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domingo, 18 de fevereiro de 2024

Comunistas e fascistas, a divisão do Brasil - Eduardo Affonso (O Globo)

 Vou resumir, agradecendo em primeiro lugar a Augusto de Franco a transcrição deste belo artigo de Eduardo Affonso sobre a divisão radical que paralisa o Brasil. 

Já estivemos divididos no passado por essas arquiteturas políticas binárias: Liberais e Conservadores no Império, varguistas e antivarguistas na República, Arena e MDB na ditadura, depois tucanos e petistas durante certo tempo e agora os tais comunistas e fascistas da atualidade, ou petistas e bolsonaristas por enquanto.

Que bipartição miserável esta nossa. (PRA)


Belíssimo artigo do @eduardoaffonso hoje n'O Globo. Augusto de Franco

Veados e caranguejos

Eduardo Affonso

O Globo (17/02/2024)

O Brasil é uma grande Andrelândia, aprisionado em modelo binário (e eventualmente paradoxal)

Andrelândia é uma cidadezinha do Sul de Minas, daquelas que poderiam perfeitamente ser o cenário de uma bucólica novela das 7 (no tempo em que novelas das 7 eram bucólicas). O casario colonial se espalha, como as contas de um rosário, em torno da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Porto da Eterna Salvação (é assim que o hino municipal descreve a enorme praça ovalada, mais parecendo uma nau) no centro histórico daquela que um dia foi a Vila Bela do Turvo.

A meio caminho entre Ibitipoca e São Thomé das Letras, Andrelândia não ostenta a natureza intocada de uma nem os toques sobrenaturais da outra. Mas tem algo que a faz única: um bipartidarismo próprio, que — para o bem e, principalmente, para o mal — sobreviveu aos mais de 150 partidos políticos da nossa História.

Nas cédulas e nas urnas eletrônicas, as siglas podiam ser UDN, PR, PL, PSD, PTB, PCdoB, MDB, Arena, PSDB, Novo, PT; na cabeça do eleitor, o voto seria nos veados ou nos caranguejos.

Esta é outra peculiaridade, e remonta ao século XIX, quando um grupo se insurgiu contra a hegemonia do Partido Liberal e fundou o Partido Republicano do Turvo. Os eleitores do primeiro, tradicionalistas, perderam terreno. Andaram para trás, viraram caranguejos. Os do segundo, dando saltos adiante, se autodenominaram veados — e desde então Andrelândia deve ser o único lugar em que esse termo tem uma acepção ideológica.

Emulando as mesquinharias da política nacional (em que Bolsa Família vira Auxílio Brasil para depois voltar ao nome original — que já era um rebranding dos vários programas de transferência de renda de outro governo), as obras dos veados eram abandonadas nas administrações dos caranguejos, e vice-versa. Como a resultante das forças dos que saltavam para a frente e dos que andavam para trás é nula, a cidade estagnou.

O Brasil é uma grande Andrelândia, aprisionado no modelo binário (e eventualmente paradoxal) em que se muda o rótulo, mas os ingredientes permanecem os mesmos. Lá, os veados — outrora reformadores — se acomodaram no PMDB; e foram os tucanos que acolheram os conservadores caranguejos. Mais ou menos como, noutra escala, os “progressistas” defendem estatização, protecionismo, censura — enquanto “reacionários” propõem liberalismo econômico (e um golpe de Estado, de vez em quando).

O mais ilustre dos andrelandenses, o historiador José Murilo de Carvalho (ocupante por quase 20 anos da cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras) escreveu que os quatro pecados capitais do Brasil eram a escravidão, o latifúndio, o patrimonialismo e o patriarcalismo. Poderia ter incluído um quinto: o maniqueísmo. Esse que faz com que, em 2024, ainda sejamos divididos entre fascistas e comunistas — categorias do início do século XX, ressuscitadas como espantalhos.

Nesta semana, o apresentador Luciano Huck foi xingado no Xuíter por compartilhar um artigo pró-democracia. Como se sabe, só quem é esquerdista desde criancinha pode — mesmo apoiando ditaduras e terroristas — se considerar um humanista, um democrata.

É o mal de pertencer a uma fauna limitada a cervídeos e crustáceos, que insiste em negar a diversidade, a nuance, a complexidade, a possibilidade de convergência.

Quem souber como superar o estágio de veados x caranguejos em Andrelândia talvez tenha a chave para destravar o Brasil.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

O peso das escolhas dos militares - Zeina Latif (O Globo)

Os militares da ativa estão ensimesmados, calados. São muito covardes para fazer declarações próprias e delegam aos milicos de pijama, nos clubes militares essa tarefa de proteger a si mesmos, fazendo veladamente ameaças se ousarem tocar neles. Como diria Primo Levi, é isso um homem?

PRA

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Zeina Latif - 

O peso das escolhas dos militares 


O Globo

As investigações do planejamento de golpe de Estado no Brasil revelaram as digitais de militares de alta patente, inclusive da ativa. Enquanto isso, as Forças Armadas (FA) optam pelo silêncio.

Que seja algo temporário, enquanto aguardam o desfecho das investigações. Caberiam o reconhecimento da falha por não terem contido o desvio de alguns de seus membros, o pedido de desculpas à sociedade e a punição exemplar dos militares golpistas.

O envolvimento de militares na política está na construção do Estado brasileiro. Começou já na instauração da República; marcou o período Vargas, da ascensão à queda; ameaçou o interregno democrático até 1964, quando implantou a ditadura militar que durou 21 anos.

No governo Bolsonaro, os militares ganharam novo status, assumindo posições incompatíveis com sua missão. Pior, a politização e a participação de militares na política são ameaça à disciplina militar e à democracia.

Os diferentes contextos históricos guardam, em maior ou menor grau, um elemento em comum: a fraqueza de instituições democráticas num país que lida mal com conflitos na sociedade. Concede-se, assim, um poder excessivo às FA, que, por sua vez, com frequência extrapola o espaço concedido. Por suas características ideológicas e organizacionais, as FA escolheram um indevido protagonismo político, o que historicamente comprometeu o amadurecimento institucional e a cultura política do país.

O enfrentamento dos enormes desafios do país passa por uma restruturação do papel dos militares, com a volta definitiva aos quartéis; a definição de suas diretrizes pelos civis (definidas pelo Executivo e aprovadas pelo Congresso); e a reavaliação de privilégios que custam muito ao erário e comprometem os gastos com investimento de natureza militar.

Não que o custo monetário das FA seja alto na comparação mundial. Seu orçamento representa cerca de 1% do PIB, enquanto os gastos militares na Colômbia (3,1% PIB em 2022) e no Chile (1,8%) são maiores – o México gasta menos (0,6%). Tampouco o Brasil tem número elevado de militares como proporção da população: são 17,3 vínculos ativos para cada 10 mil habitantes, ante 38 no Chile e 54 na Colômbia.

No entanto, é elevada a proporção de militares no funcionalismo federal, representando 33% dos vínculos ativos. No Chile, esta proporção está em 21%.

Do ponto de vista fiscal, além de supersalários e penduricalhos de uns tantos na ativa, o maior problema reside nos pagamentos generosos a reformados e pensionistas, com regras nada comparáveis à experiência mundial. Valem as regras de integralidade (o valor do benefício equivale à remuneração na ativa) e de paridade (os reajustes de inativos e ativos são iguais).

A reforma de 2019 manteve muitos privilégios. O tempo de serviço subiu de 30 para 35 anos, mas não há idade mínima para aposentar, e foi criado o Adicional de Compensação de Disponibilidade Militar, que causou robusto incremento aos soldos. Assim, em 2023, foram gastos R$ 32,2 bilhões com inativos.

Do total de pensionistas no serviço federal, 45,3% são relativos aos militares, por conta de regras mais flexíveis para um indivíduo ser elegível ao benefício. Por exemplo, se o militar faleceu ou ingressou nas FA até o fim de 2000, está assegurado o direito de pensão das filhas maiores. Há ainda auxílios financeiros diversos. Assim, em 2023, foram gastos R$ 26,6 bilhões com pensionistas.

O rombo da previdência militar atingiu R$ 49,7 bilhões em 2023, valor próximo dos R$ 54,8 bilhões do déficit do regime dos servidores civis (RPPS).

As FA queixam-se do reduzido volume de recursos para investimento, o que certamente compromete suas atividades. No entanto, isso foi fruto de suas escolhas corporativistas para beneficiar seus integrantes. Segundo matéria da Folha de S. Paulo, as FA gastaram 85% de seu orçamento de 2023 com a folha de pagamentos e apenas 5% com investimento (R$ 5,8 bilhões); cifras que destoam das observadas nos 29 países membros da OTAN.

As FA devem satisfação à sociedade, provendo transparência em relação aos gastos, ao patrimônio e às atividades realizadas, como ocorre em outros países. E os civis não podem mais se omitir na definição de suas diretrizes, especialmente diante da grave situação da segurança pública, o que demanda maior controle das fronteiras. As FA precisam sair da cena política e cumprir o papel a elas delegado.

 


domingo, 28 de janeiro de 2024

Quando o Brasil voltará a crescer? - André Nassif (O Globo)

Quando o Brasil voltará a crescer?

Retomada do crescimento é inadiável e não há outra saída senão redefinir política econômica no curto prazo

Por André Nassif

O Globo, 26/01/2024 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/quando-o-brasil-voltara-a-crescer.ghtml 2/11

 

Desde o início da década de 1980, o Brasil vem passando por processo de

estagnação, sem fim. Entre 1980 e 2023, a taxa de crescimento do PIB não superou os 2,3% ao ano, inferior ao crescimento mundial, de 2,8% ao ano. O crescimento médio da produtividade tem rodado próximo de zero em igual período. A retomada do crescimento, em ritmo mais expressivo e sustentável, é inadiável, porque dele depende a melhoria do padrão de vida dos brasileiros no futuro. A questão é: o Brasil voltará a crescer sobre bases sustentáveis?

Para responder à pergunta, recorro ao modelo de equilíbrio geral de James Meade, Prêmio Nobel de Economia em 1977, para quem o desafio dos policy-makers é adotar políticas consistentes que assegurem, simultaneamente, o equilíbrio interno (crescimento compatível com o pleno emprego e estabilidade de preços) e o equilíbrio externo (equilíbrio do balanço de pagamentos). Embora seja um modelo de curto prazo, concebido para o mundo de Bretton Woods, em que prevaleciam taxas de câmbio fixas (mas ajustáveis) e controle de capitais, ele pode não apenas ser adaptado para o mundo atual, com taxas de câmbio flutuantes e elevada abertura ao movimento de capitais, como também estendido ao longo prazo.

No modelo, o equilíbrio interno e o equilíbrio externo são determinados,

simultaneamente, pela taxa de câmbio real e pela absorção doméstica (consumo, investimento e gastos do governo). Enquanto as políticas monetária e fiscal afetam diretamente o nível da demanda doméstica e o equilíbrio interno, a política cambial, ao alterar a composição da demanda agregada destinada aos produtos domésticos e aos produtos importados, interfere diretamente no equilíbrio externo.

A taxa de câmbio real está associada negativamente ao equilíbrio interno, mas positivamente ao equilíbrio externo. Assim, uma taxa de câmbio real menor (moeda brasileira sobrevalorizada), por diminuir a absorção de bens domésticos em detrimento dos importados (que se tornam mais baratos) e causar desemprego, requer incremento da absorção doméstica (por exemplo, através de uma política fiscal expansionista) para levar a economia de volta ao equilíbrio interno; já uma taxa de câmbio real maior (moeda brasileira subvalorizada), ao ampliar a competitividade internacional, afeta positivamente as exportações líquidas e acarreta (tudo o mais constante) maior superávit do balanço de pagamentos.

Atualmente, a economia brasileira conta com equilíbrio externo, mas não interno, pois opera abaixo de seu potencial e com elevado desemprego. No mundo de Bretton Woods, havia maior autonomia no manejo da política macroeconômica. Uma política monetária expansionista poderia levar a economia ao pleno emprego e até mesmo provocar alguma inflação no médio prazo. Uma política de desvalorização cambial, acompanhada de ajustes finos de contração monetário-fiscal, poderia levá-la a alcançar a situação ótima de pleno emprego, estabilidade de preços e equilíbrio do balanço de pagamentos.

O modelo sugere que os instrumentos da política macroeconômica envolvem dilemas (trade-offs): em um mundo com taxas de câmbio fixas (mas ajustáveis) e controle de capitais, políticas monetárias e fiscais expansionistas aumentam a absorção doméstica e reduzem o desemprego, mas deterioram os resultados do balanço de pagamentos. Para contornar o trade off, uma política de desvalorização cambial seria capaz de reorientar a composição da demanda agregada para gastos em produtos e serviços domésticos em detrimento dos importados, propiciando uma melhoria dos resultados do balanço de pagamentos.

Acontece que no Brasil (e no mundo), atualmente, prevalecem regimes de câmbio flutuantes e elevada mobilidade dos fluxos de capitais externos. A autonomia para a execução de políticas macroeconômicas compatíveis com os interesses sociais de longo prazo é reduzida, mas não inexistente. O ideal é que os regimes de metas de inflação sejam razoavelmente flexíveis, com bancos centrais conferindo pesos iguais aos objetivos de manter a inflação na meta e alcançar o pleno emprego.

Infelizmente, diferentemente de outros países, este não tem sido o caso do Brasil. Na situação atual, por exemplo, tanto a política monetária quanto a política fiscal operam com vieses contracionistas. O novo arcabouço fiscal confere maior flexibilidade para que a política fiscal se desvie para o terreno expansionista, mas este dependerá da dinâmica das receitas do governo. Dada a desaceleração econômica em curso, se mantida a meta de déficit fiscal primário zero, será mínimo o potencial para incremento dos investimentos públicos, condição necessária para acionar o motor da recuperação econômica.

Qual seria a melhor solução agora? Mesmo com os cortes esperados da Selic, para 9% até o final do ano, ainda assim a taxa de juros real básica de curto prazo, de 4,9%, permanecerá com viés contracionista no final de 2024, considerando expectativas de inflação de 3,9% e taxa de juros real neutra de 4%, de acordo com as projeções do Banco Central. Logo, não há outra saída senão redefinir os contornos da política econômica no curto prazo, alterando a meta de déficit fiscal primário para 1% do PIB, de sorte que a expansão dos investimentos públicos programados proporcione o start inicial da recuperação econômica e impulsione, consequentemente, os investimentos privados.

Voltando ao modelo de equilíbrio interno-externo, com câmbio flutuante e livre

mobilidade de capitais, uma política fiscal expansionista, no momento, faria com que a economia brasileira aumentasse a absorção doméstica e reduzisse o desemprego. E, prevendo alguma incerteza no mercado financeiro, que sempre reage, de forma exagerada e, na maioria dos casos, injustificadamente, à expansão dos gastos públicos, esse impulso fiscal, ao gerar alguma turbulência temporária no mercado de câmbio, provocaria maior depreciação do real e equilíbrio externo às custas do equilíbrio interno. Porém, com o manejo dos instrumentos de política cambial vigentes (venda de reservas, swaps cambiais etc), o Banco Central do Brasil seria plenamente capaz de aliviar a pressão sobre a taxa de câmbio e trazer a economia brasileira ao equilíbrio “geral”, entre 2024 e 2025.

Evidentemente, as medidas sugeridas não respondem integralmente à pergunta que dá título a este artigo. Afinal, o crescimento da economia sobre bases sustentáveis depende de uma diversidade de fatores adicionais complementares, como o impacto da nova política industrial a ser lançada (a neoindustrialização) sobre a taxa de investimento, redução das taxas de juros reais para níveis internacionais, preservação de uma taxa de câmbio real competitiva e estável etc. Mas para que o novo arcabouço fiscal venha a funcionar de forma satisfatória, preservando investimentos públicos e gastos sociais em patamares que proporcionem aumento da produtividade da economia e redução das desigualdades, mas permitindo, ao mesmo tempo, ritmo de crescimento das receitas públicas superior ao das despesas primárias, é preciso que o motor da recuperação seja acionado pela política fiscal.

Do contrário, o Brasil contratará não apenas menor crescimento econômico, mas também maior dificuldade para colocar em prática o novo arcabouço fiscal vigente.

 

André Nassif é professor-visitante do King’s College London, Reino Unido, e autor de “Desenvolvimento e Estagnação: o Debate entre Desenvolvimentistas e Liberais Neoclássicos”.

E-mail: andre.nassif@kcl.ac.uk; andrenassif27@gmail.com

 

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Lula mira no G20 após entraves na América Latina - Eliane Oliveira (O Globo)

 Lula mira no G20 após entraves na América Latina 

Eliane Oliveira
O Globo, 8/01/2024

No primeiro ano do terceiro mandato, presidente resgata imagem do Brasil no exterior, mas sofre revés na integração da América do Sul; atuação na presidência do grupo de maiores economias do mundo será prioridade em 2024, dizem analistas.

Em 2023, afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu tirar o Brasil da condição de pária internacional e levar o país de volta aos grandes debates da agenda mundial, como prometido durante a campanha. A diplomacia voltada para a América Latina, no entanto, não saiu como esperado. 

Sem sucesso em seu projeto de integração sul-americana, Lula terá agora que intensificar seus esforços em uma região cada vez mais dividida em 2024, ano em que o governo estará concentrado na presidência do G20, grupo formado pelas maiores economias do planeta. Ainda no começo de 2023, Lula tentou ressuscitar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), abolida no governo do então presidente Jair Bolsonaro. Promoveu, em maio, uma reunião de líderes da região em Brasília, mas, sem receptividade nem entre os governantes de esquerda, teve de desistir da ideia.

 Durante a cúpula, Lula dedicou tratamento diferenciado ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro — aposta que também não deu certo. O chefe de Estado brasileiro causou polêmica à época ao declarar que as denúncias de desrespeito aos direitos humanos na Venezuela eram uma questão de “narrativa”. Atraiu críticas até mesmo de governos de esquerda na região, como o do chileno Gabriel Boric. Fator Milei Meses depois, foi apanhado de surpresa pela ameaça de Maduro de invadir a região do Essequibo, na Guiana, rica em petróleo — confronto que, caso saia da retórica, atinge diretamente o Brasil.  
Para dificultar ainda mais seu empenho na América do Sul, o economista ultradireitista Javier Milei, amigo da família Bolsonaro e que atacou duramente o presidente brasileiro durante a campanha, foi eleito na Argentina. Lula e Milei não se falam, mas a diplomacia dos países trabalha por uma boa relação. — Como se fosse pouco, a vitória de Milei e sua anunciada aproximação com os Estados Unidos subtrai de Lula seu principal trunfo diplomático no continente como interlocutor privilegiado e partícipe da mesma visão de mundo — afirma o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero, que chefiou as embaixadas do Brasil na Itália e nos EUA. 

 Ricupero cita, ainda, como fatores complicadores, o fato de o 
Chile não ter conseguido adotar uma nova Constituição, após dois referendos; o Peru seguir mergulhado em aguda instabilidade política; e a Colômbia, parceiro incontornável na Amazônia, ter-se convertido em promotora da tese de proibição da prospecção petrolífera na região, posição oposta à brasileira. — Parece natural, assim, que o eixo de prioridades da política exterior de Lula se desloque da América do Sul e dos problemas intratáveis da guerra da Ucrânia e da Faixa de Gaza [foco do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas] para a ênfase no desafio de presidir o G20 e preparar sua grande reunião de cúpula no Rio em novembro de 2024. O diplomata reconhece, no entanto, que as prioridades de política externa definidas por Lula dominaram boa parte deste primeiro ano de governo. Segundo ele, pode-se dizer que algumas “foram finalizadas”, entre elas a de se garantir em pouco tempo que o Brasil estivesse de volta ao cenário mundial “como ator de primeira linha”. 

 — A expressão visível do atendimento dessas prioridades consistiu na rápida sucessão de viagens ao exterior: Buenos Aires, Montevidéu, Washington, Pequim, Lisboa, Bruxelas, além de visitas expressivas ao Brasil de personalidades como o chanceler alemão [Olaf Scholz], a presidente da União Europeia [Ursula von der Leyen] e altos funcionários americanos. A precondição para viabilizar tudo isso foram as profundas medidas internas de combate ao desmatamento e ao garimpo ilegal na Amazônia, a decisão de realizar em Belém a COP30 [Conferência Mundial sobre o Clima, em 2025], e a política em relação aos povos indígenas e aos direitos humanos. Creio que toda essa parte do programa foi concluída. Reposicionamento Marcos Caramuru, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-embaixador na China e na Malásia, concorda que é preciso melhorar a coordenação dos países da América do Sul, num contexto de governos com diferentes orientações ideológicas e baixa capacidade de diálogo. 

Mas avalia que, em cenário em que as lideranças mundiais reconhecidas estão perdendo espaço e diversos países se posicionando de forma independente no quadro internacional, novas oportunidades se abrem. — O Brasil, que parecia haver desistido de ocupar um espaço próprio no cenário mundial, soube se reposicionar como ator visível e atuante. Em alguns momentos, a política externa alimentou a ambição de interferir em questões que não podemos resolver, o que não obscurece os acertos. Para Dawisson Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais, Lula cumpriu objetivos estabelecidos na transição: o Brasil retornou ao cenário internacional, participou de mesas negociadoras na América Latina e ao redor do mundo, e tem sido um articulador em temas como a governança ambiental. Lopes também cita o pagamento das dívidas com organismos internacionais e a volta do Brasil à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). E afirma que o mais importante está por vir: a atuação brasileira na presidência do G20. Nesse quesito, Lula busca agenda consensual: a luta contra a fome e a desigualdade; o combate ao aquecimento global e a reforma do sistema internacional.

 — O primeiro ano foi um ensaio para o que virá na política externa. É natural que alguns objetivos ainda não tenham sido atingidos, como a normalização democrática na Venezuela — diz o acadêmico. Principal formulador da diplomacia presidencial, o assessor para Assuntos Internacionais de Lula, Celso Amorim, confirma que o esforço de integração da América do Sul é prioridade. E destaca a presidência do G20 — o mandato do Brasil vai até novembro —, a preparação para a COP30, a aproximação com a África e a administração de impactos causados por crises. — O papel do Brasil em ajudar a resolver conflitos é reconhecido internacionalmente — afirma Amorim.  


quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Cabo de Guerra no Mar - Thayz Guimarães (O Globo)

Cabo de Guerra no Mar

Thayz Guimarães
O Globo, 23/12/2023


Sabe aquela reportagem que você insiste, insiste, insiste, até convencer o editor de que ela realmente é interessante? Desde que voltei da Colômbia, em maio, depois de escrever a série “Guerra Suja”, venho insistindo sobre a nessecidade de falarmos das disputas marítimas (que são tão ou mais complicadas que as terrestres). Mas como 2023 foi um ano quentíssimo pro noticiário internacional, apesar da relevância do tema, custamos a encontrar uma janela (ou um gancho, melhor dizendo) que fizesse sentido para publicar essa história. Tudo mudou com o retorno da pendenga entre Venezuela e Guiana pela região do Essequibo.

A fronteira terrestre entre a Guiana e a Venezuela tem sido alvo de disputas desde o período colonial, há quase 200 anos. Mas a descoberta de um vasto campo de petróleo na costa guianesa, em 2015, adicionou novos contornos a essa briga histórica, transformando-a, por procuração, numa disputa também pelo mar. Com uma área de aproximadamente 160 mil km2, a região do Essequibo é majoritariamente constituída por uma selva quase impenetrável. No entanto, controlar essa área — que hoje responde por dois terços do território da Guiana — daria à Venezuela o direito de também explorar um litoral cujo potencial de produção é estimado em 10 milhões de barris. São justamente recursos como esses escondidos debaixo de centenas ou milhares de metros de água, que estão por trás de disputas que se arrastam há décadas entre diversos países e, em alguns casos, têm contribuído para um acirramento de tensões internacionais.

Tamanho potencial faz com que sejam necessárias regras bastante claras de divisão territorial dos mares. Segundo especialistas, cerca de 40% de todas as fronteiras marítimas do mundo ainda hoje são disputadas — 180 das 460 fronteiras em mares e oceanos possíveis no planeta estão no centro de controvérsias entre dois ou mais países.

Para explicar essa confusão marítima, conversei com o almirante da reserva Antonio Ruy de Almeida Silva, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense ; o cientista político Mauricio Santoro, professor de Relações Internacionais e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil; o professor de Geopolítica na Escola de Guerra Naval Leonardo Mattos; e Danilo Marcondes, professor da Escola Superior de Guerra . A reportagem completa está disponível no jornal O Globo.

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/12/23/sem-fronteiras-maritimas-definidas-paises-entram-na-briga-por-recursos-naturais-e-rotas-de-comercio-bilionarias.ghtml

            

Perspectiva 2024

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Mundo 

Sem fronteiras marítimas definidas, países entram na briga por recursos naturais e rotas de comércio bilionárias

Até o final de 2020, das 460 fronteiras marítimas possíveis, apenas 280 foram acordadas, deixando 180 disputas pendentes, ou aproximadamente 39%, segundo levantamento

Por 

Thayz Guimarães 

O Globo, 23/12/2023 04h30 Atualizado há 5 dias 

Navios da Guarda Costeira chinesa lançam canhões de água contra um barco do governo filipino no Mar do Sul da China

Navios da Guarda Costeira chinesa lançam canhões de água contra um barco do governo filipino no Mar do Sul da China — Foto: Camille Elemia/The New York Times 

A fronteira terrestre entre a Guiana e a Venezuela tem sido alvo de disputas desde o período colonial, há quase 200 anos. Mas a descoberta de um vasto campo de petróleo na costa guianesa, em 2015, adicionou novos contornos a essa briga histórica, transformando-a, por procuração, numa disputa também pelo mar. Com uma área de aproximadamente 160 mil km2, a região do Essequibo é majoritariamente constituída por uma selva quase impenetrável. No entanto, controlar essa área — que hoje responde por dois terços do território da Guiana — daria à Venezuela o direito de também explorar um litoral cujo potencial de produção é estimado em 10 milhões de barris. São justamente recursos como esses escondidos debaixo de centenas ou milhares de metros de água, que estão por trás de disputas que se arrastam há décadas entre diversos países e, em alguns casos, têm contribuído para um acirramento de tensões internacionais. 

Tamanho potencial faz com que sejam necessárias regras bastante claras de divisão territorial dos mares. Segundo especialistas, cerca de 40% de todas as fronteiras marítimas do mundo ainda hoje são disputadas — 180 das 460 fronteiras em mares e oceanos possíveis no planeta estão no centro de controvérsias entre dois ou mais países. 

— As fronteiras marítimas, ao contrário das terrestres, ainda estão em processo de demarcação, o que tem levado ao aumento das tensões entre os países em meio a uma tendência de crescente importância dos mares, tanto do ponto de vista econômico como militar — disse ao GLOBO o almirante da reserva Antônio Ruy de Almeida Silva, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Inest/UFF). — Nos últimos anos, o mar deixou de ser somente via de comércio para também se tornar fonte de produção. 

Segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, hoje, aproximadamente 90% de todo o comércio internacional é realizado por via marítima, enquanto 99% da transmissão de dados de comunicações depende de cabos submarinos. Estima-se ainda que os setores ligados ao oceano contribuam com US$ 1,5 trilhão (cerca de R$ 7,4 trilhões) por ano em valor agregado para a economia global, sustentando cerca de 31 milhões de empregos. Os mares também respondem pela subsistência de mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com a ONU

Problemas à vista

Desde 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece, entre outros aspectos, que todos os Estados costeiros têm direito a 200 milhas náuticas de Zona Econômica Exclusiva (ZEE), o que na prática significa permissão para explorar os recursos vivos e não-vivos das águas e do subsolo de uma área que se estende por cerca de 320 km em linha reta a partir da costa. 

No entanto, embora tenha servido de base para organizar a soberania dos países nos mares, o documento da ONU, que vigora desde 1994, “pouco fez para ajudar a resolver o problema que surgiu como consequência: as reivindicações marítimas sobrepostas e disputas de limites entre os Estados”, pondera Andreas Østhagen, professor associado de Relações Internacionais no Fridtjof Nansen Institute da Noruega, em artigo de 2021. 

Entre as principais disputas estão os limites do Mar do Sul da China, uma área de 3,5 milhões de quilômetros quadrados que se estende de Singapura ao Estreito de Taiwan, no Pacífico. 

Pequim alega que 90% do mar, incluindo grupos de ilhas e águas também reivindicadas por partes vizinhas, são seus. O país usa a Linha das Nove Raias para definir suas reivindicações marítimas na região, cujo traçado diz ser baseado em atividades históricas que datam de séculos atrás. Mas Brunei, Malásia, Filipinas, Vietnã e Taiwan contestam a legitimidade dessas fronteiras. 

 — Foto: Editoria de Arte

— Foto: Editoria de Arte 

Para Maurício Santoro, cientista político, professor de Relações Internacionais e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, as disputas territoriais no Mar do Sul da China podem ser consideradas “as maiores e mais graves envolvendo limites marítimos no mundo”. 

— Existem guerras que são horrendas do ponto de vista humanitário, mas que têm pouco ou nenhum efeito na economia global, como a guerra no Iêmen ou mesmo a guerra em Gaza — afirma o especialista. — Mas no Mar do Sul da China é diferente. Uma guerra naquela região, mesmo com poucas mortes, teria um efeito econômico seria devastador e, provavelmente, lançaria o mundo numa recessão. 

O Mar do Sul da China é hoje o principal ponto de passagem das rotas de comércio marítimo internacional, além de ser muito relevante do ponto de vista militar e dos recursos naturais. Mais da metade da frota mercante mundial e da produção global de gás natural liquefeito, bem como quase um terço do petróleo não refinado do mundo passam pelas águas do Mar do Sul da China. Seu potencial energético estimado varia de 5,4 trilhões de metros cúbicos e 11 bilhões de barris, de acordo com a Agência de Informação Energética dos EUA, a 14 trilhões de metros cúbicos de gás natural e 125 bilhões de barris de petróleo, segundo a Companhia Nacional de Petróleo Offshore da China. 

A região é vizinha a Taiwan, considerada uma província rebelde pela China, e um palco recorrente de tensões com os Estados Unidos, que possuem bases militares nos arredores e têm aumentado sua presença no Pacífico nos últimos anos como estratégia para frear as ambições de Pequim. Em 2016, um tribunal internacional chegou a decidir que a reivindicação chinesa no Mar do Sul da China não tinha base legal, mas a China ignorou a decisão e continuou expandindo sua presença, inclusive com a construção de ilhas artificiais e instalações de bases militares nas áreas que reivindica. 

Não muito distante dali, no Mar da China Oriental, a China também contesta o domínio das Ilhas Senkaku pelo Japão — Pequim se refere a elas como Ilhas Diaoyu e garante ser seu dono legítimo. Apesar de pequena e desabitada, a região possui grandes reservas petrolíferas e é uma importante rota comercial para países como Coreia do Sul, Japão e Taiwan. 

 — Foto: Editoria de Arte

— Foto: Editoria de Arte 

De um oceano a outro

As disputas de fronteiras marítimas não se limitam à região do Pacífico. Há anos, Chipre e Turquia estão envolvidos em uma disputa sobre a extensão de suas zonas econômicas exclusivas, ostensivamente provocada pela exploração de petróleo e gás no Mediterrâneo. A parte norte da ilha mediterrânea é ocupada há décadas pela Turquia, que se opõe à perfuração cipriota em águas que Chipre reivindicou com base no direito marítimo internacional. Ancara é o único Estado-membro das Nações Unidas que não reconhece Nicósia e também é um dos poucos que não assinaram a Convenção sobre o Direito do Mar de 1982. 

— Em situações em que não é possível estabelecer o mar territorial de cada país, quando as distâncias entre um território e outro são menores do que as previstas na Convenção da ONU, o acordo prevê que as partes devem resolver a questão amigavelmente — explica Leonardo Mattos, professor de Geopolítica da Escola de Guerra Naval. — Mas nem sempre isso acontece, então a Corte Internacional de Justiça é acionada, como no caso de Essequibo. Só que a Turquia não reconhece a convenção de 1982, por isso, na prática, acaba valendo a vontade do mais forte. 

Disputa marítima no Mediterrâneo — Foto: Arte O Globo

Disputa marítima no Mediterrâneo — Foto: Arte O Globo 

À medida que o aquecimento global derrete o gelo do Ártico, empresas comerciais e potências globais também reivindicam a região polar, “tornando-a a mais nova fronteira na batalha pelo controle das águas compartilhadas da Terra e dos preciosos recursos naturais que se encontram sob o mar congelado”, aponta uma análise publicada pelo Council on Foreign Relations (CFR) em março deste ano. 

O Círculo Polar Ártico, localizado no Polo Norte da Terra, pode conter cerca de 160 bilhões de barris de petróleo e 30% de gás natural não descobertos, segundo estimativas do Serviço Geológico dos Estados Unidos. A possibilidade de usá-lo como rota de navegação devido ao derretimento de suas geleiras também reduziria em 40% o tempo de viagem entre a Ásia e a Europa, poupando cerca de 14 dias aos navios, afirma Danilo Marcondes, professor da Escola Superior de Guerra. 

 — Foto: Editoria de Arte

— Foto: Editoria de Arte 

“Com o aquecimento do Ártico, essas valiosas commodities se tornaram mais extraíveis, proporcionando um poderoso incentivo financeiro para aqueles dispostos a desbravar as novas águas navegáveis”, afirma o relatório do CFR. “Para países como os Estados Unidos e a Rússia, o Círculo Polar Ártico poderia se tornar um local tático para expandir as operações navais e nucleares. Enquanto isso, países como a Rússia e a China estão ansiosos para reduzir custos navegando pelas novas rotas marítimas do Ártico.” 

Noruega, Rússia, Suécia, Finlândia, Islândia, Estados Unidos, Canadá e Dinamarca (dona também da Groenlândia) são os países com território ou águas territoriais dentro do Círculo Polar Ártico. 

Elevação do Rio Grande

O Brasil não está envolvido em nenhuma disputa marítima, já que sua costa fica a mais de 4 mil milhas náuticas ou 7 mil quilômetros de distância em linha reta do território mais próximo, o continente africano. Mas o país pleiteia junto à ONU a extensão de sua plataforma continental na região conhecida como Elevação do Rio Grande, uma antiga ilha tropical atualmente submersa no Atlântico Sul. 

A região é rica em recursos minerais raros, utilizados na produção de chips, baterias, painéis solares e outras inovações “verdes”. Sua localização fica a mais de 200 milhas náuticas da costa brasileira, ou seja, acima do limite previsto pela convenção da ONU para o estabelecimento de uma zona econômica exclusiva. Mas o país poderia explorar seu assoalho marítimo caso fique provado que há uma continuidade geográfica da área com o território do Brasil. 

 — Foto: Editoria de Arte— Foto: Editoria de Arte 

 

 

 

sábado, 16 de dezembro de 2023

Brasil se esquiva sobre legitimidade da CIJ em conflito entre Venezuela e Guiana (O Globo)

Objetivamente em favor da Venezuela agressora:

Brasil se esquiva sobre legitimidade da CIJ em conflito entre Venezuela e Guiana

Assunto foi colocado em segundo plano pelo governo Lula

Desde que Nicolás Maduro passou a fazer ameaças contra a soberania da Guiana e tentou forçar a anexação de Essequibo por decreto, a diplomacia brasileira, com objetivo de serenar os ânimos, se esquiva de tomar uma posição sobre a legitimidade da Corte Internacional de Justiça (CIJ), sediada em Haia, para resolver a controvérsia territorial. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em declarações recentes, disse que a América do Sul não precisava de "confusão", pediu "bom senso", mas em nenhuma oportunidade mencionou o papel do organismo internacional.

Até o momento, o Brasil conseguiu, junto a outros países do continente e do Caribe, levar os presidentes de ambos os países à mesa de negociação. Mas o respeito à atuação da corte, ponto central da reivindicação do governo de Georgetown, de Irfaan Ali, foi colocado em segundo plano.

Desde 2017, a CIJ analisa, com participação da Venezuela e Guiana em audiências, as reivindicações sobre Essequibo, região rica em petróleo. O regime chavista, contudo, não reconhece a legitimidade do órgão para tratar do assunto. E isso dificulta o papel do órgão vinculado às Nações Unidas como árbitro do tema.

Dois dias antes do referendo venezuelano que visou à anexação do território da Guiana, o tribunal emitiu uma ordem para que Maduro não tomasse qualquer medida preparatória para a invasão, o que foi desrespeitado pelo regime chavista. Após a consulta popular, em anúncio de um conjunto de medidas, o presidente venezuelano chegou a nomear um general como "única autoridade" sobre Essequibo.

Na cúpula do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro logo em seguida, o Brasil articulou o texto de uma declaração conjunta que não citava a Corte Internacional de Justiça. A nota trouxe a preocupação dos países do bloco com a "elevação das tensões" e pediu que ações "unilaterais" fossem evitadas. 

No mesmo dia, coube aos Estados Unidos defender um encaminhamento pacífico pela corte internacional. A posição foi externada pela embaixada de Washington em Brasília.

Em sentido diferente, o Brasil empenhou todos os seus esforços para que a questão fosse mediada pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e pela Comunidade do Caribe (Caricom), com a liderança de Lula. A primeira reunião ocorreu em São Vicente e Granadinas. E a segundo irá ocorrer em Brasília, em alguma data a ser marcada nos próximos três meses.

O único momento em que o assunto foi citado de forma pública pelo Brasil foi antes do referendo. No dia 22 do mês passado, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que, "se possível", o caso fosse resolvido em tribunal internacional. Mas a posição não chegou a ser reiterada em outras ocasiões para a resolução do conflito.

"O Brasil, assim como os outros países, fez uma exortação para o entendimento, a discussão diplomática e a solução pacífica das controvérsias, que devem ser dirimidas por arbitragem e tribunais internacionais, sempre que possível" disse o chancelar, após reunião com autoridades de países da América do Sul.

A alternativa da mediação pelo tribunal perdeu força após o referendo da Venezuela, realizado no dia 3 de dezembro. Uma das cinco perguntas da consulta era se eleitor concordava com a posição da Venezuela de "não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça". Neste caso, o "sim" venceu por um patamar superior a 90%.

Em declaração conjunta assinada na reunião de São Vicente e Granadinas, há o registro de que a Guiana está comprometida com o "processo e os procedimentos" da CIJ para a resolução da controvérsia. Do outro lado, há menção de que a Venezuela não reconhece e tampouco consente a jurisdição da corte para chegar um veredito sobre o assunto.

A função primordial da Corte é resolver conflitos entre Estados. Também em Haia, na Holanda, funciona outro tribunal internacional destinado a julgar pessoas, em casos como crime de guerra: o Tribunal Penal Internacional (TPI). Sobre este segundo órgão, Lula já deixou evidente a sua insatisfação, antes de tomar posse, e chegou a ameaçar a retirada do Brasil do TPI.

Isso ocorreu porque o presidente Rússia, Vladimir Putin, poderia ser preso se fosse ao Brasil. Lula gostaria de recebê-lo no G20 e na conferência do clima que será realizada na Amazônia.

O líder russo é acusado pelo tribunal de violações na guerra contra a Ucrânia.

"Quero estudar muito essa questão desse Tribunal Penal, porque os EUA não são signatários dele. A Rússia não é signatária dele. Então eu quero saber por que o Brasil virou signatário de um tribunal que os EUA não aceitam. Por que nós somos inferiores e temos que aceitar uma coisa, sabe?" questionou Lula.

Como o caso da Guiana foi parar no CIJ?
Ao defender a integridade do território, a Guiana cita a arbitragem de Paris, em 1899, que delimitou as fronteiras atuais, como salvaguarda para manter a legitimidade internacional. Já a Venezuela cita o Acordo de Genebra, em 1966, para dar prosseguimento ao plano de incorporar a região. Na segunda ocasião, os dois países assinaram um documento em que se comprometiam a reabrir a discussão sobre Essequibo.

No Acordo de Genebra, ambos os países se comprometeram e, posteriormente, de fato criaram um grupo de trabalho, com representantes de ambos os lados, para debater as reivindicações sobre a região.

Essa comissão, porém, não chegou a nenhuma conclusão. Caso isso ocorresse, o tratado dizia que a ONU iria indicar o local adequado para a resolução do conflito. E esse local indicado foi o CIJ.

A Venezuela, porém, tem uma interpretação própria do acordo, segundo a qual o procedimento tornou "nulo e vazio" a arbitragem de 1899. Também argumenta que a jurisdição da Corte não pode ser levada em conta pois violaria o princípio do "consentimento mútuo" entre os países selado no documento de Genebra.

A Guiana, por sua vez, refuta essas argumentações. Alega tratar-se apenas de uma distorção do processo de mediação que se arrasta por décadas.

Sobre este assunto, a oposição venezuelana, que também é a favor da incorporação de Essequibo, concorda com a Guiana. A líder María Corina Machado, por exemplo, entende o processo deve ser inteiramente respaldado pela Corte Internacional de Justiça.

Além disso, defende que os esforços da Venezuela devem estar concentrados em uma defesa "robusta" da "causa de Essequibo" no organismo internacional.


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

G20 no Brasil: Reuniões começam hoje com encontro inédito no Itamaraty (O Globo)

 G20 no Brasil: Reuniões começam hoje com encontro inédito no Itamaraty 

O Globo, 11 dezembro 2023

Ideia do governo brasileiro é apresentar a agenda de trabalho e os pilares do mandato brasileiro: combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global O Brasil dá a largada nesta segunda-feira na agenda de trabalho à frente da presidência do G20. 

Os primeiros encontros serão no Palácio do Itamaraty, em Brasília, com uma proposta inédita da presidência brasileira: pela primeira vez, as duas trilhas que norteiam os trabalhos do G20 no Brasil, Sherpas e Finanças, vão se reunir no começo de um novo mandato. No encontro, a ideia do governo brasileiro é apresentar a agenda de trabalho e os pilares da sua gestão: combate à fome e à pobreza, as três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental) e a reforma da governança global. 

O Brasil tenta unir desde o princípio o debate político com as soluções financeiras. Uma das propostas que será levada pelo governo brasileiro no encontro é uma iniciativa global para a erradicação da pobreza e combate à fome e à desnutrição. Começarão, ainda, as negociações sobre as declarações e outros atos a serem adotados pelos líderes do G20 na cúpula do Rio de Janeiro. Nos dias 11 e 12 de dezembro, o encontro será da Trilha de Sherpas, formada por emissários pessoais dos líderes do G20, que supervisionam as negociações, discutem os pontos que formam a agenda da cúpula e coordenam a maior parte do trabalho. 

 No dia 13 ocorrerá a reunião conjunta com as duas trilhas e com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve reforçar a importância do diálogo dos dois eixos e as prioridades da gestão brasileira à frente do G20. Nos dias 14 e 15 é a vez do encontro da Trilha de Finanças, comandada pelos ministros das Finanças e presidentes dos bancos centrais dos países-membros e responsável pelos debates econômicos do G20. A previsão é que, além de Lula, haja uma declaração dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Mauro Vieira (Relações Exteriores), além da diplomata Tatiana Rosito, coordenadora do Brasil na Trilha de Finanças, e o embaixador Maurício Lyrio, sherpa indicado pelo Brasil. Reuniões no ano que vem Ao todo, serão 130 reuniões ao longo do ano que vem espalhadas por 13 cidades do país: Brasília (DF), Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Foz de Iguaçu (PR), Maceió (AL), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Salvador (BA), São Luís (MA) e Teresina (PI). 

 O resultado final da agenda de trabalho construída ao longo deste ano será apresentado na Cúpula de Líderes do G20, prevista para acontecer nos dias 18 e 19 de novembro do Rio de Janeiro. Até lá, representantes dos países vão debater propostas, ideias e soluções para as principais pautas internacionais, que vão nortear a declaração final dos presidentes e as cooperações que serão estabelecidas entre os países membros. Prioridades do Brasil O Brasil trouxe para a presidência do G20 as principais bandeiras do governo Lula e tem o desafio de pautas esses debates no cenário internacional até novembro de 2024. São elas: combate à fome e à pobreza, as três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental) e a reforma da governança global. A presidência brasileira terá três forças-tarefa, que são grupos de trabalho para tratar de assuntos propostos pelo país que ocupa a presidência. São elas: Finanças e Saúde, combate à fome e à desigualdade e contra as mudanças climáticas. O governo brasileiro espera ao final da gestão deixar como marca contribuições inéditas e concretas nessas áreas. 

Haverá, ainda, uma iniciativa pela bioeconomia. Outro assunto que será pautado pela gestão brasileira é o da governança global. Lula tem criticado a baixa influência e a formação do Conselho de Segurança da ONU na mediação de conflitos internacionais, além de ter defendido que instituições multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, deem prioridade às necessidades das nações em desenvolvimento, sobretudo na área de infraestrutura, e estudem formas de renegociação de dívidas de países em dificuldades. O governo quer criar um ambiente que evidencie as falhas no modelo atual. Por isso, as críticas feitas por Lula e por outros membros do governo seguirão sendo feitas de maneira frequente. Outro caminho para essa demonstração é criar um debate robusto sobre os pilares da presidência brasileira: o desenvolvimento sustentável, o combate à fome e à desigualdade, para provar que o modelo das instituições financeiras antigas, em vigor até o dia de hoje, não sustenta essas políticas. O desafio é envolver todos os países nesses debates. A avaliação é que o combate à fome, à desigualdade e às mudanças climáticas são mais tangíveis, enquanto o assunto da governança pode ter mais desavenças. 

 O que é o G20 A presidência do G-20, inédita para o Brasil, é considerado o ponto alto da agenda internacional de Lula e o evento mais importante para a posição internacional do país. O Brasil assume o comando do grupo da Índia, e passará para a África do Sul em dezembro de 2024. O G-20 reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e, a partir deste ano, a União Africana. O grupo responde por cerca de 85% do PIB mundial, 75% do comércio internacional e 2/3 da população mundial. São membros fixos do G20, além do Brasil, África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia, União Africana e a União Europeia. A presidência brasileira terá ainda oito países convidados: Angola, Egito, Nigéria, Espanha, Portugal, Noruega, Emirados Árabes Unidos e Singapura. 

Desde o primeiro mandato de Lula, a política externa tem buscado um alinhamento com outros países em desenvolvimento. Na lista, constam três países da África: Angola, Egito e Nigéria. O G20 nasceu em 1999 como um fórum de ministros de Fazenda e presidentes de Bancos Centrais. Em 2008, durante a crise econômica mundial, os chefes de governo entraram em cena e o Brasil mobilizou os países membros para o enfrentamento da crise.  

sábado, 9 de dezembro de 2023

O baile do motorista (quem é Maduro, o ditador de um país falido) - Ricardo Seitenfus (O Globo)

 O baile do motorista

Maduro infringirá todas as regras diplomáticas de maneira recorrente, baseado na premissa do ‘anti-imperialismo’

Por Ricardo Seitenfus

0O Globo, 9/12/2023 00h05  

 

Embora Nicolás Maduro Moros já tenha demonstrado suas habilidades nestes últimos dez anos durante os quais se mantém, contra ventos e marés, à frente da Venezuela, foi nos últimos dias que se transformou em vedete de salão do baile internacional. Ele escolhe a música, e todos devem dançar segundo seu tempo e ritmo. Não se trata do sofisticado pas de deux. Mas de marchas patrióticas em que a ausência de qualidade musical é compensada pelo excesso de ruído militar. Calejados diplomatas, príncipes, presidentes e assemelhados são meros assistentes de suas travessuras e malabarismos.

Em razão de sua impressionante envergadura física, foi guarda-costas do político chavista e jornalista José Vicente Rangel. Essa corpulência, quando confrontada com seus colegas estrangeiros, é visualmente chocante. Ao contrário de outros políticos, nenhuma preocupação em enganar sobre sua estatura física. Esta deve provocar um efeito amedrontador e dissuasivo nos interlocutores.

A outra experiência formadora provém de uma atividade trivial que obriga seus profissionais à constante atenção: motorista de ônibus urbano de uma empresa de transporte coletivo de Caracas. Foi no caótico trânsito da capital venezuelana que o jovem Nicolás aprendeu a driblar os obstáculos e a fazer bailar seus adversários.

Não procurem estudos, escritos, reflexões. Eles não existem. Logo o motorista Nicolás segue escrupulosamente a cartilha sindical que o conduz ao mundo da política.

Fiel entre os fiéis de Hugo Chávez, embora monoglota, ele foi guindado em 2006 ao Ministério das Relações Exteriores. Escancara-se o que lhe faltava: a tarimba do mundo. Neste, o agora maduro Nicolás infringirá todas as regras diplomáticas de maneira recorrente baseado na premissa dicotômica, simplista portanto eficaz, do “anti-imperialismo”.

Escolhido por um Chávez agonizante e apoiado por seus parceiros estrangeiros mais relevantes, como Brasil e Cuba, ele conquistou o poder supremo e nele se mantém.

O risco de perdê-lo no ano vindouro o obriga a uma extraordinária jogada, digna dos maiores mestres do xadrez internacional. Sem estampidos, ausente o ruído de botas e munido unicamente da ousadia de seu gogó, Maduro apropria- se de dois terços do território de seu vizinho. A quem, um dos países mais pobres do hemisfério, acusa de “imperialista”.

Transformado o salão de baile em picadeiro circense, o mundo olha embasbacado, entre surpresa e dúbios protestos. Alguns, incrédulos e pouco à vontade, tentam esconder sua admiração por essa obra de arte da política internacional.

Para os demais, considerados os palhaços desse circo, diante das diabruras maduristas restam unicamente os olhos para chorar.

 

*Ricardo Seitenfus, professor universitário e autor de livros sobre relações e organizações internacionais, foi representante da OEA no Haiti (2009-2011) e na Nicarágua (2011-2013)

 

sábado, 21 de outubro de 2023

Origens dos povos atuais do Oriente Médio - Guga Chacra (O Globo)

 Origens dos povos atuais do Oriente Médio

Guga Chacra

O Globo, 20/10/2023


Meu avô nasceu otomano, achava que fosse sírio, disseram que era libanês e, se nascesse alguns quilômetros mais ao Sul, seria palestino. As vilas daquela região do Mediterrâneo Oriental integravam o Império Otomano, com sede na distante Istambul (Constantinopla). Não existiam fronteiras no que hoje é Israel, territórios palestinos, Líbano e Síria. A pessoa se identificava com sua vila, com sua religião e com sua região. Poderia ser um cristão melquita de Zahle, um muçulmano sunita de Nablus, um judeu de Aleppo, um muçulmano xiita de Nabatieh, um cristão armênio de Jerusalém, um druso das Colinas do Golã, um alauíta de Tartus ou um cristão greco-ortodoxo de Haifa. Todos eram súditos otomanos. A noção de Estado nacional era inexistente naquela região até a Primeira Guerra Mundial, quando os otomanos foram derrotados e viram seu império desmoronar. França e Reino Unido, que foram os vencedores da guerra, dividiram entre si essa região do Levante, assim como outras partes do Império Otomano, a não ser pela Turquia. Por exemplo, os britânicos uniram três províncias diferentes na Mesopotâmia e inventaram uma monarquia artificial chamada Iraque. Anos depois, fariam o mesmo no que hoje é a Jordânia. A França ficou com o que hoje é a Síria e o Líbano, que foram criados durante o mandato francês nos anos 1920 e viriam a ficar independentes nos anos 1940. O Reino Unido, por sua vez, ficou com a região da Palestina histórica. Como no restante do Levante, tratava-se de uma região multireligiosa. Basta ver que a cidade antiga de Jerusalém historicamente é dividida em quatro quadriláteros – o cristão, o armênio (que tb é cristão), o islâmico e o judaico. A maioria da população era muçulmana, mas havia expressivas minorias de diferentes denominações cristãs e judaicas. Diferentemente do que ocorreu no Líbano e na Síria com a França, a região onde estava a Palestina histórica teve um status indefinido pelos britânicos. Afinal, além da população que ali vivia (muçulmanos, cristãos e judeus), ocorreu uma enorme imigração de judeus europeus durante o movimento sionista. Diferentemente da população local, eles traziam uma noção de Estado-nacional e, diante das perseguições que sofriam na Europa (pogroms), consideravam o que hoje é Israel como o único lugar onde poderiam estabelecer uma nação judaica dado os laços milenares com região, onde está Jerusalém, berço do judaísmo – essa ideia ganhou ainda mais força ao redor do mundo com o Holocausto. Neste momento, duas identidades passam a se chocar. A dos muçulmanos e cristãos, que não tiveram uma nação para as suas vilas sob o mandato britânico, diferentemente do que ocorreu com os das vilas nas recém-independentes Síria e Líbano com a França – e com o colapso otomano começava a emergir a identidade palestina. E a dos judeus tanto vindos da Europa como os locais, que queriam uma nação judaica. Naquele momento, talvez, até pudessem ter um Estado sectário sem maioria religiosa, como o Líbano. No fim, os palestinos não aceitaram a partilha por avaliar ser injusta porque dava áreas de expressiva maioria árabe para Israel. O fato é que houve a guerra de 1948que resultou na expulsão e saída da maioria dos palestinos do territórios israelenses – a maioria dos habitantes de Gaza descende de palestinos que viviam há gerações no que hoje é Israel. Paralelamente, nos ano seguintes, houve a expulsão ou saída de judeus de países como Síria, Egito, Iraque e, posteriormente, Líbano. Segundo o escritor franco-libanês Amin Maalouf, que preside a Academia Francesa de Letras, estes dois acontecimentos são a tragédia do Levante, como é conhecida esta região. oglobo.globo.com/blogs/guga-cha