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domingo, 18 de fevereiro de 2024

Comunistas e fascistas, a divisão do Brasil - Eduardo Affonso (O Globo)

 Vou resumir, agradecendo em primeiro lugar a Augusto de Franco a transcrição deste belo artigo de Eduardo Affonso sobre a divisão radical que paralisa o Brasil. 

Já estivemos divididos no passado por essas arquiteturas políticas binárias: Liberais e Conservadores no Império, varguistas e antivarguistas na República, Arena e MDB na ditadura, depois tucanos e petistas durante certo tempo e agora os tais comunistas e fascistas da atualidade, ou petistas e bolsonaristas por enquanto.

Que bipartição miserável esta nossa. (PRA)


Belíssimo artigo do @eduardoaffonso hoje n'O Globo. Augusto de Franco

Veados e caranguejos

Eduardo Affonso

O Globo (17/02/2024)

O Brasil é uma grande Andrelândia, aprisionado em modelo binário (e eventualmente paradoxal)

Andrelândia é uma cidadezinha do Sul de Minas, daquelas que poderiam perfeitamente ser o cenário de uma bucólica novela das 7 (no tempo em que novelas das 7 eram bucólicas). O casario colonial se espalha, como as contas de um rosário, em torno da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Porto da Eterna Salvação (é assim que o hino municipal descreve a enorme praça ovalada, mais parecendo uma nau) no centro histórico daquela que um dia foi a Vila Bela do Turvo.

A meio caminho entre Ibitipoca e São Thomé das Letras, Andrelândia não ostenta a natureza intocada de uma nem os toques sobrenaturais da outra. Mas tem algo que a faz única: um bipartidarismo próprio, que — para o bem e, principalmente, para o mal — sobreviveu aos mais de 150 partidos políticos da nossa História.

Nas cédulas e nas urnas eletrônicas, as siglas podiam ser UDN, PR, PL, PSD, PTB, PCdoB, MDB, Arena, PSDB, Novo, PT; na cabeça do eleitor, o voto seria nos veados ou nos caranguejos.

Esta é outra peculiaridade, e remonta ao século XIX, quando um grupo se insurgiu contra a hegemonia do Partido Liberal e fundou o Partido Republicano do Turvo. Os eleitores do primeiro, tradicionalistas, perderam terreno. Andaram para trás, viraram caranguejos. Os do segundo, dando saltos adiante, se autodenominaram veados — e desde então Andrelândia deve ser o único lugar em que esse termo tem uma acepção ideológica.

Emulando as mesquinharias da política nacional (em que Bolsa Família vira Auxílio Brasil para depois voltar ao nome original — que já era um rebranding dos vários programas de transferência de renda de outro governo), as obras dos veados eram abandonadas nas administrações dos caranguejos, e vice-versa. Como a resultante das forças dos que saltavam para a frente e dos que andavam para trás é nula, a cidade estagnou.

O Brasil é uma grande Andrelândia, aprisionado no modelo binário (e eventualmente paradoxal) em que se muda o rótulo, mas os ingredientes permanecem os mesmos. Lá, os veados — outrora reformadores — se acomodaram no PMDB; e foram os tucanos que acolheram os conservadores caranguejos. Mais ou menos como, noutra escala, os “progressistas” defendem estatização, protecionismo, censura — enquanto “reacionários” propõem liberalismo econômico (e um golpe de Estado, de vez em quando).

O mais ilustre dos andrelandenses, o historiador José Murilo de Carvalho (ocupante por quase 20 anos da cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras) escreveu que os quatro pecados capitais do Brasil eram a escravidão, o latifúndio, o patrimonialismo e o patriarcalismo. Poderia ter incluído um quinto: o maniqueísmo. Esse que faz com que, em 2024, ainda sejamos divididos entre fascistas e comunistas — categorias do início do século XX, ressuscitadas como espantalhos.

Nesta semana, o apresentador Luciano Huck foi xingado no Xuíter por compartilhar um artigo pró-democracia. Como se sabe, só quem é esquerdista desde criancinha pode — mesmo apoiando ditaduras e terroristas — se considerar um humanista, um democrata.

É o mal de pertencer a uma fauna limitada a cervídeos e crustáceos, que insiste em negar a diversidade, a nuance, a complexidade, a possibilidade de convergência.

Quem souber como superar o estágio de veados x caranguejos em Andrelândia talvez tenha a chave para destravar o Brasil.

domingo, 13 de junho de 2021

Recuerdos da Nova República - Paulo Roberto de Almeida

 Recuerdos da Nova República 

Paulo Roberto de Almeida


Pois é, em 1989 muita gente votou em Collor contra o Lula. 

Depois, em 2002, votaram no Lula contra o Serra.

Depois, em 2010, na Dilma pelo Lula. 

Depois, em 2018, no Bolsonaro contra o Lula. 

Em 2022 será certamente contra o Bolsonaro, em qualquer um que se apresentar, menos o Lula, obviamente, o que poderia permitir a reeleição do genocida. 

E o Brasil afundando, com todos esses “contras”…

Só não se enxerga um estadista. 

Ah, sim, teve o FHC em 1994, por obra e graça de uma brilhante equipe de economistas, que entregaram pronto o Plano Real. Que só não foi perfeito porque o Itamar impediu um ajuste fiscal que nos evitaria os problemas que tiveram de ser resolvidos em 1999. 

Mas o FHC cometeu o grande CRIME da reeleição em 1997. E depois um outro, em 2005, quando passou o pano no Mensalão do Lula. Que resultou no Petrolão, na Lava-Jato, no Eduardo Cunha, no impeachment da Dilma, na JBS do Temer e, finalmente, no genocida que está aí.

Esqueci algum episódio mais palpitante?

Sim, tem algo muito mais grave do que a própria CPI da Pandemia que ocorre atualmente, que levará a pedidos de indiciamento, que serão solenemente ignorados pelo Desprocurador Particular da republiqueta bolsonarista: eu me refiro ao “orçamento paralelo” da República do Centrão (essa sim, com R maiúsculo).

O chamado “orçamento paralelo” é o MAIOR CRIME que se comete contra o Estado de Direito, contra qualquer noção que se tenha de orçamento numa democracia digna desse nome: trata-se de uma PERVERSÃO MONSTRUOSA do que seja legalidade, recuando o Brasil a tempos sombrios, anteriores até mesmo à Magna Carta, 806 anos atrás. 

O Brasil recua, imperceptivelmente para a maioria, mas não para mim, com meus modestos conhecimentos de história.

Sempre será útil recordar esses fatos, mesmo sabendo que outros países conseguem retroceder ainda mais, alguns até de forma recorrente, pelos mesmos erros.

Não sei se é o caso do Brasil: tenho a impressão de que sempre cometemos novos erros. Mas eles são persistentes.

Azar o nosso, não é?


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 13/06/2021