de 2019

Da velha Guerra Fria geopolítica à nova Guerra Fria Econômica - Paulo Roberto de Almeida

Aproximadamente dez anos atrás, no final de 2009, ao preparar-me para passar oito meses na China, durante a Exposição Universal de Xangai, a realizar-se de maio a outubro de 2010, redigi o primeiro rascunho de um ensaio, depois elaborado e divulgado durante aquela estada, no qual eu me manifestava sobre a substituição da antiga Guerra Fria, de natureza geopolítica, por uma nova Guerra Fria Econômica, cujos principais protagonistas seriam os Estados Unidos e o gigante asiático, então ainda flexionando seus músculos econômicos e militares para o exercício de uma futura preeminência mundial.
Embora sequer aberta ou declarada naquela ocasião, eu já dizia que se podia declarar a China como vencedora potencial da nova contenda geoeconômica, simplesmente porque ela possuía a estratégia adequada para esse tipo de embate. Creio que esse cenário está em pleno desenvolvimento nos dias que correm.
Cabe reconhecer que o governo Trump vem facilitando enormemente esse desenlace fatal, na medida em que o presidente mercantilista e protecionista colabora na aceleração desse processo, ao retirar os EUA da globalização e ao deixar os chineses livres para implementar de forma praticamente desimpedida seu intento globalizador — agora traduzido na estratégia “Belt and Road Initiative” —, desta vez com parceiros do próprio G7, como a Itália, ademais de outros sócios menores do império americano, como a Nova Zelândia, por exemplo, que também se prepara para aderir.
A nova Guerra Fria Econômica refaz a história mundial de antes da época dos descobrimentos ultramarinos, ao levar, desta vez, produtos e serviços chineses ao coração da Eurásia e ao seu promontório ocidental, em lugar de serem os antigos mercadores ao estilo de Marco Polo a penetrar nos poeirentos caminhos da velha Rota da Seda até o império então dominado pelos sucessores de Gengis Khan.
Sinto-me gratificado por ter antecipado em dez anos uma evolução que já então me parecia inevitável. Vou buscar e postar novamente neste espaço aquele meu ensaio antecipatório.
E o que faz o atual chanceler brasileiro em face desse cenário? Ao que se tem notícia, ainda recentemente ele estava criticando uma inexistente “China maoísta”, uma fantasmagoria desfeita quatro décadas atrás. Numa aula "mínima" dada aos estudantes do Instituto Rio Branco até confirmou, ridiculamente, que nós, brasileiros, podíamos vender nossos produtos primários à China, mas que "não iríamos vender a nossa alma". 

O próprio presidente desmentiu-o imediatamente, ao anunciar que iria visitar a China ainda este ano, antecipando os grandes negócios que o Brasil poderia fazer com o gigante asiático.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25/03/2019



Ver o artigo de João Paulo Charleaux, "Como a China busca reeditar a antiga Rota da Seda", no jornal digital Nexo (23/03/2019), para o qual contou com a colaboração de Oliver Stuenkel, professor na FGV-SP e grande especialista do "mundo pós-ocidental" – título de um de seus livros –, explicando como a China administra esse grande projeto, "no qual a China aparece como principal potência do mundo, dona de um passado glorioso":

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/03/23/Como-a-China-busca-reeditar-a-antiga-Rota-da-Seda?utm_source=socialbttns&utm_medium=article_share&utm_campaign=self&fbclid=IwAR2FFJfVv_tSPpCGZAWeiV46Rc77TGZmSIid5O5PkSPa1e6vvCL2XbxZQKc 

De fato, como explica Stuenkel, trata-se de um passo "muito importante", uma vez que a Itália é o primeiro "país do G7 a aderir [ao projeto], o que dá uma legitimidade a mais. Mostra que isso não é um projeto só para países pobres e desesperados por recursos."

sábado, 16 de março de 2019

China: como eliminar a pobreza no espaco de uma geracao? - Alvin Powell (Harvard Gazette)

A China é um caso único na história econômica mundial, um caso excepcional na história tout court. Nunca antes na história da humanidade – digamos, nos últimos dez mil anos – uma sociedade, uma comunidade, já dotada de um Estado funcional, reduziu a pobreza de maneira tão rápida, tão espetacular, tão exemplar, quanto a China, ainda que preservando estruturas políticas autocráticas, de fato uma ditadura quase orwelliana, sem qualquer tolerância com a dissidência, mas já com alguma abertura na vida diária (desde que não se conteste o intolerante monopólio do poder político pelo Partido Comunista, cujo líder inicial, o delirante Mao, provocou dezenas de milhões de mortos durante sua tirania demencial). 
Mas, o sucesso econômico da China, mesmo que não possa ser replicado em outros países, merece, sim, ser estudado, pois outros países de base agrária atrasada podem aprender com a liberação econômica gradual sobre os mercados e as atividades econômicas de modo geral, o que pode ser visto a partir da tolerância demonstrada por Deng Xiaoping em relação à reapropriação das terras anteriormente pertencentes às comunas populares pelas famílias camponesas. O restabelecimento dos mercados com produtos privados e a aceitação dos investimentos diretos estrangeiros fizeram o resto, e aí o crescimento econômico passou a ser conduzido mais pelos capitalistas privados do que pelos burocratas e mandarins do Estado.
Ninguém pode replicar o caminho da China para o desenvolvimento, mas medidas adotadas de abertura econômica e de liberalização comercial podem, sim, ser repetidas por outros países.
Paulo Roberto de Almeida

Harvard's many research ties to that nation reflect broad engagement, as President Bacow visits

Nara Dillon's work in China seeks lessons from the country's successful battle against poverty that might be applied elsewhere.
Nara Dillon's work in China seeks lessons from the country's successful battle against poverty that might be applied elsewhere. 
Kris Snibbe/Harvard Staff Photographer
China learned from other nations as it modernized its economy and embraced aspects of capitalism, but knowledge flows in both directions. Now, one Harvard scholar thinks there may be lessons for the rest of the world in a great Chinese success story: slashing poverty.
Between 1990 and 2015, China reduced extreme poverty by 94 percent, a change so dramatic and affecting so many people that it accounts for fully half of the global reduction in extreme poverty (defined as living on less than $1.25 per day) over that time. In fact, according to senior lecturer on government Nara Dillon, the United Nation’s 2015 announcement that it had achieved its Millennium Development Goal of halving global extreme poverty would have been impossible without the gains in China.
Dillon said her research on China’s antipoverty programs may have limited value in developed nations where such extreme poverty is uncommon, but it likely has important implications in the developing world, where not only is extreme poverty common, but where the agricultural landscape of many small subsistence farms mirrors China’s.
“I think it’s most relevant to other developing countries where farmers are still a large part of the population,” Dillon said.
Dillon’s work is part of Harvard’s broad intellectual engagement with China that dates back to the 1800s, when famed plant collector Ernest H. Wilson began gathering samples of East Asian flora for the Arnold Arboretum and Chinese scholar Ko K’un-hua became the first instructor to teach the Chinese language here.
This week, President Larry Bacow becomes the latest Harvard leader to visit China. His trip, scheduled for spring break week, from Sunday through March 23, will take him to Hong Kong, Shanghai, and Beijing, where he’ll deliver a speech at Peking University. He will visit Japan after leaving China.
After Harvard’s initial engagement with China, the ties expanded through the 20th century as  early, tenuous connections strengthened and diversified into a robust scholarly and intellectual exchange that led to the founding, more than 60 years ago, of the Fairbank Center for Chinese Studies. Named for John King Fairbank, a founding figure of Chinese studies in the U.S., the center was the primary home for Chinese study at Harvard. Its director, Michael Szonyi, the Frank Wen-hsiung Wu Memorial Professor of Chinese History, said the scholarly connections between Harvard and China have overflowed the center’s walls and now encompass all of Harvard’s Schools and a wide array of disciplines.
The Fairbank Center’s role remains central, said Szonyi — who visited China 10 times last year — but in many cases it is one that coordinates and assists the work of scholars in the University’s disparate Schools.
Today, a search for “China” in the Harvard course catalog turns up more than 90 classes as diverse as Chinese language studies (through the Department of East Asian Languages and Civilizations, founded in 1937), foreign policy, economics, art, cinema, sustainable development, and even “forbidden romance.” The 1,000 or so Chinese students studying at Harvard make up the School’s largest group from outside the U.S., and many Chinese scholars and faculty members teach and conduct research. Harvard students and faculty members travel regularly to China — the University’s most popular destination for travel abroad — and say that collaborations with Chinese researchers are critical if they are to advance work in a number of disciplines.
“In many fields, the best work is being done in China by Chinese researchers,” said Mark Elliott, Harvard’s vice provost for international affairs and the Mark Schwartz Professor of Chinese and Inner Asian History. “What I hear from a number of Harvard faculty is that in order to be at the top of the game, you have to make connections with Chinese scholars.”
In addition to the Fairbank Center and the Department of East Asian Languages and Civilizations, Harvard is home to the Harvard-Yenching Institute, which was established in 1928 and pioneered many  scholarly connections with China; the Harvard-China Project on Energy, Economy, and Environment; the Harvard China Fund, which provides University-wide funding for China-related work, internships, and summer school; and the China programs of the Ash Center for Democratic Governance and Innovation, which foster policy-focused investigation and education, including executive education.
The University also has a permanent footprint in Shanghai with the Harvard Center Shanghai, sponsored by the China Fund and Harvard Business School, and runs — via the Harvard-China Project and with Tsinghua University colleagues — a long-running air-quality monitoring station north of Beijing, with a second in the works south of the city. The two stations will provide before-and-after samples for a comparative analysis of the air entering and leaving the metropolis.
Bacow’s trip comes at a time of problematic relations between the U.S. and China and also of heightened internal tension in the Asian giant, which has led to crackdowns that have affected everyone from academics to ethnic minorities.
Despite such tensions, it is important that engagement continue and that academic inquiry remain free of influence, Szonyi said. Relations between governments ebb and flow according to the foreign-policy vagaries of the moment. Over time, however, scholarly engagement not only bears fruit through new findings and discoveries, but it provides a stabilizing influence between nations and maintains communication lines at a subnational level, between scientific colleagues, between students who have become acquainted during summer programs, and between former mentors and students who may have gone on to hold positions of influence. In addition, Elliott, Szonyi, and other Harvard faculty emphasize the importance of continued engagement to support Chinese colleagues experiencing government pressures and to express concerns that domestic voices in China may be unable to express.
In recent years, Harvard’s China engagement has borne much fruit. Harvard researchers have spotlighted Coca-Cola’s outsized influence on obesity science and policy in China; examined the potential for military conflict between the two nations; run large-scale experiments aimed at improving health care delivery; launched a $3.75 million project to investigate energy development and climate change; documented the government’s millions of fake social media posts aimed at influencing public opinion; written a best-selling book about major Chinese philosophers; studied the slow emergence of private philanthropy; and published an award-winning translation of the complete works of Du Fu, considered one of China’s greatest poets.

Related

Dillon’s research is one example of the many lines of investigation now underway. Her work on China’s anti-poverty programs tracks much of their success to two major reforms in the 1980s. The first one abolished collective farms in favor of a system in which individual farmers hold long-term leases on  land and can keep the proceeds from any surplus sold in private markets. The change resulted in a surge in agricultural production and family incomes.
The second reform was a dramatic increase — as much as 91 percent in the case of some grains — in the prices the government pays for agricultural products. Those two reforms marked the end, Dillon said, of rural farm policies borrowed from the Stalinist Soviet Union that intentionally kept rural living standards low so that the economic surplus could be invested in urban and industrial development.
The lessons from the Chinese reforms, Dillon said, are probably most applicable in developing nations whose economic policies, albeit under a capitalist system, seek to encourage industrialization and urbanization over rural agriculture. From a poverty-reduction standpoint, Dillon said, the Chinese success was largely reached by doing the opposite: incentivizing and benefiting rural agriculture. And, with so many small farms across the Chinese countryside, the improvement in life for farmers meant a broad-based boost in the national standard of living. Ironically, she said, it is more common for rich nations to subsidize their agriculture industries.
“The broader lesson that countries can draw is to reduce the urban bias in their development policies,” Dillon said. “One of the ironies of these kinds of agricultural development policies is that rich countries subsidize farmers and poor countries don’t. They often make farmers subsidize urbanites.”

sábado, 9 de março de 2019

Os jesuitas na corte imperial chinesa (XVI-XVIII) - Carmen Lícia Palazzo

Tenho o prazer de transcrever neste meu blog o artigo de Carmen Lícia Palazzo sobre as interações entre jesuítas e chineses, mandarins da corte imperial em especial, nos séculos XVI a XVIII, que é explícito sobre a importância cultural dessa influência recíproca.
Paulo Roberto de Almeida

Os Jesuítas como atores privilegiados na comunicação de imagens da China para a Europa: século XVI a XVIII.
Carmen Lícia Palazzo
(Artigo publicado pela Revista da Universidade Tuiutí, do Paraná.)
Resumo: O presente artigo trata do papel dos jesuítas na divulgação de informações sobre o império chinês entre os séculos XVI e XVIII, informações estas que foram parte essencial na construção do imaginário ocidental sobre o Extremo Oriente. Os escritos dos inacianos circularam entre a elite letrada europeia, transmitindo múltiplas visões que refletiam seu fascínio por vários aspectos da sociedade chinesa. As fontes de pesquisa utilizadas se constituem nos relatos e cartas produzidos pelos jesuítas nos longos anos nos quais foram protagonistas, junto com o mandarinato chinês, de um rico processo de encontro de culturas. A análise das referidas fontes levou à conclusão de que os padres da Companhia de Jesus, em suas muitas atividades, integraram-se de modo excepcional na sociedade chinesa, alcançando posições de prestígio junto a diversos imperadores das dinastias Ming e Qing. Tal integração refletiu-se em suas opiniões muitas vezes favoráveis ao Confucionismo e a diversas práticas e representações do Império do Meio, o que atraiu críticas, em geral vindas de outras ordens que não aprovavam o método inaciano de missionação. Permaneceu, porém, no imaginário ocidental, o fascínio pela China largamente motivado pelas informações dos jesuítas.
Palavras-chave: Jesuítas. China. Encontro de culturas.
Introdução:
O fascínio do Ocidente pela China não é recente. Na Idade Média, diversos viajantes percorreram uma vasta rede de estradas, desertos e oásis que posteriormente, no século XIX, passou a ser conhecida como Rota da Seda. Muitos deles, como Pian di Carpine, Guilherme de Rubruck, Marco Polo e Odorico de Pordenone não apenas se aventuraram na difícil travessia da Ásia mas também deixaram relatos de grande valor histórico e antropológico sobre seus contatos com mongóis, chineses, tibetanos, uigures e tantos outros povos até então pouco conhecidos dos europeus (Palazzo, 2011).
A partir do século XVI, à medida em que se intensificavam as relações comerciais da Europa com a região do Pacífico, crescia também o interesse do papado pela expansão das atividades missionárias na Ásia. Franciscanos, dominicanos e jesuítas, entre outros, eram enviados para catequizar as populações do Oriente. Em algumas situações, como nas ilhas Filipinas conquistadas pelos espanhóis, as missões vinculavam-se a um projeto colonizador, mas não era este o caso da China. Os portugueses que se estabeleceram na concessão de Macau estavam interessados na península macaense como apoio para ampliar o comércio na região, tendo demonstrado sempre muito cuidado em não sinalizar nenhuma intenção de conquista do Império do Meio.
As atividades de catequese no interior da China vão se desenvolver com características bastante distintas das que se realizaram em territórios coloniais, tanto na Ásia quanto nas Américas portuguesa e hispânica, e o relacionamento dos missionários com os chineses também ganhará contornos próprios com um intenso e fecundo diálogo entre as partes. Os inacianos adotarão uma estratégia de aculturação durante os quase duzentos anos nos quais serão também protagonistas de uma densa comunicação com a Europa, através de relatos e cartas largamente difundidos entre os séculos XVI e XVIII.
A comunicação de suas atividades sempre ocupou um papel central no trabalho de missionação dos jesuítas. As fontes que são analisadas no presente artigo destinavam-se a uma ampla divulgação entre os leigos, ao contrário de cartas e relatórios que foram escritos apenas para leitura interna da Companhia de Jesus. A partir destes textos tornados públicos logo após a sua produção é possível lançar alguma luz sobre as imagens da China que, tendo circulado, influenciaram as visões europeias do Império do Meio. Tais imagens evidenciam, também, as características de um relacionamento excepcional que se desenvolveu por um longo tempo com base na curiosidade mas também na admiração pelo Outro.
O aprendizado em Macau
A China imperial, ciosa de sua força em grande parte enraizada no reconhecimento de tradições milenares e em uma férrea estrutura hierárquica, estava longe de ser um terreno fértil para a atividade missionária. O poder centralizado na Corte era exercido em todo o território, com a autorização do imperador, pelos mandarins, que se constituíam na elite letrada do país, selecionados sempre através de um rígido sistema de concursos.
A solução encontrada pelos jesuítas para a aceitação de suas atividades no interior do império foi tanto o aprendizado do idioma quanto a total familiarização com os comportamentos e códigos de conduta daquela sociedade. Como ponto de partida para suas atividades, foi importante a existência do enclave português de Macau, primeira etapa para contatos com os chineses e especialmente para o estudo da língua. Os missionários que tinham como objetivo entrar na China continental faziam da península macaense apenas o ponto inicial de seu aprendizado, diferente dos padres que ali se fixavam para atender aos católicos portugueses e a alguns asiáticos convertidos.
A cidade de Macau nasceu no lugar de uma antiga aldeia chinesa que vivia da pesca de caranguejos e de ostras, sendo conhecida como Haojing, “espelho de ostra” (Barreto, 2006, p.17-18). Porto pesqueiro, mas também escala ideal para comerciantes a caminho de Cantão e de outros portos no sudeste asiático, atraiu a atenção dos viajantes, e o estabelecimento luso foi se dando de forma gradual, sem o objetivo de uma expansão territorial mais ampla.
O rei D. João III de Portugal, sucessor de D. Manuel, entendeu desde muito cedo que os comerciantes portugueses teriam um importante papel a desempenhar no relacionamento com a China, favorecendo também a ampliação do intercâmbio com boa parte da Ásia. O monarca, então, “(…) optou por abandonar os planos de intervencionismo estatal reformulando os princípios políticos do relacionamento com o Império chinês.” (Alves, 1999, p. 58).
A dinastia Ming, no poder desde 1368, não possuía uma diretriz única com relação ao estabelecimento de estrangeiros na periferia do Império. O que se pode deduzir da leitura de grande parte das análises referentes aos primórdios da instalação dos
portugueses em Macau é que o mandarinato estava, em geral, bastante dividido, com algumas hostilidades evidentes mas também com inúmeros casos de apoio e de clara coincidência entre os interesses lusos e chineses, quase sempre ligados ao lucro do comércio marítimo.
Longe de se constituir em um enclave exclusivamente europeu, Macau era multifacetada e certamente multiétnica. Pequena em extensão, era povoada por chineses, portugueses, malaios, entre muitos outros mercadores e suas famílias. Dentre as diversas comunidades de religiosos católicos que ali se estabeleceram com o objetivo de dar apoio espiritual aos cristãos locais, a mais influente era a dos jesuítas, em “(…) regra geral juízes de paz de Macau e elite letrada nos contatos com as autoridades oficiais da Ásia Oriental” (Barreto, 2006, p.137).
Foi certamente a península macaense que propiciou aos inacianos o aprendizado inicial sobre a China. O contato entre europeus e asiáticos era ali uma realidade e ocorria de maneira natural e diária. Assim, quando a Companhia de Jesus decidiu que enviaria seus missionários para o interior do Império, o enclave português se mostrou um excepcional ponto de partida para o estudo do idioma e o contato com os hábitos chineses.
No domínio das línguas, a diferença e a novidade de Macau residem na aprendizagem contínua de múltiplas línguas orais e escritas. Macau torna-se, na época, lugar único onde, ao mesmo tempo, é possível aprender português, latim, chinês e japonês, onde existem mestres asiáticos e europeus que dão cursos de iniciação ou aprofundamento a estas línguas
(…)
É da junção destas duas componentes, a mais prática e oral e a mais erudita de aprendizagem de língua também escrita, que nasce o facto de a cidade portuária ser o primeiro lugar por excelência de cruzamento de chinês e do japonês com o latim, português, castelhano, italiano (Barreto, 2006, p.314).
É importante destacar, porém, que a história de Macau e a da missionação no interior do império chinês se entrecruzam mas não se confundem. No presente artigo é analisada a atuação dos inacianos dentro do império, enfatizando a importância das imagens que eles transmitiram para a Europa, em seus textos, entre os séculos XVI e XVIII, e que alimentaram o que se constituiu em um crescente interesse pelo Oriente.
Imagens do Império chinês nos séculos XVI e XVII
A entrada de estrangeiros em geral, e não apenas de missionários, no interior da China, era uma empreitada difícil, pois dependia sempre de autorização do imperador. Entre os missionários, os pioneiros foram dois padres jesuítas italianos, Michele Ruggieri e Matteo Ricci. Ambos teceram boas relações com diversos funcionários da Corte e, com muita habilidade e paciência, acabaram conseguindo a permissão para deixar Macau e penetrar no interior do continente, onde estabeleceram missões em mais de uma cidade (Ducornet, 2010, p. 25; p. 48-52). A parte mais importante da estratégia escolhida pelos inacianos para dar início a um bom relacionamento com os funcionários-mandarins de diversos níveis, foi o aprendizado da língua, no que Matteo Ricci se destacou (Zhu, 2010, p. 22-25).
Ricci viveu durante 28 anos na China, de 1582 até 1610, ano em que faleceu em Beijing. Durante muito tempo aguardou a autorização imperial que também se fazia necessária para o estabelecimento na capital, o que nem sempre era permitido, mesmo para os que, como ele, já estivessem oficialmente instalados no interior do continente. A autorização foi conseguida somente em 1601 por influência de diversos relacionamentos que o missionário soube cultivar, demonstrando seus conhecimentos científicos e presenteando as autoridades locais com objetos trazidos da Europa e que não eram conhecidos na China.
O pesquisador Zhang Xiping enfatiza o interesse motivado pelo que era considerado “estranho” pelos chineses Esta curiosidade favorecia os jesuítas pois suscitava diversos encontros com as autoridades, que sempre tomavam a iniciativa de procurá-los.
Quando os chineses letrados começaram a se aproximar dos missionários, muitos deles o fizeram por curiosidade.
(…) relógios e prismas triangulares eram mostrados pelos jesuítas e jamais tinham sido vistos [pelos chineses]. Quando Michele Ruggieri e Matteo Ricci chegaram em Zhaoqing, o que atraiu o governador local foi justamente ambos os objetos. Em Nanjing, muitos oficiais e letrados foram visitar Matteo Ricci assim que souberam que ele havia levado coisas estranhas para a cidade (Zhang, 2009, p.38).
Em toda a história da missionação na China, fica muito claro que os europeus eram para os chineses o exótico por excelência, o Outro que causava estranhamento, que surpreendia. No entanto, no caso dos jesuítas, pelo domínio do idioma e assimilação aos hábitos locais, tratava-se também do Outro que se fazia próximo. Com relação a Matteo Ricci, sua excepcional capacidade para o aprendizado da língua permitiu que escrevesse vários textos em chinês, contando provavelmente com o auxílio de mandarins convertidos, com os quais se relacionava (Laven, 2001, p. 104-105). Tal fato, sem dúvida, colaborou para alçá-lo à condição de letrado, honra máxima na sociedade chinesa.
Para o estudo das relações entre o mandarinato e os inacianos e também para que se possa avaliar a transmissão de imagens da China para a Europa, a primeira e uma das mais significativas fontes é o importante texto deixado por Matteo Ricci e intitulado por ele mesmo Della entrata della Compagnia di Giesù e Christianità nella Cina, já quase concluído por ocasião de sua morte, em 1610 (Ricci, 2010). (1 )
A ele o padre Nicholas Trigault acrescentou dezenove páginas, traduzindo-o integralmente para o latim e levando para Roma tanto o original quanto a sua tradução. Em seguida, a partir do texto latino, foram realizadas outras traduções para diversos idiomas, o que ampliou sua divulgação na Europa, ainda que, de maneira equivocada, sob o nome de Trigault. Este, porém, autenticou o manuscrito em 26 de fevereiro de 1615 como sendo efetivamente de autoria de do jesuíta italiano e nunca lhe negou o crédito (Ricci, 2010, p. LVI).
Matteo Ricci foi um observador atento e perspicaz da sociedade chinesa. A formação intelectual dos inacianos capacitava-os para entender o mundo à sua volta, principalmente no caso daqueles que, como ele, tiveram acesso ao qualificado corpo docente do Colégio Romano, posteriormente denominado Universidade Gregoriana.
A época era também repleta de ambiguidades. O século XVI foi marcado pelas lutas contra os heréticos, pela Reforma protestante, pela Contrarreforma mas, igualmente, pelos avanços da ciência renascentista cujas bases estavam de fato lançadas desde a Idade Média. O acúmulo do saber já se fazia notar na Europa há mais tempo e a formação recebida por muitos homens da Igreja era, em alguns aspectos, bastante avançada. Entre os professores de Ricci no Colégio Romano estava o brilhante matemático alemão Clavius “(…) que projetou um novo e mais acurado calendário promulgado sob Gregório XIII em 1582 para substituir o Calendário Juliano, sendo portanto o pai de nosso moderno sistema de cômputo do tempo” (Hsia, 2010, p. 14)( 2).
Destacar a formação intelectual dos jesuítas e seu empenho em dominar o idioma dos mandarins permite que se entenda a receptividade que os padres encontraram nos contatos com muitos dos altos funcionários imperiais. Era muito bem visto pelas autoridades o interesse que os missionários da Companhia de Jesus demonstravam pela cultura chinesa e em especial pelo confucionismo.
Matteo Ricci e seu companheiro das primeiras incursões no interior do império, Michele Ruggieri, procuraram, como estratégia de integração à sociedade local, assemelhar-se a monges budistas, já que os jesuítas eram também religiosos e celibatários. Os inacianos passaram então a raspar a cabeça e a barba e a usar as mesmas túnicas dos bonzos (Fontana, 2011, p.44). Porém, com o tempo, Ricci foi se dando conta de que, na China, os monges budistas não tinham tanto prestígio quanto no Japão e, apesar de algumas exceções, a elite intelectual e administrativa era majoritariamente confucionista.
Cientes desta especificidade chinesa e contando com o total apoio do visitador e supervisor das missões na Ásia, Alessandro Valignano os jesuítas deram o que viria a ser considerado um passo decisivo para sua aceitação por parte do mandarinato: abandonaram o hábito budista e passaram a endossar as refinadas vestes de seda dos letrados, deixando crescer os cabelos e a barba. Integraram-se, assim, ao mais alto patamar do Império.
Foi a imagem dos missionários-mandarins (Kircher,1667) que passou a circular na Europa, mantendo-se até o século XVIII, mas não isenta de considerações críticas, principalmente por parte dos franciscanos. Em resposta às muitas críticas da época, Valignano, grande incentivador do estilo de missionação dos jesuítas na China e profundo conhecedor das sociedades asiáticas, escreveu um texto contundente no qual deixou bem claro o que considerava “calúnias” contra os padres da Companhia de Jesus. De acordo com Valignano:
“(…) quanto ao que diz Frei Martín [um irmão missionário franciscano] que vestem-se [os jesuítas] em trajes de chineses e que não tratam de conversão, é verdade que andam vestidos à maneira de letrados chineses e que trazem as barbas crescidas e também os cabelos até as orelhas (…) isto se fez por ordem minha e pelo parecer de muitas outras pessoas sérias e letradas da Companhia (Valignano, 1998, p. 88).
E, mais adiante:
(…) entendemos que os Padres, fazendo ofício de homens letrados, teriam mais fácil entrada com todos e poderiam melhor e com mais autoridade divulgar nossa santa lei para os chineses, e não se deve reprender e nem ironizar este método, como faz o frade, a quem parece que toda a religião consiste no hábito, o qual, ainda que seja bom, “não faz o monge”, como se diz nos cânones sagrados (Valignano, 1998, p. 89).
O frade ao qual Valignano se referia era Martín Loinez de la Ascención, um crítico contundente do trabalho dos inacianos no Oriente. O visitador, porém, destaca em sua Apología que outros franciscanos também deram informações “muito caluniosas e prejudiciais para a nossa Companhia, e bem diferentes e contrárias do que se passa na verdade” (Valignano, 1998, p.1).
O historiador Horácio Peixoto de Araújo também se refere às críticas e aponta que que uma das acusações mais frequentes que franciscanos e dominicanos faziam aos métodos de catequese dos jesuítas era a de que estes não enfatizavam de forma muito firme a imagem de Jesus crucificado (Araújo, 2000, p. 239). É verdade que os inacianos deram sempre preferência a belas reproduções de telas européias representando a Sagrada Família, pois certamente já haviam percebido, em seus

contatos com os letrados, que a cultura chinesa era voltada para a busca do equilíbrio e da beleza na arte, sem nenhuma evocação de sofrimentos físicos. É possível afirmar que a escolha de não enfatizar a imagem dolorosa de Cristo demonstrava justamente a sensibilidade dos inacianos para com o pensamento do Outro, evitando que a catequese se desse através de um choque cultural.
Em sua obra, Matteo Ricci demonstrou justamente esta capacidade de apreender muitas características da cultura chinesa, analisando-as com real interesse:
O maior filósofo entre eles é Confúcio que nasceu quinhentos e cinquenta e um anos antes da vinda do Senhor ao mundo e viveu mais de setenta anos de uma boa vida ensinando esta nação com palavras, obras e escritos; de todos é tido e venerado como o mais santo homem que teve o mundo. E, na verdade, naquilo que disse e na sua boa maneira de viver, de acordo com a natureza não é inferior aos nossos antigos filósofos, excedendo a muitos deles (Ricci, 2010, p. 28-29).
Ricci demonstra admiração pelos ensinamentos de Confúcio, ao qual se refere em diversas passagens de seu texto destacando, com muita propriedade, que os chineses não o consideravam uma divindade, honrando sua memória como homem e não como Deus (Ricci, 2010, p. 29). Tal afirmação permitia que os missionários aceitassem as homenagens prestadas a Confúcio pelos chineses convertidos ao catolicismo, sem considerá-las como manifestações de idolatria.
O papel de grande relevância que era exercido pelos letrados tanto na Corte quanto nas mais altas funções da administração impressionou favoravelmente Matteo Ricci, que fez também referência aos rigorosos exames imperiais (Ricci, 2010, p. 32-38). Estas imagens de valorização do mandarinato, do estudo e sobretudo da obra de Confúcio são difundidas na Europa em grande parte como consequência dos relatos dos jesuítas que olham com evidente admiração para um império que prestigia sua elite intelectual.
O processo de imersão na sociedade chinesa permitiu aos jesuítas que eles lançassem um olhar positivo sobre o Outro, reconhecendo as diferenças, buscando as semelhanças mas mantendo-se essencialmente europeus. De certa maneira, seus textos se assemelhavam a um trabalho de antropólogo, o que não era totalmente incomum nos relatos de alguns viajantes europeus da época. Segundo Mondher Kilani, tal trabalho “é o de mediação entre a identidade e a diferença” (Kilani, 1994, p. 14). Ainda de acordo com Kilani: “O exotismo não é a reconfiguração do Outro a partir do mesmo, pois isto seria certamente a sua perda, mas o reconhecimento fascinado de sua distância” (Kilani, 1994, p.12). Nesta perspectiva, é possível afirmar que os textos dos jesuítas mantém o fascínio da diferença, ainda que os padres tenham buscado a integração na sociedade chinesa, através de sua identificação com o mandarinato letrado.
Este caminho aberto pelos pioneiros Ruggieri e Ricci foi seguido por muitos inacianos que mantiveram comportamentos semelhantes de abertura para as possibilidades de aculturação, sem perder a capacidade do encanto pelas diversas qualidades do Outro. O padre português Gabriel de Magalhães, que viajou para Macau em 1636, entrou no continente chinês em 1640 e ali viveu até 1667. Escreveu um importante relato sobre a China, que foi levado para Roma em 1681 pelo jesuíta belga Philippe Couplet e, em seguida, traduzido para o inglês e o francês, e publicado no mesmo ano de 1688 em ambas as línguas (Abreu, 1997, p. 9). A obra foi reeditada várias vezes e, dada a sua repercussão, pode ser considerada também como formadora do imaginário europeu sobre o Império do Meio. Em algumas passagens, o jesuíta não poupa elogios aos chineses:
Que reino existe, por mais universidades que possua, que tenha mais de dez mil licenciados como a China, dos quais seis a sete mil se reúnem todos os anos, em Pequim, onde depois de rigorosos exames, se admitem 365 ao grau de doutor? Creio que não existe nenhum estado que tenha tantos estudantes quanto há de bacharéis na China, onde existem 80.000 e que não há país algum onde o conhecimento das letras seja tão universal e comum, pois que, nas províncias meridionais, principalmente, não há quase nenhum homem, pobre ou rico, burguês ou aldeão, que não saiba ler e escrever (Magalhães, 1977, p. 129-130).
Sem dúvida há muito exagero nas informações de Magalhães. No entanto, corresponde à realidade das sociedades asiáticas a valorização do conhecimento e o respeito aos mestres. Fica também muito clara a admiração do jesuíta pela China e a imagem altamente positiva que seu relato veiculou na Europa. Em outra passagem, escreve:

Têm [os chineses] romances e livros de cavalaria, muito engenhosos e interessantes, semelhantes ao “Amadis”, “Rolando” e “Dom Quixote” etc., volumes de Histórias e de exemplos, de obediência de filhos aos seus pais, de fidelidade dos súbditos aos seus reis, da Agricultura, de eloquentes “Discursos”, de “Poesias” agradáveis e de belas inspirações. “Tragédias”, “Comédias”, enfim, tratados sobre uma infinidade doutros assuntos. Têm tanta facilidade em compor que há poucos licenciados e doutores que não publiquem, pelo menos, uma de suas obras (Magalhães, 1977, p.130).
O missionário coloca os chineses na mesma posição dos europeus em matéria de criação literária e descreve a China como uma sociedade que se encontra no mesmo patamar de desenvolvimento da Europa, e até mesmo mais avançada na consideração pelos acadêmicos e no papel que eles representam dentro do Estado. A qualificação do mandarinato, composto de homens letrados, desperta especial admiração junto aos jesuítas, eles próprios vinculados ao mundo das letras e do ensino.
O Extremo Oriente, com sua estrutura social que valorizava uma rígida hierarquia e que reconhecia a importância do estudo para a formação de um corpo de funcionários que passava obrigatoriamente pelos exames imperiais, exercia enorme fascínio sobre os inacianos. A recíproca também era verdadeira e os chineses, desde o final do século XVI, manifestavam grande interesse nos conhecimentos europeus de astronomia, matemática e cartografia. A astronomia era de extrema importância na China pois o imperador era considerado como “Filho do Céu” e o representava na terra, preservando os ritmos cósmicos, as colheitas e tudo o que se relacionasse com aspectos da fertilidade (Dinis, 2000, p. 273).
Os jesuítas, que tinham recebido uma excelente formação na Europa e dedicavam- se ao aprendizado do mandarim, tinham condições de realizar também traduções de textos europeus para o chinês:
“(…) livros de preces, obras devocionais, catecismos, imagens européias copiadas na China e obras teológicas serviram à população convertida que atingiu um pico de 200 mil pessoas em 1700, antes de entrar em uma fase de lento declínio. A existência de reimpressões e as múltiplas cópias dessas obras em grandes bibliotecas chinesas e européias dão testemunho de sua função e seu sucesso” (Hsia, 2008, p. 58).
No entanto, não apenas nos grupos de chineses catequizados os escritos dos jesuítas eram dignos de atenção e respeito:
“Fora das comunidades convertidas, os textos europeus causaram um impacto considerável nas décadas iniciais do século XVII, especialmente na reforma do calendário, na Astronomia, na Matemática e em outras ciências. Além disto, vários textos de Matteo Ricci sobre temas tanto greco-romanos como cristãos tiveram grande circulação entre os literatos das áreas urbanas, graças à sua reputação.” (Hsia, 2008, p. 59).
É possível afirmar, a partir de uma leitura atenta dos relatos dos inacianos, que ocorreu um efetivo encontro de culturas entre o Ocidente e o Oriente, encontro este que foi possível em virtude dos comportamentos de ambas as partes. De um lado, os jesuítas estavam abertos aos contatos, interessados em conhecer efetivamente a uma civilização que tinham em alta conta, ainda que esperassem convertê-la ao cristianismo. De outro lado, a elite chinesa, em um império que se encontrava fechado ao exterior por temer a permanente ameaça de invasões das tribos do norte, dava-se conta de que a ciência ocidental havia avançado em áreas nas quais a China tinha estagnado (3). Este desejo de conhecer os avanços científicos da Europa ia ao encontro também do desejo dos missionários de mostrar os seus conhecimentos das ciências renascentistas para estabelecer uma base a partir da qual os contatos pudessem se desenvolver. Foi, portanto, um duplo movimento em relação ao Outro que teve como característica a consciência de que havia a possibilidade de troca, de diálogo entre ambas as partes.
Os jesuítas foram autorizados pelos sucessivos imperadores das dinastias Ming e Qing a fundar missões dentro do império podendo realizar conversões, com a condição de que não se opusessem aos rituais confucionistas e nem às cerimônias de culto aos ancestrais, fundamentos da sociedade chinesa. Em alguns casos, como o do alemão Adam Schall von Bell e o do flamengo Ferdinand Verbiest, chegaram a ocupar um dos mais altos postos destinados a mandarins-cientistas. Schall, e depois dele Verbiest, foram nomeados pelo imperador para o prestigiado cargo de Diretor do Observatório Astronômico e Tribunal das Matemáticas.
Adam Schall enfrentou muitas dificuldades, principalmente pela inveja que causou entre alguns mandarins dado seu grande prestígio e também pelo fato de ter apontado erros importantes no calendário chinês da época, que justamente foi corrigido pelos inacianos (Dunne, 1962, p. 349-366). Posteriormente, no entanto, foi reabilitado e seu túmulo ocupa um lugar de honra, ao lado de Ricci e de Verbiest logo na entrada do cemitério Jesuíta de Beijing.
O agudo senso de observação por parte dos jesuítas conferiu credibilidade às suas informações sobre a sociedade chinesa. Os inacianos foram reconhecidos, entre os séculos XVI e XVIII, na Europa, como fontes privilegiadas na comunicação de imagens da China. O interesse por seus relatos foi imenso, o que é comprovado por suas inúmeras reedições e traduções. A posição de autoridade da qual se revestiam, pelo fato de terem sido aceitos como iguais entre os letrados chineses, era também responsável pela recepção positiva dos seus textos.
Uma obra que marcou época como sendo um compêndio síntese da imensa aventura da Companhia de Jesus no Império do Meio foi a China Illustrata, também conhecida como China Monumentis (4), de Athanasius Kircher, cuja primeira, entre muitas edições, data de 1667. Embora Kircher não tenha sido missionário no Oriente, a referida publicação foi de grande importância e constituindo-se em um trabalho enciclopédico, em grande parte de compilação e reprodução de diversos relatos de missionários, com gravuras de excepcional qualidade artística (Kircher, 1667).
É importante, porém, salientar que a imagem positiva da China divulgada pelos jesuítas estava associada ao confucionismo e ao mandarinato confucionista. O budismo não recebeu a mesma atenção por parte dos missionários e muitas vezes foi alvo de duras críticas. Matteo Ricci, em mais de uma oportunidade, demonstrou claramente nos seus escritos a opinião negativa que tinha a respeito dos budistas. Considerava-os idólatras, o que não ocorria com o confucionismo, cujos rituais entendia como manifestações cívicas (Hsia, 2010, p. 242-243).
É possível afirmar, então, que o julgamento dos missionários em relação às crenças dos chineses era balizado pelas possibilidades de convertê-los ao cristianismo. Na opinião dos padres, o confucionismo não impediria a conversão, o que se revelou ao menos em parte verdadeiro, já que diversos mandarins abraçaram o catolicismo, preservando a fidelidade aos ensinamentos de Confúcio sobre a família, a hierarquia na sociedade e o papel do imperador. Já os budistas e sua organização monástica eram, aos olhos dos jesuítas, menos permeáveis à catequese, pois se estruturavam de maneira mais firme e com maior visibilidade imagética em torno de suas crenças. É também importante salientar que a preferência pelo confucionismo se deu devido ao fato de que os ensinamentos do mestre chinês valorizavam uma estrutura administrativa na qual os letrados ocupavam um papel central, e as funções de destaque do império eram exercida por um corpo de mandarins que foi bastante receptivo aos igualmente letrados jesuítas. De certa forma, era o espelhamento em um Outro que muito se aproximava do mesmo, já que a ênfase na educação era parte essencial da Companhia de Jesus.
As “Cartas edificantes e curiosas” do século XVIII
Entre as muitas informações produzidas pelos jesuítas e difundidas através da Europa no século XVIII estavam as chamadas “Cartas edificantes e curiosas”. Tais cartas foram enviadas pelos inacianos franceses estabelecidos em várias partes do mundo, a diversas personalidades, e depois publicadas com o objetivo de divulgar o trabalho de catequese e dar maior visibilidade para a Companhia de Jesus, buscando também apoio para a continuidade da atividade missionária. No caso das cartas que foram escritas a partir da China, mais do que os detalhes das conversões em si, que não eram em tão grande número a ponto de impressionar os europeus, os padres franceses fizeram questão de mostrar, principalmente, a posição de destaque que desfrutavam no Império do Meio.
A história da chamada Missão Francesa remonta a 1685, quando o rei Luís XIV enviou para aquele país um grupo de jesuítas que chegou a Beijing em 1688. Com tal decisão, o monarca ignorava o Padroado português que, ao menos teoricamente, detinha a exclusividade do controle da atividade missionária no Oriente.(5) Os jesuítas franceses eram cientistas de excelente formação e tinham sido escolhidos com o apoio da Academia de Ciências de Paris, que não se interessava diretamente pela atividade missionária mas desejava enviar para diversas partes do mundo pessoas capacitadas a coletar informações visando um amplo trabalho que estava realizando, de aperfeiçoamento da cartografia. A ideia de que os padres da Companhia de Jesus seriam os mais indicados para tal função na China devia-se ao fato, já então bem conhecido na Europa, de que eles desfrutavam de boa acolhida na fechada corte imperial, o que não era o caso de outros estrangeiros (Vissière & Vissière, 2001, p. 10-11).
A Missão Francesa, no entanto, foi muito além de um simples contato científico- missionário. Kang’xi, que ocupou o trono imperial entre 1662 e 1722, afeiçoou-se aos inacianos tornando-se um grande admirador de suas atividades, mantendo a aura de prestígio da qual eles já desfrutavam e integrando-os também durante seu longo reinado ao corpo dos grandes letrados do Império (Spence, 1988).
Das muitas cartas enviadas pelos jesuítas a seus correspondentes europeus, destaca-se a de Jean de Fontaney, escrita em fevereiro de 1703 para o padre de la Chaise, confessor do rei francês Luís XIV. Nela, Fontaney descreve de modo muito positivo as honras que foram proporcionadas ao padre Ferdinan Verbiest na cerimônia de seu velório, ocorrido anos antes, em 1688. Relata também o papel de mediadores exercido pelos jesuítas em um confronto que havia ocorrido entre russos e chineses, em virtude do agressivo expansionismo russo.
A mediação dos padres foi fundamental naquela oportunidade para que se alcançasse a então chamada Paz de Nertchinski. Nela destacou-se a atuação dos inacianos Thomas Pereyra e Jean-François Gerbillon que estavam a serviço do imperador chinês, atuando nas reuniões entre ambas as nações como intérpretes e conselheiros. Fontaney escreve: “Esta paz muito honrou os dois missionários; todo o exército os felicitou (…)” (Fontaney, 2001, p. 65). Nesta mesma carta o jesuíta descreve ainda o grande interesse do imperador pelo estudo da matemática e da geometria euclidiana (Fontaney, 2001, p. 66) reafirmando, portanto, na Europa, uma imagem muito positiva do soberano chinês, curioso e interessado em aprender, o que era, efetivamente, uma característica de Kang’xi (Spence, 1988, p. xviii).
Outros missionários franceses mantiveram também uma ativa correspondência com diversas personalidades europeias. O padre Dominique Parrenin, que além de missionário era um cientista consagrado, trocou, entre 1728 e 1740, diversas cartas com Dortous de Mairan, físico e matemático que foi diretor da Academia de Ciências de Paris e depois seu Secretário Perpétuo (Parrenin, 2001, p.180). Em uma destas cartas o padre discorreu longamente sobre as ciências na China, fazendo análises interessantes sobre o fato dos chineses valorizarem mais a “história das leis e da moral”, o que ocorria em detrimento das “ciências especulativas”, como eram chamadas a geometria e a astronomia (Parrenin, 2001, p.184).
A situação descrita pelo jesuíta era real e justamente em função dela o trabalho dos inacianos mostrava-se de grande utilidade para o império. Parrenin, porém, destacou que o relativo atraso no qual se encontravam os chineses no século XVIII em relação às “ciências especulativas” não consistia em nenhuma deficiência inerente a eles mas era resultado de uma escolha, já que os concursos para mandarim, que davam acesso às funções de maior prestígio, exigiam principalmente conhecimentos ligados às leis e à moral. De acordo com o padre Parrenin os chineses eram “bem sucedidos em outros assuntos que não demandavam menos gênio e nem menos profundidade do que a astronomia e a geometria” (Parrenin in Vissière & Vissière, 2001, p.181).
O imperador Qianlong, que reinou de 1735 até 1796, sucedeu Kang’xi e manteve, como era praxe já há muitos anos, diversos jesuítas a seu serviço em Beijing, inclusive padres que eram também artistas e que trabalhavam como pintores oficiais da corte. Alguns deles alcançaram grande destaque, como foi o caso do italiano Giuseppe Castiglione “que fez (…) combinar as artes ocidental e oriental e formar uma nova escola de pintura da China (…)” (Seng, 2002, p. 131). No entanto os inacianos que, como seus antecessores, continuavam a viver sob a proteção imperial, estavam entre os derradeiros representantes de um rico encontro entre o Ocidente e o Oriente que em breve seria interrompido em função de acirradas discussões sobre as práticas da missionação.
As ásperas disputas que ficaram conhecidas como a “querela dos ritos”, motivadas pela intransigência da Santa Sé em aceitar as cerimônias de culto aos ancestrais e de homenagem a Confúcio, fizeram com que os missionários começassem a perder
o apoio até mesmo do próprio imperador e a sofrer perseguições de parte da população, já que os rituais que estavam sendo criticados pelo papado, representavam a própria essência da milenar cultura chinesa.
Na Europa, recrudesciam também as críticas aos métodos inacianos de aculturação o que, ao menos parcialmente, influenciaria na dissolução da Ordem. De parte dos jesuítas, já não havia mais uma personalidade forte, batalhadora por suas idéias e prestigiada em Roma, como Alessandro Valignano no século XVI, que pudesse defender a originalidade de seus métodos de aproximação com as populações locais, visando abrir caminho para a catequese.
Conclusão
Muitos são os enfoques possíveis para a análise das atividades da Companhia de Jesus na China mas evidencia-se sempre, sob qualquer aspecto, a importância dos inacianos na elaboração de imagens europeias do Império do Meio – importância esta que é tributária de um bem sucedido encontro cultural. Os mandarins foram vistos pelos missionários como interlocutores plenamente capacitados para o diálogo, o que permitiu que os contatos frutificassem de acordo com os múltiplos interesses de ambas as partes.
Considerando-se que os relatos dos missionários e muitas de suas cartas foram traduzidos em diversas línguas e circularam largamente entre os séculos XVI e XVIII, é lícito afirmar que se constituíram em importante veículo de comunicação das próprias vivências dos inacianos, depoimentos fundamentais nos quais a admiração ocupava maior espaço do que as críticas. Os padres jesuítas contribuíram, assim, para que a extrema alteridade se tornasse mais próxima.
A extinção da Companhia de Jesus, em 1773, pelo papa Clemente XIV, e o expansionismo imperialista europeu, que se tornaria mais agressivo no século XIX mas que já se delineava, destruíram as chances de continuidade de tão densos encontros, porém a ideia de um fascinante império chinês manteve-se muito presente no imaginário ocidental. E os jesuítas foram, sem dúvida, parte ativa na sua construção.
Na China, ainda hoje, a memória destes encontros é visível e bem preservada no denominado Antigo Observatório Astronômico Imperial, cujo acervo de instrumentos remonta aos padres-cientistas e no Cemitério Jesuíta de Beijing, com seus 63 túmulos de missionários, monumentos que ainda fazem ressoar uma época na qual os imperadores respeitavam e honravam aqueles que eram detentores de muitos saberes.
Referências
a) Fontes:
FONTANEY, J. Carta de 15 de fevereiro de 1703, enviada a R. P. De La Chaise. In Vissière & Vissière, I. e J.-L. (ed.). Lettres Édifiantes e Curieuses des Jésuites de Chine (1702-1776). Paris: Desjonquères, 2001, p. 59-75.
KIRCHER, A. China Monumentis, Qua Sacris, quà Profanis, nec non variis Naturae & Artis Spectaculis, Aliarumque rerum memorabilium Argumentis Illustrata. Amsterdam: Janssonius van Waesberge & Elizer Weyerstraten, 1667.
MAGALHÃES, G. Nova Relação da China. Macau: Fundação Macau, 1997. PARRENIN, D. Carta de 11 de agosto de 1730 enviada a M. Dortous de Mairan. In Vissière & Vissière, I. e J.-L. (ed.). Lettres Édifiantes e Curieuses des Jésuites de Chine (1702-1776). Paris: Desjonquères, 2001, p. 181-188.
RICCI, M. Della entrata della Compagnia di Giesù e Christianità nella Cina. Macerata: Quodlibet, 2010 (Editado por Piero Corradini a partir do manuscrito do Arquivo Romano da Companhia de Jesus, em: Jap.-Sin., 106a.).
VALIGNANO, A. Apología de la Compañia de Jesús de Japón y China/ Apología en la cual se responde a diversas calumnias que se escribieron contra los padres de la Compañia de Jesús de Japón y de la China (1598). Osaka: Eikodo, 1998.
b) Bibliografia:
ABREU, A. G. “Gabriel de Magalhães e a sua Nova Relação da China: As edições da Nova Relação.” In MAGALHÃES, G. Nova Relação da China. Macau: Fundação Macau, 1997, p. 7-36.
ALVES, J.M.S. Um porto entre dois impérios. Macau: Imprensa Oficial de Macau, 1999.
ARAÚJO, H. P. Os Jesuítas no Império da China. O primeiro século (1582-1680). Macau: Instituto Português do Oriente, 2000.
BARRETO, L. F. Macau: Poder e Saber: séculos XVI e XVII. Lisboa: Editorial Presença, 2006.
DINIS, A. Os jesuítas e o encontro de cosmologias entre o Oriente e o Ocidente (séculos XVI-XVIII). In COLÓQUIO INTERNACIONAL A COMPANHIA DE JESUS E A MISSIONAÇÃO NO ORIENTE, 1997, Lisboa. Atas do Colóquio, Lisboa: Fundação Oriente/Brotéria, 2000, p. 267-274.
DUCORNET, E. Matteo Ricci, le lettré d’Occident. Paris: Cerf, 1993.
DUNNE, G. H., S.J. Generation of Giants. Notre Dame: Notre Dame University Press, 1962.
FONTANA, M. Matteo Ricci: un gesuita ala corte dei Ming. Milão: Mondadori, 2008. GELBER, H. G. The Dragon and the Foreign Devils. Londres: Bloomsbury, 2008. HSIA, R. P.-C. A Jesuit in the Forbidden City. Nova Iorque: Oxford University Press, 2010.
KILANI, M. L’invention de l’autre. Lausanne: Éditions Payot Lausanne, 1994.
LAVEN, M. Mission to China. Londres: Faber & Faber, 2011.
PALAZZO, C. L. Relatos ocidentais sobre os khanatos mongóis: Pian di carpine e Rubruck. Revista Signum, 2011, v., n. 2, 2011, p. 124-138.
SPENCE, J. Emperor of China. Nova Iorque: Vintage Books/Random House, 1988. VISSIÈRE, I. & VISSIÈRE, J.-L. (ed.) Introduction. In Lettres Édifiantes et Curieuses des Jésuites en Chine (1702-1776). Paris: Desjonquères, 2001, p. 7-24.
ZHANG, X. Following the steps of Matteo Ricci to China. Beijing: China Intercontinental Press, 2009.
ZHU, J. Missionary in Confucian Garb (edição bilíngue inglês/mandarim). Beijing: China Intercontinental Press, 2010.
NOTAS
1 As duas edições mais acuradas desta obra de Ricci são: 1) a comentada por P. Pasquale d’Elia, S.J., sob o título de Storia dell’introduzione del Cristianesimo in Cina ; 2) a editada por Piero Corradine a partir do manuscrito original do Arquivo Romano da Companhia de Jesus e comentada por Maddalena del Gatto, que mantém o título original dado por Ricci, Della entrata della Compagnia di Giesù e Christianità nella Cina. Esta última foi a fonte escolhida para o presente artigo já que, em sua fidelidade ao manuscrito, mantém a linguagem do autor (repleta de influências do português, do espanhol e mesmo do mandarim), sem alterações por parte do editor (Ricci, 2010).
2 Todas as traduções de fontes e bibliografia com originais em idioma estrangeiro são minhas.
3 Os mongóis haviam conquistado a China no século XIII e, após inúmeras invasões, permaneceram no poder entre 1280 e 1368. Foram abertos à presença de várias etnias asiáticas o que fez com que o mandarinato chinês perdesse muito de seu prestígio. O intercâmbio com o exterior desenvolveu-se em grande escala durante o periodo chamado de Pax Mongolica, no qual a Rota da Seda floresceu. Quando, porém, os chineses retomaram o poder e estabeleceram a dinastia Ming (1368-1644), temerosos de novas invasões das tribos do Norte, decidiram-se pelo isolamento do império, reservando novamente as altas funções administrativas aos mandarins de etnia chinesa. Na defensiva, porém, deixaram de se beneficiar do avanço da ciência e do conhecimento que ocorria em outras partes do mundo. Sobre os mongóis na China, ver Gelber, 2008, p. 63-82.
4 O nome completo da obra de Athanasius Kircher é China Monumentis, Qua Sacris, quà Profanis, nec non variis Naturae & Artis Spectaculis, Aliarumque rerum memorabilium Argumentis Illustrata.
5 Embora o sistema de Padroado vinculasse efetivamente os jesuítas à coroa lusa também na China, a situação ali era menos rígida. Padres de diversas nacionalidades estavam sempre prestando contas de forma mais direta a Roma e aos seus supervisores. O caso dos franceses enviados por Luís XIV era, por sua vez, totalmente excepcional, com independência completa de Portugal, o que não ocorreu sem fricções e problemas diversos. Horácio Peixoto de Araújo faz uma boa análise do sistema do Padroado e suas características na China (Araújo, 2000)e Isabelle e Jean-Louis Vissière apresentam o caso francês, na Introdução ao volume que editaram com as Lettres Édifiantes et Curieuses (Vissière & Vissière, 2001, p. 7-24)




segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

China: o modelo capitalista autoritario e os limites da autocracia meritocratica - The Economist

‘Claws of the Panda’: China model going backwards?

Democracy Digest, February 25, 2019


Chen Tianyong, a Chinese real estate developer in Shanghai, boarded a flight to Malta last month with no plans to return anytime soon. After landing, Mr. Chen, a former judge and lawyer, shared on social media a 28-page article explaining himself. “Why I Left China,” read the headline, “An Entrepreneur’s Farewell Admonition,” the New York Times reports:
Many members of the business elite are unhappy that the leadership’s economic policies favor state-owned enterprises even though the private sector drives growth. They are angry that the party is trying to put a Mao-era ideological straitjacket on an economy driven by private enterprises and young consumers. They are upset that the party eliminated term limits last year, raising the prospect that Mr. Xi could become president for life.
“The most important cause of their pessimism is bad policy and bad leadership,” said Minxin Pei, a professor at Claremont McKenna College [and contributor to the NED’s Journal of Democracy]  who is in frequent contact with business figures. “It’s clear to the private businesspeople that the moment the government doesn’t need them, it’ll slaughter them like pigs. This is not a government that respects the law. It can change on a dime,” he told the Times.
Since Mr Xi took power in 2013, China has in some ways gone backwards, the Economist observes:
Aour essay this week explains, two decades ago it was possible, even sensible, to imagine that China would gradually free markets and entrepreneurs to play a bigger role. Instead, since 2013 the state has tightened its grip. Government-owned firms’ share of new bank loans has risen from 30% to 70%. The exuberant private sector has been stifled; its share of output has stagnated, and firms must establish party cells which then may have a say over vital hiring and investment decisions.
There is mounting concern generally about China’s influence campaigns in countries like Canada, much of it executed through the United Front Work Department, a secretive offshoot of the Chinese Communist Party (CCP) known to work with ethnic Chinese organizations overseas, the Calgary Herald adds:
According to its website, the Vancouver-based United Association of Women and Children has 1,500 members, branches in several provinces and a focus on equal treatment and work opportunities for women — but it lists no contact information. Two B.C. leaders of the non-profit sector dedicated to helping women in business — Laurel Douglas of the Women’s Enterprise Centre and Lisa Niemetscheck of WebAlliance — told the National Post they had never heard of it.
The group seems to have “all the hallmarks” of a front organization to further Beijing’s interests, says Jonathan Manthorpe, whose just-published book, Claws of the Panda, documents China’s influence campaigns.
“Establishing fake civil society NGOs is an established modus operandi” of the United Front, said Charles Burton, a Brock University professor and former Canadian diplomat in Beijing.
Thanks to blockchain, internet users have achieved some victories in the fight against China’s strict internet censorship, notes Nir Kshetri, Professor of Management at the University of North Carolina – Greensboro. A historic moment occurred when Peking University‘s former student, Yue Xin, penned a letter detailing the university’s attempts to hide sexual misconduct. The case involved a student, Gao Yan, who committed suicide in 1998 after a professor sexually assaulted and then harassed her, he writes for the Conversation:
The letter was blocked by Chinese social networking websites, but an anonymous user posted it on the Ethereum blockchain. In another case, in July, Chinese citizens used blockchain to preserve an investigative story which condemned inferior vaccines being given to Chinese babies. …A blockchain is a secure database that’s stored in a distributed set of computers. Every addition to the database must be digitally signed, making clear who’s changing what and when.
Increasing Chinese leadership in the Middle East is served by a growing interest among the region’s states to pursue the “China Model” at the expense of the “Washington Consensus” that has traditionally defined foreign economic presence in the region, analyst Nicholas Lyall writes for the Diplomat:
The China Model – characterized by a strictly controlled political arena, as well as state control of the economy’s commanding heights, accompanying market capitalism – resonates significantly with Middle Eastern governments. Despite the fact that Middle Eastern regimes have largely proven incapable of achieving the state capacity, industrialization, and institutional structures imperative to the success of the China Model, the appeal of Beijing’s economic alternative is likely to remain a source of Chinese soft power that consolidates its economic influence vis-à-vis the US in the Middle East.