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quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Livro: Caste: the origins of our discontents By Isabel Wilkerson

 Um livro que não é propriamente um estudo sociológico, ou antropológico, mas uma reportagem com base nas histórias vividas de três sistemas de casta: o da sociedade Nazi (os arianos), o da Índia (milenar, num sistema rígido) e o dos Estados Unidos atuais, como a autora apresenta neste excerto abaixo. 


Caste: the origins of our discontents

By Isabel Wilkerson 

New York: Random House, 2020


A caste system is an artificial construction, a fixed and embedded ranking of human value that sets the presumed supremacy of one group against the presumed inferiority of other groups on the basis of ancestry and often immutable traits, traits that would be neutral in the abstract but are ascribed life-and-death meaning in a hierarchy favoring the dominant caste whose forebears designed it. A caste system uses rigid, often arbitrary boundaries to keep the ranked groupings apart, distinct from one another and in their assigned places. 


Throughout human history, three caste systems have stood out. The tragically accelerated, chilling, and officially vanquished caste system of Nazi Germany. The lingering, millennia-long caste system of India. And the shape-shifting, unspoken, race-based caste pyramid in the United States. Each version relied on stigmatizing those deemed inferior to justify the dehumanization necessary to keep the lowest-ranked people at the bottom and to rationalize the protocols of enforcement. A caste system endures because it is often justified as divine will, originating from sacred text or the presumed laws of nature, reinforced throughout the culture and passed down through the generations. 


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

As eleições americanas e a China - Ishaan Tharoor (WP)

 

Today's WorldView
 
 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Entrevista: Nestor Forster, embaixador nos EUA: Brasil não teme uma vitória de Biden - Veja

 Nestor Forster, embaixador nos EUA: Brasil não teme uma vitória de Biden


Para ele, triunfo democrata exigiria trabalho para ‘desfazer certas percepções’, mas há boa relação com os dois lados e o país

Por João Pedroso de Campos - Atualizado em 30 set 2020, 14h46 - Publicado em 30 set 2020, 14h35

A embaixada do Brasil em Washington é um posto tão caro a Jair Bolsonaro que, em uma primeira opção, o escolhido para o cargo havia sido ninguém menos que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho Zero Três. A desistência do inexperiente Eduardo abriu espaço ao experiente diplomata gaúcho Nestor José Forster Junior, 57 anos. Desde 1986 na carreira diplomática, ele foi indicado pelo presidente em novembro de 2019 e teve a nomeação conrmada sem diculdades pelo Senado apenas na semana passada – a pandemia de coronavírus impediu que a Casa deliberasse antes. Amigo há quase três décadas do escritor Olavo de Carvalho, agora ex-guru do bolsonarismo, Forster falou a VEJA por telefone nesta terça-feira, 29, horas antes do debate em que o candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, propôs 20 bilhões de dólares para a Amazônia e citou “consequências econômicas signicativas” ao Brasil caso a devastação continue. Na entrevista, Forster diz ter ordens para “adensar” ainda mais a relação com o governo amer cano, atalmente comandado pelo republicano Donald Trump, ídolo de Bolsonaro.  Com Biden em primeiro nas pesquisas sobre a corrida à Casa Branca, o embaixador vê alguns ajustes a serem feitos caso o democrata seja eleito, um “trabalho de esclarecimento”. Ele também diz esperar a entrada em até dois anos do Brasil na OCDE, o clube dos países mais ricos do mundo, conforme prometeu Trump, e defende a criticada política ambiental do presidente brasileiro.

Quais são as prioridades da embaixada do Brasil nos EUA?
O que queremos é continuar a adensar a relação com os Estados Unidos e realizar esse potencial imenso que temos, mas nunca foi plenamente explorado. Isso se desdobra em uma relação política muito mais próxima, relações econômicas e comerciais aprofundadas e uma ampliação da agenda de cooperação nos mais variados setores, passando por ciência e tecnologia, educação, defesa e cooperação militar.

Esse trabalho de adensamento da relação seria mais fácil com a reeleição de Donald Trump, não?
Uma vitória democrata traria uma certa redenição de prioridades na política externa americana, mas isso não vai alterar o peso que o Brasil tem nas Américas e o peso dessa relação tradicional, histórica. Isso permanecerá. O Brasil não vai perder importância porque tem esse ou aquele partido no poder. Obviamente, num primeiro momento, teríamos um trabalho de esclarecimento, desfazer certas percepções que possam parecer exageradas.

A relação de Bolsonaro com Trump, a quem o presidente já disse até “I love you”, cria um “risco Joe Biden” ao Brasil?

A qualidade das relações de Brasil e Estados Unidos tem quase dois séculos de história e não se prende exclusivamente à relação entre os dois chefes de Estado. É baseada em valores compartilhados pelas duas sociedades: respeito ao Estado de Direito, à democracia, às liberdades individuais, à liberdade religiosa. Quando dois chefes de Estado têm uma grande convergência, isso potencializa e permite que se aflorem iniciativas novas. Agora, em uma democracia, pode-se mudar o governo. O trabalho diplomático é manter os canais abertos e temos mantido uma boa relação com os dois principais partidos. (Nota da Redação: Indagado nesta quarta-feira sobre as declarações de Biden no debate de ontem a respeito da Amazônia, Nestor Forster disse que não se pronunciaria, diante da nota divulgada por Bolsonaro, em que o presidente arma que o Brasil “não mais aceita subornos”).

A recente visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima, muito criticada por políticos brasileiros, foi um palanque para a campanha de Trump a respeito da Venezuela?
A visita buscou assinalar a grande convergência na forma como Brasil e Estados Unidos veem a questão da Venezuela. O Brasil está comprometido em apoiar a transição pacíca e democrática na Venezuela, liderada pelos próprios venezuelanos. É isso que foi assinalado com a visita.

O deputado Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, chegou a ser indicado pelo pai para ser embaixador nos EUA. Ele tem alguma participação na condução das relações Brasil-Estados Unidos?
É natural que o deputado, como qualquer parlamentar que ocupe posição de destaque nessa área especíca, tenha participação com opiniões, debates trazidos à formulação mais geral. Defendo que continuemos a investir e a ampliar o que chamamos de “diplomacia parlamentar”, que envolve a aproximação direta dos parlamentos, além do trabalho feito pelo Executivo e pelos agentes diplomáticos.

Mas o fato de ser filho do presidente dá a ele um peso maior?
Obviamente, todo mundo sabe de quem ele é filho. Mas é um parlamentar muito atuante na Comissão de Relações Exteriores, foi o deputado mais votado da história do Brasil, tudo isso destaca o trabalho que ele faz.

“O Brasil não vai perder importância porque tem esse ou aquele partido no poder. Obviamente, num primeiro momento, teríamos um trabalho de esclarecimento, desfazer certas percepções que possam parecer.”

O que o Brasil tem ganhado com tamanho alinhamento aos Estados Unidos?
Os Estados Unidos são o maior investidor estrangeiro no Brasil historicamente e continuam a ser, com 71 bilhões de dólares investidos. Na pandemia, houve um trabalho coordenado pela Casa Branca com um pequeno grupo de países, para o qual o Brasil foi convidado, além de doações de mil ventiladores, medicamentos e recursos investidos em programas de saúde na região amazônica. Na ciência e tecnologia, a Agência Espacial Brasileira está com a Nasa para participar do Programa Artemis, o mais ambicioso dos americanos, e o Brasil foi o primeiro país latino-americano a assinar um acordo de pesquisa e desenvolvimento de equipamentos de defesa que os Estados Unidos só têm com outros 14 países. Até o fim do ano ainda devemos anunciar a conclusão de negociações de medidas de facilitação de negócios, boas práticas regulatórias, ações de combate à corrupção e comércio digital, que têm um impacto enorme no setor privado.
 
Em quanto tempo veremos o Brasil entre os membros da OCDE?
O processo está travado por questões políticas e burocracias da OCDE, mas os Estados Unidos estão firmemente engajados no apoio. Na última segunda-feira, conversei com o governo americano sobre isso. Talvez nos próximos meses, até o início do próximo ano, já estejamos em condição de ter formalizado o ingresso. O que precisamos é botar o pé dentro, e os americanos vão nos ajudar. Aí se inicia uma negociação complexa, mas o Brasil tem uma vantagem, porque já integra cerca de 30% dos 290 acordos da OCDE. Não é uma negociação simples, pode levar de um ano e meio a dois anos, se for feita com a urgência que merece.

Bolsonaro deveria seguir o presidente americano e tirar o Brasil da Organização Mundial da Saúde, como já ameaçou em meio à pandemia?
Não sei se isso foi cogitado, mas não foi feito. O Brasil tem uma história longa de presença de participação da OMS, ao mesmo tempo em que nos preocupa o papel que a organização teve. É consenso que faltou transparência no início da pandemia, em janeiro, fevereiro. A informação não circulou com a celeridade e a precisão esperadas de uma organização com a reputação e a história da OMS.

Como têm sido as pressões e lobbies sobre o senhor em Washington a respeito da instalação da tecnologia 5G no Brasil, motivo de disputa entre EUA e China?
Não recebi pressão nenhuma de ninguém. Sobre o 5G, o que há é uma preocupação nos EUA em relação à participação de certas empresas que não tem um perfil comparável ao de empresas ocidentais. Isso não está se traduzindo em pressão, ao contrário, o que há é compartilhamento de informações, de preocupações.

Empresas chinesas, como a Huawei, são carta fora do baralho do presidente?
Há quem queira reduzir a discussão a uma questão tecnológica, ou uma questão econômico-nanceira. É óbvio que essas dimensões são importantes, mas há também a privacidade, a segurança de redes, a segurança jurídica a empresas. O Brasil age com transparência nessa área, preocupado não com esse ou aquele país, essa ou aquela empresa, mas sobretudo com o interesse nacional. O presidente disse que vai tomar a decisão levando em conta todos os aspectos.

Em um encontro no Fórum Econômico de Davos, Bolsonaro disse ao ex-vice-presidente americano Al Gore que gostaria de explorar as riquezas da Amazônia junto com os Estados Unidos. Gore, então, respondeu não ter entendido. O senhor entendeu o que o presidente quis dizer?
Não sei exatamente o contexto da conversa, me parece ser um vídeo recortado. O que o presidente tem defendido quando se fala de Amazônia é que precisamos unir desenvolvimento e sustentabilidade. Não podemos olhar pra Amazônia e imaginar que isso possa ser transformado em um parque intocável para europeus e americanos ricos virem passar férias, em detrimento dos brasileiros que moram lá. Temos 25 milhões de brasileiros na região amazônica e eles estão entre as populações mais pobres do país. Esse pessoal precisa ter acesso a serviços públicos, oportunidade de trabalho, renda, é disso que se trata.

O governo americano já manifestou ao senhor interesse em “explorar riquezas” da Amazônia?
Políticas públicas são feitas de uma série de reflexões, não é com vídeo de Davos que vamos decidir alguma coisa. Não é uma equação simples, de achar que vamos acabar com a Amazônia. É óbvio que a Amazônia é um patrimônio imenso do Brasil, todo mundo quer preservá-la, mas a tecnologia permite preservar o meio ambiente e promover alguma atividade econômica, criando oportunidade para quem está lá e precisa disso. A colaboração dos americanos é muito bem-vinda, muitos outros países já colaboram.

O senhor avalia, assim como Bolsonaro, que alguns países escondem interesses por trás de discursos de defesa da Amazônia?
Há países que se escondem atrás disso para promover interesses econômicos, protecionismo. Enquanto vemos movimentos de criar restrições a exportações brasileiras, dados objetivos mostram que a atividade agrícola brasileira tem pouco ou nada a ver com a Amazônia. O Brasil se transformou na potência alimentar e agrícola que é com uma revolução tecnológica. A área brasileira usada para agricultura é de 8%, enquanto países europeus têm 50%, 60%, 70% de sua área sendo usada, com impacto ambiental muito grande. Há desculpas porque temem a competitividade do Brasil nessa área.

“Não podemos olhar pra Amazônia e imaginar que isso possa ser transformado em um parque intocável para europeus e americanos ricos virem passar férias, em detrimento dos brasileiros que moram lá.”

O que o senhor tem feito para mudar a imagem internacional negativa do Brasil em relação ao meio ambiente, impulsionada por dados ociais, e evitar que os negócios do país sejam prejudicados?
Tenho trabalhado nisso desde o primeiro dia. Reconhecemos que há desaos e nosso trabalho é promover a realidade, dados objetivos. Não podemos viver só de imagens. Vamos ver o que a imagem tem de real e o que ela tem de desinformação. No ano passado, com discussão sobre aumento de queimadas, tivemos um trabalho intenso com republicanos e democratas, levando dados, grácos, mostrando a evolução das queimadas, qual o impacto real, dimensionando que não é maior do que foi há alguns anos, que houve um aumento sazonal, anual, que é preocupante e tem que ser enfrentado, mas não é esse m de mundo.

Antes de ser candidato à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden já criticou Bolsonaro por sua política ambiental, assim como sua vice, Kamala Harris. Eles estão mal informados?
Muitas vezes o político ecoa o que sai na imprensa. A senadora Kamala fez um pronunciamento muito duro em relação à Amazônia e o que eu fiz foi mandar uma carta a ela com a nossa folha de dados, reconhecendo a exata dimensão do problema e o que está sendo feito a respeito. É importante que continuemos nessa linha, para combater a desinformação, a imprecisão de dados, mitos que se criam. Ninguém nega o aumento, mas dizer que a política pública é promover desmatamento e queimada é contrassenso e inverdade.

O senhor concorda com o presidente quando ele, em discurso na ONU, atribuiu incêndios florestais a índios e caboclos?
O que ele quis dizer é que são técnicas adicionais, de populações indígenas e dos habitantes das margens dos rios, que conhecem e não tem acesso a outra forma de cultivo. É por isso que precisamos do desenvolvimento sustentável, trazer inovação e tecnologia que permitam exploração sustentável, manejo de florestas, exploração de minérios, psicultura, fármacos de origem florestal, biotecnologia. Há uma série de áreas da bioeconomia que precisam ser exploradas, em benefício da população local.

Como amigo de Olavo de Carvalho, o senhor se considera um “olavista”?
Sou amigo do Olavo de Carvalho há 25 anos. Ele tem uma obra losóca respeitável, como crítico cultural. Ele me foi apresentado pelo Paulo Francis, de quem eu era muito amigo, e o Paulo gostava muito do Olavo, me apresentou e recomendou a leitura de O Imbecil Coletivo, em 1996.

https://veja.abril.com.br/brasil/nestor-forster-embaixador-nos-eua-o-brasil-nao-teme-uma-vitoria-de-biden/

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A empulhação americana no caso do açúcar e a sabujice confirmada do chanceler acidental - Mariana Sanches (BBC)

 Os americanos querem enganar os brasileiros? Parece que sim. E quais são os idiotas que querem se deixar enganar? São aqueles que pretendem que os americanos fizeram uma concessão ao Brasil em troca da importação livre de direitos de etanol de milho americano, quando eles NÃO FIZERAM NENHUMA CONCESSÃO, apenas realocaram cotas de açúcar já disponíveis.

MENTIRA, o que qualquer autoridade americana ou brasileira possa dizer sobre esse "acordo" enganoso.

Paulo Roberto de Almeida 

Por que anúncio de Bolsonaro sobre cota de açúcar dos EUA para o Brasil não é vitória diplomática


  • Mariana Sanches - @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil em Washington, 21/09/2020

Depois de uma sequência recente de derrotas diplomáticas para os Estados Unidos no comércio bilateral, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter nesta segunda-feira, dia 21, anunciar que os americanos aumentarão a compra de açúcar brasileiro em 80 mil toneladas e, junto com uma foto do chanceler Ernesto Araújo, afirmou que esse é "o primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA para o setor de açúcar e álcool". 

A manifestação ocorre semanas após o aço brasileiro ter sido cortado em mais de 80% das importações americanas e de o Brasil ter renovado uma isenção de tarifas à entrada de quase 200 milhões de litros de etanol americano no país, o que o setor sucroalcooleiro classificou como "enorme sacrifício". 

Final de Twitter post, 1

De acordo com fontes com conhecimento direto das negociações ouvidas pela BBC News Brasil, o Itamaraty teria tomado as medidas para tentar colaborar com a campanha de reeleição do presidente Donald Trump, que tem entre os operários da siderurgia e os fazendeiros de milho parte de sua base eleitoral. 

Oficialmente, o chanceler Araújo afirmou que a concessão era necessária para abrir negociações que poderiam resultar em uma redução das barreiras tarifárias de 140% que os americanos impõem sobre o açúcar brasileiro há décadas. 

Mas as negociações caíram mal politicamente e geraram críticas de subserviência do país diante de seu aliado preferencial. A tensão ainda aumentou depois que Araújo serviu de cicerone ao secretário de Estado americano Mike Pompeo em uma visita relâmpago à Roraima, na última sexta-feira, quando o americano fez críticas ao regime venezuelano. 

"No geral, há uma percepção de que o Brasil não está sendo tratado de uma maneira justa perante os Estados Unidos, por isso o governo está tentando dar uma publicidade para algo trivial e esperado, para buscar um equilíbrio nessa imagem para o seu público", afirmou reservadamente à BBC News Brasil um embaixador especializado em comércio internacional.

Segundo o diplomata, trata-se de algo "trivial" e "esperado" porque embora o presidente sugira que houve um incremento permanente na quantidade de açúcar que o Brasil poderá exportar aos americanos, o que aconteceu na verdade foi uma realocação temporária de fornecedores feita pelos americanos. 

Os Estados Unidos importam anualmente mais de 3 milhões de toneladas de açúcar - e dão preferência a vendedores da África ou América Central. Mas, caso esses fornecedores habituais não vendam a quantidade necessária e haja um subabastecimento do mercado americano, a Secretaria de Agricultura dos Estados Unidos informa o representante comercial do país que redireciona suas compras para outros produtores, como o Brasil. 

A mesma coisa aconteceu no ano passado e em fevereiro desse ano, sem que Bolsonaro fizesse do fato motivo de comemoração nas redes nessas duas ocasiões.

"Os Estados Unidos não fizeram nenhum favor ao Brasil, apenas realocaram algum volume (de açúcar) ao Brasil, dentro do mercantilismo geral deles. Isso precisa ser esclarecido, para que não pareça uma vitória diplomática que não foi", afirmou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

Pompeo, de máscara, descendo de escada no avião
Legenda da foto, 

Visita de Pompeo a Roraima gerou diversas críticas no mundo político

Mas o momento político atual pode ter levado a essa mudança de postura do presidente. No último fim de semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, criticou a visita de Pompeo a Roraima e acusou sua presença de eleitoreira e de afronta à autonomia do país.

"A visita do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, nesta sexta-feira, às instalações da Operação Acolhida, em Roraima, junto à fronteira com a Venezuela, no momento em que faltam apenas 46 dias para a eleição presidencial norte-americana, não condiz com a boa prática diplomática internacional e afronta as tradições de autonomia e altivez de nossas políticas externa e de defesa", afirmou Maia. 

Suas críticas foram endossadas em carta por todos os ex-chanceleres do período democrático: Fernando Henrique Cardoso (governo Itamar Franco), Francisco Rezek (governo Collor), Celso Lafer (governos Collor e FHC), Celso Amorim (governos Itamar Franco e Lula), José Serra e Aloysio Nunes Ferreira (governo Temer).

O clima político ficou tão difícil que nesta segunda-feira senadores chegaram a cogitar o adiamento da sabatina de mais de 20 candidatos brasileiros a embaixadores pelo mundo, que esperam confirmação pela Casa de seus postos. O boicote foi desmobilizado depois que Ernesto Araújo aceitou comparecer ao Senado na próxima quinta-feira para explicar em detalhes a visita de Mike Pompeo.

Duas grandes sacas de açúcar em galpão
Legenda da foto, 

Sacas de açúcar para exportação no Rio Grande do Sul; produtores negaram que medida anunciada por Bolsonaro seja uma vitória

Os principais interessados no anúncio de Bolsonaro, os produtores de açúcar, tampouco consideraram o aumento na cota uma vitória. De acordo com dados da Câmara de Comércio Exterior, nas últimas cinco safras o Brasil exportou em média 25,6 milhões de toneladas de açúcar no total. Nesse universo, as 80 mil toneladas que os Estados Unidos devem comprar agora representam apenas 0,3%. 

Em nota, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e o Fórum Nacional Sucroenergético (FNS) afirmaram que "essa cota adicional de açúcar é consideravelmente inferior à cota mensal de etanol que o Brasil ofereceu novamente aos Estados Unidos em setembro" e reafirmou que a medida não é "uma concessão americana". 

"Devemos esclarecer que se trata de um procedimento normal adotado pelos EUA nos últimos anos, sem representar qualquer avanço estrutural para um maior acesso do açúcar brasileiro àquele país", dizem os produtores na nota.

A BBC News Brasil consultou o Itamaraty a respeito das negociações com os americanos e da cota de açúcar, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Dentro do órgão, auxiliares do ministro afirmam que relações comerciais nesses moldes são normais, mas que fica difícil compreender esses movimentos a partir de um prisma "em que concessões brasileiras representam submissão absoluta do Brasil enquanto que qualquer medida americana é 'prêmio de consolação'". 

Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro operou uma profunda mudança na política internacional brasileira, transformando os Estados Unidos em seu aliado preferencial.

O embaixador especialista em comércio ouvido reservadamente pela BBC News Brasil afirma que cotas e concessões são comuns nas relações internacionais, mas que em ambientes polarizados, onde que esse tipo de transação tem chamado a atenção, tem levado políticos a tentar explorá-los a seu favor. 

"Nesse caso do açúcar, não há o que se falar em vitória diplomática, é uma questão circunstancial. O Itamaraty e o setor produtivo sabem disso. Mas o resto da população, especialmente os apoiadores do presidente, não sabem. E vão se satisfazer com a mensagem dele", afirma.

sábado, 12 de setembro de 2020

A bolsodiplomacia autoriza os EUA a adotarem medidas unilaterais CONTRA o Brasil - Patricia Campos Mello (7/11/2019)

Um dos primeiros exemplos da completa subordinação da diplomacia brasileira aos interesses americanos. Esta notícia é de novembro de 2019, mas ela se seguiu e antecedeu a várias outras demonstrações de sabujice da bolsodiplomacia ao governo Trump.

Não se trata aqui de apoiar a ditadura cubana, mas sim de enviar uma mensagem clara que o Brasil não tolera leis extra-territoriais, e não tolera medidas unilaterais.

O governo Bolsonaro começou por aí dizendo que os EUA podem sancionar unilateralmente o Brasil, e que vamos acatar essas medidas como legítimas.

Uma vergonha para a nossa diplomacia.

Paulo Roberto de Almeida

Brasil cede aos EUA, rompe tradição de 27 anos e não condena embargo a Cuba

Itamaraty ignorou argumentos de embaixador brasileiro na ONU, que defendia abstenção

Patrícia Campos Mello

Folha de S. Paulo, 7 de novembro de 2019

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/brasil-cede-aos-eua-rompe-tradicao-de-27-anos-e-nao-condena-embargo-a-cuba.shtml

Pela primeira vez em 27 anos, o Brasil cedeu às pressões dos EUA e votou contra a resolução anual da ONU que condena o embargo econômico americano a Cuba. Apenas Israel e Estados Unidos votaram da mesma maneira que o Brasil.

Nas últimas semanas, o governo americano, por meio da divisão de Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, pediu duas vezes que o Itamaraty mudasse seu posicionamento histórico de rechaço a medidas econômicas unilaterais e se alinhasse aos EUA na votação.

Os americanos argumentaram que, ao condenar o embargo contra Cuba, o Brasil passaria a mensagem de que o país caribenho pode continuar interferindo impunemente na Venezuela e que o governo brasileiro tolera as violações de direitos humanos da ditadura cubana.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York - Johannes Eisele - 24.set.19/AFP

Segundo os americanos, venezuelanos e cubanos já obtiveram uma vitória com a eleição da Venezuela para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em outubro, e o voto do Brasil seria outro trunfo internacional para o regime hoje liderado por Miguel Díaz-Canel.

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, cedeu às pressões americanas, apesar de grande resistência do atual embaixador do Brasil na ONU, Mauro Vieira.

Mesmo países que têm relação muito próxima aos EUA e dependem pesadamente de ajuda econômica americana resistiram às pressões de Washington. A Colômbia e a Ucrânia, por exemplo, abstiveram-se na votação.

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A Guatemala, único país a acompanhar os EUA e transferir sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, votou a favor.

No total, foram três votos contra a resolução, duas abstenções e 187 votos a favor do texto que condena o embargo americano imposto há 50 anos, no início da revolução promovida por Fidel Castro. A Moldova não votou.

O voto brasileiro contraria o posicionamento histórico do Itamaraty de condenar medidas unilaterais econômicas contra países, vetadas pela legislação internacional e pela ONU.
 
Em telegramas nos últimos meses, o embaixador Mauro Vieira tentou argumentar que um voto a favor da resolução não representaria um sinal de apoio à política de direitos humanos da ditadura cubana, mas sim uma posição tradicional do governo brasileiro em relação à ingerência em outros países.

Também defendeu que um voto contrário não seria visto apenas como um gesto contra o país, mas um posicionamento contra o princípio de não interferência, o que desagradaria todos os países sujeitos a essas medidas.

Vieira ainda defendeu que um voto como esse poderia prejudicar os interesses brasileiros —por exemplo, no caso da possibilidade de sanções econômicas contra o Brasil devido à política ambiental na Amazônia.

Assim, o governo Bolsonaro teria dificuldade em angariar apoio de países contra esse tipo de interferência.

Ao responder as argumentações de Vieira, as mensagens do gabinete do chanceler Ernesto Araújo eram sempre secas, afirmando apenas que o governo brasileiro manterá a instrução previamente passada.

Vieira teria argumentado que, caso o Brasil quisesse mandar um sinal ao regime cubano, poderia pedir a palavra durante o voto na sessão e fazer uma declaração, deixando claro que o gesto não é um apoio a violações de direitos humanos em Cuba.

Por fim, o embaixador sugeriu que o Brasil se abstivesse em vez de votar contra a resolução, porque não seria um movimento tão grave nem isolaria o país. De novo, foi ignorado.

"Sanções indiscriminadas como embargos afetam negativamente a população em geral e, por isso, são consideradas já há anos uma medida inadequada”, diz Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.

“A mudança de voto também preocupa por ser mais um exemplo do alinhamento automático do Brasil com a política externa americana sem que tais mudanças dramáticas sejam devidamente debatidas no Brasil, como junto ao Congresso Nacional."

O governo brasileiro vem se alinhando sistematicamente a interesses americanos. O país abriu mão do tratamento especial e diferenciado na OMC (Organização Mundial do Comércio) a pedido dos Estados Unidos, que querem modificar o mecanismo para não beneficiar a China em negociações comerciais.

Bolsonaro chegou a anunciar a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, mas acabou recuando e abrindo apenas um escritório comercial, diante de ameaças de países árabes, grandes importadores de carnes brasileiras.

O Brasil ampliou e renovou neste ano cotas sem tarifa para importação de etanol e trigo, reivindicações americanas. Por outro lado, frustrando expectativas, os EUA não removeram as barreiras sanitárias que impedem a importação de carne bovina in natura nem anunciaram modificações na proteção do açúcar americano, outro pedido brasileiro.

O apoio dos EUA à entrada do Brasil na OCDE, o clube dos países ricos, prometido pelo presidente Donald Trump em março, tampouco se materializou. O governo de Bolsonaro vê a entrada no órgão como um selo de qualidade de políticas macroeconômicas.

Recentemente, em carta à organização, Washington reiterou o apoio às candidaturas de Argentina e Romênia na OCDE, mas se opuseram a uma ampliação maior no número de membros do órgão, o que, na prática, solapa as ambições brasileiras.

O governo Trump vinha se opondo à ampliação da OCDE, dando a entender que a entrada muito rápida de novos membros desvirtuaria a organização, que ficaria inchada e sem propósito —além da ojeriza natural da atual gestão da Casa Branca a instituições multilaterais.

ENTENDA O EMBARGO

Quando começou?
Os EUA impuseram sanções econômicas a Cuba em 1960, cerca de um ano depois de a Revolução Cubana de Fidel Castro ser bem sucedida e ele assumir o poder.

A medida foi resposta à estatização de empresas e propriedades americanas. As relações diplomáticas foram rompidas.

Qual o efeito das sanções na economia cubana?
Em 2018, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe da ONU confirmou a estimativa do regime cubano de que o embargo já tinha custado US$ 130 milhões nos últimos 60 anos.

Como o embargo afeta da vida dos americanos?
Washington não emite vistos de turismo para a ilha. Qulquer pessoa partindo dos EUA em direção a Cuba deve pedir autorização ao Departamento do Tesouro.

Cartões de crédito e débito emitidos nos EUA raramente são aceitos.

E a dos cubanos?
O turismo é uma das principais atividades econômicas do país, mas o embargo e as restrições de viagem prejudicam o mercado.

As sanções também limitam o fluxo de dinheiro de cubanos vivendo no exterior, importante fonte de renda para a população.

Há escassez de alguns produtos básicos, incluindo alimentos, e o governo impõe racionamento.

Cubanos podem viajar aos EUA desde que obtenham um visto.

Como Obama se aproximou do regime cubano?
O então presidente restabeleceu relações diplomáticas, autorizou empréstimos de empresas americanas às cubanas da área de infraestrutura e permitiu que a ilha exportasse alguns produtos para os EUA.

O que mudou no governo Trump?
No início de junho deste ano, os EUA expandiram as restrições a viagens de americanos à ilha.

O governo pôs fim aos vistos de cinco anos para cubanos, que agora têm de pedi uma autorização para cada viagem.

Transações financeiras com entidades ligadas às Forças Armadas cubanas foram restringidas.