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sábado, 2 de novembro de 2019

Sobre leões e hienas: O Brasil na América do Sul - Leonardo Coutinho (GP)

Sobre leões e hienas

O presidente da Bolívia, Evo Morales, em coletiva de imprensa em La Paz, 31 de outubro de 2019

Leonardo Coutinho
Gazeta do Povo, 1/11/2019

A Polícia Federal realizou uma operação em três estados brasileiros com o objetivo de desmontar uma organização criminosa especializada em lavagem de dinheiro e migração ilegal. Em resumo, era o seguinte: os bandidos traziam para o Brasil pessoas do Afeganistão, Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão e depois os despachavam para a fronteira sul dos Estados Unidos. Os criminosos aproveitavam-se da frouxidão das leis migratórias brasileiras para transformar o país em uma escala até os Estados Unidos.
No Brasil, não precisa nada. Literalmente nada. Estou falando sequer de um passaporte ou documento simples de identidade para que um imigrante possa desembarcar em um de nossos aeroportos, fazer os procedimentos migratórios e ingressar no país. As leis que regulamentam os pedidos de refúgio consideram que basta uma autodeclaração – que inclui nome, idade e nacionalidade – para permitir o ingresso, um protocolo para acompanhar e, acreditem, um documento de identidade.
Quando redigiram a lei, as autoridades brasileiras consideraram que uma pessoa que embarca em qualquer aeroporto internacional para chegar ao Brasil está passando pela mesma situação extrema daquelas que atravessam desertos e fronteiras a pé, fugindo de um massacre iminente, como vimos nas imagens recentes de curdos fugindo da Síria. É evidente que nenhuma companhia aérea do planeta permitiria a viagem de um indocumentado. Mas, na ficção brasileira tudo pode.
A investigação no Brasil foi possível porque nos Estados Unidos identificaram um problema. Imigrantes provenientes de países com alto nível de risco para a segurança nacional, por serem uma maternidade de terroristas, começaram a ser barrados tentando se mimetizar entre os latinos que tentam atravessar a fronteira guiados por coiotes. Vários desses presos relataram terem iniciado a jornada pelo Brasil.
Em 2018, os Estados Unidos estiveram diante de um problema inédito. Caravanas com milhares de imigrantes centro-americanos marcharam com o objetivo de atravessar na marra a fronteira americana. No final do ano passado, escrevi um artigo que trazia as provas de que nas caravanas estavam 232 infiltrados. Pessoas provenientes da Ásia, Oriente Médio e África – os chamados “Special Interest Aliens” (SIA) –, que se valeram do caos para tentar ingressar nos Estados Unidos. Entre eles, estavam dezenas de pessoas que passaram antes pelo Brasil.
Recentemente, o Ministério da Justiça apresentou novas regras para melhorar o controle migratório no Brasil. Não faltou quem reclamasse acusando o ministro Sérgio Moro de descriminação, xenofobia e dos mais populares xingamentos políticos atuais, fascista. Sem fazer a menor ideia do que se passa (ou no pior dos casos sabendo muito bem), o pessoal da resistência acha que para ser um país bacana, o Brasil tem que ser um país bocó.
Em 2007, ainda no seu segundo ano de mandato, o boliviano Evo Morales roubou, sob a justificativa de "nacionalizar", duas refinarias da Petrobras. O Brasil, então sob o comando de Lula, assistiu impassível a pilhagem do patrimônio que é de todos nós brasileiros. Treze anos depois, Lula deixou escapar, em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que a operação havia sido comunicada antecipadamente por Morales e avalizada por ele.
Friamente, se não fosse a pilhagem do patrimônio da Petrobras, Evo Morales poderia ser considerado apenas um problema dos bolivianos. Mas tal como Hugo Chávez e depois Nicolás Maduro, o presidente boliviano é uma fonte inesgotável de instabilidade. A Bolívia é um dos três produtores mundiais de cocaína, ao lado de Colômbia e Peru. Os bolivianos são responsáveis pela maioria da droga que chega ao Brasil. O país de Morales se converteu na principal base dos brasileiros PCC no exterior e principal provedor de cocaína e crack para o tráfico no Brasil.
Quem é Evo Morales? Ele é muito conhecido por seu papel como presidente da Bolívia. Posto que ele conquistou em 2005 e não está disposto a largar. Além de comandar o país, Morales nunca deixou de chefiar um conjunto de associações de produtores de folhas de coca da região do Chapare, epicentro da produção de matéria-prima para a produção de cocaína. Para simplificar, Morales está para o tráfico de cocaína como o líder dos produtores de trigo está para indústria da farinha. Indissociáveis.
Em 2018, foram registrados 57.341 homicídios no Brasil. Diversos especialistas em segurança estimam que o número de ocorrências que possuem relação direta ou indireta com o tráfico pode chegar a 80% do total. Não existe um número preciso. Mas considerando que ele é o que mais chega próximo da realidade, é possível afirmar que 126 morrem naquele ano vítimas do tráfico. A Bolívia está na origem de um dos maiores problemas brasileiros.
Entre 2009 e 2014, o governo da Bolívia mentiu pelo menos 100 vezes para a diplomacia brasileira alegando que usaria o espaço aéreo nacional para voos de ajuda humanitária e outras atividades do gênero. Segundo uma denúncia apresentada por um ex-piloto que atuou diretamente nesses voos, o que era levado no interior dos aviões era cocaína pura embarcada em uma base militar na Bolívia e entregue na Venezuela e depois em Cuba.
Há duas semanas, uma parcela significativa dos bolivianos iniciou uma luta solitária contra o presidente socialista. Morales declarou-se vitorioso para um quarto mandato, em um processo eleitoral nebuloso sob suspeitas evidentes de fraude.
A crise pós-eleitoral na Bolívia era previsível, pois não faltaram sinais do colapso institucional do país. Morales seguiu os passos de Hugo Chávez em todos os elementos que levaram à implosão da Venezuela. Mudou a constituição, o nome e a bandeira do país, violou as regras constitucionais para se reeleger indefinidamente e torrou as reservas nacionais para manter uma taxa de câmbio artificial e políticas assistencialistas.
O Itamaraty soltou uma nota adiando o reconhecimento da vitória de Morales, preferindo uma auditoria que está sendo negociada com a Organização dos Estados Americanos (OEA). O presidente Jair Bolsonaro deu um passo atrás. Disse não querer problemas com o vizinho. Mas se tratando de Morales, não basta querer.
Na savana geopolítica latino-americana, o Brasil é o mais poderoso dos leões. Mas por falta de convicção se comporta como o leão caquético do vídeo-meme que tocou fogo no debate político no início da semana. As hienas não veem problema algum em nos cercar e dar umas mordidinhas. Está na hora do Brasil se ver no espelho. Descobrir seu tamanho, habilidade e complexidades. O Estado brasileiro tem formas não-violentas de mostrar suas garras e dentes. Algumas delas passam pela diplomacia e legislação moderna e rígida. Pelo contrário continuaremos sendo vistos como o leão moribundo que não só perdeu a liderança do bando, como está um passo de ser devorado.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Hugo Chavez, um espectro - livro de Leonardo Coutinho


Acabo de receber, para ler e resenhar. Já verificando as fontes (o que faço em primeiro lugar), e o sumário, a organização, e percorrendo algumas páginas passo a recomendar, sem hesitação, este livro a todos os meus 18 leitores (acho que um pouquinho mais, agora, com o FB, mesmo deturpado).
Começo por reproduzir a primeira frase da introdução do autor, "A jornada" (p. 7)"

O jornalista tem por ofício a obrigação de duvidar.

Exatamente isto, e deveria ser a regra para os acadêmicos também, e esta deveria ser a atitude geral do pesquisador: pesquisar duvidando, sempre...
O livro é o resultado de anos de trabalho duro, de centenas de entrevistas, de milhares de páginas percorridas nos mais diversos meios de comunicação.
Volto a insistir: quem quiser entender o que está acontecendo hoje na Venezuela, tem de ler este livro.
Voltarei a ele.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de março de 2018

domingo, 15 de novembro de 2015

Republica Bolivariana do Narcotráfico? E quanto passaria pelo Brasil?




Cai a fronteira entre o regime venezuelano e o narcotráfico

A prisão do filho de criação do presidente da Venezuela ao tentar enviar 800 quilos de cocaína para os EUA reforça a suspeita de que o governo chavista é um cartel de drogas

Por: Leonardo Coutinho - Veja, em 


O presidente venezuelano Nicolás Maduro ao lado da primeira-dama Cilia Flores durante um comício em Caracas - 26/08/2015
Maduro e sua mulher, Cilia Flores: prisão dos sobrinhos da primeira-dama empurra o presidente venezuelano para o centro de uma investigação que corrói a reputação do chavismo(Presidência da Venezuela/AFP)
Na semana passada, Nicolás Maduro foi tragado por um fato capaz de agravar a crise de legitimidade de seu governo. Dois sobrinhos de sua mulher, Cilia Flores, foram presos por tentar vender 800 quilos de cocaína a um funcionário disfarçado da agência antidrogas dos Estados Unidos (DEA). Aproveitando-se do passaporte diplomático, que lhes permitia ter isenção no controle de bagagem, Efraín Antonio Flores e Franqui Francisco Flores desembarcaram na terça-feira 10 em Porto Príncipe, capital do Haiti, com 5 quilos da droga. Era uma amostra do carregamento que estava pronto para ser enviado em um jatinho aos Estados Unidos, de uma pista clandestina no norte de Honduras. Em um quarto de hotel nas imediações do aeroporto local, os venezuelanos entregaram aos agentes que se faziam passar por traficantes a mala recheada de pó com um nível de pureza próximo de 100%. Os Flores queriam impressionar e provar aos falsos clientes, com quem vinham negociando desde outubro, que podiam fornecer grandes quantidades da melhor cocaína possível. Efraín, de 29 anos, foi adotado ainda criança por Cilia ao ficar órfão de mãe e era tratado como filho por Maduro.


No avião da DEA que os transportou para os Estados Unidos, Efraín revelou que ele e o primo eram apenas os mensageiros e que a droga pertence ao Cartel dos Sois. Seus chefes, eles asseguraram, são Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional, e Tareck al Aissami, governador de Aragua. Os nomes desses dois líderes chavistas são recorrentes nas delações referentes ao tráfico da cocaína produzida na Colômbia, que tem na Venezuela sua principal rota de escoamento. Em janeiro, Leamsy Salazar, um ex-guarda-costas de Cabello e do presidente Hugo Chávez (morto em março de 2013), detalhou o funcionamento do cartel chavista. Salazar implicou Cabello, Al Aissami e o filho de Chávez, Hugo Colmenares, na cúpula do grupo criminoso. A prisão dos sobrinhos da primeira-dama empurrou Nicolás Maduro para o centro de uma investigação que nos últimos três anos vem corroendo a reputação do chavismo e revelou que não existe fronteira entre o regime instituído em 1999 e o narcotráfico. Maduro, cujo governo enfrentará uma difícil eleição legislativa no início de dezembro, se diz vítima de uma conspiração imperialista. Esse discurso pode funcionar para uma parcela da esquerda latino-americana, mas não na Venezuela.Um funcionário ligado à investigação contou a VEJA que os Flores esperavam apenas pelo pagamento de 100 milhões de dólares para dar a ordem de decolagem ao jatinho rumo aos Estados Unidos. Depois de misturado com outras substâncias, o carregamento poderia render o triplo desse valor no mercado americano. Mas a dupla foi surpreendida com uma ordem de prisão seguida de imediata extradição para os Estados Unidos. Na quinta-feira passada, os primos foram indiciados em um tribunal federal de Nova York por tráfico de drogas e conspiração. Pelas leis americanas, esses crimes podem ser punidos com prisão perpétua.