'Quer proteger a Amazônia? Compre mais do Brasil’, diz escolhido por Bolsonaro para a embaixada nos EUA
O diplomata Nestor Forster terá seu nome ainda submetido pelo plenário do Senado
O Globo, 18/02/2020
SÃO PAULO -
Aprovado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado na última quinta-feira para assumir a
Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, o diplomata Nestor Forster, 56 anos, disse em entrevista ao GLOBO que entre suas prioridades estará atuar para dirimir o que chama de
fake news a respeito da Amazônia. No ano passado, diante das queimadas e índices de desmatamento da floresta, vários congressistas americanos apresentaram projetos para dificultar o comércio entre os dois países como uma forma de retaliação a
questões ambientais.
"Penalizar a exportação de empresas brasileiras usando a Amazônia como desculpa é algo que prejudica a Amazônia, porque as grandes empresas que exportam são as que têm mais recursos para observar a lei ambiental. É contraproducente", afirmou Forster. Antes de assumir a embaixada em Washington, um dos principais postos da diplomacia, ele ainda precisa ter seu nome submetido ao plenário do Senado, o que deve ocorrer nos próximos dias.
Qual o seu plano de trabalho, se for aprovado pelo plenário?
Se eu vier a ser aprovado pelo plenário do Senado, tenho um desafio enorme para dar forma concreta a esta imensa energia que existe na relação entre o presidente [Jair] Bolsonaro e o presidente [Donald] Trump. Queremos promover uma aproximação do Brasil em áreas como comércio e investimentos, atrair mais investimentos americanos para o Brasil, gerar mais emprego e renda aqui para os brasileiros. Queremos ter maior acesso ao mercado americano, isso é algo que queremos perseguir como objetivo de médio prazo. E a coisa que podemos fazer mais rapidamente é na facilitação de negócios, de reduzir os elementos do custo Brasil.
Que outras áreas podem ser incentivadas?
Nós temos imensa agenda na área de cooperação científica e tecnológica, no tema espacial, utilização da Base de Alcântara (Maranhão) para o lançamento de satélites, e, além disso, temos a possibilidade de aprofundar a cooperação na área de defesa e segurança.
O senhor também tem planos de deixar um legado cultural em Washington?
Sim, a gente começou uma série de eventos culturais, promovendo um concerto de Villa-Lobos, a peça “Pulando como um saci” fez grande sucesso, conseguimos encher o auditório da embaixada. E temos talvez o maior tesouro brasileiro nos Estados Unidos, a biblioteca que o diplomata e historiador Oliveira Lima (1867-1928) doou a uma universidade de Washington. Eram originalmente 30 mil obras, hoje são 60 mil, e pelo menos 5 mil delas são obras raras. É a maior biblioteca brasileira fora do Brasil. A ideia seria trabalhar com a Universidade Católica, onde isso está localizado, para fazermos um grande centro de estudos ibero-americano, como era o desejo do Oliveira Lima, deixando uma marca perene da cultura brasileira na capital americana.
Mas como seria este centro?
Não quero soar megalômano, mas a obra está lá, se trata de trabalhar com a universidade para conseguir doações, financiamento. A universidade poderia doar o terreno, há grandes empresas brasileiras que poderiam ter interesse nisso, não só do estado de Pernambuco, de onde veio Oliveira Lima, que poderiam fazer o seu aporte e deixar a sua marca.
O senhor tem falado muito também com os produtores de vinhos do Brasil...
Conversei com todas as principais vinícolas brasileiras, as do Sul mas também as do Vale de São Francisco, o prefeito de Petrolina (PE) esteve na embaixada, e precisamos ampliar a presença do vinho brasileiro, não apenas como “enfeite diplomático”, mas com uma presença comercial. A nossa ideia é fazer um grande evento de degustação de vinho brasileiro em Washington no segundo semestre e levar os produtores para entrar em contato com os distribuidores locais. É um setor com valor agregado, que gera emprego e renda. Vamos tornar uma rotina servir produtos brasileiros, começando pelo vinho, em nossos eventos da embaixada. Depois podemos avançar para outros, é o que se chama soft power. Eu brinco sempre, ninguém vai na Embaixada da Suécia e sai de lá sem comer um salmão. A Embaixada da Itália em Washington tem uma cantina que é uma beleza. É uma forma de difundir a cultura brasileira a partir destes produtos.
Parte da agenda que o senhor prevê para este ano pode ser afetada pelas eleições americanas?
De forma alguma. Isso introduz um elemento de certa complexidade, mas a relação entre os países não deve parar e não podemos perder este “momentum” que foi gerado pela excelente relação entre os dois presidentes.
Mas, no lado democrata, os principais candidatos têm falado muito sobre o Brasil, quase sempre de maneira crítica por causa da questão amazônica. Uma eventual troca de poder não pode prejudicar esta relação entre Brasil e EUA?
É muito cedo para especular sobre isso, os elementos que vão definir o futuro da campanha eleitoral americana não estão dados ainda. O papel da diplomacia é procurar esclarecer a realidade, os fatos, os dados. Não estamos em Washington para fazer propaganda para o Brasil e nem para distorcer nada. Ao contrário, queremos corrigir os exageros, as desinformações que às vezes circulam e que podem prejudicar a imagem do país. Às vezes temos até interesse protecionista disfarçado de preocupação ambiental, e nossa obrigação é, imediatamente, mostrar os fatos. 84% da Amazônia estão de pé, e muito bem, graças ao Brasil. O mundo deveria agradecer ao Brasil por ser a potência ambiental que é.
Mas no último ano vários congressistas apresentaram projetos para dificultar o comércio entre os dois países por questões ambientais. Isso pode prosperar?
Não acredito.
Quando surgiu este tipo de iniciativa no Congresso, nós procuramos deputados e senadores dos dois partidos, mostrando os fatos, qual o problema da queimada, qual a sua extensão. Mostramos que o último ano está na média dos últimos dez anos, houve anos com muito mais queimadas, como 2005, 2007 e 2010, que a preocupação com o meio ambiente é enorme no governo de Jair Bolsonaro. Tanto que a Operação Verde Brasil foi a maior mobilização do país contra queimadas, com 43 mil soldados, 2.500 bombeiros, equipamentos sem precedentes envolvidos nisso.
Mas no exterior a visão é de que o Brasil está passando por uma crise ambiental.
A política ambiental do presidente Bolsonaro leva em conta que temos 25 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia, região com o mais baixo IDH do país. E não podemos cercar a Amazônia e transformá-la em um imenso parque para que europeus e americanos ricos passem suas férias. Temos que pensar nestes 25 milhões de brasileiros que estão lá, dar a eles oportunidade de emprego, melhor renda, serviços públicos de melhor qualidade. E isso vem como? Com projetos sustentáveis na área da bioeconomia. Há uma enormidade de coisas que podem ser feitas. Temos empresas brasileiras pioneiras na área de cosméticos, fármacos, a área de piscicultura tem um potencial enorme. Os peixes amazônicos podem ter uma criação sustentada e trazer mais renda para a região, além de toda a área do ecoturismo, que tem melhorado muito. É disso que se trata. Penalizar a exportação de empresas brasileiras usando a Amazônia como desculpa é algo que prejudica a Amazônia, porque as grandes empresas que exportam são as que têm mais recursos para observar a lei ambiental. É contraproducente. Quer proteger a Amazônia? Compre mais do Brasil, não menos, isso vai gerar renda e recursos até para a preservação.
Dada a proximidade entre Bolsonaro e Trump, a reeleição do republicano em novembro seria melhor para o país?
Nós trabalharemos com o resultado que vier das urnas do povo americano.
Tem crescido muito o aumento de deportações de brasileiros detidos na fronteira dos EUA, que tentam entrar ilegalmente no país. Como o senhor pretende lidar com este tema?
Há preocupação sobre isso,
aumentou muito o número de brasileiros apreendidos na fronteira, de 1.600 em 2018 para cerca de 18 mil no ano passado, 95% são famílias. Então temos duas dimensões: primeiro de assistência consular e humanitária, e temos dez consulados nos EUA que procuram prestar toda a assistência a estes brasileiros. Eu digo e repito: para os consulados brasileiros, não há brasileiro ilegal, vai ser atendido como qualquer outro, sem nenhuma pergunta sobre situação migratória nos EUA, isso é um problema das autoridades americanas. Porém, temos alguns limites para ver se há alguma discriminação, se as instalações são adequadas, se dramas humanos específicos têm sido tratados. A outra dimensão é a razão para este aumento expressivo de brasileiros. Segundo investigação da Polícia Federal, o aumento está relacionado à migração dos coiotes, organizações de crimes organizados. Não vamos romantizar este pessoal, eles traficam pessoas e drogas, e costumavam levar centro-americanos para para os EUA, mas como o México fechou sua fronteira sul, eles se voltaram ao Brasil. Temos violação de interesse de menores, aluguel de crianças para pseudofamílias, coisas que nos preocupam muito. A comunidade brasileira nos Estados Unidos tem uma imagem muito boa: ordeira, trabalhadora, alegre e festiva.
O que pode surgir da nova visita do presidente Bolsonaro aos EUA, para a Flórida, em março?
Essa visita é mais um bom momento de nosso relacionamento bilateral, e o presidente vai realizar uma agenda em um seminário de investimentos em Miami. O Brasil é o maior investidor externo na Flórida, são cerca de US$ 20 bilhões. Há um grande interesse das autoridades do próprio estado nesta visita. Vai ter este componente de investimento. O presidente também deverá ter contato com a comunidade brasileira na Flórida, que é muito expressiva. Vai assinalar mais um ponto da excelência do relacionamento entre o Brasil e os EUA, do muito que temos a fazer juntos.
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