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sábado, 29 de fevereiro de 2020

A memória da ditadura - Ascanio Seleme (O Globo)

Em complemento às visitas aqui sugeridas por Ascânio Seleme, em sua excelente crônica no Globo, eu sugeriria, se alguém for fazer turismo na Alemanha, uma visita ao Museu dos Congressos Anuais do Partido Nazista, em Nuremberg, um retrato eloquente de como um líder carismático, mas psicopata, pode transformar todo um povo, supostamente educado, numa horda de fanáticos, dispostos a segui-lo até o fim.
Assistindo a algumas das arengas em vídeo de Hitler, falando aos militantes e simpatizantes do NSAPD — com legendas em inglês —, impossível não se lembrar dos discursos em palanques de Lula exortando seus seguidores e o povo em geral: o mesmo estilo e palavreado (“nós e eles”, “o povo e as elites”, os “estrangeiros explorando o país”, “sugando nossas riquezas”, a “imprensa a serviço dos poderosos”, etc.), o que me deu uma sensação extremamente desconfortável de que estávamos sendo conduzidos pelo mesmo caminho.
Bem, Lula aparentemente passou, submergido na imensa corrupção trazida por sua cleptocracia improvisada, mas algo do carisma continua, e isso é preocupante.
O atual capitão, sem ter a eloquência e o carisma desses dois predecessores, persegue a mesma falcatrua política e o caminho para o desastre, ao arrebanhar uma horda de fanáticos que vê nas suas falas destrambelhadas uma ilusória salvação para os males do Brasil, em grande parte criados pela incompetência, cupidez e corrupção das elites (todas elas, inclusive as sindicais), e alimentados pela ignorância abissal do eleitorado, que nada mais é do que falta de educação simplesmente.
Espero que o Brasil não trilhe o caminho da insanidade.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29/02/2020

Ascânio Seleme - Um país que precisa de memória
- O Globo, 29/02/2020

No Brasil, parcela importante da população não consegue enxergar os males que um regime totalitário, intransigente e macabro gera nas pessoas

Não basta ter ódio e nojo da ditadura, como expressou Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição, em 1988. É preciso ter presente na memória coletiva os males que um regime totalitário, intransigente e macabro gera nas pessoas, nas famílias, nas coletividades, nos bairros, nas cidades e nas nações. É preciso que os mais jovens, os que não viveram sob a ditadura, tenham por ela o mesmo ódio e o mesmo nojo. É preciso que a memória seja viva e tangível. Que se possa tocar nas feridas para saber como elas doem.

No Brasil, parcela importante da população não consegue enxergar o passado porque é pequena a exposição de quem foram e o que fizeram os facínoras que, em nome dos ditadores, perseguiam, prendiam ilegalmente, sequestravam, torturavam, matavam e faziam desaparecer pessoas. Sem isso na cabeça, manifestantes pró-Bolsonaro vão para as ruas e pedem a volta da ditadura. Como farão no próximo dia 15. Desprezam os Poderes Legislativo e Judiciário e acreditam que a mão armada de fuzil e porrete é capaz de colocar ordem na casa.

A História prova o contrário. Além das barbaridades que cometem, e no Brasil não foi diferente, regimes autoritários erram muito mais justamente por não admitirem o contraditório, não se abrirem para o pluralismo de ideias e inovações que verdadeiramente mudam as coisas para melhor. Fora alguns bons livros e documentos históricos importantes como o “Brasil: Nunca Mais”, organizado por Dom Paulo Evaristo Arns, pouco resta para escancarar para as pessoas o que foi a ditadura brasileira.

O Memorial da Resistência de São Paulo, inaugurado em janeiro de 2009, é o único museu brasileiro que mostra como se operava a violência do Estado contra seus cidadãos. Ele está instalado numa parte do prédio em que funcionou o antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), principal centro de tortura do estado, e que hoje também abriga a Pinacoteca. Situado no Parque da Luz, em pleno coração de São Paulo, o temido e famigerado Dops operou barbaridades desde a instalação da ditadura brasileira, em abril de 1964, até a sua extinção, em março de 1983.

Em 2015, a Argentina abriu um museu para expor de maneira organizada e de modo permanente como foi brutal e sanguinária a sua ditadura militar. O Museu Sítio de Memória foi montado no Casino de Oficiales de la Escuela de Mecánica de la Armada (Esma), mesmo local onde funcionou por anos o maior centro clandestino de detenção, tortura e extermínio de inimigos políticos do regime. Naquele conjunto militar plantado dentro de Buenos Aires, a 20 minutos de Palermo, mais de 5 mil argentinos foram brutalizados. A maioria morreu ou desapareceu.

Esses museus são mobilizadores e deveriam ser abertos em todas as cidades, em todos os quartéis e delegacias onde cidadãos foram detidos ilegalmente pelo aparelho do Estado, torturados e assassinados. Apalpar a História, tê-la sempre próxima, este é o melhor caminho para não se esquecer das atrocidades que nossos irmãos mais velhos sofreram enquanto a Justiça e o Legislativo permaneciam amordaçados ou fechados. Se você conhecer alguém que está pensando em vestir a camisa da seleção e ir a Copacabana no dia 15, tente fazê-lo antes imaginar como estarão seus filhos e seus netos no futuro se de fato sua mobilização conseguir fechar os parlamentos e os tribunais brasileiros.

Entre sem bater
No Palácio de Bolsonaro, apenas o general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, não bate na porta do presidente antes de entrar. Outro oficial tem trânsito livre e acesso permanente ao terceiro andar. É o general Ramos, chefe da Casa Civil, mas esse precisa ser anunciado. O primeiro mandou um “foda-se” ao Congresso por mexer no Orçamento da União. O segundo negocia com parlamentares as emendas que atendem demandas das suas bases eleitorais. Faz todo sentido.

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