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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Uma breve geografia de meu percurso internacional - Paulo Roberto de Almeida

  Uma breve geografia de meu percurso internacional 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sintética sobre meu percurso internacional, desde a juventude, mas apenas transcrevendo os países onde já estive.

 

 

Apenas atendendo a uma curiosidade, ou provocação, de um leitor, vou listar, numa ordem não exatamente perfeita, todos os países que visitei, como curioso, como turista, como estudante, como profissional, como simples viajante ocasional ou planejado, como uma espécie de substrato a um futuro “Baedeker” de minha trajetória internacional, ou seja, o roteiro de minha geografia pessoal, que poderei fazer um dia, talvez seguindo numa mapa do mundo, onde já estive e porque, com qual motivo e quais ensinamentos retirei de cada uma dessas “visitas”. Elas indiscutivelmente fizeram parte de minha formação, de minha educação e dos insumos que passaram a incrementar meu trabalho profissional e acadêmico nessa área das relações internacionais, sem que eu me considere um “internacionalista”. 

Sou apenas um curioso e um nômade com gosto, mas bem menos nômade do que minha cara Carmen Lícia, ela sim, uma viajante incansável, e planejadora inovativa e inovadora de todas as nossas viagens da fase adulta. Mas, as minhas viagens começaram bem mais cedo, primeiro nos livros que eu lia na biblioteca infantil de meu bairro em São Paulo: Monteiro Lobato, Karl May, Emílio Salgari, Jules Verne e todos os outros escritores de viagens, alguns que provavelmente nunca viajaram aos lugares sobre os quais escreveram, mas que aprenderam em outros livros, nas enciclopédias, nos livros de viagem, nos guias de turismo, nos relatos de outros viajantes. Depois, nas primeiras viagens de carona, como mochileiro, depois como autoexilado voluntário durante a ditadura militar, finalmente como profissional da área internacional e como turista acidental. Tudo isso me formou, e como!

Mas, não vou entrar em digressões neste momento. Vou apenas listar erraticamente, embora numa certa ordem cronológica, os lugares onde eu já estive, ao sabor da pena, ou melhor, do computador (que permite ajustes, correções e adições, a qualquer momento). 

 


 São Paulo, Mongaguá (o mar, ah, o mar), viagens com o Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha pelo interior de SP e no Paraná, na primeira metade dos anos 1960, depois de mochila à Bahia e a Brasília, de mochila pelo Cone Sul (Paraguai, Argentina, Chile, Uruguai), na segunda metade dos anos 1960. Finalmente a partida do Brasil: de barco, no final de 1970, por Tenerife, Gibraltar, Barcelona, de trem e carona pelas estradas europeias em pleno inverno: França, Alemanha, Tchecoslováquia, uma visita a um país kafkiano, literalmente, não por culpa do Franz, mas por culpa do socialismo. Começo de uma aventura de quase sete anos, de estudos, muito estudo, sobretudo em bibliotecas, as mais diversas.

Bélgica, para estudos e trabalho, a partir do início de 1971: Bruxelas e viagens pelo país, inclusive de bicicleta, Holanda, França, Alemanha, Suíça, socialismo outra vez (a convite, inclusive União Soviética e algo mais), Argélia, Espanha, Itália, Grã-Bretanha, França muitas vezes, e o contato com todos os tipos de estrangeiros, em Bruxelas, Antuérpia, Paris. De trem, de carro, de avião, esticadas para todas as partes segundo a ocasião e as oportunidades. Mas, sobretudo bibliotecas, onde as viagens eram na imaginação.  

Brasil de volta, em 1977, indo para o governo final do regime militar, mas com a repressão ainda ativa. São Paulo, e logo em seguida Brasília, dando início a uma bela carreira, feita para mim, e que justamente combinava viagens, a trabalho, e escapadas para cultura e lazer. Pela primeira vez, eu era pago para viajar, logo em seguida: Polônia socialista, Iugoslávia de Tito, aproveitando para passar por Portugal, Paris e o que mais estivesse no caminho. Tive sorte de namorar, logo em seguida, com uma pessoa ainda mais nômade do que eu: Carmen Lícia Palazzo, que já tinha viajado tanto ou mais do que eu, nas encarnações anteriores. E livros, claro, sem o que não se pode ter uma vida a dois. Casamento e planos vagos sobre o futuro; lua de mel na estrada: 11 mil kms de Fiat 147, de Brasília a São Paulo, depois Porto Alegre, Brasília novamente, para descarregar os presentes, e Belém-Brasília, com duas únicas paradas no caminho, seguido de São Luis, Belém novamente e volta a Brasília, para passeios nas redondezas.

Não escolhi sair, mas me escolheram. Lá fomos nós, final de 1979: Berna, uma capital simpática, num país ordeiro, limpinho, organizado. Nasce o Pedro Paulo, mas com quinze dias ele já estava na estrada conosco, em todos os cantões da Suíça e mesmo na França, Itália, Áustria e Alemanha. De volta à Bélgica em 1981: retomada do doutoramento, que tinha ficado interrompido na volta ao Brasil em 1977; comecei a revisar os fundamentos e a racionalidade das posturas anteriores, inclusive com base em novas e frequentes viagens.

E quais foram as viagens desta primeira incursão profissional, entre a Suíça e a então Iugoslávia, logo após a morte de Tito, entre 1979 e 1984? Primeira viagem de lazer, no primeiro fim de semana de Berna, de pura curiosidade “etílica”, foi feita na Route du Vin, da Alsácia, saindo da Suíça por Basileia, a cidade de Erasmo de Roterdam; voltamos não só com muitas garrafas de vinhos, de Riquewihr, Ribeauvillé, até Colmar, como também com um conjunto de pequenas taças para tomar os brancos da região, entre eles Pinot Noir. A partir daí não paramos mais, entre a Suíça francesa, de Genebra e Lausanne, a alemânica, até a italiana, sem contar uma vez que esquecemos o carrinho do Pedro, já de volta a Berna, em Murten ou Friburgo, não me lembro bem. Depois avançamos sobre a França, a Alemanha, a Itália, a Áustria (cruzando Lietchenstein) e até onde era possível alcançar, sem esquecer as terras do socialismo real: comprei a Marx-Engels Gesamtausgabe na Dietz Verlag de Berlim oriental, cruzando cidades das duas Alemanhas da Guerra Fria e suas fronteiras fortificadas. 

A partir de Belgrado, o mais comum eram as viagens à Itália, não exatamente para lazer, tão somente, mas sobretudo para abastecimento, numa fase de penúria socialista (mas no socialismo todas as fases são de penúria material, sem falar da miséria moral). Estávamos tão acostumados com Trieste, Padova, Veneza, que o Pedro Paulo, ao voltar para Brasília com 4 anos e meio, pediu para passar um fim de semana em Veneza, passeando de gôndola. Mas tinha também as viagens na própria Iugoslávia: Croácia e Dalmácia, Eslovênia, Montenegro, Macedônia, Kossovo, Vojvodina e outros lugares visitáveis. A partir dali fomos duas vezes à Grécia, e uma vez até Istambul e a Turquia asiática, atravessando a Bulgária e cruzando o Bósforo na grande ponte que une Europa e Oriente Médio. Itália foi, entre todas, a de maior quilometragem turística, de um canto a outro da bota, até a Sicília e a Calábria. Após a defesa do doutoramento na Bélgica, a intenção era ir de Belgrado até a União Soviética, entrando por Leningrado e voltando por Minsk ou Kiev: acabou não dando certo em Helsinque, por falta de vouchers apropriados – sem os quais seria impossível se abastecer ou se alojar ou comer – e então fizemos uma das melhores viagens de todos os tempos: da capital finlandesa até a terra de Papai Noel, Rovaniemi, no círculo polar ártico, por trem-auto, e depois atravessando a Lapônia finlandesa (milhares de lagos e zilhões de mosquitos), a sueca e o extremo norte da Noruega, onde o sol nunca se punha (claro que fomos no verão); volta pelos fiordes, Oslo, Gotemburgo (onde eu passei todo um verão lavando pratos, no verão de 1972, para pagar minha manutenção na Bélgica), Dinamarca, novamente Alemanha e volta a Belgrado, já próximo da volta ao Brasil.

Em Brasília, o que se podia fazer como passeios era nas cercanias, ou então, esticar até São Paulo e Porto Alegre, algumas vezes a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro, uma vez. Mas foi por pouco tempo, logo estávamos a caminho da Suíça uma segunda vez, em Genebra, talvez um dos melhores postos da carreira, junto com Washington, pelo trabalho e pelas viagens, naturalmente. Nessa época, os mercados financeiros ainda não estavam tão desenvolvidos, assim que eu tinha duas ou três carteiras com francos franceses, liras e marcos alemães, eventualmente algum xelim austríaco, além de cartões de crédito. Eu até tive uma conferência diplomática no meio, em Washington, para um tratado sobre circuitos integrados sob gestão da OMPI, que eu seguia em Genebra. No continente europeu, foram dezenas e dezenas de milhares de quilômetros pelas grandes autoestradas e pelas pequenas rotas do interior, na costa italiana, no interior da França, na Romantische Strasse da Alemanha. Fui convidado para acompanhar o embaixador Rubens Barbosa na Aladi, em Montevidéu, mas ficamos em Genebra todo o tempo que foi possível. Saudades da Suíça.

Montevidéu é perto de tudo, do Brasil, de Buenos Aires, do Cone Sul, e por isso aumentamos a quilometragem, com muitas escapadas a Porto Alegre, e uma grande viagem até a Patagônia e o Chile no verão (janeiro-fevereiro de 1991), já na companhia da Maíra, conosco desde o final de Genebra, desta vez num Honda Civic, que me rendeu mais dinheiro na venda do que eu tinha dispendido na compra. Mas ficamos menos de dois anos em Brasília, pois já em 1993 estávamos saindo para a Europa novamente, desta vez em Paris. Mais viagens e incursões por toda a Europa ocidental, inclusive de novo na península itálica e na península ibérica, pois antes de ingressarem na CEE os portugueses se referiam à Europa que estava além dos Pirineus. A Grã-Bretanha já tínhamos conhecido, mas eu ainda fiz uma pequena viagem com Pedro Paulo a Londres, para visitar o embaixador Rubens Barbosa, que nessa época (1994) era o representante junto à Corte de St. James.

Depois de quatro anos em Brasília (com as costumeiras viagens a Minas e ao Sul), fomos para a capital do Império, um posto que eu relutei ao início, mas que depois se revelou uma das melhores estadas da carreira, nos planos funcional diplomático, familiar, pessoal e acadêmico (com muitas reuniões com brasilianistas e convívio com as universidades locais. Logo no primeiro fim de semana de Washington, viajamos para Gettysburg, na Pensilvânia, o histórico lugar da mais cruenta batalha da guerra civil, e do famoso discurso do presidente Lincoln sobre a democracia. Do Canadá às fronteiras do México, de Chicago às Florida Keys, percorremos, a partir de Washington, praticamente toda a costa leste e grande parte do interior – que eu chamava de “caipirolândia” – e do Sul, ainda com traços visíveis do racismo americano – um regime talvez até pior do que o do Apartheid –, com várias incursões a Nova York, Pensilvânia, Maryland e Virgínia, dois estados em que moramos de 1999 a 2003. Não anotei o total da milhagem, mas daria, provavelmente, para ir e voltar da Terra à Lua.

Na volta a Brasília, com exceção de duas ou três viagens internacionais – Florida, Buenos Aires, estão na minha memória –, viajamos basicamente no Brasil, mas também esticamos três meses no milharal do Illinois, para um estágio na Universidade em Urbana-Champaign, a convite dos brasilianistas Werner Baer e Joseph Love, com nova viagem de carro desde a Florida, ida e volta. Eu atendia basicamente convite de acadêmicos, para bancas, seminários e palestras em diversas universidades brasileiras. Foi também o período em que mais escrevi, a partir de meu quilombo de resistência intelectual, deslocando do blog para a biblioteca do Itamaraty. Em 2010, tivemos a sorte de passar oito meses em Xangai, para a exposição universal, quando aproveitamos para viajar para diversas partes do imenso país, e também a Macau, Hong Kong e Japão. No meio, fui à Espanha e vim a Brasília, para um congresso da Brazilian Studies Association. 


 De volta a Brasília, e ainda no meu quilombo, aproveitei um convite da Sorbonne, em 2012, para passar seis meses em Paris (e viajando pela Europa), para aulas no mestrado do Institut de Hautes Études de l’Amérique Latine: ainda aproveitamos para palestras na Universidade de Louvain-La-Neuve, e na Universidade de Londres. Um ano depois, aceitei trabalhar no Consulado do Brasil em Hartford, Connecticut, e foram quase três anos de viagens as mais proveitosas: ademais de incursões frequentes a New Haven (Yale), Nova York e mesmo Washington – para palestra no Foreign Institute do Departamento de Estado –, fizemos duas memoráveis travessias coast to coast, até o Pacífico, uma vez pelo Norte, outra vez pelo Sul, ademais de duas ou três escapadas ao Canadá e o outro extremo, Florida Keys.


 O retorno a Brasília coincidiu com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o que me levou a assumir a direção do IPRI – Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, do Itamaraty –, e com ela muitas viagens pelo Brasil e até duas ou três internacionais. Foi um dos períodos mais gratificantes intelectualmente, feito de inúmeros debates com acadêmicos brasileiros e visitantes estrangeiros, e muitas edições de livros sobre política externa. Durou exatos dois anos e meio, de agosto de 2016 a março de 2019, quando começou o fantástico desgoverno antiglobalista, ao qual dediquei pelo menos cinco livros, do que eu chamo de ciclo da diplomacia bolsolavista, que simplesmente não teriam existido se o bando de idiotas da franja lunática não destruísse com tanto empenho os padrões de qualidade da diplomacia profissional e deformado completamente a política externa brasileira. 


 Quando estávamos nos preparando para começar novo ciclo de viagens, de volta aos Estados Unidos e novamente à Europa, talvez até mesmo a China, começou a desgraça da pandemia da Covid-19, e depois a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, situação que ainda perdura. Estamos só aguardando uma acalmia no mundo, para retomar nossas viagens, agora puramente de lazer intelectual e prazer gastronômico.

Continuarei minha pequena geografia do mundo em outra ocasião. Apenas lembro que minhas postagens na plataforma Academia.edu são acessadas em dezenas de países e em centenas de universidades, o que já foi objeto de diversas postagens minhas, sobre esses acessos “universais” na própria plataforma. Também me utilizo ocasionalmente de outra plataforma, a Research Gate, mas a quase totalidade dos trabalhos pode ser conferida ou no meu site pessoal, ou na plataforma Lattes, obrigatória para qualquer acadêmico. Muita coisa pode ser vista no meu quilombo de resistência intelectual que, pela última contagem, já indica quase 25 mil postagens (desde 2006), mais de 9,5 milhões de acessos a essas postagens e algo como 919 seguidores (inclusive um que se intitula “Padre Eterno”, sic). Com livros e acesso a praticamente toda a imprensa mundial, já estou “viajando” todos os dias, mas estamos aguardando tempos mais amenos para retomar a estrada, antes que avião. A despeito dos temores, já estivemos três vezes em São Paulo e uma longa viagem até Gramado e Porto Alegre, neste ano. Aos poucos vamos retomando os caminhos de sempre e provavelmente também alguns novos, no continente ou fora dele. Vontade não falta...

 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4172: 17 junho 2022, 6 p.

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segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Mais um membro na familia: bem vindo ao Marley, companhia para o Gabriel

Não, não é um irmãozinho, pelo menos não ainda.
Apenas um simpático pastor alemão, que deve fazer companhia ao Gabriel, junto com mais duas cachorras, além de outros animais que talvez resolvam adotar essa família zoófila (seria assim que se escreve?).
Paulo Roberto de Almeida