Nestor Forster, o homem de Bolsonaro em Washington
Diplomata ligado a Olavo de Carvalho é indicado como embaixador nos Estados Unidos — e promete muito mais que uma agenda conservadora
Henrique Gomes Batista
REvista Época, 14/02/2020 - 03:00
O gaúcho Nestor Forster não tinha nenhuma experiência como embaixador antes de chegar a Washington. Foto: Arte sobre reprodução
A Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou, por 12 votos a 0, o nome de Nestor Forster como embaixador brasileiro em Washington na quinta-feira 13, cargo que ele já exercia interinamente desde setembro. A confirmação só depende de aprovação do plenário da casa. A escolha descartou — pelo menos, por ora — o plano do presidente Jair Bolsonaro de colocar nesse posto seu terceiro filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), com pouca experiência no exterior para além do tempo em que trabalhou numa lanchonete no estado do Maine.
Já Forster, de 56 anos, é o que se poderia chamar de um “diplomata das Américas”. Durante toda a sua carreira no Itamaraty, teve três passagens pelos Estados Unidos em diferentes cargos, além de temporadas no Canadá e Costa Rica. É verdade que sua chegada ao cargo de embaixador em Washington é um caso de quebra de tradição. Pela lógica do Itamaraty, um recém-promovido a embaixador — sua promoção foi em junho — teria de passar por vários países antes de chegar ao comando da embaixada mais importante. Mas Forster não é o primeiro a pegar um atalho para Washington. Antonio Patriota fez o mesmo em 2007.
Se, por um lado, Forster peca por não ter no currículo nenhuma experiência como titular de embaixada, por outro, esbanja proximidade com Olavo de Carvalho, o ideólogo de extrema-direita que faz o papel de guru da família Bolsonaro. Muito antes da eleição presidencial de 2018, Forster fazia visitas à área rural de Richmond, capital do estado da Virgínia, onde Carvalho mora. Inclusive, foi o diplomata quem apresentou o hoje chanceler Ernesto Araújo ao pensador do bolsonarismo. Embora Forster rejeite o título de “olavista”, os dois são amigos há cerca de 20 anos. Segundo pessoas próximas, a definição é considerada por Forster uma simplificação com cheiro de preconceito.
O embaixador pode não gostar do adjetivo, mas, no dia 31 de agosto rasgou ao amigo elogios dignos de um fiel seguidor. Na sede da embaixada em Washington, Forster entregou a Carvalho a medalha da Ordem do Rio Branco, concedida por Bolsonaro. “Não se trata de uma homenagem do presidente da República, do chanceler, de todo o Itamaraty ou de seus milhares de alunos no Brasil e no exterior. Mas é uma homenagem de todos os brasileiros de bem que, cansados de ver a pátria ser aviltada e assaltada por criminosos, saíram às ruas em protesto com cartazes onde se proclamava: ‘Olavo tem razão’”, afirmou Forster. “E Olavo certamente tem razão no diagnóstico da patológica decadência cultural de nosso país”, sentenciou, chamando-o de sábio, generoso e bondoso.
Forster está no grupo que tenta comungar de duas fontes incompatíveis. Bate palmas para Carvalho, que se destaca por suas ideias extremadas e pela intransigência, e diz ser admirador do pensador irlandês Edmund Burke, um liberal clássico que viveu no século XVIII e se opunha politicamente a qualquer radicalismo, de esquerda ou direita. “Não é possível seguir a Olavo e Burke ao mesmo tempo. Burke é conservador e Olavo é reacionário. O conservador é um liberal que quer combinar inovação com tradição, e o reacionário é um visionário que odeia a modernidade e acredita poder restaurar os valores perdidos da Idade Média”, disse Christian Edward Cyril Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj) e um dos maiores especialistas no Brasil em Burke. Forster pensa diferente. Uma semana depois de homenagear Carvalho, o diplomata fez um discurso, no dia 7 de Setembro, na sede da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que constava uma longa citação de Burke sobre a pátria.
Assim como o chanceler Araújo, Forster é gaúcho e torcedor do Internacional. Católico fervoroso, tem duas filhas, uma delas freira, irmã dominicana, nos EUA. Aos amigos, costuma dizer ser fã do romancista carioca José Geraldo Vieira, morto em 1977, e do poeta Bruno Tolentino, outra coincidência com Carvalho. Forster se diz um apaixonado por música, uma herança do avô, trompetista de orquestra louco por Louis Armstrong, que o ensinou a gostar de Bach. Além de música clássica, Forster escuta o gaúcho Renato Borghetti e o violonista paulista Marco Pereira. Na juventude, em Porto Alegre, nos anos 1980, chegou a tocar chorinho com os futuros integrantes da banda Engenheiros do Hawaii.
Mesmo pessoas que torcem o nariz para a agenda conservadora do novo embaixador o descrevem como um habilidoso negociador. Quem trabalhou próximo a ele tem a mesma opinião. “Você não vai ver, em nenhuma ocasião, Forster sendo a voz da insensatez. Ele sempre busca o razoável, o acordo, a composição”, disse o engenheiro Rubens Sakay, que dividiu com Forster a transição entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. “A capacidade dele de análise é excepcional”, completou.
Desde setembro até a sabatina, Forster mostrou algumas de suas qualidades mesmo na condição de embaixador interino. Apesar de todo o barulho da família Bolsonaro em favor de Donald Trump, o diplomata optou pela prudência e tentou ampliar, o máximo possível, contatos com políticos americanos de ambos os campos. Durante a interinidade, Forster obteve algumas vitórias: a classificação do Brasil como “aliado preferencial extra-Otan” pela Casa Branca e também a decisão americana de apoiar o Brasil em sua tentativa de conseguir uma vaga na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma espécie de clube formado majoritariamente por países desenvolvidos. Se essa busca por resultados acima das ideologias for mantida, o Brasil tende a ganhar. Caso a ideologia fale mais alto, os riscos aumentam, principalmente na área do meio ambiente. Nesse tema, o discurso bolsonarista em favor da exploração da floresta cria atritos com ambientalistas e pode acabar em boicotes contra o agronegócio brasileiro.
Forster se orgulha de ter deixado uma marca em todos os postos por onde passou. Um dos exemplos comumente citados por ele é a elaboração do Manual da Presidência da República, feito em parceria com Gilmar Mendes, quando o atual ministro do Supremo Tribunal Federal era consultor jurídico da Secretaria-Geral da Presidência. “Nestor é um dos profissionais mais qualificados, um dos melhores quadros da administração pública brasileira”, afirmou Mendes quando perguntado por ÉPOCA. Entre 2000 e 2002, Forster foi chefe de gabinete do ministro na Advocacia-Geral da União (AGU). Um ano depois, estava no gabinete de transição entre os governos FHC e Lula.
Na cadeira de embaixador, o diplomata não esconde que pretende aproveitar a proximidade ideológica entre Trump e Bolsonaro. Em seus planos está iniciar uma grande negociação comercial entre os dois países e avançar na agenda de defesa e espaço. Se conseguir um novo acordo para a troca de bens entre os dois países, fará história. Depois do entusiasmo mostrado durante período eleitoral em 2018, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem evitado falar em abertura da economia brasileira. Nos Estados Unidos, o livre-comércio também virou palavrão em alguns círculos.
Para atingir seus objetivos, o gaúcho terá de abrir a agenda que acumulou ao longo da carreira. A inspiração é o tempo em que Paulo Tarso Flecha de Lima era embaixador em Washington. Forster estava na capital americana nos anos 1990, quando Lúcia, mulher do embaixador, era próxima de Lady Di. Naquela época, a Villa McCormick, suntuoso prédio de 1931 que serve como residência oficial do representante brasileiro nos Estados Unidos, passou a atrair diplomatas de todas as partes interessados na então princesa de Gales. Para Forster, ficou a lição que bons contatos são quase tudo na diplomacia. E, em Washington, o novo embaixador conhece muita gente.
No ano passado, ao bater na porta de deputados republicanos e democratas para tentar diminuir a pressão do Congresso americano sobre as queimadas da Amazônia, Forster se lembrou dos encontros que tinha com o pai de um congressista e, entre sorrisos, acredita ter amainado um eventual crítico do governo Bolsonaro. Conhecer os caminhos também o levaram a defender a gestão do presidente em diversos veículos americanos, inclusive na “esquerdista” NPR.
Como um mantra, diplomatas brasileiros em postos de comando em Washington muitas vezes falam da “relação especial” entre Brasil e Estados Unidos. Citam a geografia, a composição da população e o tamanho. Mas, ao longo das décadas, muito pouco dessa suposta proximidade tem se traduzido em um diferencial para o Brasil. Forster não foge à regra. Fala em aproximação com os Estados Unidos, mas não há, pelo menos, por enquanto, nada que indique que vá melhorar a relação com os americanos. “O Brasil sumiu, não está no radar de Washington e não voltará tão cedo, a despeito de declarações de apoio incondicional do governo brasileiro às políticas americanas”, afirmou Paulo Sotero, presidente do Brazil Institute do think tank Wilson Center, na capital americana.
Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, lembra que Forster, apesar de próximo do chanceler e do próprio Eduardo Bolsonaro, terá um desafio extra. Com sua ascensão meteórica, enfrentará uma certa resistência dentro da estrutura do Itamaraty. “Ele não pode ser considerado um diplomata normal. Seu crescimento se deu por seus posicionamentos, em um momento em que muitos diplomatas experientes estão sendo escanteados também por questões ideológicas”, lembrou Stuenkel.
Além de tentar despertar o interesse americano pelo Brasil, Forster corre contra o relógio. Com as eleições presidenciais americanas em novembro, a janela de oportunidades para novas grandes decisões se estreita no Congresso. Conhecedores apontam para abril, ou mais tardar maio, como o prazo para iniciar novas grandes frentes na relação bilateral.