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terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Os sobressaltos da democracia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Os sobressaltos da democracia brasileira: mini-reflexão sobre um novo estremecimento nas frágeis instituições democráticas do Brasil


Paulo Roberto de Almeida 

‪A democracia brasileira sempre foi um experimento descontinuado nos primeiros 80 anos de regime republicano; a deterioração começou no próprio governo provisório de Deodoro, continuou no governo arbitrário de Floriano, continuou piorando sob os sistemas fraudulentos de “verificações de votos” sob os presidentes das oligarquias do período “café-com-leite”, se perverteu na “política dos governadores”, continuou se degradando nas intervenções federais nos estados - especialmente sob o Marechal Hermes da Fonseca -, e continuou sendo testada nas inúmeras intervenções de militares na política (tenentes, por vezes os altos comandos também).
Os militares continuaram se imiscuindo na política desde a última década monárquica até os anos 1970, com recrudescimentos mais brutais nos anos 1930-60, quando os altos comandos decidiram “consertar”, ou “endireitar” o país, livrando-o da corrupção, da anarquia, da “ameaça comunista” e outros males terríveis. Deu no que deu: uma ditadura que, por ter sido menos sangrenta do que certos equivalentes na região, e que procurou se cercar de “garantias jurídicas e institucionais”, não foi menos arbitrária na censura, na repressão, no obscurantismo, sem se ter agora um juízo claro sobre os níveis de corrupção.
Os militares construiram uma grande economia e ao mesmo tempo a deformaram, pelo estatismo exacerbado, pelo stalinismo industrial, pelo protecionismo mercantilista, pelo inflacionismo irresponsável e por um nacionalismo tosco, rastaquera, que isolou completamente o país da interdependência global.
Não por acaso o subtítulo do primeiro livro do mais famoso brasilianista, Thomas E. Skidmore, “Politics in Brazil, 1930-1964” (no Brasil se chamou “De Getúlio a Castelo”),
era “An Experiment in Democracy”, ou seja, uma democracia apenas tentativa.
Finalmente, quando a democracia política — que preservou desigualdades sociais — começou a se fortalecer nos 30 anos pós-1985, mesmo em meio a crises políticas graves, que nos levaram a dois impeachments (dentro de regras constitucionais), novos sinais desestabilizadores aparecem, como entre as décadas 1930-60s.
Atualmente, surge uma nova ameaça, sob a forma de um monstro miliciano-corporativo, sectário em seu direitismo tosco, sem qualquer doutrina política a sustentar um “conservadorismo” de fachada, apoiado em saudosistas da ditadura militar e em fanáticos de extrema-direita, disposto a “limpar” a sociedade de uma suposta ameaça comunista, agitando o espectro sobredimensionado do Foro de S. Paulo, uma justificativa oportunista para o avanço dos novos milicianos.
Considero o atual regime — sim, regime, não apenas governo — olavo-bolsonarista a mais grave ameaça às nossas frágeis instituições democráticas.
Nosso regime democrático, por uma série de razões — patrimonialismo, entre outras — sempre foi de baixíssima qualidade, mas agora  é o próprio governo que dinamita as bases de funcionamento do Estado de Direito, com a cooperação ingênua, inconsciente ou intencional, de representantes de núcleos corporativos e de altos mandarins da República, e ameaça novamente romper certas colunas básicas da institucionalidade democrática.
Retrocederemos novamente?‬
Não sem a minha resistência...


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de fevereiro de 2020

Um comentário:

Unknown disse...

Ótima reflexão, como sempre muito lúcida e nevrálgica.