Esquerda e direita na politica e na economia: ainda faz algum sentido?
Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais, mestre em planejamento econômico, diplomata de carreira, autor de livros e artigos sobre relações internacionais, integração econômica e política externa do Brasil. O autor não pertence, nem pretende pertencer, a qualquer partido político, nem possui simpatia particular por qualquer um dos existentes no atual sistema partidário brasileiro, embora possa ter antipatia por alguns deles.
Sumário:
1. O jogo de oposições como norma nas sociedades humanas
2. A dimensão da alteridade na política moderna e contemporânea
3. A velha divisão entre a esquerda e a direita: ainda válida?
4. A alternância de políticas entre situação e oposição: como e por que ocorre?
5. A alternância nas políticas econômicas: ortodoxia versus heterodoxia
6. Lições a serem tiradas da alternância de políticas econômicas: o que fazer?
1. O jogo de oposições como norma nas sociedades humanas
O universo mental e material das sociedades humanas é permeado de oposições, de contradições, de antagonismos e de projetos contraditórios. As escolhas a fazer são muitas e difíceis, algumas apenas ambíguas, outras até antagônicas: que deuses honrar?; que tipo de liderança política escolher?; qual regime constitucional adotar?; que sistema econômico privilegiar?; qual código de conduta respeitar na vida pública?; que posturas observar na sociedade em que se vive?; competição aberta ou cooperação solidária?; devemos favorecer o individualismo ou as práticas coletivas?; buscamos a iniciativa privada ou damos preferência ao estatismo?; queremos capitalismo ou socialismo?
Poucas escolhas humanas, poucas opções sociais estão isentas de paixão, quando não exibem, pura e simplesmente, antagonismos irredutíveis. Em alguns poucos casos, manifesta-se uma atitude de compreensão dos atores sociais ante posturas adversas, ou mesmo competidoras da sua própria postura; em outros, registra-se, ao contrário, cenas de intolerância explícita, quando não de ódio em relação à posição oposta. Fundamentalistas religiosos e milenaristas salvacionistas podem arrastar grupos humanos, por vezes toda uma sociedade e até mesmo nações vizinhas, em direção de conflitos sangrentos: ocorrem, então, enfrentamentos entre estados, lutas civis, fratricidas, como foi o caso, por exemplo, das guerras de religião, no início da era moderna na Europa. O mesmo continente, aliás, assistiu, menos de um século atrás, a duas terríveis carnificinas, numa espécie de reedição ideológica da guerra de trinta anos do século 17; em meados do breve século 20, a “era dos extremos”, os enfrentamentos se deram entre os três fascismos militaristas (hitlerista, mussoliniano e nipônico) e as democracias ocidentais, aliadas temporariamente ao comunismo soviético (muito embora este último fosse, no início da guerra, aliado do hitlerismo).
Mas mesmo uma simples torcida de futebol, desgostosa com a derrota do seu time, pode incorrer em insanas destruições patrimoniais, quando não na eliminação física de algum infeliz torcedor adversário. Os conflitos mais comuns nos ambientes urbanos, que constituem o núcleo das sociedades contemporâneas, costumam ocorrer ou por causa de crises repentinas de seus regimes políticos ou sistemas econômicos – fatores conjunturais e contingentes, portanto; ou pela via da mobilização de instintos religiosos ou de símbolos identitários de clãs e seitas unidos por alguma motivação não exatamente racional (como ocorre, justamente, com essas torcidas organizadas de marginais que descambam para a violência gratuita). Turbas são especialmente violentas e propensas a acatar uma visão maniqueísta do mundo, segundo uma concepção que vê a alteridade como um perigo, uma ameaça latente, podendo representar a derrota de suas próprias crenças e convicções. Na maior parte dos casos, felizmente, se trata de um fenômeno de segurança pública, mais do que propriamente de um processo sociológico, como ainda ocorre, por exemplo, no subcontinente indiano – dividido em centenas de castas e dezenas de dialetos diferentes – ou até na Europa meridional ou na Ásia central, embora os exemplos mais graves se situem mesmo no continente africano.
2. A dimensão da alteridade na política moderna e contemporânea
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