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sábado, 22 de fevereiro de 2020

A reconfiguração de forças no comando da política externa brasileira - Isabela Cruz (Nexo Jornal)

A reconfiguração de forças no comando da política externa brasileira

Funções que eram do assessor especial Filipe Martins, ligado a Olavo de Carvalho, passaram para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, comandada por militar
Foto: Ricardo Padue/FUNAG - 9.5.2019
Filipe Martins ao microfone
Filipe Martins, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, em palestra no Instituto Rio Branco
Um decreto do presidente Jair Bolsonaro, publicado em 14 de fevereiro, alterou a estrutura do poder Executivo na área da política externa. As principais funções do assessor especial Filipe Martins passaram a ser de responsabilidade da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, comandada pelo almirante Flávio Augusto Viana Rocha. 
Martins é um dos principais representantes das ideias de Olavo de Carvalho dentro do governo. A ala olavista é conhecida pela defesa do que chamam de “valores judaico-cristãos” e pela celebração do nacionalismo. Outro fator em comum é a frequente demonstração de admiração ao presidente americano, Donald Trump.
Rocha foi nomeado para a chefia da pasta de Assuntos Estratégicos também em 14 de fevereiro, na mesma semana em que outros movimentos ampliaram o poder dos militares dentro do governo Bolsonaro. Antes, a secretaria estava com o civil Bruno César Grossi de Souza. O almirante, por sua vez, estava à frente do 1º Distrito Naval (Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais).
Além disso, Rocha responderá diretamente ao presidente Bolsonaro. Seu antecessor respondia à Secretaria-Geral da Presidência. 
Ainda que permaneça responsável pelo assessoramento do presidente em assuntos internacionais, Filipe Martins agora terá, ao menos na hierarquia institucional, um almirante intermediando seu relacionamento com a Presidência.

O papel de assessor especial

Formado em 2015 no curso de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília), Filipe Martins se tornou em 2018 secretário de assuntos internacionais do PSL. Participou fervorosamente da campanha eleitoral de Bolsonaro à presidência, e levou Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente e deputado federal, ao jantar de aniversário de Steve Bannon, ex-estrategista político de Trump. 
Na Assessoria Especial da Presidência, Filipe Martins ganhou as funções de auxiliar o presidente Bolsonaro em Assuntos Internacionais. Isso inclui participar da organização de viagens presidenciais ao exterior, preparar materiais informativos e correspondências e dar andamento aos projetos da área diplomática.
Na gestão Bolsonaro, a Assessoria Especial abriga um gabinete de três assessores que ficou conhecido como “gabinete do ódio”. O grupo é acusado de ser responsável pela disseminação em massa de notícias falsas contra opositores do governo e está sendo investigado pela CPI mista das Fake News, no Congresso.
Na comissão, a deputada federal Joice Hasselmann acusou Filipe Martins de integrar o “gabinete do ódio”. Martins nega o envolvimento do governo com ataques virtuais a oponentes políticos. 

O poder de cada ala do governo

A nova distribuição de funções da política externa foi vista por analistas como um enfraquecimento da ala do governo ligada ao escritor Olavo de Carvalho.
Uma das razões dessa interpretação foi o fato de que o deslocamento de funções ocorreu dias depois de o general Walter Braga Netto ser anunciado como substituto de Onyx Lorenzoni na Casa Civil. 
Com as mudanças, portanto, o governo de Jair Bolsonaro, capitão do Exército, passa a ter todos os principais postos políticos do Palácio do Planalto ocupados por nomes de origem militar: 
  • Na Vice-Presidência, general Hamilton Mourão 
  • Na Casa Civil, general Walter Braga Netto 
  • No Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno
  • Na Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos
  • Na Secretaria-Geral, o major reformado da Polícia Militar do Distrito Federal, Jorge Oliveira
  • Na Secretaria de Assuntos Estratégicos, o almirante Flávio Augusto Viana Rocha
Na contramão do que buscam os nomes alinhados a Olavo, os militares costumam defender uma diplomacia mais pragmática, independente de valores religiosos. Exemplo disso foi a não aderência do vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB), à ideia de transferir a embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, que agrada evangélicos mas causaria grande indisposição com o enorme mercado dos países árabes. 
Segundo Filipe Martins, entretanto, seu poderes continuarão os mesmos na prática, apesar do rearranjo burocrático. “Os boatos sobre minha morte foram terrivelmente exagerados. No novo arranjo, eu e a equipe que me auxilia seguiremos prestando assessoramento direto ao PR [presidente da República], mas o faremos a partir da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos [...]”, disse ele no Twitter. 
Para o internacionalista Paulo Velasco, Filipe Martins perdeu poder, mas é prematuro dizer que o enfraquecimento do assessor representa o esvaziamento da ala olavista como um todo. Professor de Relações Internacionais da Uerj, Velasco conversou com o Nexo sobre as mudanças nos quadros do primeiro escalão da política externa brasileira.
Segundo ele, o novo arranjo institucional “é nitidamente uma tentativa de neutralizar os impulsos e os excessos do Filipe Martins. Pode até ser o início de uma estratégia mais ampla de neutralização da dimensão mais olavista da política externa, mas não podemos esquecer que Ernesto Araújo continua sendo o chanceler, e que Nestor Foster acaba de passar pela sabatina do Senado”. 
Nestor Foster foi indicado pelo presidente Bolsonaro para ocupar o cargo de embaixador do Brasil em Washington, considerado o posto mais importante da diplomacia brasileira. Foster também é entusiasta da agenda conservadora de costumes e, em janeiro de 2020, fez longo discurso elogioso a Olavo de Carvalho, na cerimônia que condecorou o escritor com o grau máximo da Ordem Nacional de Rio Branco, a Grã-Cruz. Aprovado na sabatina da Comissão de Relações Exteriores, o nome de Foster ainda passará por votação no plenário do Senado. 
Outro olavista à frente da política externa é o próprio filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), que preside a Comissão de Relações e de Defesa Nacional. De julho a outubro de 2019, Jair Bolsonaro defendeu que Eduardo se tornasse o embaixador do Brasil nos Estados Unidos. 
À época dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), o assessor especial para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, foi um importante formulador da política externa nacional. Perguntado sobre o desempenho no cargo de Filipe Martins, de 31 anos, em comparação com gestões anteriores, Velasco destacou a inexperiência do atual assessor. “Na verdade, o Filipe Martins não tem o menor reconhecimento na comunidade de política externa e até agora o que fez foi ganhar uma fila crescente de desafetos”, disse Velasco. 

A Secretaria de Assuntos Estratégicos

Criada originalmente no governo Fernando Collor de Mello em 1990, a Secretaria de Assuntos Estratégicos já foi dissolvida e retomada algumas vezes. Na última reestruturação ministerial antes do Governo Bolsonaro, foi recriada por Michel Temer (MDB). A secretaria tem status de ministério e é responsável por formular políticas públicas de longo prazo voltadas ao desenvolvimento econômico e social do país.
Não é a primeira vez que a pasta de Assuntos Estratégicos desempenha funções no âmbito da política externa. De outubro de 2009 a dezembro de 2010, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães assumiu o comando da secretaria depois de ter se aposentado do Itamaraty. No cargo, o diplomata elaborou o Plano Brasil 2022, incluindo temas internacionais, como meio ambiente e comércio exterior. 
No Itamaraty, Pinheiro Guimarães havia ocupado, de 2003 a 2008, outro cargo importante para a condução da política externa nacional: a secretária-geral das Relações Exteriores. A secretaria é responsável por assessorar o Ministro de Estado na direção da política externa e na supervisão dos serviços diplomático e consular.
Quanto à nomeação do almirante Rocha para a secretaria, Bolsonaro afirmou, na segunda-feira (17): “fala seis idiomas, foi assessor parlamentar, é muito querido. Pessoa adequada, conciliadora, inteligente para ajudar nessas questões estratégicas do Brasil.

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