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sábado, 3 de outubro de 2015

O cerebro desenvolvimentista (mas tem mesmo cerebro?) - Monica de Bolle

O cérebro ‘desenvolvimentista’
Às vezes, a demanda cresce acima da oferta, mas o governo não deixa o mercado se ajustar, represando os preços
por Monica de Bolle
O Globo, 01/10/2015

Não há meio-termo, tampouco conciliação. No Brasil pós-Lula, quase pós-PT, ou se é uma coisa ou outra. Desenvolvimentista ou neoliberal? O sujeito liberal não pode gostar de “desenvolvimento”, é o “rico”, o representante da “elite”, o “rentista”. Já o “desenvolvimentista” é aquele que sabe do que não gosta, mas não entende aquilo que defende de modo implícito e apaixonado. O cérebro do desenvolvimentista é peculiar, inflacionista.
Exemplos neurolinguísticos reveladores das características do cérebro desenvolvimentista abundam na imprensa brasileira. O córtex, área responsável pelo pensamento e pela ação, é comandado por reflexões que remetem obsessivamente às profundezas insondáveis da nova matriz econômica. A nova matriz, aquela que nos trouxe à situação calamitosa que atualmente atravessamos. À travessia, nas palavras da própria presidente da República.
O corpo caloso do cérebro desenvolvimentista é composto por tipo de complexidade peculiar. As estruturas que conectam os dois hemisférios, a lógica, de um lado, a criatividade, de outro, são incapazes de conectar salários que crescem acima da produtividade com a inflação galopante que assola o país. Termos como “inflação de custos” proliferam entre aqueles que se autodenominam defensores do crescimento, inimigos dos neoliberais que querem… Bem, eles não sabem articular o que os ignóbeis neoliberais querem. Sabem apenas acusá-los de serem “contra o povo”, “a favor dos bancos”. “Inflação de custos” é expressão para lá de enganosa. Se os custos sobem pressionando preços, é porque em algum lugar a demanda cresce acima da capacidade de oferta. Às vezes, a demanda cresce acima da oferta, mas o governo não deixa o mercado se ajustar, represando os preços. Tal atitude desarranja o balanço das empresas e o papel dos preços como sinalizadores de abundância e escassez, situação insustentável. Mais dia menos dia, os tais dos custos têm de ser corrigidos, levando à escalada inflacionária que hoje testemunhamos. O cérebro desenvolvimentista, entretanto, não faz a conexão entre um lado e o outro. O sistema límbico, a parte mais primitiva do cérebro, responsável pelas emoções, reage de modo visceral no cérebro desenvolvimentista. Incandesce quando processa palavras como “capitalismo”, “mercado”, “expectativas”. Acalma-se apenas quando o tronco encefálico, a estrutura mais simples do cérebro, pulsa com os axônios do “endividar-se para crescer” e o “expandir o crédito público para impulsionar o investimento”.
O cérebro desenvolvimentista não processa que o déficit público brasileiro está em quase 9% do PIB, que a dívida não comporta qualquer manobra para fingir que é possível crescer sem fazer as reformas necessárias para restaurar a higidez fiscal. O cérebro da inflação de custos tampouco entende que suas pregações apaixonadas levam apenas a um resultado: a alta da inflação.
Vá lá que muitos cérebros desenvolvimentistas tenham se formado depois da longa travessia, a verdadeira travessia, a do combate inflacionário. Mas, fica a pergunta: é razoável que economistas de boa formação abandonem os preceitos básicos de sua profissão para apregoar o indefensável? O cérebro humano exibe plasticidade única na natureza. Talvez seja possível crer que o cérebro desenvolvimentista passe por transformações súbitas após testemunhar o desastre da economia brasileira. A esperança, afinal, a esperança.

Monica de Bolle é economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics
© 1996 - 2015. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Politica economica e sujeiras eleitorais: Chafurdando nas profundezas - Monica Baumgarten de Bolle

Chafurdando nas Profundezas

Monica Baumgarten de Bolle
(Artigo publicado no O Globo a Mais de 02/10/2014)
Versão original ou interpretação magistral? Confesso que, geralmente, prefiro o original, seja do que for. Prefiro, por exemplo, a política econômica original que estabilizou o País, aquela introduzida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, à versão diluída de Lula e à interpretação deturpada, desafinada de Dilma. Na música, porém, o oposto ocorre. Gosto mais da interpretação de “Samba e Amor” de Caetano Veloso, do que da versão original gravada pelo compositor Chico Buarque, o mesmo Chico que nos assusta com suas preferências políticas. Achei espetacular o soul rasgado da cantora britânica Adele na voz acrobática da diva Aretha Franklin. “Rolling in the deep” não tem tradução exata para o português. Em inglês, “to roll in the deep” é sentir dor arrebatadora, dor de rejeição, dor de traição. O Brasil está “rolling in the deep”, chafurda nas profundezas da obstinação irracional de seus dirigentes.
Os dados são implacáveis, aniquilam qualquer versão, original ou não, com oscilações impossíveis entre graves e agudos. Diz o FMI: entre 2006 e 2013, a posição externa brasileira passou de um superávit de 1,3% do PIB, para um déficit de 3,6% do PIB. O tamanho do rombo é limítrofe – um pouquinho mais e o País estará na zona de perigo, aquela em que qualquer soluço nos mercados internacionais pode se traduzir numa saída de recursos com efeitos nefastos sobre a moeda e as reservas brasileiras. Com seus US$ 81 bilhões de déficit externo, o Brasil está atrás somente dos EUA e da Inglaterra. A diferença é que os EUA têm o dólar e Aretha Franklin, e a Inglaterra, a libra e Adele.
Do lado fiscal, agosto registrou o pior resultado para o mês dos últimos dezoito anos, impulsionado por gastos que aumentaram quase 30% no período. Está certo que a Presidente Dilma não gosta de austeridade, já atacou a austeridade, fez pregações na Europa contra a austeridade. Mas, não precisava ir tão longe, deixando as contas públicas em frangalhos para o próximo governante – ou para ela própria. Diz o Ministro da Fazenda que o ajuste fiscal ficará para o próximo governo. Como ele certamente não haverá de integrar o próximo governo, parece estar cantando com Aretha e Adele: “farei com que você pense em mim nas profundezas de seu desespero” (“And I’m gonna make your head burn/Think of me in the depths of your despair”). Não há dúvida de que nos lembraremos dele, e de seu par no Tesouro, o inabalável Arno Augustin, sobretudo se o Brasil vier a ser rebaixado pelas agências de classificação de risco no ano que vem.
A campanha presidencial rola nas profundezas insondáveis de seus últimos dias antes do embaralhado primeiro turno. A Presidente-candidata, escorada nas acrobacias que seus marketeiros fazem com a verdade, se prepara para subir a rampa do planalto em janeiro de 2015. “Vejam como sairei com cada pedaço seu, não subestime o que sou capaz de fazer” (“See how I leave with every piece of you/ Don’t underestimate the things that I will do”).
Pobre Brasil.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Brasil dos brasileiros e dos economistas - Marcelo Neri e Monica Baumgarten De Bolle

Pequena introducao de Mauricio David:

Marcelo Neri, ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos, briga para ficar no cargo. Para tal, publicou no O Globo de hoje artigo dizendo que os dados do IBGE que mostram um PIB praticamente estagnado ( crescimento de 0.9% em 2012, vai pelo mesmo caminho em 2013) não mostram a realidade. A realidade, estaria, pelo contrário, nas artes mágicas de mostrar o contrário, manipulando os dados da PNAD dada a conhecer recentemente... Este ministro vai longe... Já conseguiu ficar interinamente como ministro, agora briga para ficar definitivamente no posto. Será que vai conseguir ?
MD
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Pnad mostra que Brasil cresceu em ritmo chinês, diz ministro


Os números divulgados hoje (27) pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), referentes ao ano passado, mostram que existem dois Brasis: um que gerou Produto Interno Bruto (PIB) de 0,9%, apelidado de “pibinho”, e outro, mostrado pela pesquisa, que revelou crescimento de 8% na renda média dos trabalhadores, “um desempenho de nível chinês”. A análise foi feita secretário de Assuntos Estratégicos, ministro Marcelo Neri, que também acumula a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“A Pnad 2012 surpreende muito, porque foi o ano do ‘pibinho’ – o PIB cresceu 0,9%, mas a renda média dos brasileiros cresceu 8,9%. Ou seja, uma diferença de 8 pontos percentuais. O Brasil dos economistas está indo muito pior que o Brasil dos brasileiros. A desigualdade deu uma estabilizada [descendente] em 2012, mas, com certeza, a pobreza teve uma queda espetacular por conta do crescimento”, afirmou Neri.

Segundo o ministro, em todos os extratos da população, a renda aumentou bastante, “em ritmo chinês”, e “isso está em completa dissonância com os dados das contas nacionais do PIB”.

Marcelo Neri atribuiu o avanço registrado pela Pnad ao forte crescimento do mercado de trabalho, principalmente pelo aumento do salário e não tanto pelo crescimento na ocupação, pois o país está vivendo quase um momento de pleno emprego. “Houve uma melhora em termos de formalidade e mais acesso a direitos trabalhistas. Fundamentalmente, é uma economia em que o mercado de trabalho está descolado do crescimento do PIB. São dois Brasis completamente diferentes.”

Outros fatores que contribuíram para o bom momento da economia brasileira demonstrado na Pnad foram a melhor distribuição de renda e os ganhos reais do salário mínimo, destacou o ministro, que apontou nova queda na desigualdade: “de 2003 até 2011, tivemos um crescimento da renda na Pnad de 40,5% no acumulado. E o PIB per capita cresceu 27,7% nesse período.”

O ministro Marcelo Neri falou com a imprensa durante o 13º Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, promovido pela secretaria, em parceria com o Ministério da Defesa. O evento foi na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
Veja a crítica a Marcelo Neri :
No Reino dos Pnadianos e Pnadianas... (Blog Monica Baumgarten de Bolle)
Por Monica Baumgarten de Bolle - 4 de outubro de 2013 11:36

…há o Brasil dos brasileiros em suas casas e o Brasil dos economistas. O Brasil dos brasileiros em suas casas só pode ser visto pela janela da PNAD, a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios do IBGE. A PNAD, por sua vez, só pode ser compreendida por uns poucos afortunados que conseguem enxergar a verdade nas suas estatísticas. Isso não é tarefa para amadores. Não é tarefa para economistas. Ou, ao menos, não é para qualquer economista.
Assim nos disse o Presidente do IPEA, Marcelo Neri, em artigo publicado para o Jornal O Globo em 4/10. Há o Brasil dos brasileiros em suas casas. Esse Brasil cresceu extraordinariamente no ano passado, uns 8% descontada a inflação, uns 14% quando a levamos em conta. Disse-nos o IPEA que isso foi maior do que a expansão do PIB chinês no ano passado, salientando o feito realmente extraordinário. Esqueçam-se do detalhe anódino de que o PIB chinês não é comparável à PNAD brasileira porque… Bem, para início de conversa porque não sabemos como o PIB chinês é compilado. Já a comparação com o Brasil dos economistas, esta sim é válida. E, esse Brasil, o medido pelo PIB, cresceu apenas 0,9% em termos reais, ou pouco mais de 6,5% quando se leva em conta a variação dos preços.
O Brasil dos brasileiros em suas casas e o Brasil dos economistas – leia-se, o PIB – são definidos e avaliados pelo mesmo instituto, pelo IBGE. O IBGE conduz a PNAD. O IBGE compila as Contas Nacionais. O Presidente do IPEA disse que o Brasil não é para amadores, parafraseando Tom Jobim. Estaria ele, portanto, insinuando que uma parte do IBGE é amadora? Afinal, uma parte do IBGE, a que lida com as Contas Nacionais, constatou que a renda por habitante do País praticamente estagnou no ano passado. Ou seria o caso dele estar nos dizendo que nós economistas – uma categoria à qual ele próprio pertence – não somos capazes de decifrar a esfinge pnadiana? Pnadiana, seria um neologismo ou um termo que compõe o idioma correntemente falado pelos integrantes do atual governo brasileiro, o Dilmês?
E, será mesmo que a PNAD é um enigma que apenas aqueles dotados de uma habilidade inata para destrinchar as mensagens contidas nos microdados são capazes de resolver? A renda medida pela PNAD aumentou 14% no ano passado, levando em conta a inflação. O salário mínimo cresceu 14% em 2012 levando em conta a inflação. Será uma mera coincidência?
Suponhamos que o enigma pnadiano seja explicado pela regra anacrônica de reajuste do salário mínimo, essa que o eleva todo ano com base na expansão do PIB de dois anos anteriores e na inflação de um ano atrás. Em 2012, o salário mínimo foi favorecido pela extraordinária expansão do PIB de 2010, de 7,5%, e pela não menos extraordinária elevação da inflação, que bateu no teto da meta, nos 6,5%. Afora o fato de que a regra aumenta o grau de indexação da economia, algo que levamos anos para desmontar, e que não faz o menor sentido econômico reajustar o salário mínimo pelo PIB, há outros problemas. O salário mínimo reajustado na marreta desse modo prejudica as contas públicas brasileiras, essas mesmas contas públicas que viraram o alvo de críticas das agências internacionais de risco e de certos semanários britânicos que gostam de foguetes religiosos. O salário mínimo reajustado na marreta tende a reduzir os incentivos para que as pessoas busquem na educação a melhoria de suas perspectivas futuras. Afinal, com tantas bolsas isso e aquilo por aí, além do maná do salário mínimo distribuído generosamente pelo governo todos os anos, para que almejar algo mais? Enterrar-se na mediocridade já é suficiente. E, é claro, aprender Dilmês.
No reino dos Pnadianos e Pnadianas, há… Bem há Pnadianos e Pnadianas. Esses são os guerreiros do governo que usam qualquer artifício, inclusive um manuseio peculiar dos dados, para sustentar os seus argumentos. Poderiam também ser chamados de Pnadilmos e Pnadilmas. Qualquer semelhança com os Paladinos de Carlos Magno não é mera coincidência. Afinal, quem não concorda com eles (e elas) só pode ser membro daquelas hordas de Sarracenos hereges…

sábado, 15 de junho de 2013

Governo desperdicou bonanca economica do real e da economia internacional - Monica De Bolle

Caindo em desgraça
Monica B. de Bolle
O Estado de S.Paulo, 14/06/2013

É economista, professora da Puc-Rio e diretora do Iepe/Casa das Garças.

Como dilapidar uma herança. Assim se inicia o editorial da última edição do semanário britânico The Economist. Narra a triste história de um país latino-americano que, há vinte anos, fez uma dolorosa arrumação da casa. Um profundo ajuste macroeconômico possibilitou que, alguns anos mais tarde, usufruísse da extraordinária bonança externa, finda em 2011. A herança dilapidada assim, sem mais nem menos, lembra a história de Costa, "cidadão digno", "um dos mais estimados de Itaguaí", que herdara de D. João V vultosa quantia. Uma renda que bastaria para viver "até o fim do mundo". Costa não soube administrar sua sorte. Gastou toda a herança em investimentos duvidosos e acabou internado na Casa Verde pelo Alienista de Machado de Assis.
Não se sabe se a herança que o Brasil recebeu de Fernando Henrique Cardoso, cultivada pelo ex-presidente Lula no seu primeiro mandato, daria para viver "até o fim do mundo". Mas, decerto, se tivesse sido preservada com mais diligência pelo Lula do segundo mandato e, sobretudo, por sua sucessora, o País não estaria hoje "atolado no lamaçal", como disse a matéria da revista britânica. Tampouco se defrontaria com uma reavaliação negativa da agência de risco Standard & Poor's, que elevou o Brasil ao nirvana do grau de investimento em 2008, rebaixou os EUA em 2011 e acaba de dar um tom otimista à recuperação do país de Obama.
Enquanto chafurda no lodo de medidas que desarticularam as contas públicas brasileiras, motivo para que até os interlocutores mais próximos da presidente a critiquem duramente, o real se enfraquece. Há muito não se discutia o impacto de desvalorizações do câmbio, provenientes de problemas externos e internos, sobre a inflação. Afinal, faz pouco tempo, a moeda brasileira ganhava força e era, inclusive, vista como uma possível candidata, num futuro distante, ao nobre posto de moeda de reserva internacional, ao lado do iuane dos chineses. Não mais.
O câmbio e a inflação sempre foram os eternos sintomas de nossos desequilíbrios. Deixaram de sê-lo por um breve período - de 2008 a meados de 2011. Durante esse tempo, vivemos uma situação inédita no País: fomos capazes de reduzir os juros em resposta a um cenário externo adverso. No passado não era assim. Antes de 2008, sempre que enfrentávamos um forte contravento internacional, éramos forçados a elevar os juros para impedir que a desvalorização da moeda ocasionada pela saída de recursos do País prejudicasse demais a estabilidade de preços.
Dito de outro modo, país sólido é aquele que pode usar a política monetária - e, em certas circunstâncias, também a política fiscal - para evitar que um choque externo tenha fortes repercussões sobre a atividade, sem se preocupar com os estragos inflacionários do câmbio. Ou seja, país sólido é aquele que pode reduzir os juros quando enfrenta esse tipo de problema. Não é à toa que o Brasil é incansavelmente comparado ao México e ao Chile. Tanto um quanto outro têm sofrido com o fortalecimento global do dólar. Mas o México reduziu os juros em abril e manteve a taxa em maio, enquanto o Chile tem deixado os juros estáveis, porém acumula um espaço considerável para diminuí-los. A inflação por lá é de apenas 1% - dois pontos porcentuais abaixo da meta de inflação.
Se país sólido é aquele que pode reduzir os juros quando sua moeda se enfraquece, porque tem um quadro fiscal que ajuda a ancorar os efeitos inflacionários da desvalorização, o que é o Brasil de Dilma e de Guido Mantega? Decerto não é o país do déficit nominal nulo, que a presidente julga ser "rudimentar". É o país da infraestrutura que não sai do papel, das contas externas que se deterioram, do fiscal em estado de degradação, do crescimento que não deslancha. E, também, da inflação que não cede, do real que se desvaloriza, mesmo com a remoção dos controles de capital, e da bolsa que cai.

Talvez tudo isso force nossas autoridades a mudar de rumo. Talvez não. Afinal, diz o ditado: "Desgraça pouca é bobagem".

domingo, 14 de abril de 2013

Ainda Margareth Thatcher - Monica Baumgarten De Bolle


O problema da maior parte dos artigos sobre Thatcher, ou daqueles que são inteligentes (os únicos que entram aqui), é que eles são geralmente elogiosos, focando em suas realizações, e deixando de lado os erros que ela cometeu (e que tenho procurado compensar aqui, colocando alguns da Escola Austríaca). Tirando esse aspecto, acredito que mesmo esses artigos elogiosos (mas inteligentes) podem contribuir para a ilustração dos mais jovens (e de alguns obtusos, também), já que escapam daquela arenga tradicional (e altamente estúpida) de apenas vincular seu governo a um tal de neoliberalismo, que no Brasil (e no resto da América Latina também) passa por xingamento da parte dos ignorantes.
Paulo Roberto de Almeida  

Não há hoje líderes como Margaret Thatcher

Para fazer reformas e tirar seu país da estagnação, a ex-primeira-ministra britânica não hesitou em escolher um caminho de alto custo político

Monica Baumgarten De Bolle
Revista Exame, edição 1039,  12/04/2013
Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra britânica
Tenacidade e magnetismo: o receituário liberal irritava a oposição, mas ela venceu três eleições consecutivas
São Paulo - Ligas metálicas podem ser de dois tipos: as ferrosas, em que o ferro é o componente principal, e as não ferrosas, constituídas de outros metais. O ferro, além de resistente e de possuir propriedades magnéticas, é o elemento de núcleo mais estável da tabela periódica. Não foi à toa, portanto, que a única primeira-ministra na história do Reino Unido, Margaret Thatcher, recebeu a alcunha de Dama de Ferro.
Que o apelido tenha sido dado pelos soviéticos, os responsáveis pela Cortina de Ferro que a Dama posteriormente ajudou a derrubar, é mais do que mera coincidência. É uma deliciosa ironia, digna do humor nativo da ilha.
Uma figura controvertida até na morte — as manifestações depois do anúncio de seu falecimento foram elogiosas e críticas em igual medida —, Margaret Thatcher foi um exemplo de tenacidade e de magnetismo.
Apesar de ter escolhido o caminho mais árduo, aquele cujos custos políticos eram os mais elevados, para pôr em marcha os planos de transformação que tinha para o Reino Unido, conseguiu promover a vitória do Partido Conservador em três eleições consecutivas.
Governou o país de 1979 a 1990, uma época permeada por grandes crises externas e mudanças geopolíticas marcantes. A lista vai desde o longo período estagflacionário proveniente dos choques do petróleo, os anos de crescimento baixo e inflação elevada que sobrevieram dos eventos no Oriente Médio na década de 70, até a abertura da União Soviética e a derrubada do Muro de Berlim, culminando na extinção da liga metálica que encobria os países do Leste Europeu, a Cortina de Ferro.
Ao longo desses anos, Thatcher manteve inabalada a convicção na eficiência dos mercados, na necessidade de tornar mais flexíveis as leis trabalhistas do país e de promover as indústrias mais competitivas, deixando que as demais caíssem no esquecimento e desaparecessem gradualmente.
Até sua ascensão ao posto máximo do governo, o Reino Unido enfrentava um período de ruidosa decadência econômica, imortalizada nas imagens das greves sucessivas dos carvoeiros e de outros trabalhadores, e dos aguerridos protestos promovidos pelos sindicatos, que ditavam os rumos do país e o desmoralizavam mundialmente.
A degradação econômica e política que caracterizara os anos do pós-guerra chegou ao auge em meados da década de 70.  Quando Thatcher assumiu o poder, em 1979, a economia britânica crescia menos de 3% ao ano e enfrentava uma inflação de nada menos do que 13%.
Três anos antes, em 1976, o país recorrera ao FMI devido às crescentes dificuldades para reequilibrar as contas públicas e financiar o rombo no balanço de pagamentos. Passados dez anos depois de ela ter assumido a liderança política, o Reino Unido crescia 5% e alcançara a estabilidade de preços: em 1988, a inflação foi de 4,9%. Quem dera fosse esse o atual desempenho da economia brasileira...
A intolerância de Margaret Thatcher com a ineficiência desmantelou os grupos de interesse que emperravam a modernização e o aumento da competitividade do país. A primeira-ministra foi responsável por um dos mais ambiciosos e abrangentes planos de privatização de que se tem notícia, opôs-se ferrenhamente aos sindicatos e deu prioridade a setores em que o Reino Unido já possuía nítidas vantagens comparativas, como o polo financeiro sediado na City de Londres.
O que mais assombra ao relembrar as conquistas da Dama de Ferro é a profundidade das reformas que ela promoveu em tão pouco tempo. Dez anos. Em uma década, o Reino Unido foi da decadência à revitalização, reconquistando o espaço perdido na economia global e na geopolítica.
Hoje, o Reino Unido só não está emaranhado no torvelinho da crise do euro por causa de Thatcher e de sua inabalável determinação. “No, no, no”, bradou em meio às discussões no Parlamento sobre os planos de maior integração com a Europa. Por ironia do destino, a obstinação em evitar que a ilha se amalgamasse ao continente foi uma das razões para sua renúncia em novembro de 1990.
Pagar para ver
“Não sou uma política de consenso. Sou uma política de convicção” (“I am not a consensus politician, I am a conviction politician”). Não há, no mundo de hoje, políticos como Margaret Thatcher. Trata-se de uma época de políticos não ferrosos, de políticos excessivamente maleáveis. São políticos de consenso. O problema é que épocas de crise, ou de graves sequelas de crises, são incompatíveis com o consenso. O consenso não resiste ao fogo da polarização e do impasse político.
Exemplos abundam. Vejam os Estados Unidos, amarrados a um corte automático de gastos públicos nas áreas sociais devido à incapacidade de seus políticos de chegar a um consenso.
Vejam a Europa, onde muitos países já trocaram de governo por causa da falta de consenso. Alguns, inclusive, estão sem governo por esse motivo, como a Itália. Vejam o euro, à deriva em meio ao dissenso que prevalece entre os líderes dos países-membros do acordo de moeda única. O consenso se esvai na fumaça ardente das tensões.
Em todos esses casos, chamam a atenção não só a falta de consenso mas também a ausência de convicção. Não há líderes convictos, líderes com visão e determinação para transformar seus países, para levar a cabo as reformas que precisam fazer para tirar as economias do vórtice recessivo, do desemprego e da atividade moribunda. Ninguém quer pagar para ver. Margaret Thatcher, por mais polêmica que fosse, pagou para ver.
Aqui no Brasil, parece que queremos pagar para ver. Contudo, queremos pagar para ver o que não deveria ser visto. Enrijecemos as leis trabalhistas do país, indexamos o salário mínimo permitindo que o rendimento médio do trabalhador cresça acima da produtividade da economia, dificultamos os investimentos em infraestrutura por meio de políticas econômicas desconjuntadas e do excesso de intervencionismo do governo, criamos novas estatais.
O Estado brasileiro cresce desordenadamente, seja por meio da carga tributária elevada, seja por meio dos gastos que não param de subir ou do crédito público em demasia. Desmantelamos as agências regulatórias, revertendo os ganhos de eficiência conquistados em áreas como telecomunicações, em setores estratégicos como óleo e gás e de energia elétrica.
Deixamos que o excesso de burocracia prejudique o setor privado e impeça a retomada do investimento, sem o qual não sairemos da armadilha do baixo crescimento. Flertamos abertamente com a inflação. Nosso receituário é o inverso do implantado pela Dama de Ferro. É o receituário do latão, do material que amassa com facilidade, que oxida.
Nossa presidente é uma política de convicção. Nesse caso, antes fosse uma política de consenso.