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segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Embaixador olavista e bolsonarista é exonerado do cargo na embaixada em Washington - Gabriel Bandeira (Metrópoles); carta de Paulo Roberto de Almeida

Antes da matéria abaixo, perrmito-me relembrar uma carta que escrevi ao bom diplomata Nestor Forster, quando ele foi nomeado embaixador em Washington: 

3760. “Carta aberta a meu bom aluno, Nestor Forster, embaixador do Brasil em Washington”, Brasília, 23 setembro 2020, 4 p. Cumprimentos ao novo embaixador e rememorando certas convicções do passado. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/09/carta-aberta-meu-bom-aluno-nestor.html). 


Itamaraty exonera embaixador do Brasil nos Estados Unidos


Nestor Forster foi indicado para o cargo pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) e era defensor dos ideias do ex-presidente em Washington

Gabriel Bandeira
Metrópoles, 09/01/2023

O embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, foi exonerado do cargo pelo Itamaraty em publicação do Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (9/1). O diplomata assumiu a embaixada nos Estados Unidos por indicação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ao longo da sua trajetória, Forster defendeu a imagem de Bolsonaro para a imprensa americana, ao advogar a favor, por exemplo, da política adotada pelo antigo governo no combate à pandemia. Nessa ocasião, o diplomata chegou a enviar uma carta ao jornal norte-americano The New York Times para elogiar o ex-presidente.

A decisão foi assinada por Mauro Vieira na última sexta-feira (6/1) e, portanto, não tem relação com os atos de vandalismo registrados em Brasília nesse domingo (8/1).

Antes de assumir a cadeira, Forster coordenou o encontro de Jair Bolsonaro com representantes da direita nos Estados Unidos, como Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump.

Na sua sala de trabalho, um cartaz escrito “torne os bebês não nascidos bons de novo” (em inglês, Make unborn babies great again) fazia referência direta aos slogan do ex-presidente dos Estados Unidos e transparecia o pensamento conservador e religioso do embaixador.

Além disso, o diplomata contou com experiências no governo do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando foi chefe do Setor de Política Comercial da embaixada em Washington entre 1992 e 1995 e chefe do Setor Financeiro da mesma pasta entre 2003 e 2006.

Amizade com Olavo de Carvalho
Quando Olavo de Carvalho faleceu, em janeiro do ano passado, o embaixador utilizou as redes sociais para lamentar a morte do filósofo de extrema-direita.

“É uma perda imensurável para o Brasil e todos que o conheceram. Através de sua obra, ele deixa um legado eterno”, escreveu na época.

Forster era amigo próximo do pensador. Foi por meio do diplomata, inclusive, que Olavo e Ernesto Araújo, antigo ministro de Relações Exteriores de Bolsonaro, se encontraram presencialmente pela primeira vez, como revelou o jornal O Estado de São Paulo.

Exoneração de cônsul em Nova Iorque
A mesma publicação oficial que exonerou Forster também comunicou a saída de Maria Nazareth Farani Azevêdo do cargo de cônsul do Brasil em Nova Iorque.

Farani Azevêdo foi representante brasileira permanente em assembleias das Nações Unidas e contou com mais de 20 anos de atuação em Genebra.

A diplomata ficou conhecida depois de discutir com o ex-deputado Jean Willys (PT) durante assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019, quando o antigo parlamentar responsabilizou Jair Bolsonaro pela morte da vereadora Marielle Franco.

O ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, ainda não indicou quem assumirá os dois cargos vagos. No caso da Embaixada de Washington, a nomeação precisa passar pelo Senado Federal.


sábado, 13 de novembro de 2021

Deu no New York Times; uma carta mais sincera ao Editor - Paulo Roberto de Almeida

 Nestor Forster é (ou pelo menos era) meu amigo. Foi meu aluno no Instituto Rio Branco, quando ali dei aulas de Sociologia Política na segunda metade dos anos 1980, logo depois de voltar do doutorado.  Foi um excelente aluno e revelou-se depois excelente diplomata, discreto, trabalhador, eficiente. Ficamos em contato de forma intermitente, pois na carreira somos por vezes separados durante longos anos, pois quando um está em Brasília, o outro está entre dois postos no exterior.

Mas, eu sabia que ele era profundamente religioso e conservador, até anticomunista decidido. Manteve-se discretamente durante o reinado lulopetista na diplomacia, mas foi um dos poucos que se solidarizou comigo quando eu estava em minha longa travessia do deserto nos mesmos anos, até tentando conseguir-me algum posto de professor, pois sabia que meu salário estava reduzido ao básico, praticamente o mesmo de um secretário em início de carreira. 

Não sabia que ele tinha se aproximado de Olavo de Carvalho, mas soube quando, cerca de sete anos atrás, me ofereceu o livro Jardim das Aflições, do polêmico escritor, de quem já tinha lido O Imbecil Coletivo e dezenas de outros artigos nos blogs com os quais cooperava (Mídia Sem Máscara) ou o pessoal, que mantinha. De todo modo foi uma completa surpresa quando soube, muitos meses depois, que tinha sido ele que tinha levado o então candidato a chanceler EA em visita ao escritor residente na Virgínia, em abril ou maio de 2018, quando Nestor Forster era ministro-conselheiro na embaixada em Washington, comandada pelo embaixador Sérgio Amaral.  

Quando ele foi elevado de ministro-conselheiro a embaixador em Washington, em setembro de 2020, eu escrevi uma carta aberta a ele, cumprimentando-o, e até coloquei essa carta neste meu blog, como informo abaixo: 

3760. “Carta aberta a meu bom aluno, Nestor Forster, embaixador do Brasil em Washington”, Brasília, 23 setembro 2020, 4 p. Cumprimentos ao novo embaixador e rememorando certas convicções do passado. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/09/carta-aberta-meu-bom-aluno-nestor.html).

Dois dias atrás, um jornalista americano, Jack Nicas, publicou no New York Times um artigo fortemente crítico ao presidente Bolsonaro, "The Bolsonaro-Trump Connection Threatening Brazil's Elections", que eu também publiquei em meu blog, como faço normalmente com todas as matérias que encontro de interesse para a diplomacia e a política externa do Brasil, como informo aqui: 

O modelo Trump-Bannon para a reeleição no Brasil 

Jack Nicas (NYT)

 O NYTimes é um jornal progressista, ou "liberal", no conceito americano de esquerda light, que para a direita é socialista, quase comunista. Não encontrei muita novidade neste artigo, pois tudo o que o jornalista reporta eu já tinha lido em diversas matérias de imprensa, reportagens ou análises e colunas de opinião.

Em todo caso, para os brasileiros, nada do que está dito é estranho ao que nós mesmos observamos daqui, mas isso pode impressionar os americanos.

Paulo Roberto de Almeida

Os interessados em conhecer esse artigo, para mim totalmente anódino, podem fazê-lo neste link de meu blog: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/11/o-modelo-trump-bannon-para-reeleicao-no.html

Descubro agora que meu amigo, embaixador em Washington Nestor Forster, se sentiu compelido – ou o fez por iniciativa própria – a enviar uma carta ao Editor do Jornal, que já foi reproduzida em diversas matérias jornalísticas. Transcrevo essa carta logo abaixo, e em seguida eu me permito reescrever uma carta que Nestor Forster, se fosse um homem livre, como eu sou, mesmo sendo diplomata, poderia enviar ao Editor, mais ou menos no mesmo teor, mas de sentido completamente diferente.

Vejamos sua carta, divulgada amplamente: 


Eis a carta que eu escreveria ao mesmo Editor (numa versão em português): 

Mr. Dean Baquet

Executive Editor

The New York Times

Caro Sr. Baquet,

A reportagem "The Bolsonaro-Trump Connection Threatening Brazil's Elections", (Nov. 11) é, felizmente, uma narrativa necessária com o propósito de reforçar e defender as instituições brasileiras, num momento em que muitos brasileiros, e o seu jornal, a partir de um ponto de vista objetivo, consideram que elas são "vulneráveis" a ataques que o próprio presidente do Brasil vem fazendo, sistematicamente, contra a imprensa livre brasileira e estrangeira, muito ao estilo mentiroso que o seu modelo americano, o ex-presidente Trump, um notório agressor das instituições democráticas americanas, e aquele que foi seu assessor de imprensa, o indiciado Steve Bannon, ensinaram a família Bolsonaro a praticar no Brasil, com o mesmo lamentável recurso a FakeNews e mentiras deslavadas. 

Um membro longevo do Congresso Nacional, que ele sempre desrespeitou e envergonhou durante quase três décadas, o presidente Jair Bolsonaro foi eleito em outubro de 2018 com mais de 57 milhões de votos, ou seja, 55% dos votos válidos, resultado que ele obteve com o mesmo recurso à mentira, à fraude, às FakeNews, que foram ensinadas por esses dois notórios destruidores da democracia americana. 

Sua presidência tem sido marcada pelo desrespeito sistemático aos valores e princípios constitucionais e em notória contravenção a todas as regras e normas que regem o direito à livre expressão no Brasil, perpetrando tantas mentiras quanto seu modelo americano. Não apenas ele não respeita a separação dos poderes, como vinha tentando, sistematicamente, minar a credibilidade do Legislativo e do Judiciário, numa aparente tentativa de forçar uma ruptura democrática e governar de maneira autocrática. Como é do conhecimento da grande maioria dos brasileiros, e provavelmente dos leitores do NYTimes, Bolsonaro é um admirador da ditadura militar brasileira, não se eximindo de elogiar os piores torturadores daquele regime.

Bolsonaro é um protótipo de ditador, mas frustrado, pois que totalmente desprovido – felizmente – de qualquer condição de liderar um golpe de Estado, e menos ainda de governar de maneira digna um país relevante como é o Brasil na América do Sul.

A democracia no Brasil corre sérios riscos e por isso eu cumprimento o New York Times pelo esforço que seu jornal vem demonstrando em seguir nossos assuntos internos, assim como nosso papel na região e no mundo, de maneira a manter os seus leitores bem-informados sobre a triste realidade de ameaça institucional que paira sobre o Brasil neste momento.

Cordialmente, 

Em nome do embaixador Nestor Forster

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata e professor

Brasília, 13 de novembro de 2021


quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Desastre diplomatico em Washington: embaixador informa errado sobre eleições (OESP)

 Não esperava isso de Nestor Forster, um rapaz inteligente quando foi meu aluno no Instituto Rio Branco, e que parece ter ficado transtornado por “excesso de olavismo”, um barbitúrico poderoso que embota o pensamento. Dá para se recuperar, desde que se afaste da droga.

Paulo Roberto de Almeida


Embaixador  nos EUA orientou Brasil a não admitir triunfo de Biden

Apenas na terça-feira, 15, 38 dias após vitória democrata, Planalto reconheceu resultado

Estadão | 16/12/2020, 5h

BRASÍLIA - Com um atraso de 38 dias, Jair Bolsonaro reconheceu na terça-feira, 15, a vitória de Joe Biden na eleição dos EUA. Foi o último dos países que compõem o G-20 a fazer isso – instruído pelo embaixador Nestor Forster, conforme telegramas a que o Estadão teve acesso com exclusividade. Na contramão de observadores americanos e europeus, o diplomata enviou a Brasília, ao longo da contagem dos votos, descrições baseadas em análises e notícias falsas que questionavam a lisura da disputa vencida por Joe Biden.

Durante a apuração, o presidente brasileiro demonstrou sintonia ao discurso eleitoral de Trump, algo incomum na história da diplomacia nacional, a ponto de não comentar a derrota do aliado. Por sua vez, Forster Junior escreveu mensagens informativas que Bolsonaro queria ouvir. Uma série de cinco telegramas obtidos pelo Estadão, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), revela a atuação do embaixador na missão de orientar o governo. Nelas, o diplomata repassou, num primeiro momento, análises que enfatizavam a desconfiança no processo eleitoral e, depois, com a confirmação do resultado favorável ao democrata, relatos que apostavam numa virada de mesa nos tribunais.

As mensagens enviadas entre 5 e 12 de novembro pelo embaixador, num total de 22 páginas, destacaram comentários e expectativas de aliados do candidato republicano. A reportagem teve acesso ainda, via LAI, a outros dez telegramas, 54 páginas, enviados em julho e agosto, meses das convenções partidárias. Procurado, o embaixador disse que não comentaria o conteúdo dos seus textos.

Na noite de 6 de novembro, horas antes do anúncio da vitória de Biden, Forster Junior informou a Brasília que “estreitas margens tornam quase certos processos de recontagens e ações judiciais adicionais”. “A campanha do presidente Donald Trump já robustece sua assessoria legal para promover a recontagem nos Estados-chave e ações judiciais relativas a percebidas irregularidades e denúncias de fraude na apuração de votos”, comunicou Forster Junior. No dia seguinte, um sábado, o democrata era declarado vencedor e analistas políticos dos EUA consideravam improvável uma mudança do resultado.

Foster Junior ignorava até mesmo as posições dos corpos diplomáticos em Washington. Nos telegramas obtidos via LAI, o embaixador só relatou a 12 de novembro que o Reino Unido, a Alemanha e a França tinham reconhecido a vitória de Biden. Os governos desses países cumprimentaram o democrata ainda no dia 7. As mensagens não sinalizaram recomendações para Bolsonaro fazer o mesmo. Questionado em entrevistas sobre a postura de outros dirigentes de cumprimentar Biden, o presidente brasileiro rebatia com a pergunta se a disputa tinha acabado.

Só na tarde de terça-feira Bolsonaro cumprimentou Biden pelo Twitter. “Saudações ao presidente, com melhores votos e a esperança de que os EUA sigam sendo ‘a terra dos livres e o lar dos corajosos’”, escreveu na sua rede social. “Estarei pronto a trabalhar com o novo governo e dar continuidade à construção de uma aliança Brasil-EUA, na defesa da soberania, da democracia e da liberdade em todo o mundo, assim como na integração econômico-comercial em benefício dos nossos povos.”

Ainda no dia 6 de novembro, Forster Junior alertou em relação a “diversos relatos” de fraudes em Michigan, Pensilvânia, Arizona e Nevada. Comentaristas políticos dos Estados Unidos acusavam Trump de divulgar fake news e enfatizavam que as ações dele na Justiça seriam derrotadas. Naqueles dias, emissoras de TV chegaram a interromper entrevistas do presidente na Casa Branca para alertar sobre mentiras ditas ao vivo.

Nas mensagens a Brasília, Forster Junior atribuiu as acusações de fraudes sempre a “relatos” que disse ter ouvido. Sem citar fontes, ele registrou, no mesmo dia 6, “tráficos de cédulas eleitorais em pequena escala”, “intimidação e restrição de acesso de observadores eleitorais a locais de contagem de votos” e critérios de segurança “insuficientes” para verificação de assinaturas de eleitores em envelopes com cédulas enviados pelo correio. O diplomata relatou ainda ter ocorrido “correção de cédulas preenchidas incorretamente por eleitores, de modo indevido, por mesários”.

Informações

Em entrevista no dia 29 de novembro, no segundo turno das eleições municipais no Brasil, Bolsonaro colocou em dúvida o resultado das urnas nos Estados Unidos e disse ter “informações” seguras de que houve fraude no pleito. “A imprensa não divulga, mas eu tenho minhas informações, não adianta falar para vocês que vocês não vão divulgar, que realmente teve muita fraude lá. Teve, isso ninguém discute”, afirmou.

O embaixador brasileiro informou a Brasília, no dia 10, que Trump permanecia firme no propósito de rejeitar o resultado das urnas, ignorando mais uma vez que os analistas davam como certo um fracasso do republicano em levar o caso à Justiça. “Na tarde de hoje (10/11), o secretário de Estado Mike Pompeo afirmou, em resposta a pergunta de jornalista, que o Departamento de Estado estaria preparado para uma “suave transição para uma segunda administração Trump”. 

Ao citar o advogado pessoal de Trump, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, o embaixador brasileiro afirmou, em outro telegrama, que a primeira ação judicial de “escopo abrangente” havia sido protocolada junto à corte federal na Pensilvânia. “Na ação, os advogados do presidente argumentam que o sistema eleitoral do Estado criara um ‘sistema de dois trilhos de votação’, em que eleitores foram tratados de maneira distinta: os votos depositados pessoalmente teriam sido submetidos a critérios de transparência e verificação, ao passo que ‘a massa de votos’ enviada pelo correio estaria ‘envolta em obscuridade’”, destacou.

Segundo Forster, os “votos presenciais” teriam sido submetidos à rigorosa verificação de assinaturas e observação eleitoral, o que não teria ocorrido no caso de votos recebidos pelos correios. “Entre as irregularidades, é mencionado o acesso insuficiente de observadores eleitorais ao processo de verificação, legitimação e contagem dos votos pelo correio. Tais falhas teriam, segundo os autores, violado a ‘cláusula constitucional de proteção igualitária’”.

O telegrama reforça que o advogado de Trump solicitou ao juiz federal, “à luz das alegadas irregularidades”, liminar para impedir que Biden fosse considerado vencedor das eleições no Estado e a desconsideração de votos pelo correio enviados pelos condados da Filadélfia e de Allegheny. “Ambos os condados, de esmagadora maioria democrata, teriam processado mais de 600 mil votos recebidos pelo correio”.

Sobre a falta de provas sobre as supostas irregularidades, o embaixador disse que elas não foram apresentadas, pelos advogados de Trump, “nesse primeiro momento”. “Mas foram levadas ao conhecimento do juízo notícias veiculadas na imprensa e declarações de observadores eleitorais republicanos. Se o juiz do caso acatar o pedido de liminar republicano, será indício de abertura do juízo para análise mais detida de provas e do eventual êxito do processo”. 


quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Entrevista: Nestor Forster, embaixador nos EUA: Brasil não teme uma vitória de Biden - Veja

 Nestor Forster, embaixador nos EUA: Brasil não teme uma vitória de Biden


Para ele, triunfo democrata exigiria trabalho para ‘desfazer certas percepções’, mas há boa relação com os dois lados e o país

Por João Pedroso de Campos - Atualizado em 30 set 2020, 14h46 - Publicado em 30 set 2020, 14h35

A embaixada do Brasil em Washington é um posto tão caro a Jair Bolsonaro que, em uma primeira opção, o escolhido para o cargo havia sido ninguém menos que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho Zero Três. A desistência do inexperiente Eduardo abriu espaço ao experiente diplomata gaúcho Nestor José Forster Junior, 57 anos. Desde 1986 na carreira diplomática, ele foi indicado pelo presidente em novembro de 2019 e teve a nomeação conrmada sem diculdades pelo Senado apenas na semana passada – a pandemia de coronavírus impediu que a Casa deliberasse antes. Amigo há quase três décadas do escritor Olavo de Carvalho, agora ex-guru do bolsonarismo, Forster falou a VEJA por telefone nesta terça-feira, 29, horas antes do debate em que o candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, propôs 20 bilhões de dólares para a Amazônia e citou “consequências econômicas signicativas” ao Brasil caso a devastação continue. Na entrevista, Forster diz ter ordens para “adensar” ainda mais a relação com o governo amer cano, atalmente comandado pelo republicano Donald Trump, ídolo de Bolsonaro.  Com Biden em primeiro nas pesquisas sobre a corrida à Casa Branca, o embaixador vê alguns ajustes a serem feitos caso o democrata seja eleito, um “trabalho de esclarecimento”. Ele também diz esperar a entrada em até dois anos do Brasil na OCDE, o clube dos países mais ricos do mundo, conforme prometeu Trump, e defende a criticada política ambiental do presidente brasileiro.

Quais são as prioridades da embaixada do Brasil nos EUA?
O que queremos é continuar a adensar a relação com os Estados Unidos e realizar esse potencial imenso que temos, mas nunca foi plenamente explorado. Isso se desdobra em uma relação política muito mais próxima, relações econômicas e comerciais aprofundadas e uma ampliação da agenda de cooperação nos mais variados setores, passando por ciência e tecnologia, educação, defesa e cooperação militar.

Esse trabalho de adensamento da relação seria mais fácil com a reeleição de Donald Trump, não?
Uma vitória democrata traria uma certa redenição de prioridades na política externa americana, mas isso não vai alterar o peso que o Brasil tem nas Américas e o peso dessa relação tradicional, histórica. Isso permanecerá. O Brasil não vai perder importância porque tem esse ou aquele partido no poder. Obviamente, num primeiro momento, teríamos um trabalho de esclarecimento, desfazer certas percepções que possam parecer exageradas.

A relação de Bolsonaro com Trump, a quem o presidente já disse até “I love you”, cria um “risco Joe Biden” ao Brasil?

A qualidade das relações de Brasil e Estados Unidos tem quase dois séculos de história e não se prende exclusivamente à relação entre os dois chefes de Estado. É baseada em valores compartilhados pelas duas sociedades: respeito ao Estado de Direito, à democracia, às liberdades individuais, à liberdade religiosa. Quando dois chefes de Estado têm uma grande convergência, isso potencializa e permite que se aflorem iniciativas novas. Agora, em uma democracia, pode-se mudar o governo. O trabalho diplomático é manter os canais abertos e temos mantido uma boa relação com os dois principais partidos. (Nota da Redação: Indagado nesta quarta-feira sobre as declarações de Biden no debate de ontem a respeito da Amazônia, Nestor Forster disse que não se pronunciaria, diante da nota divulgada por Bolsonaro, em que o presidente arma que o Brasil “não mais aceita subornos”).

A recente visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima, muito criticada por políticos brasileiros, foi um palanque para a campanha de Trump a respeito da Venezuela?
A visita buscou assinalar a grande convergência na forma como Brasil e Estados Unidos veem a questão da Venezuela. O Brasil está comprometido em apoiar a transição pacíca e democrática na Venezuela, liderada pelos próprios venezuelanos. É isso que foi assinalado com a visita.

O deputado Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, chegou a ser indicado pelo pai para ser embaixador nos EUA. Ele tem alguma participação na condução das relações Brasil-Estados Unidos?
É natural que o deputado, como qualquer parlamentar que ocupe posição de destaque nessa área especíca, tenha participação com opiniões, debates trazidos à formulação mais geral. Defendo que continuemos a investir e a ampliar o que chamamos de “diplomacia parlamentar”, que envolve a aproximação direta dos parlamentos, além do trabalho feito pelo Executivo e pelos agentes diplomáticos.

Mas o fato de ser filho do presidente dá a ele um peso maior?
Obviamente, todo mundo sabe de quem ele é filho. Mas é um parlamentar muito atuante na Comissão de Relações Exteriores, foi o deputado mais votado da história do Brasil, tudo isso destaca o trabalho que ele faz.

“O Brasil não vai perder importância porque tem esse ou aquele partido no poder. Obviamente, num primeiro momento, teríamos um trabalho de esclarecimento, desfazer certas percepções que possam parecer.”

O que o Brasil tem ganhado com tamanho alinhamento aos Estados Unidos?
Os Estados Unidos são o maior investidor estrangeiro no Brasil historicamente e continuam a ser, com 71 bilhões de dólares investidos. Na pandemia, houve um trabalho coordenado pela Casa Branca com um pequeno grupo de países, para o qual o Brasil foi convidado, além de doações de mil ventiladores, medicamentos e recursos investidos em programas de saúde na região amazônica. Na ciência e tecnologia, a Agência Espacial Brasileira está com a Nasa para participar do Programa Artemis, o mais ambicioso dos americanos, e o Brasil foi o primeiro país latino-americano a assinar um acordo de pesquisa e desenvolvimento de equipamentos de defesa que os Estados Unidos só têm com outros 14 países. Até o fim do ano ainda devemos anunciar a conclusão de negociações de medidas de facilitação de negócios, boas práticas regulatórias, ações de combate à corrupção e comércio digital, que têm um impacto enorme no setor privado.
 
Em quanto tempo veremos o Brasil entre os membros da OCDE?
O processo está travado por questões políticas e burocracias da OCDE, mas os Estados Unidos estão firmemente engajados no apoio. Na última segunda-feira, conversei com o governo americano sobre isso. Talvez nos próximos meses, até o início do próximo ano, já estejamos em condição de ter formalizado o ingresso. O que precisamos é botar o pé dentro, e os americanos vão nos ajudar. Aí se inicia uma negociação complexa, mas o Brasil tem uma vantagem, porque já integra cerca de 30% dos 290 acordos da OCDE. Não é uma negociação simples, pode levar de um ano e meio a dois anos, se for feita com a urgência que merece.

Bolsonaro deveria seguir o presidente americano e tirar o Brasil da Organização Mundial da Saúde, como já ameaçou em meio à pandemia?
Não sei se isso foi cogitado, mas não foi feito. O Brasil tem uma história longa de presença de participação da OMS, ao mesmo tempo em que nos preocupa o papel que a organização teve. É consenso que faltou transparência no início da pandemia, em janeiro, fevereiro. A informação não circulou com a celeridade e a precisão esperadas de uma organização com a reputação e a história da OMS.

Como têm sido as pressões e lobbies sobre o senhor em Washington a respeito da instalação da tecnologia 5G no Brasil, motivo de disputa entre EUA e China?
Não recebi pressão nenhuma de ninguém. Sobre o 5G, o que há é uma preocupação nos EUA em relação à participação de certas empresas que não tem um perfil comparável ao de empresas ocidentais. Isso não está se traduzindo em pressão, ao contrário, o que há é compartilhamento de informações, de preocupações.

Empresas chinesas, como a Huawei, são carta fora do baralho do presidente?
Há quem queira reduzir a discussão a uma questão tecnológica, ou uma questão econômico-nanceira. É óbvio que essas dimensões são importantes, mas há também a privacidade, a segurança de redes, a segurança jurídica a empresas. O Brasil age com transparência nessa área, preocupado não com esse ou aquele país, essa ou aquela empresa, mas sobretudo com o interesse nacional. O presidente disse que vai tomar a decisão levando em conta todos os aspectos.

Em um encontro no Fórum Econômico de Davos, Bolsonaro disse ao ex-vice-presidente americano Al Gore que gostaria de explorar as riquezas da Amazônia junto com os Estados Unidos. Gore, então, respondeu não ter entendido. O senhor entendeu o que o presidente quis dizer?
Não sei exatamente o contexto da conversa, me parece ser um vídeo recortado. O que o presidente tem defendido quando se fala de Amazônia é que precisamos unir desenvolvimento e sustentabilidade. Não podemos olhar pra Amazônia e imaginar que isso possa ser transformado em um parque intocável para europeus e americanos ricos virem passar férias, em detrimento dos brasileiros que moram lá. Temos 25 milhões de brasileiros na região amazônica e eles estão entre as populações mais pobres do país. Esse pessoal precisa ter acesso a serviços públicos, oportunidade de trabalho, renda, é disso que se trata.

O governo americano já manifestou ao senhor interesse em “explorar riquezas” da Amazônia?
Políticas públicas são feitas de uma série de reflexões, não é com vídeo de Davos que vamos decidir alguma coisa. Não é uma equação simples, de achar que vamos acabar com a Amazônia. É óbvio que a Amazônia é um patrimônio imenso do Brasil, todo mundo quer preservá-la, mas a tecnologia permite preservar o meio ambiente e promover alguma atividade econômica, criando oportunidade para quem está lá e precisa disso. A colaboração dos americanos é muito bem-vinda, muitos outros países já colaboram.

O senhor avalia, assim como Bolsonaro, que alguns países escondem interesses por trás de discursos de defesa da Amazônia?
Há países que se escondem atrás disso para promover interesses econômicos, protecionismo. Enquanto vemos movimentos de criar restrições a exportações brasileiras, dados objetivos mostram que a atividade agrícola brasileira tem pouco ou nada a ver com a Amazônia. O Brasil se transformou na potência alimentar e agrícola que é com uma revolução tecnológica. A área brasileira usada para agricultura é de 8%, enquanto países europeus têm 50%, 60%, 70% de sua área sendo usada, com impacto ambiental muito grande. Há desculpas porque temem a competitividade do Brasil nessa área.

“Não podemos olhar pra Amazônia e imaginar que isso possa ser transformado em um parque intocável para europeus e americanos ricos virem passar férias, em detrimento dos brasileiros que moram lá.”

O que o senhor tem feito para mudar a imagem internacional negativa do Brasil em relação ao meio ambiente, impulsionada por dados ociais, e evitar que os negócios do país sejam prejudicados?
Tenho trabalhado nisso desde o primeiro dia. Reconhecemos que há desaos e nosso trabalho é promover a realidade, dados objetivos. Não podemos viver só de imagens. Vamos ver o que a imagem tem de real e o que ela tem de desinformação. No ano passado, com discussão sobre aumento de queimadas, tivemos um trabalho intenso com republicanos e democratas, levando dados, grácos, mostrando a evolução das queimadas, qual o impacto real, dimensionando que não é maior do que foi há alguns anos, que houve um aumento sazonal, anual, que é preocupante e tem que ser enfrentado, mas não é esse m de mundo.

Antes de ser candidato à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden já criticou Bolsonaro por sua política ambiental, assim como sua vice, Kamala Harris. Eles estão mal informados?
Muitas vezes o político ecoa o que sai na imprensa. A senadora Kamala fez um pronunciamento muito duro em relação à Amazônia e o que eu fiz foi mandar uma carta a ela com a nossa folha de dados, reconhecendo a exata dimensão do problema e o que está sendo feito a respeito. É importante que continuemos nessa linha, para combater a desinformação, a imprecisão de dados, mitos que se criam. Ninguém nega o aumento, mas dizer que a política pública é promover desmatamento e queimada é contrassenso e inverdade.

O senhor concorda com o presidente quando ele, em discurso na ONU, atribuiu incêndios florestais a índios e caboclos?
O que ele quis dizer é que são técnicas adicionais, de populações indígenas e dos habitantes das margens dos rios, que conhecem e não tem acesso a outra forma de cultivo. É por isso que precisamos do desenvolvimento sustentável, trazer inovação e tecnologia que permitam exploração sustentável, manejo de florestas, exploração de minérios, psicultura, fármacos de origem florestal, biotecnologia. Há uma série de áreas da bioeconomia que precisam ser exploradas, em benefício da população local.

Como amigo de Olavo de Carvalho, o senhor se considera um “olavista”?
Sou amigo do Olavo de Carvalho há 25 anos. Ele tem uma obra losóca respeitável, como crítico cultural. Ele me foi apresentado pelo Paulo Francis, de quem eu era muito amigo, e o Paulo gostava muito do Olavo, me apresentou e recomendou a leitura de O Imbecil Coletivo, em 1996.

https://veja.abril.com.br/brasil/nestor-forster-embaixador-nos-eua-o-brasil-nao-teme-uma-vitoria-de-biden/

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Carta aberta a meu bom aluno Nestor Forster, embaixador do Brasil em Washington - Paulo Roberto de Almeida

Caro ex-aluno, excelente diplomata, agora representante do Brasil junto ao imperador Trump, Nestor Forster,

Escrevo esta carta aberta para, em primeiro lugar, cumprimentá-lo pela conquista do posto diplomático que parecia ser, até pouco tempo atrás, o mais relevante das representações brasileiras no exterior, certamente ambicionado por muitos colegas e até por grandes personalidades de fora da carreira, atualmente, e infelizmente, transformado numa emblemática demonstração de submissão explícita, e vergonhosa, do nosso país a uma potência estrangeira.

Não, não o estou acusando de ser o instrumento involuntário de tal submissão vergonhosa: você é um excelente diplomata de carreira, que soube merecer todas as suas conquistas funcionais e que terá, ao sair algum dia do posto, o seu retrato na galeria dos ex-chefes de missão em Washington. Isso não apagará o fato objetivo de ter servido ao melhor de sua capacidade numa fase provavelmente a mais sombria e humilhante de toda a nossa história diplomática, quando fomos levados, por um presidente totalmente ignaro e despreparado em política internacional, e por um chanceler acidental especialmente inadequado para as funções, a um acúmulo de indignidades diplomáticas jamais visto nos quase duzentos anos de Estado independente.

Você foi um dos meus melhores alunos no curso do Instituto Rio Branco, quando eu era apenas um professor de Sociologia Política, mas que depois se revelou um excelente amigo e companheiro, inclusive nos anos também não convencionais de uma diplomacia ideológica, durante os quais eu atravessei um longo deserto de ostracismo funcional, por ousar expressar minha opinião sobre uma política externa que me parecia inadequada ao Brasil. 

Sucedendo-o num posto consular que funcionava de maneira excelente, graças justamente ao seu trabalho e dedicação exemplares, dei testemunho dessa época de nossa política externa não convencional num livro que escrevi naquele que foi meu último posto da carreira: “Nunca Antes na Diplomacia”. Recentemente, a editora que o publicou, solicitou-me preparar uma segunda edição, o que obstei de maneira muito clara, por considerar que o Nunca Antes era exatamente agora, a fase mais medíocre, a mais vergonhosa, a mais indigna de uma trajetória até há pouco julgada exemplar em nossa história diplomática.

Lamento por você, aluno exemplar, diplomata de altas qualidades, ter sido levado a servir num posto tão relevante, num momento tão baixo de nosso prestígio no exterior, justamente devido ao fato de seguir ordens de um presidente e de um chanceler tão medíocres, mas especialmente em razão de uma estúpida, prejudicial e irracional postura de submissão automática deste governo, do nosso país, ao pequeno déspota igualmente medíocre, ainda presidente, dessa grande nação. 

Lamento porque você não precisaria, e acho que não deveria, fazer parte de um enredo de absurdos, certamente em descompasso com tudo aquilo que abordávamos em minhas aulas de Sociologia Política no Rio Branco, quando falávamos de Tocqueville, de Max Weber, de Marx, e, mais adiante, em total contradição com o que discutíamos durante os anos da precedente diplomacia ideológica, mas que nem de perto tangenciou o espetáculo de despautérios diplomáticos a que estamos assistindo atualmente. 

Caro Nestor: quaisquer que sejam suas convicções políticas e suas crenças religiosas — e você sabe muito bem que eu sou um total irreligioso, mas que mantenho indistintamente diálogos à esquerda e à direita do espectro político —, acredito que, no fundo, você tem plena consciência de que está servindo a um dos piores oportunistas políticos de nossa história, um homem de credenciais comprometidas por um uso vergonhoso das oportunidades que lhe foram oferecidas por um sistema político altamente corrupto, um descrente que faz um uso asquerosamente utilitário de todas as crenças religiosas que se lhe apresentem, um indivíduo capaz de elogiar um torturador condenado pela Justiça e que espezinha indignamente os direitos humanos, que não demonstra qualquer solidariedade em relação aos milhares de mortos já acumulados na pandemia (muitos dos quais podem ter sido levados a óbito por sua atitude desprezível a esse respeito) e que, mais do que tudo, colocou a política externa do Brasil, a nossa diplomacia, a serviço, de forma vil, de um dirigente estrangeiro. Em outras épocas, como você também deve ter consciência disso, nossos militares classificariam tal rastejamento sabujo como de traição à pátria, um crime que em tempos de guerra poderia merecer a pena de morte.

Você também deve ter consciência de que serve a uma contrafação de chanceler que está destruindo não só os fundamentos de nossa diplomacia, como a própria dignidade das funções de representação externa, ao expedir instruções expressas de submissão a tal agenda servil, ao introduzir elementos exóticos, altamente lesivos (quando não ridículos) ao prestígio outrora amealhado pela diplomacia brasileira, como pode ser essa rejeição do multilateralismo, essa adesão idiota ao monstro metafísico de um absurdo antiglobalismo, coisas que só mentes desequilibradas e pervertidas pelas mais canhestras teorias conspiratórias poderiam conceber, enfim um oportunista que se construiu uma personalidade artificial apenas para se colocar a serviço de dirigentes ignaros e despreparados para as altas funções que exercem, para grande infelicidade da nação.

Tudo isso que eu escrevi acima é subjetivo e impressionista, eu sei, mas eu posso lhe fornecer abundantes provas fácticas, materiais, até testemunhais — algumas até de âmbito judicial ou policial — de tudo o que afirmei, pois eu sou um atento observador (e anotador) de tudo o que anda pelo mundo e pelo Brasil, e meus argumentos carregam certo caráter objetivo, a que me obriga a mesma lógica implacável, os registros históricos, os mesmos fundamentos empíricos com os quais eu me exercia nas aulas de Sociologia Política dos nossos saudosos tempos do Rio Branco, quando estávamos recém saindo de uma ditadura militar que me levou a sete longos anos de um autoexílio estudioso na Europa.

Você deve ter consciência de tudo isso, ainda que não possa evidentemente reconhecer, confessar abertamente os equívocos atuais de nossa política externa, a submissão vergonhosa de nossa diplomacia, geograficamente identificada com o exato posto que você ocupa, e se afastar da indignidade que estará fatalmente associada aos tempos sombrios que vivemos.

Mais adiante, alguns anos à frente, poderemos quem sabe retomar o contato e voltar a falar de coisas amenas — Tocqueville, Weber, talvez Marx — ou até tratar do futuro do Brasil, de sua política externa e da nossa diplomacia, que precisarão certamente ser reconstruídas e restauradas em sua qualidade e dignidade anteriores. Estou certo de que você deve ter, como eu, “uma certa ideia do Itamaraty”, que por acaso é o título de meu mais recente livro — livremente disponível em meu blog, que você conhece bem —, o terceiro de uma série que dedico a coisas diplomáticas. Outros virão, com certeza, pois, como você também deve saber, estou mais uma vez dedicado a essas lides da leitura, da observação atenta das coisas do mundo, da reflexão sobre as coisas do nosso país, e finalmente da escrita, sempre com esse espírito crítico que é a marca inexorável desse meu quilombo de resistência intelectual. Você sabe como me encontrar.

No momento, eu lhe desejo um excelente desempenho de suas altas funções e meus sinceros votos de felicidade numa carreira que deve se estender ainda vários anos além da minha. Quando eu era seu professor, estava recém voltando de um doutorado no exterior, modesto segundo secretário numa carreira que me deu muitos momentos de felicidade, justamente ao poder combinar academia e diplomacia, o que eu sempre valorizei, a despeito dos sacrifícios incorridos individualmente e na vida familiar, e de alguns poucos episódios de desgaste funcional ao pretender defender a liberdade de pensamento e de expressão numa corporação que é bem mais feudal do que weberiana (mas, você sabe tudo isso, eu sempre repeti esse meu estereótipo).

Sinta-se realizado na sua nova condição, preserve a independência de espírito, mantenha sua dignidade em momentos certamente difíceis que você viverá, e até algum futuro, mas incerto reencontro.

Do seu colega, ex-professor e amigo

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 23 de setembro de 2020

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Embaixador Nestor Forster: programa de trabalho nos EUA

'Quer proteger a Amazônia? Compre mais do Brasil’, diz escolhido por Bolsonaro para a embaixada nos EUA

O diplomata Nestor Forster terá seu nome ainda submetido pelo plenário do Senado

O Globo, 18/02/2020


SÃO PAULO - Aprovado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado na última quinta-feira para assumir a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, o diplomata Nestor Forster, 56 anos, disse em entrevista ao GLOBO que entre suas prioridades estará atuar para dirimir o que chama de fake news a respeito da Amazônia. No ano passado, diante das queimadas e índices de desmatamento da floresta, vários congressistas americanos apresentaram projetos para dificultar o comércio entre os dois países como uma forma de retaliação a questões ambientais
"Penalizar a exportação de empresas brasileiras usando a Amazônia como desculpa é algo que prejudica a Amazônia, porque as grandes empresas que exportam são as que têm mais recursos para observar a lei ambiental. É contraproducente", afirmou Forster. Antes de assumir a embaixada em Washington, um dos principais postos da diplomacia, ele ainda precisa ter seu nome submetido ao plenário do Senado, o que deve ocorrer nos próximos dias.
Qual o seu plano de trabalho, se for aprovado pelo plenário?
Se eu vier a ser aprovado pelo plenário do Senado, tenho um desafio enorme para dar forma concreta a esta imensa energia que existe na relação entre o presidente [Jair] Bolsonaro e o presidente [Donald] Trump. Queremos promover uma aproximação do Brasil em áreas como comércio e investimentos, atrair mais investimentos americanos para o Brasil, gerar mais emprego e renda aqui para os brasileiros. Queremos ter maior acesso ao mercado americano, isso é algo que queremos perseguir como objetivo de médio prazo. E a coisa que  podemos fazer mais rapidamente é na facilitação de negócios, de reduzir os elementos do custo Brasil.
Que outras áreas podem ser incentivadas?
Nós temos imensa agenda na área de cooperação científica e tecnológica, no tema espacial, utilização da Base de Alcântara (Maranhão) para o lançamento de satélites, e, além disso, temos a possibilidade de aprofundar a cooperação na  área de defesa e segurança.
O senhor também tem planos de deixar um legado cultural em Washington?
Sim, a gente começou uma série de eventos culturais, promovendo um concerto de Villa-Lobos, a peça “Pulando como um saci” fez grande sucesso, conseguimos encher o auditório da embaixada. E temos talvez o maior tesouro brasileiro nos Estados Unidos, a biblioteca que o diplomata e historiador Oliveira Lima (1867-1928) doou a uma universidade de Washington. Eram originalmente 30 mil obras, hoje são 60 mil, e pelo menos 5 mil delas são obras raras. É a maior biblioteca brasileira fora do Brasil. A ideia seria trabalhar com a Universidade Católica, onde isso está localizado, para fazermos um grande centro de estudos ibero-americano, como era o desejo do Oliveira Lima, deixando uma marca perene da cultura brasileira na capital americana.

Mas como seria este centro?
Não quero soar megalômano, mas a obra está lá, se trata de trabalhar com a universidade para conseguir doações, financiamento. A universidade poderia doar o terreno, há grandes empresas brasileiras que poderiam ter interesse nisso, não só do estado de Pernambuco, de onde veio Oliveira Lima, que poderiam fazer o seu aporte e deixar a sua marca.
O senhor tem falado muito também com os produtores de vinhos do Brasil...
Conversei com todas as principais vinícolas brasileiras, as do Sul mas também as do Vale de São Francisco, o prefeito de Petrolina (PE) esteve na embaixada, e precisamos ampliar a presença do vinho brasileiro, não apenas como “enfeite diplomático”, mas com uma presença comercial. A nossa ideia é fazer um grande evento de degustação de vinho brasileiro em Washington no segundo semestre e levar os produtores para entrar em contato com os distribuidores locais. É um setor com valor agregado, que gera emprego e renda. Vamos tornar uma rotina servir produtos brasileiros, começando pelo vinho, em nossos eventos da embaixada. Depois podemos avançar para outros, é o que se chama soft power. Eu brinco sempre, ninguém vai na Embaixada da Suécia e sai de lá sem comer um salmão. A Embaixada da Itália em Washington tem uma cantina que é uma beleza. É uma forma de difundir a cultura brasileira a partir destes produtos.
Parte da agenda que o senhor prevê para este ano pode ser afetada pelas eleições americanas?
De forma alguma. Isso introduz um elemento de certa complexidade, mas a relação entre os países não deve parar e não podemos perder este “momentum” que foi gerado pela excelente relação entre os dois presidentes.
Mas, no lado democrata, os principais candidatos têm falado muito sobre o Brasil, quase sempre de maneira crítica por causa da questão amazônica. Uma eventual troca de poder não pode prejudicar esta relação entre Brasil e EUA?
É muito cedo para especular sobre isso, os elementos que vão definir o futuro da campanha eleitoral americana não estão dados ainda. O papel da diplomacia é procurar esclarecer a realidade, os fatos, os dados. Não estamos em Washington para fazer propaganda para o Brasil e nem para distorcer nada. Ao contrário, queremos corrigir os exageros, as desinformações que às vezes circulam e que podem prejudicar a imagem do país. Às vezes temos até interesse protecionista disfarçado de preocupação ambiental, e nossa obrigação é, imediatamente, mostrar os fatos. 84% da Amazônia estão  de pé, e muito bem, graças ao Brasil. O mundo deveria agradecer ao Brasil por ser a potência ambiental que é.
Mas no último ano vários congressistas apresentaram projetos para dificultar o comércio entre os dois países por questões ambientais. Isso pode prosperar?
Não acredito. Quando surgiu este tipo de iniciativa no Congresso, nós procuramos deputados e senadores dos dois partidos, mostrando os fatos, qual o problema da queimada, qual a sua extensão. Mostramos que o último ano está na média dos últimos dez anos, houve anos com muito mais queimadas, como 2005, 2007 e 2010, que a preocupação com o meio ambiente é enorme no governo de Jair Bolsonaro. Tanto que a Operação Verde Brasil foi a maior mobilização do país contra queimadas, com 43 mil soldados, 2.500 bombeiros, equipamentos sem precedentes envolvidos nisso.
Mas no exterior a visão é de que o Brasil está passando por uma crise ambiental.
A política ambiental do presidente Bolsonaro leva em conta que temos 25 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia, região com o mais baixo IDH do país. E não podemos cercar a Amazônia e transformá-la em um imenso parque para que europeus e americanos ricos passem suas férias. Temos que pensar nestes 25 milhões de brasileiros que estão lá, dar a eles oportunidade de emprego, melhor renda, serviços públicos de melhor qualidade. E isso vem como? Com projetos sustentáveis na área da bioeconomia. Há uma enormidade de coisas que podem ser feitas. Temos empresas brasileiras pioneiras na área de cosméticos, fármacos, a área de piscicultura tem um potencial enorme. Os peixes amazônicos podem ter uma criação sustentada e trazer mais renda para a região, além de toda a área do ecoturismo, que tem melhorado muito. É disso que se trata. Penalizar a exportação de empresas brasileiras usando a Amazônia como desculpa é algo que prejudica a Amazônia, porque as grandes empresas que exportam são as que têm mais recursos para observar a lei ambiental. É contraproducente. Quer proteger a Amazônia? Compre mais do Brasil, não menos, isso vai gerar renda e recursos até para a preservação.
Dada a proximidade entre Bolsonaro e Trump, a reeleição do republicano em novembro seria melhor para o país?
Nós trabalharemos com o resultado que vier das urnas do povo americano.
Tem crescido muito o aumento de deportações de brasileiros detidos na fronteira dos EUA, que tentam entrar ilegalmente no país. Como o senhor pretende lidar com este tema?
Há preocupação sobre isso, aumentou muito o número de brasileiros apreendidos na fronteira, de 1.600 em 2018 para cerca de 18 mil no ano passado, 95% são famílias. Então temos duas dimensões: primeiro de assistência consular e humanitária, e temos dez consulados nos EUA que procuram prestar toda a assistência a estes brasileiros. Eu digo e repito: para os consulados brasileiros, não há brasileiro ilegal, vai ser atendido como qualquer outro, sem nenhuma pergunta sobre situação migratória nos EUA, isso é um problema das autoridades americanas. Porém, temos alguns limites para ver se há alguma discriminação, se as instalações são adequadas, se dramas humanos específicos têm sido tratados. A outra dimensão é a razão para este aumento expressivo de brasileiros. Segundo investigação da Polícia Federal, o aumento está relacionado à migração dos coiotes, organizações de crimes organizados. Não vamos romantizar este pessoal, eles traficam pessoas e drogas, e costumavam levar centro-americanos para para os EUA, mas como o México fechou sua fronteira sul, eles se voltaram ao Brasil. Temos violação de interesse de menores, aluguel de crianças para pseudofamílias, coisas que nos preocupam muito. A comunidade brasileira nos Estados Unidos tem uma imagem muito boa: ordeira, trabalhadora, alegre e festiva.

O que pode surgir da nova visita do presidente Bolsonaro aos EUA, para a Flórida, em março?
Essa visita é mais um bom momento de nosso relacionamento bilateral, e o presidente vai realizar uma agenda em um seminário de investimentos em Miami. O Brasil é o maior investidor externo na Flórida, são cerca de US$ 20 bilhões. Há um grande interesse das autoridades do próprio estado nesta visita. Vai ter este componente de investimento. O presidente também deverá ter contato com a comunidade brasileira na Flórida, que é muito expressiva. Vai assinalar mais um ponto da excelência do relacionamento entre o Brasil e os EUA, do muito que temos a fazer juntos.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Nestor Forster, o homem de Bolsonaro em Washington - Henrique Gomes Batista (Epoca)

Nestor Forster, o homem de Bolsonaro em Washington 

Diplomata ligado a Olavo de Carvalho é indicado como embaixador nos Estados Unidos — e promete muito mais que uma agenda conservadora 
Henrique Gomes Batista
REvista Época, 14/02/2020 - 03:00 
O gaúcho Nestor Forster não tinha nenhuma experiência como embaixador antes de chegar a Washington. Foto: Arte sobre reprodução

O gaúcho Nestor Forster não tinha nenhuma experiência como embaixador antes de chegar a Washington. Foto: Arte sobre reprodução 

A Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou, por 12 votos a 0, o nome de Nestor Forster como embaixador brasileiro em Washington na quinta-feira 13, cargo que ele já exercia interinamente desde setembro. A confirmação só depende de aprovação do plenário da casa. A escolha descartou — pelo menos, por ora — o plano do presidente Jair Bolsonaro de colocar nesse posto seu terceiro filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), com pouca experiência no exterior para além do tempo em que trabalhou numa lanchonete no estado do Maine.
Já Forster, de 56 anos, é o que se poderia chamar de um “diplomata das Américas”. Durante toda a sua carreira no Itamaraty, teve três passagens pelos Estados Unidos em diferentes cargos, além de temporadas no Canadá e Costa Rica. É verdade que sua chegada ao cargo de embaixador em Washington é um caso de quebra de tradição. Pela lógica do Itamaraty, um recém-promovido a embaixador — sua promoção foi em junho — teria de passar por vários países antes de chegar ao comando da embaixada mais importante. Mas Forster não é o primeiro a pegar um atalho para Washington. Antonio Patriota fez o mesmo em 2007.
Se, por um lado, Forster peca por não ter no currículo nenhuma experiência como titular de embaixada, por outro, esbanja proximidade com Olavo de Carvalho, o ideólogo de extrema-direita que faz o papel de guru da família Bolsonaro. Muito antes da eleição presidencial de 2018, Forster fazia visitas à área rural de Richmond, capital do estado da Virgínia, onde Carvalho mora. Inclusive, foi o diplomata quem apresentou o hoje chanceler Ernesto Araújo ao pensador do bolsonarismo. Embora Forster rejeite o título de “olavista”, os dois são amigos há cerca de 20 anos. Segundo pessoas próximas, a definição é considerada por Forster uma simplificação com cheiro de preconceito.
O embaixador pode não gostar do adjetivo, mas, no dia 31 de agosto rasgou ao amigo elogios dignos de um fiel seguidor. Na sede da embaixada em Washington, Forster entregou a Carvalho a medalha da Ordem do Rio Branco, concedida por Bolsonaro. “Não se trata de uma homenagem do presidente da República, do chanceler, de todo o Itamaraty ou de seus milhares de alunos no Brasil e no exterior. Mas é uma homenagem de todos os brasileiros de bem que, cansados de ver a pátria ser aviltada e assaltada por criminosos, saíram às ruas em protesto com cartazes onde se proclamava: ‘Olavo tem razão’”, afirmou Forster. “E Olavo certamente tem razão no diagnóstico da patológica decadência cultural de nosso país”, sentenciou, chamando-o de sábio, generoso e bondoso.
Forster está no grupo que tenta comungar de duas fontes incompatíveis. Bate palmas para Carvalho, que se destaca por suas ideias extremadas e pela intransigência, e diz ser admirador do pensador irlandês Edmund Burke, um liberal clássico que viveu no século XVIII e se opunha politicamente a qualquer radicalismo, de esquerda ou direita. “Não é possível seguir a Olavo e Burke ao mesmo tempo. Burke é conservador e Olavo é reacionário. O conservador é um liberal que quer combinar inovação com tradição, e o reacionário é um visionário que odeia a modernidade e acredita poder restaurar os valores perdidos da Idade Média”, disse Christian Edward Cyril Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj) e um dos maiores especialistas no Brasil em Burke. Forster pensa diferente. Uma semana depois de homenagear Carvalho, o diplomata fez um discurso, no dia 7 de Setembro, na sede da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que constava uma longa citação de Burke sobre a pátria.
Assim como o chanceler Araújo, Forster é gaúcho e torcedor do Internacional. Católico fervoroso, tem duas filhas, uma delas freira, irmã dominicana, nos EUA. Aos amigos, costuma dizer ser fã do romancista carioca José Geraldo Vieira, morto em 1977, e do poeta Bruno Tolentino, outra coincidência com Carvalho. Forster se diz um apaixonado por música, uma herança do avô, trompetista de orquestra louco por Louis Armstrong, que o ensinou a gostar de Bach. Além de música clássica, Forster escuta o gaúcho Renato Borghetti e o violonista paulista Marco Pereira. Na juventude, em Porto Alegre, nos anos 1980, chegou a tocar chorinho com os futuros integrantes da banda Engenheiros do Hawaii.
Mesmo pessoas que torcem o nariz para a agenda conservadora do novo embaixador o descrevem como um habilidoso negociador. Quem trabalhou próximo a ele tem a mesma opinião. “Você não vai ver, em nenhuma ocasião, Forster sendo a voz da insensatez. Ele sempre busca o razoável, o acordo, a composição”, disse o engenheiro Rubens Sakay, que dividiu com Forster a transição entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. “A capacidade dele de análise é excepcional”, completou.
Desde setembro até a sabatina, Forster mostrou algumas de suas qualidades mesmo na condição de embaixador interino. Apesar de todo o barulho da família Bolsonaro em favor de Donald Trump, o diplomata optou pela prudência e tentou ampliar, o máximo possível, contatos com políticos americanos de ambos os campos. Durante a interinidade, Forster obteve algumas vitórias: a classificação do Brasil como “aliado preferencial extra-Otan” pela Casa Branca e também a decisão americana de apoiar o Brasil em sua tentativa de conseguir uma vaga na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma espécie de clube formado majoritariamente por países desenvolvidos. Se essa busca por resultados acima das ideologias for mantida, o Brasil tende a ganhar. Caso a ideologia fale mais alto, os riscos aumentam, principalmente na área do meio ambiente. Nesse tema, o discurso bolsonarista em favor da exploração da floresta cria atritos com ambientalistas e pode acabar em boicotes contra o agronegócio brasileiro.
Forster se orgulha de ter deixado uma marca em todos os postos por onde passou. Um dos exemplos comumente citados por ele é a elaboração do Manual da Presidência da República, feito em parceria com Gilmar Mendes, quando o atual ministro do Supremo Tribunal Federal era consultor jurídico da Secretaria-Geral da Presidência. “Nestor é um dos profissionais mais qualificados, um dos melhores quadros da administração pública brasileira”, afirmou Mendes quando perguntado por ÉPOCA. Entre 2000 e 2002, Forster foi chefe de gabinete do ministro na Advocacia-Geral da União (AGU). Um ano depois, estava no gabinete de transição entre os governos FHC e Lula.
Na cadeira de embaixador, o diplomata não esconde que pretende aproveitar a proximidade ideológica entre Trump e Bolsonaro. Em seus planos está iniciar uma grande negociação comercial entre os dois países e avançar na agenda de defesa e espaço. Se conseguir um novo acordo para a troca de bens entre os dois países, fará história. Depois do entusiasmo mostrado durante período eleitoral em 2018, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem evitado falar em abertura da economia brasileira. Nos Estados Unidos, o livre-comércio também virou palavrão em alguns círculos.
Para atingir seus objetivos, o gaúcho terá de abrir a agenda que acumulou ao longo da carreira. A inspiração é o tempo em que Paulo Tarso Flecha de Lima era embaixador em Washington. Forster estava na capital americana nos anos 1990, quando Lúcia, mulher do embaixador, era próxima de Lady Di. Naquela época, a Villa McCormick, suntuoso prédio de 1931 que serve como residência oficial do representante brasileiro nos Estados Unidos, passou a atrair diplomatas de todas as partes interessados na então princesa de Gales. Para Forster, ficou a lição que bons contatos são quase tudo na diplomacia. E, em Washington, o novo embaixador conhece muita gente.
No ano passado, ao bater na porta de deputados republicanos e democratas para tentar diminuir a pressão do Congresso americano sobre as queimadas da Amazônia, Forster se lembrou dos encontros que tinha com o pai de um congressista e, entre sorrisos, acredita ter amainado um eventual crítico do governo Bolsonaro. Conhecer os caminhos também o levaram a defender a gestão do presidente em diversos veículos americanos, inclusive na “esquerdista” NPR.
Como um mantra, diplomatas brasileiros em postos de comando em Washington muitas vezes falam da “relação especial” entre Brasil e Estados Unidos. Citam a geografia, a composição da população e o tamanho. Mas, ao longo das décadas, muito pouco dessa suposta proximidade tem se traduzido em um diferencial para o Brasil. Forster não foge à regra. Fala em aproximação com os Estados Unidos, mas não há, pelo menos, por enquanto, nada que indique que vá melhorar a relação com os americanos. “O Brasil sumiu, não está no radar de Washington e não voltará tão cedo, a despeito de declarações de apoio incondicional do governo brasileiro às políticas americanas”, afirmou Paulo Sotero, presidente do Brazil Institute do think tank Wilson Center, na capital americana.
Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, lembra que Forster, apesar de próximo do chanceler e do próprio Eduardo Bolsonaro, terá um desafio extra. Com sua ascensão meteórica, enfrentará uma certa resistência dentro da estrutura do Itamaraty. “Ele não pode ser considerado um diplomata normal. Seu crescimento se deu por seus posicionamentos, em um momento em que muitos diplomatas experientes estão sendo escanteados também por questões ideológicas”, lembrou Stuenkel.
Além de tentar despertar o interesse americano pelo Brasil, Forster corre contra o relógio. Com as eleições presidenciais americanas em novembro, a janela de oportunidades para novas grandes decisões se estreita no Congresso. Conhecedores apontam para abril, ou mais tardar maio, como o prazo para iniciar novas grandes frentes na relação bilateral.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Nestor Forster: novo embaixador em Washington

Aprovado em sabatina, indicado para embaixada nos EUA minimiza imigração irregular de brasileiros

Diplomata Nestor Forster também disse no Senado que não há alinhamento automático com americanos

Aprovado por unanimidade —12 votos a 0— na Comissão de Relações Exteriores do Senado nesta quinta-feira (13) para ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o diplomata Nestor Forster minimizou as queimadas ocorridas em 2019 na Amazônia e o aumento do número de brasileiros sem documentos ingressando em território norte-americano.
Para ser oficializado como embaixador, o nome do diplomata ainda precisa ser aprovado no plenário do Senado, o que deve acontecer na próxima semana.
Forster disse que é preciso "dar a dimensão devida" ao problema de imigração para os Estados Unidos envolvendo brasileiros sem documentação. Para ele, a questão é "pontual".
Entre 2018 e 2019, esse número cresceu dez vezes, chegando a 18 mil pessoas (sendo que 95% são famílias). Há 1,3 milhão de brasileiros vivendo nos EUA, de acordo com o diplomata.
"O que aconteceu? O Brasil está em crise econômica? Alguém está mandando eles embora? Não é isso. É que houve um redirecionamento de organizações criminosas de imigração ilegal que atuavam na América Central e estão atuando hoje no Brasil", afirmou.
Em janeiro, o governo norte-americano anunciou que brasileiros que tentassem atravessar a fronteira sudoeste dos EUA para pedir asilo no país seriam enviados de volta ao México para aguardar a tramitação de seus processos de imigração.
Em outra frente de ação da Casa Branca, mais 130 brasileiros foram deportados num voo fretado na semana passada —o terceiro com o mesmo propósito desde outubro.
Ele também negou que, entre os países comandados pelos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro (sem partido), haja um alinhamento automático, "uma expressão que é usada com um certo cunho depreciativo, mas que, na prática, não poder ser sequer realizada".
"Se houvesse alinhamento automático, nós não precisaríamos nem ter embaixada, talvez nem precisássemos ter o Itamaraty. Isso não existe com país nenhum", afirmou Forster.
O diplomata tratou de Amazônia em mais de uma oportunidade ao longo de sua sabatina. Disse, por exemplo, que foi ao Parlamento americano conversar com os congressistas, principalmente na Câmara, de maioria democrata.
"É preciso ter um diálogo aberto e franco com eles, explicar o que está acontecendo no Brasil e o que não está acontecendo, desfazer exageros e enfrentar os temas com realismo e determinação", afirmou Forster.
Depois, respondendo a perguntas de senadores, disse que as queimadas do ano passado não foram as maiores dos registros históricos e o papel da diplomacia "não é esconder nada, distorcer nada, fazer fake news", mas é, "com serenidade, esclarecer e trazer os fatos à realidade".
"Não é a floresta que está pegando fogo, são as bordas, áreas já desmatadas do cerrado, que fazem parte da Amazônia Legal, mas não do bioma amazônico. Quando a gente esclarece, explica as coisas, desfaz estas más impressões ou desinformações que tem nesta área", afirmou.
Forster fez algumas referências ao presidente da República. Chamou a visita que Bolsonaro fez aos Estados Unidos, em março do ano passado, por exemplo, de histórica.
"Uma virada de página, assinalando um novo momento em que Brasil e Estados Unidos podem usar o que chamei de leito profundo de valores e princípios compartilhados que podem aflorar de forma mais firme e efetiva para a realização dos interesses dos dois países", afirmou Forster.
O diplomata listou consequências da visita, como a mudança de postura dos EUA em relação ao pleito do Brasil para ingresso na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a designação de aliado especial extra-Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que abre portas para uma maior cooperação no âmbito de defesa, além da assinatura do acordo de salvaguardas tecnológicas, permitindo o uso da base de Alcântara (MA) para o lançamento de satélites.
Em outubro do ano passado, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, enviou um documento ao secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, no qual dizia que Washington defendia as candidaturas imediatas apenas de Argentina e Romênia.
Em janeiro, os Estados Unidos fizeram um gesto ao governo Bolsonaro defendendo "que o Brasil se torne o próximo país a iniciar o processo de adesão à OCDE", segundo embaixada dos EUA em Brasília.
Forster destacou também consequências do calendário eleitoral norte-americano, o que, segundo ele, impõe constrangimentos do lado dos EUA para um engajamento mais firme em acordos comerciais.
O diplomata colocou aos senadores como maior desafio uma questão que se discute há décadas: um acordo que permita evitar a bitributação para empresas e para pessoas físicas.
"Isso teria grande alcance na facilitação de comércio entre os dois países, no aumento da eficiência do comércio e tudo isso. É algo complexo, está na mesa há muito tempo", afirmou.
O governo de Donald Trump, no entanto, publicou na segunda-feira (10) uma norma que retira o Brasil da lista de nações consideradas em desenvolvimentoe que dava ao país determinados privilégios comerciais.
O principal objetivo do governo Trump, segundo a nota, é reduzir o número dos países em desenvolvimento que poderiam receber tratamento especial sem serem afetados por barreiras contra seus produtos.
Entre as consequências práticas de deixar o status na OMC (Organização Mundial do Comércio) –mas não na mudança da lista dos EUA– poderia estar o fim da isenção unilateral de tarifas em exportações, pelo SGP (Sistema Geral de Preferências), do direito a acordos parciais de comércio com outros países em desenvolvimento e de parte dos empréstimos do Banco Mundial.

Demora no processo

No comando interino da embaixada do Brasil nos EUA desde junho, o diplomata queria ser sabatinado no fim do ano passado para iniciar 2020 já oficializado no cargo. 
Com a demora para o agendamento da sessão, disse a pessoas próximas que não havia como interferir no calendário de Brasília e que teria que esperar pela convocação dos parlamentares.
A paciência, dizem aliados, foi justamente a chave de Forster durante o caminho tortuoso que desembocou na sua indicação.
Jair Bolsonaro decidiu indicá-lo embaixador na capital americana somente depois que o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, desistiu do posto diante do desgaste de sua imagem em meio à crise do PSL e da relação turbulenta entre governo e Congresso. O Planalto avaliava que o Senado não daria os votos necessários para a aprovação do nome do filho do presidente.
Forster recebeu então o aval do governo Donald Trump para ocupar o posto em 19 de novembro. O chamado agrément é uma consulta que o Itamaraty faz de maneira sigilosa aos países que vão receber o futuro embaixador e, somente depois dele, sua indicação é encaminhada formalmente ao Senado brasileiro.
​​Bolsonaro, porém, já havia atropelado o rito natural desse processo quando anunciou, antes de qualquer pedido de aval ao governo dos EUA, que indicaria seu filho para a embaixada em Washington. Depois da desistência de Eduardo, afirmou —também sem a prévia chancela americana— que seria Forster o substituto.
Amigo do polemista Olavo de Carvalho, o diplomata tinha o apoio do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) para assumir a embaixada antes mesmo de Bolsonaro falar sobre a possibilidade de Eduardo abraçar o posto.
Forster havia ganhado força —e a simpatia do presidente— durante a viagem de Bolsonaro à capital americana, em março.
Ele foi um dos responsáveis por elaborar a lista de convidados da "Santa Ceia da direita", jantar com a presença de pensadores e jornalistas conservadores na primeira noite de Bolsonaro em Washington e, desde então, teve participação em reuniões importantes do governo brasileiro nos EUA.
Como revelou a Folha, em junho, Forster chegou a interromper suas férias para se encontrar pessoalmente com Bolsonaro em Seattle, durante uma parada técnica da comitiva brasileira após o encontro do G20, no Japão.
Naquele momento, a conversa foi vista por integrantes do Itamaraty como o movimento que faltava para sua indicação formal a embaixador nos EUA, mas, pouco tempo depois, Eduardo entrou em cena.
Forster não comentava publicamente sobre a possível nomeação do filho do presidente para um dos postos mais cobiçados da diplomacia brasileira. A aliados, dizia que continuaria trabalhando até que a indicação de Eduardo fosse aprovada pelo Senado. Mas a possibilidade parecia cada vez mais difícil, até ser enterrada de vez.
Conservador, católico e alinhado ao governo americano, Forster tem na sua sala no terceiro andar da embaixada um boné de apoio a Trump e uma mensagem em que se lê "make unborn babies great again" —que adapta o slogan do presidente americano a campanhas antiaborto no país.
Especializado em América do Norte há quase 30 anos, o diplomata já comandou os consulados de Nova York e de Hartford, em Connecticut. Desde 2017, era responsável por temas migratórios e de administração na embaixada em Washington antes de assumir a função de encarregado de negócios.
Depois da sabatina desta quinta, Forster pretende fazer reuniões com autoridades em Brasília e no Rio de Janeiro, e passar uns dias no seu estado natal, o Rio Grande do Sul, antes de voltar aos EUA na próxima semana.