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terça-feira, 16 de março de 2021

OCDE coloca o Brasil em posição de vigilância monitorada pelo NÃO combate à corrupção - BBC Brasil

Seria o equivalente, no sistema penal, a ficar com sistema de monitoramento eletrônico, para pessoas que precisam ser vigiadas pelas autoridades judiciárias. O Brasil recuou terrivelmente no terreno do combate à corrupção.

Paulo Roberto de Almeida

 OCDE adota medida inédita contra o Brasil após sinais de retrocesso no combate à corrupção no país

BBC News Brasil | 15/3/2021, 12h05

Diante do que tem sido visto como um recuo no combate à corrupção no Brasil, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tomou uma decisão inédita: criar um grupo permanente de monitoramento sobre o assunto no Brasil.

A entidade, na qual o Brasil pleiteia entrada, está preocupada com o fim "surpreendente da Lava Jato", o uso da lei contra abuso de autoridade e as dificuldades no compartilhamento de informações de órgãos financeiros para investigações.

A OCDE já notificou o governo brasileiro da decisão de criar o grupo de monitoramento. Procurados, o Itamaraty e o Planalto não responderam à BBC News Brasil até a publicação da reportagem. Esse texto será atualizado quando os órgãos se posicionarem.

A medida, jamais adotada contra nenhum país antes, representa uma escalada — com tons de advertência — nas posições da OCDE, que desde 2019 tem divulgado alertas públicos ao governo e chegou a enviar ao país uma missão de alto nível para conversar com autoridades e tentar reverter ações de desmonte da capacidade investigativa contra práticas corruptas.

"A missão aconteceu em novembro de 2019 e saímos do país bastante satisfeitos, apenas para descobrir logo depois que os problemas - com raras exceções - ainda existiam e que novos problemas que ameaçavam a capacidade do Brasil de combater o suborno internacional continuam a surgir", afirmou à BBC News Brasil Drago Kos, presidente do grupo de trabalho antissuborno da OCDE e membro do Conselho Consultivo Internacional Anticorrupção.

'Marcha à ré' no combate à corrupção

Agora, especialistas de três países membros da OCDE irão monitorar a situação do combate à corrupção no país de maneira contínua e independente, e manter consultas frequentes com autoridades brasileiras.

Conforme apurou a BBC News Brasil com exclusividade, é a primeira vez em 59 anos que a entidade adota uma medida como essa contra qualquer país, seja um de seus 37 membros permanentes ou qualquer outra nação candidata ao grupo.

A entrada na OCDE é considerada uma prioridade na política externa do presidente Jair Bolsonaro. Há 10 dias, em um evento para investidores americanos no Council of the Americas, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que "o Brasil vai integrar em breve a OCDE, o que é algo decisivo para nós, muito importante, uma maneira de ancorar o Brasil na atmosfera de democracias liberais e economias orientadas pelo mercado".

Eleito sob a bandeira do combate à corrupção, o governo Bolsonaro vê ameaçado o ingresso na OCDE caso a avaliação sobre o desempenho brasileiro no assunto não melhore.

Perguntado pela BBC News Brasil se as práticas brasileiras de combate à corrupção atuais estariam de acordo com os parâmetros mínimos para que o país fosse aceito na entidade, Drago Kos, afirmou que "se você tivesse me feito essa pergunta há alguns anos, minha resposta teria sido um "sim" definitivo. Hoje eu simplesmente não sei: enquanto a Operação Lava Jato nos deu informações tão positivas sobre a capacidade do Brasil de combater a corrupção nacional e internacional, hoje parece que alguns dos processos iniciados em 2014 estão dando marcha a ré".

Segundo Kos, essa é apenas uma opinião pessoal e o órgão que comanda deverá deliberar sobre o assunto em algum momento, mas isso ainda não tem data para acontecer.

Lava Jato, lei de abuso de autoridade, relação MP e Receita

A decisão da OCDE foi tomada em dezembro, mas só agora se tornou pública. Há duas motivações primordiais para a medida e algumas preocupações recentes adicionais.

A primeira é a aprovação da lei de abuso de autoridade, que criminaliza algumas condutas de juízes e procuradores e foi aprovada pelo Congresso contra a vontade do então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, mas com a anuência de Bolsonaro, que declarou que "o Ministério Público, em muitas oportunidades, abusa. Eu sou uma vítima disso. Respondi tantos processos no Supremo (Tribunal Federal) por abuso de autoridade. Isso não pode acontecer. Eu sei que grande parte (do MP) é responsável, mas individualmente alguns abusam".

Para a OCDE, ela pode ser usada como elemento de intimidação contra investigadores que estejam cumprindo seu dever.

A segunda diz respeito diretamente ao clã Bolsonaro: em julho de 2019, o então presidente do STF Dias Toffoli concedeu liminar à defesa do senador Flávio Bolsonaro em que suspendia a investigação do caso das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio.

Toffoli acolheu argumento da defesa do filho mais velho do presidente de que seus sigilos fiscal e bancário tinham sido quebrados pelos investigadores, que conseguiram acesso às informações sem ordem judicial.

A decisão interrompia também todos os demais processos que envolvessem compartilhamento de dados bancários ou fiscais entre a Receita Federal e a Unidade de Investigação Financeira (UIF, antigo COAF) e o Ministério Público. A liminar acabou revertida seis meses mais tarde pelo plenário do STF, que reafirmou que esse tipo de colaboração não necessitava de autorização judicial para acontecer. Os ministros, no entanto, estabeleceram regras mais rígidas para o compartilhamento dessas informações entre órgãos financeiros e investigativos.

Em fevereiro deste ano, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou novamente a quebra de sigilo de Flávio. A Procuradoria-Geral da República está recorrendo da decisão.

"Em nossa opinião, essas ações prejudicam seriamente a capacidade do Brasil de detectar e combater a corrupção de forma eficaz", avalia Kos.

Mas as preocupações do órgão não se encerram aí. "Além disso, também tomamos conhecimento dos problemas atuais, acompanhando reportagens da mídia a respeito de ocorrências na área de corrupção e verificando-as com a Delegação do Brasil e outras fontes", afirmou o presidente do grupo antissuborno da OCDE.

Uma dessas ocorrências foi o fim formal da força-tarefa da Lava Jato, em fevereiro de 2021. Meses antes disso, no entanto, a operação já agonizava, tanto pela repercussão negativa da divulgação de trocas de mensagens entre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores quanto por ações do governo Bolsonaro que alteraram o funcionamento do Ministério Público Federal, ao indicar para o comando do órgão um nome alinhado ao presidente e que não havia sido escolhido pelos pares em lista tríplice.

Além disso, Moro deixou o Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal. O ex-ministro sugeriu que a intenção do presidente seria controlar as investigações para evitar avanços investigativos sobre atos de seus filhos.

O presidente chegou a admitir que tinha interesse em ter mais informações de inteligência, mas negou que agisse para proteger a família. Em outubro de 2020, Bolsonaro afirmou: "acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo".

Para Drago Kos, há problemas nesse discurso. "Não existe governo no mundo absolutamente livre de corrupção, mas os governos devem investir seu máximo esforço para combater todas as formas de corrupção em suas próprias fileiras, independentemente da identidade dos suspeitos".

O presidente da área antissuborno da OCDE classificou como "surpreendente" o interesse do de autoridades brasileiras de "encerrar o mais rápido possível " as atividades da força tarefa.

"Operações como a Lava Jato, que começam devido a problemas urgentes e importantes de corrupção, nunca devem durar para sempre. No entanto, tendo em mente que neste caso nem todas as atividades investigativas relacionadas ao caso Lava Jato foram finalizadas, inclusive em alguns casos importantes, o desejo de encerrar a operação o mais rápido possível é realmente surpreendente", afirmou Kos.

Para ele, a comunicação entre Moro e procuradores é "antiética" mas não acaba com legado da Lava Jato

O especialista classificou o teor das mensagens entre o juiz Moro e os investigadores, que vieram à tona no escândalo da Vaza Jato, como sinais de "uma cooperação entre promotores e juízes (que) não é comum em processos criminais e pode certamente ser considerada antiética".

Kos, no entanto, afirmou ainda ter dúvida sobre se a conduta das autoridades no caso foi ilegal e ressaltou que não se deve esquecer que as mensagens foram obtidas ilegalmente e que foram um ataque a profissionais que desbaratavam um grande caso de corrupção.

Para ele, erros na condução do processo não podem servir para anular completamente o trabalho investigativo de quase sete anos. E revisões devem ser feitas caso a caso, como defendeu o ministro Edson Fachin ao anular as sentenças dadas por Moro contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outros ministros, capitaneados por Gilmar Mendes, veem nos vícios apresentados material suficiente para rejeitar todo o trabalho feito em Curitiba. A disputa entre visões no Supremo hoje pende para a vitória de Gilmar, que chamou a operação de "o maior escândalo judicial da história". O julgamento foi interrompido por pedido de vistas do ministro Kássio Nunes Marques. Kos está longe de concordar com a avaliação do ministro Gilmar.

"A Operação Lava Jato colocou o Brasil no mapa global anticorrupção, mostrando que o país está realmente disposto a lidar com um caso de corrupção de grande magnitude. Claro, erros sempre são possíveis. Mas isso terá que ser comprovado em cada caso individual, separadamente, e não deve de forma alguma afetar o legado geral da operação", diz Kos.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56406033


sábado, 18 de janeiro de 2020

OCDE e resultados - William Waack (O Estado de S. Paulo)

OCDE e resultados

O governo brasileiro comemora um gesto amistoso do governo americano

William Waack
O Estado de S. Paulo, 16/01/2020
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ocde-e-resultados,70003160810

Dá para entender a empolgação do governo brasileiro com a renovada garantia verbal de Washington de apoiar o Brasil como primeiro da fila para ingresso na OCDE. Trata-se de comemorar algum carinho vindo de Trump, depois de vários tapas.  
A OCDE congrega aproximadamente 80% do comércio e investimentos mundiais, e aí estão incluídos os 36 integrantes da organização e seus “key partners”, entre os quais figuram BrasilChinaÍndiaIndonésia e África do Sul. Na América Latina, o México faz parte desde 1994, e o Chile, desde 2010. A Colômbia foi convidada oficialmente em 2018 e, desde 2015, a OCDE negocia a entrada da Costa Rica.  
A mais recente adesão foi da pequena Lituânia, completando o “cerco” de países bálticos junto à Rússia, cujo acesso foi congelado em 2014 logo após a anexação da Crimeia. É óbvio que é um gesto político a aceitação de países na organização – cuja lista de membros iniciais em 1961 obedecia às principais alianças políticas e militares ocidentais da (mais as então “neutras” Áustria e Suíça).  
A Índia tem relutância de caráter doméstico em integrar-se ao grupo, enquanto a entrada da China é parte de uma formidável relação geopolítica com os Estados Unidos, mas os dois gigantes asiáticos são alvo de resistência americana por uma outra questão que envolve o Brasil: é a designação como “país em desenvolvimento” aplicada pela Organização Mundial do Comércio. Essa definição, que garante tratamento preferencial a esse grupo dentro da OMC (e interessa, obviamente, ao Brasil), é alvo de Trump.  
Em outras palavras, Trump acha que um país não merece fazer parte da OCDE(“desenvolvidos”) e, ao mesmo tempo, desfrutar de tratamento preferencial na OMC, cujo sistema de regras multilaterais o Brasil se esforçou durante décadas para desenvolver e consolidar e está agora sob feroz ataque do amigão na Casa Branca. Onde teremos de ceder?  
Em questões de comércio, aliás, o Brasil recebeu as piores bofetadas verbais do presidente americano, que acusou o País (sem justificativa) de “manipulador da própria moeda”. A quase infantil alegria com que a diplomacia brasileira se alinha a Trump em votações na ONU (como o voto contra resolução anual da ONU que condena o embargo econômico a Cuba, posição que uniu todos os governos civis brasileiros) contrasta com o pragmatismo com que vários setores manobram no amplo e complexo campo das relações bilaterais com os EUA.  
Os militares brasileiros, interessados em garantir acesso a tecnologias, não aderiram ao esforço americano (entre outros países) de limitar por princípio o direito do Irã de desenvolver métodos de separação de isótopos (enriquecimento de urânio), pois isso significaria colocar sob risco o próprio sistema de propulsão nuclear do projeto de submarino brasileiro. Os acordos para a utilização da Base de Alcântara pelos americanos não incluem restrições ao desenvolvimento de mísseis pelo Brasil, uma velha e tradicional pressão americana.  
Pragmática em relação a Washington tem sido sobretudo a postura dos setores dinâmicos do agronegócio, que frearam arroubos diplomáticos brasileiros de apoio a Trump equivalentes a uma espécie de vassalagem quando se trata de posturas sobretudo na intrincada situação do Oriente Médio. Produtores brasileiros são os principais competidores dos Estados Unidos na produção de grãos e proteínas, num difícil jogo para profissionais que envolve a União Europeia e, claro, o principal parceiro comercial, a China – os interesses do agronegócio foram, até aqui, a principal oposição a alguns aspectos relevantes da política externa de Bolsonaro.  
Todo mundo reconhece que relações entre países dependem de gestos também. Mas resultados práticos contam mais ainda.

Brasil na OCDE: O que o país cedeu aos EUA em troca de apoio à entrada no 'clube dos países ricos' - Época Negócios

Brasil na OCDE: O que o país cedeu aos EUA em troca de apoio à entrada no 'clube dos países ricos'

O apoio às pretensões brasileiras de estar na OCDE era considerado pelo Itamaraty como seu principal resultado na política internacional de alinhamento aos Estados Unidos adotada na gestão atual


Depois de parecer que não o faria, o presidente americano, Donald Trump, deve cumprir uma promessa que fez ao presidente Jair Bolsonaro no primeiro semestre do ano passado — a de apoiar o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Quando Bolsonaro visitou Trump na Casa Branca, em março do ano passado, saiu de lá tendo ouvido do presidente americano que ele se comprometeria com o apoio.
Meses e muitas concessões brasileiras depois, o secretário de Estado Americano, Mike Pompeo, defendeu abertamente o ingresso da Argentina, e não do Brasil, no grupo de 36 países que compõem a organização, fazendo parecer que as cessões brasileiras haviam sido em vão.
Nesta terça-feira (14), os Estados Unidos voltaram à promessa inicial, anunciando o apoio ao ingresso do Brasil na OCDE. "Os Estados Unidos querem que o Brasil se torne o próximo país a começar o processo de admissão na OCDE. O governo brasileiro está trabalhando para alinhar suas políticas econômicas com os padrões da OCDE enquanto prioriza a admissão à OCDE para reforçar as reformas econômicas", afirmou em nota um porta-voz do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado americano.
"Anúncio americano de prioridade ao Brasil para ingresso na OCDE comprova uma vez mais que estamos construindo uma parceria sólida com os EUA, capaz de gerar resultados de curto, médio e longo prazo, em benefício da transformação do Brasil na grande nação que sempre quisemos ser", publicou no Twitter o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Bolsonaro também comentou a manifestação dos EUA na manhã desta quarta-feira. "A notícia foi muito bem-vinda. Vinha trabalhando há meses em cima disso, de forma reservada obviamente. Houve o anúncio [dos EUA], são mais de 100 requisitos para ser aceito, estamos bastante adiantados, inclusive na frente da Argentina. E as vantagens do Brasil são muitas, equivalem ao nosso país entrar na primeira divisão", afirmou.
O apoio às pretensões brasileiras de estar na OCDE era considerado pelo Itamaraty como seu principal resultado na política internacional de alinhamento aos Estados Unidos adotada na gestão atual.
No entanto, em outubro do ano passado, revelou-se que Pompeo havia defendido a entrada da Argentina, e não do Brasil, na OCDE, em uma carta datada de final de agosto. Na época, a informação foi revelada pela Bloomberg e confirmada por outros veículos, inclusive a reportagem da BBC News Brasil.

Agrados aos EUA
A OCDE, atualmente com 36 países, é um fórum internacional que promove políticas públicas, realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e fortalecer a economia global.
Foi criada em 1960, por 18 países europeus mais EUA e Canadá. Além de incluir vários dos países mais desenvolvidos do mundo, o grupo abriu suas portas para nações em desenvolvimento como México, Chile e Turquia. Brasil, Índia e China têm status de parceiros-chaves.
O Brasil apresentou um pedido formal para ingressar na OCDE em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

A expectativa era de que o pedido fosse atendido rapidamente, mas as negociações emperraram. Um dos entraves seria justamente a posição do governo dos EUA: além do Brasil, havia outros países pleiteando a entrada, e Washington considera que a entrada em massa de todos eles descaracterizaria a organização.
Além de Argentina e Romênia, desejam fazer parte do grupo países como Peru, Croácia e Bulgária.
Antes de Michel Temer, durante os governos dos petistas Lula e Dilma Rousseff, o país não pleiteava o ingresso na organização. Apesar disso, o Brasil já trabalha com a OCDE em diversos temas desde a década de 1990.
Para além do apoio ao pleito brasileiro na OCDE, Brasil e EUA também firmaram uma série de compromissos comerciais. Bolsonaro concordou em abrir uma cota anual de 750 mil toneladas de trigo americano com tarifa zero, medida que afeta a Argentina, principal vendedor de trigo para o Brasil.
No fim de agosto, o Ministério da Economia decidiu não só prorrogar por mais um ano a importação de etanol americano isenta de uma tarifa de 20%, como elevou a cota dos 600 milhões de litros para 750 milhões de litros — a taxa passa a ser cobrada quando o volume negociado supera a cota.
A medida atendeu principalmente aos interesses dos americanos, os maiores exportadores ao Brasil, de etanol, produzido a partir do milho — segundo dados oficiais, 99,7% do etanol importado pelo país vem dos EUA. Desagradou, em contrapartida, produtores do Nordeste brasileiro, que consideram desleal a competição com o preço oferecido pelos americanos,
Desde 2016, o Brasil é o país que mais compra etanol americano. A expectativa dos produtores brasileiros era de que o governo americano liberasse seu mercado de açúcar, um dos mais protegidos do mundo, mas não houve essa contrapartida por enquanto.


Concessões concretas em troca de apoio simbólico
"A negociação (para o apoio dos EUA à entrada brasileira na OCDE) envolveu concessões muito concretas do Brasil em torno de expectativas de apoio mais simbólico dos americanos", afirma Elaini da Silva, professora de relações internacionais da PUC.
Silva cita outros exemplos, como a concessão aos EUA da exploração da base espacial de Alcântara, no Maranhão, a isenção de vistos para turistas do país sem reciprocidade para brasileiros, e o fato de o Brasil ter abdicado do status de país em desenvolvimento nas negociações junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), o que poderia trazer prejuízos tarifários às exportações brasileiras.
O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.
Além do impacto direto nas futuras negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a relação com países do Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.
Isso porque essas nações vão acabar sendo mais pressionadas a abrir, também, mão do tratamento diferenciado. E a Índia já está retaliando o Brasil.
"Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeação de um embaixador brasileiro para negociar questões na área de pesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE", explicou à BBC News Brasil antes da reviravolta o professor Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
"Portanto, o Brasil está se isolando não só no contexto de economias-chave na Europa e no acordo do Mercosul, mas também com parceiros do Sul global: as economias emergentes como a Índia."
Bolsonaro também não colocou na mesa para discussão o aumento protecionista de impostos sobre o aço — medida de Trump contra os chineses que prejudicou o Brasil, tampouco o fim dos subsídios governamentais à produção de soja americana, que a torna competitiva em relação à safra nacional do grão.
E, além disso, o Brasil tem endossado a visão americana para o Oriente Médio. Antes de se eleger, Bolsonaro comprometeu-se a transferir a Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, assim como fez Trump. Depois, recuou. A medida é polêmica, já que os países árabes defendem que a cidade deverá ter sua soberania repartida entre israelenses e palestinos.
Em dezembro, o Brasil inaugurou um escritório comercial em Jerusalém. Presente, o filho de Bolsonaro, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse que aquele seria um primeiro passo para a transferência da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. "[Meu pai] me disse que existe um compromisso firme, que a transferência da Embaixada a Jerusalém será realizada", disse o deputado.


Pressa?
Trump também anunciou no ano passado o Brasil como seu "aliado preferencial extra-Otan" — nome para designar países que não são membros da aliança Organização do Tratado do Atlâncito Norte (Otan) mas que são aliados estratégicos militares dos EUA, ou seja, que terão um relacionamento de trabalho estratégico com as Forças Armadas americanas.
Para o Brasil, isso significa vantagens de acesso a tecnologia militar americana. Mas, segundo alguns analistas, também poderia arrastar o país para conflitos e disputas com países como China e Rússia, algo totalmente fora da agenda brasileira, além de ser de interesse dos EUA porque colocaria o país em sua área de influência de maneira ainda mais segura.
As concessões brasileiras, no entanto, talvez tenham sido apressadas.
"Como o Brasil tem se mostrado um aliado incondicional da gestão Trump, é provável que eles queiram extrair ainda mais concessões do país", afirma o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

Reviravolta
Quando o apoio dos EUA à entrada da Argentina na OCDE foi revelada, em outubro do ano passado, o governo brasileiro foi tomado de supresa.
Havia dentro do próprio governo a expectativa de que o aperto de mãos com Trump seria o suficiente para que o Brasil furasse a fila de nações postulantes a membros da OCDE. O protocolo, no entanto, se impôs.
"A diplomacia internacional tem um tempo próprio, bem mais lento que o tempo da política de redes sociais do Bolsonaro. O processo de ingresso na OCDE leva anos. O presidente quis sugerir à sua base que sua relação especial com Trump faria milagres, mas não existem milagres", afirma Guilherme Casarões, professor de política internacional da Fundação Getúlio Vargas.
Após a repercussão da carta de Pompeo, em outubro do ano passada, a Embaixada dos EUA no Brasil divulgou comunicado reiterando apoio à entrada do Brasil na OCDE, mas ressaltando que expansão do grupo deve ser feita "em um ritmo controlado". Depois, o Departamento de Estado americano divulgou nota afirmando que o país apoiava, sim, a entrada do Brasil na OCDE e que a carta revelada pela imprensa "não refletia com precisão a posição dos Estados Unidos" em relação à ampliação da organização.
"Apoiamos com entusiasmo a entrada do Brasil nesta importante instituição e os Estados Unidos farão um esforço grande para apoiar a entrada do Brasil", dizia o texto.
O secretário Pompeo reproduziu a mensagem no Twitter, afirmando também que o governo dos EUA dá apoio a que o Brasil "inicie o processo" de entrada na OCDE. Bolsonaro retuitou as mensagens do americano acrescentando, em inglês, a frase "Not today, fake news media!" ("Hoje, não, mídia mentirosa" em tradução livre).
Mais tarde, o próprio Trump postou sobre o assunto em seu Twitter. Ele chamou de "fake news" a reportagem da Bloomberg e afirmou que "o comunicado conjunto que eu e o presidente Bolsonaro divulgamos em março deixa absolutamente claro meu completo apoio ao início do processo brasileiro para se tornar um membro da OCDE. Os Estados Unidos apoiam o presidente Jair Bolsonaro".
A mensagem deixa claro que os americanos consideram que o Brasil está apenas iniciando sua jornada para se mostrar apto a compor a OCDE.
Nos bastidores, autoridades brasileiras pressionaram pelo informe da embaixada para mitigar a reação negativa à carta de Pompeo. O Itamaraty e a embaixada brasileira em Washington não comentaram. Já a OCDE afirmou que o ingresso de seis novos membros está em curso e que o processo é sigiloso e depende do consenso entre os membros atuais.


Publicamente, integrantes do governo agiram para minimizar a decisão dos EUA.
"Toda a histeria sobre a OCDE na imprensa revela o quão incompetentes e desinformadas são as pessoas que escrevem sobre política no Brasil. Não há fato novo. Os EUA estão cumprindo exatamente o que foi acordado em março e agindo de acordo com o cronograma estabelecido na ocasião", afirmou no Twitter Filipe G. Martins, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais.
"Argentina enfrenta desafios conjunturais que tornam o início do processo de acessão emergencial. Por isso, Brasil e EUA concordaram com um cronograma que teria início com a Argentina. Trata-se de fato público e notório, omitido pela imprensa por incompetência ou desonestidade", acrescentou.
À época, o americano Michael Shifter, presidente do think thank Inter-american Dialogue, especializado nas relações entre EUA e América Latina, classificou o acontecimento como "definitivamente um grande abalo para Bolsonaro, que apostou tudo nesse relacionamento com Trump".
"Parece que a decisão dos EUA é a visão tradicional, ir devagar com a entrada de países na OCDE. Mas certamente Trump prometeu (a Bolsonaro) outra coisa", acrescentou.
Na sua visão, o que ocorreu poderia indicar que, ao contrário do alardeado, as relações entre EUA e Brasil não mudaram tanto assim.
"(Há) esta certa admiração mútua entre Bolsonaro e Trump, e muito da retórica dos dois soa muito parecida. Mas quando o assunto são decisões reais, talvez as coisas não tenham mudado muito. Está tudo no nível superficial, e quando você precisa agir para construir uma parceria mais significativa, como se tornar membro da OCDE, os EUA basicamente aplicam seus critérios normais sobre a extensão da OCDE, o que tem sido mais ou menos a política tradicional (em governos anteriores)."
Segundo observadores, Bolsonaro confiava em uma indicação expressa não apenas por sua propalada proximidade presidencial com Trump. Desde março do ano passado, quando ocorreu a visita, o governo brasileiro fez uma série de concessões, inclusive comerciais, aos americanos em troca do endosso à vaga na organização.
Agora, por fim, está obtendo apoio. Segundo a revista Época, responsável por revelar nesta terça, 14, a mudança do posicionamento dos EUA em relação ao Brasil na OCDE, a medida serve para "dar a impressão que o alinhamento brasileiro será recompensado", já que a sensação até agora é de que o Brasil havia cedido mais do que ganhado.



quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Brasil-OCDE: os bloqueios - Vicente Nunes (CB)



Expectativa grande com vinda de técnicos da OCDE ao Brasil

Correio Braziliense, Economia

ROSANA HESSEL

A partir de novembro, vários técnicos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estarão a caminho do Brasil para levantamentos de dados dos relatórios anuais. Uma das missões confirmadas para o mês que vem é a que trabalha no combate à corrupção, uma vez que a entidade tem demonstrado preocupação com a piora do país nesse tema. As datas ainda não foram definidas, segundo a assessoria do órgão, mas a expectativa é grande dentro e fora do governo com a visita. 

“Temos muitas pessoas trabalhando nas missões ao Brasil. Estamos, por exemplo, negociando nas próximas semanas ou meses como parte de pesquisas e reuniões para o futuro da economia brasileira, sobre o progresso do país na transformação digital e no setor de telecomunicações e transmissões”, destacou a nota da OCDE. 
O processo de adesão do Brasil na OCDE, iniciado em 2017, promete ser longo, uma vez que redução da corrupção é uma das medidas que o Brasil precisa cumprir para ser aceito como membro da organização composta atualmente por 36 países, e está andando para trás. 
Os Estados Unidos, por exemplo, não incluíram o país na lista apoiada pela Casa Branca neste ano, mas demonstraram apoio ao Brasil no processo de adesão. Apenas Argentina, que passa por uma crise financeira grave, e Romênia, foram indicados pelos norte-americanos, para a frustração da equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes, que esperava “furar a fila”. No momento, existem seis países em processo de adesão da entidade considerada o clube dos países ricos.  Para receber o apoio dos EUA, o governo brasileiro concordou em abrir mão do status especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial de Comércio (OMC), exigência que Washington não impôs a outros emergentes, como México.
O cientista político norte-americano David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), também demonstra preocupação com o que os técnicos da OCDE vão encontrar quando chegarem. Para ele, haverá um retrocesso no combate à corrupção com a Lei do Abuso de Autoridade e a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Antonio Dias Toffoli, interromper as investigações e processos criminais com base em informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem autorização judicial. 
“A lei do abuso não deixa mais ninguém investigar nada”, criticou o acadêmico, lembrando que a imagem do país lá fora tem piorado com o novo governo, principalmente, devido ao “sucateamento” do Ministério das Relações Exteriores, comando por Ernesto Araújo. “O serviço diplomático foi sucateado duramente e isso tem piorado a imagem do país lá fora. Antigamente, os outros países elogiavam a competência dos representantes nas articulações nas embaixadas e nos órgãos internacionais, como ONU (Organização das Nações Unidas) e OEA (Organização dos Estados Americanos)”, lamentou Fleischer.
Aproveitando a vinda dos técnicos da OCDE, Comissão de Relações Exteriores (CRE) aprovou um requerimento do senador Marcos do Val (Podemos-ES) para que o colegiado receba os representantes da OCDE em audiência pública. “A comissão da OCDE sugere que a capacidade de investigação nos casos referidos está seriamente ameaçada. O atual governo elegeu-se prometendo combater a corrupção. Retrocesso nesta área será comprometedor tanto interna quanto externamente”, destacou o senador, conforme informações da Agência Senado nesta quarta-feira (24/10). 
Vale lembrar que, recentemente, a Transparência Internacional no Brasil divulgou um estudo apontando aumento na percepção de que o combate à corrupção no país está diminuindo, corroborando com o aumento das preocupações da OCDE.

domingo, 13 de outubro de 2019

Brasil abandonou seu status na OMC para aderir aos EUA, sem sucesso (El País)

“Brasil deixou seu status na OMC para se agarrar a uma sinalização na OCDE. Não é prudente”

Cientista político do Insper Leandro Consentino diz que Brasil perde trunfos por negociações na OCDE e que equipe econômica ainda precisa mostrar resultados

Afonso Benites, Brasília
El País, 11.10.2019
Trump e Bolsonaro na Casa Branca.
Trump e Bolsonaro na Casa Branca.Alan Santos/PR
Professor de Ciência Política no Insper e especialista em relações internacionais, Leandro Consentino acredita que a falta de apoio endosso formal e imediato dos Estados Unidos à campanha do Brasil para ingressar na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento e Econômico), o clube dos países ricos, representa um dos maiores reveses do Governo Jair Bolsonaro até agora. Em entrevista ao EL PAÍS, ele diz que a política externa brasileira está nas mãos de pessoas inexperientes que confundem o tempo da diplomacia com o das redes sociais.
Pergunta. Qual é a sua avaliação sobre essa desistência, ainda que temporária, dos Estados Unidos de apoiar a entrada do Brasil na OCDE? O que o Brasil perde com isso?
O cientista político Leandro Consentino.
O cientista político Leandro Consentino.
Resposta. O Governo Bolsonaro tem de entender que o tempo da diplomacia não é o tempo das redes sociais. As coisas foram atropeladas, principalmente no anúncio, quando ainda se começavam as conversações de um eventual apoio para ingresso na OCDE. O assunto ganhou a mídia e veiculado como se fosse uma grande conquista, como se fosse o passaporte para o Brasil entrar nessa organização. Mas não é assim que funcionam as coisas num cenário de relações internacionais. Havia outros países pleiteando essa entrada, como a Romênia e Argentina, que tiveram o apoio oficializado, e o Brasil seria verificado com o tempo, mediante o cumprimento de algumas condições. Mas o que o Governo passou para gente foi de que a entrada estava garantida já naquele momento. Acredito que o descompasso entre o que foi dito e o que se poderia esperar dos Estados Unidos naquele momento gerou todo esse mal-estar.
P. Que poderia ser evitado, não?
R. Há notícias que estão sendo veiculadas de que o próprio Governo brasileiro já havia questionado os Estados Unidos sobre isso. Em linhas gerais, ficou pior para o Brasil que prometeu uma coisa que não se concretizou e hoje tem só perspectivas, sem nenhuma concretude. Para o Governo Bolsonaro esse foi o grande revés até o momento.
P. Uma das perdas foi abrir mão do status de país em desenvolvimento da OMC?
R. Sim. Ele trocou algo que já tinha sido lhe dado por um apoio que não se materializa, que não é palpável, não tem garantia. O Brasil saiu desse grupo de membros de países em desenvolvimento para se agarrar a uma sinalização, o que não me parece prudente em política externa.
P. O Brasil precisava abrir mão desse status?
R. O Brasil não precisava ter aberto mão de quase nada. O Brasil já aderia a muitas das regras da OCDE. Esse convite lá atrás já havia sido formulado e acabou declinado pelos Governos do PT. O Brasil poderia vir a aderir a OCDE com o tempo.
P. O que representa estar na OCDE?
R. A OCDE é um selo, é como se fosse uma certificação de que o país está cumprindo regras de mercado no âmbito internacional. Então, se o Brasil fizesse tudo isso, naturalmente a entrada chegaria por gravidade. Óbvio que teria de se mover um pouco, mas não seria um esforço tão grande. O que causa espécie é que parece que a gente quis passar uma coisa na frente da outra. Quis o selo antes de promover as reformas e é óbvio que teríamos um custo. a gente acabou tendo um custo. Me parece que foi uma estratégia completamente equivocada. Coisa de quem, de fato, não tem experiência nem conhece a política externa a fundo.
P. Você se refere ao chanceler Ernesto Araújo, ao assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, ou aos dois?
"O descompasso entre o que foi dito e o que se poderia esperar dos Estados Unidos gerou todo esse mal-estar"
P. Vamos lembrar que nosso chanceler não é de fato experimentado, com longa carreira. É da carreira do Itamaraty, mas não tem a graduação que se espera de um ministro das Relações Exteriores. E o Filipe Martins também não tem. Fora a questão ideológica que tanto um quanto o outro seguem. A inexperiência de ambos pesou muito fortemente. Vozes muito experientes do Itamaraty como [os ex-embaixadores] Marcos Azambuja e Rubens Ricupero sinalizaram que essa não era uma boa ideia. E eles tinham razão.
P. O que o Brasil perdeu ao ceder aos Estados Unidos e deixar o grupo de países desenvolvidos da OMC?
R. O Brasil perde um tratamento especial. Por exemplo, uma série de prazos mais extensos para cumprir acordos, série de benefícios que poderia ter. Um país que planeja estar integrado plenamente na ordem liberal de comércio não precisa disso. Mas não deixa de ser um privilégio que ele tenha. Se fizesse a lição de casa, talvez não precisasse desse tratamento. Agora, é óbvio que a gente abrir mão por uma perspectiva que não está palpável é uma estratégia estúpida. Poderíamos ter guardado esse trunfo para usar em negociações mais substanciosas no futuro.
P. Como estava a adesão do Brasil às regras da OCDE?
R. Nós já temos uma adesão ao conjunto de regras da OCDE maior do que a Argentina e Romênia. A gente tem perto de 30% enquanto elas não chegam nem a 20%. Estamos com a lição de casa mais bem-feita. Não teria razão para querer passar adiante.
P. Por que Romênia e Argentina conseguiram esse apoio já dos EUA e o Brasil não?
R. Existe essa questão de ordem cronológica, como foi alegado ontem, eles pleitearam antes. E a negociação deles está mais bem encaminhada. A outra razão é que o Brasil precisa mostrar, além de aderir às regras, uma sinalização clara com sua política econômica, de que ele está enviando esforços reais, de que estamos nos recuperando. Hoje, a gente não vê plenamente isso acontecendo. A economia dá sinais de melhoras, mas eles são muito tímidos, ainda. Não estão plenamente satisfatórios para um investidor externo que acredite que o Brasil vá decolar. O novo Governo ainda precisa mostrar muito a que veio. Ainda temos um desemprego alto e um crescimento pífio.
P. E a relação com o Legislativo?
R. O Governo Bolsonaro ainda não tem mostrado interlocução com o parlamento. Como ele espera aprovar uma agenda ampla de reformas, se ele não consegue uma interlocução mínima com o parlamento? Conseguiu a Previdência, que ainda não está conclusa, falta um turno no Senado. E estamos nos encaminhando para o fim do primeiro ano de Governo. É muito pouco para o que foi prometido.
P. Para emitir um bom sinal já teria de ter aprovado as reformas da Previdênciae a tributária. É isso que está dizendo?
"Temos uma estratégia política ruim e ficamos sem poder de barganha lá na frente"
R. Teria de ter aprovado a Previdência e pelo menos encaminhado a tributária. Independentemente, de ter aprovado ou não, sobretudo precisaria demonstrar que tem a capacidade de aprovar, de dialogar. Um Governo que não sinaliza ter uma base de apoio parlamentar e que o presidente briga com o seu partido, demonstra uma dificuldade muito grande. Obviamente as forças fora de nosso país estão olhando para isso. Sem contar as questões ambientais, que ameaçam até o acordo União Europeia-Mercosul.
P. Como contrapartida ao apoio na OCDE o governo brasileiro também reduziu a taxa de importação do etanol dos EUA. Foi mais um equívoco do Governo?
R. Sim para este caso. Sim para o caso de liberar a entrada sem vistos. Temos de ver o protecionismo com muita atenção. O caso do etanol, reacende questões protecionistas que não são necessariamente boas em si. O problema é não utilizar esses trunfos de maneira correta. De alguma forma, dever-se-ia até abrir mão disso para a gente ter um mercado mais liberal, mas a gente usa esses trunfos de maneira errada e no momento errado. Não temos retorno disso. Temos uma estratégia política ruim e ficamos sem poder de barganha lá na frente.

sábado, 12 de outubro de 2019

Trump dá uma banana ao Brasil na questão da OCDE - O Globo e Bloomberg

EUA não endossam proposta do Brasil na OCDE após apoiá-la publicamente

Secretário de Estado declara apoio só a candidaturas da Argentina e da Romênia e ignora uma das principais apostas da política externa do governo Bolsonaro; Trump e Pompeo garantem que apoio americano ao Brasil segue válido

O Globo e Bloomberg
10/10/2019 - 12:00 / Atualizado em 10/10/2019 - 23:07
O presidente Jair Bolsonaro aperta a mão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após sessão da Assembleia Geral da ONU Foto: Alan Santos / Presidência da República 24-9-19
O presidente Jair Bolsonaro aperta a mão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após sessão da Assembleia Geral da ONU Foto: Alan Santos / Presidência da República 24-9-19
WASHINGTON —  O governo dos EUA não endossou a proposta do Brasil de ingressar na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE), após as principais autoridades americanas a apoiarem publicamente , revelou a Bloomberg nesta quinta-feira.
O secretário de Estado americano, Mike Pompeo , rejeitou um pedido para discutir mais ampliações do clube dos países mais ricos, de acordo com uma cópia de uma carta enviada ao secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, em 28 de agosto à qual a Bloomberg teve acesso. Ele acrescentou que Washington apoia apenas as candidaturas de adesão de Argentina e Romênia.
“Os EUA continuam a preferir a ampliação a um ritmo contido que leve em conta a necessidade de pressionar por planos de governança e sucessão”, afirmou o secretário de Estado na carta.
Segundo o Valor, Pompeo rejeitou um plano de Gurría que previa a ampliação da OCDE com seis países, com um cronograma definido para início de negociações: Argentina imediatamente; Romênia em dezembro; Brasil em maio de 2020; Peru em dezembro de 2020; e Bulgária em maio de 2021, com Croácia ficando para o futuro. Pompeo, sem dar explicações, aceitou apenas Argentina e Romênia, e o parágrafo que mencionava os prazos de Brasil, Peru e Bulgária foi cortado.
A mensagem se afasta da posição pública dos EUA sobre o assunto. Em março, o presidente Donald Trump disse em entrevista coletiva conjunta com o presidente Jair Bolsonaro na Casa Branca que apoiava à adesão do Brasil ao grupo de 36 membros, conhecido como “o clube dos países ricos”, um apoio que foi reiterado em maio . Em julho, o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, reiterou o apoio de Washington ao Brasil durante uma visita a São Paulo.
Horas depois da divulgação da carta, porém, o presidente Donald Trump chamou de "f alsa " a informação publicada pela Bloomberg, falando sobre as intenções americanas. Segundo eles, o memorando assinado em março pelos dois presidentes "deixa absolutamente claro" que ele apoia o "início do processo do Brasill para uma admissão plena na OCDE". Mas também não deu prazos.
Mais cedo, o secretário de Estado, Mike Pompeo foi na mesma linha .
Os EUA apoiam a ampliação comedida da OCDE e um eventual convite ao Brasil, mas dedicam-se primeiro ao ingresso de Argentina e Romênia, tendo em vista os esforços de reforma econômica e o compromisso com o livre mercado desses países, disse uma autoridade sênior dos EUA, que pediu para não ser identificada por não ter autorização para discutir deliberações políticas internas em público.
Na tarde desta quinta, a embaixada americana informou, em nota, que os EUA continuam a apoiar a entrada do Brasil na OCDE . De acordo com o texto publicado em seu site, a expansão do organismo deve ocorrer de forma "gradual", e juntamente com um projeto de mudança na governança da organização. A nota, contudo, não fala em prazos e não comenta a decisão americana de priorizar a Argentina e a Romênia em detrimento da candidatura brasileira. 
O endosso dos EUA à entrada brasileira na OCDE no início deste ano foi um dos primeiros claros benefícios obtidos pelo estreito alinhamento de Bolsonaro com o governo Trump.  A entrada no grupo é considerada uma das principais apostas da política externa do Brasil. Ao GLOBO, o Ministério da Economia informou que não vai comentar o assunto.
Durante a viagem de Bolsonaro a Washington em março, o Brasil ofereceu acesso dos EUA à plataforma de lançamento de foguetes de Alcântara, no Nordeste do país, viagens sem visto para turistas dos EUA e cooperação na questão da Venezuela. O Brasil também  se comprometeu a abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio ( OMC ), o que lhe dava benefícios como prazos maiores para a adequação a acordos comerciais e regras mais flexíveis na concessão de subsídios industriais.
Trump, em troca, cumpriu a promessa de designar o Brasil como um aliado importante extra-Otan, status que permite a obtenção de material bélico a custos menores. Críticos do acordo questionaram se o apoio dos EUA se materializaria.
O governo brasileiro não respondeu a vários pedidos de comentários. Um funcionário da imprensa da OCDE em Paris também não comentou imediatamente.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Brasil já tinha sido avisado que  não seria imediatamente apoiado pelos Estados Unidos, informou a jornalista Cristiana Lôbo, da Globonews. Segundo Guedes, o Brasil poderá ainda ser apoiado no futuro.
— Desde o encontro do presidente Bolsonaro com Trump, lá em Washington, isso já havia ficado claro — disse Guedes, tentando minimizar o impacto negativo interno da decisão dos Estados Unidos.
Ao site O Antagonista, Guedes explicou que Washington "por questão estratégica, não poderia indicar o Brasil neste momento, mas não é uma rejeição no mérito", e sim de "timing, porque há outros países na frente, como a Argentina". O ministro completou a justificativa dos EUA dizendo que "abrir para o Brasil agora significaria ceder à pressão dos europeus, que também querem indicar mais países para o grupo".
Em maio, no entanto, na reunião anual da OCDE em Paris em que os EUA e os países europeus retomaram as negociações para ampliação da organização, Washington voltou a expresar oficialmente apoio à candidatura brasileira, no que o chanceler Ernesto Araújo, presente a encontro,  já considerou "como o início do processo de adesão do Brasil". 
Como o processo de adesão, uma vez admitido, leva pelo menos três anos, dificilmente o Brasil se tornará membro da organização durante este mandato de Bolsonaro.

Frustração em Washington

Segundo o professor de Relações Internacionais da FGP-SP Oliver Stuenkel, a decisão de Washington de priorizar as candidaturas de Argentina e Romênia é um sinal da frustração de Washington com Brasília. No começo do governo Bolsonaro, afirmou Stuenkel, Trump esperava duas coisas do Brasil: ajuda de Brasília para retirar Nicolás Maduro do poder na Venezuela e também para reduzir a influência chinesa na América Latina.
À esta altura, está claro que Brasília não conseguiu tirar Maduro do poder e o que país é dependente da China, com viagem presidencial marcada para outubro. Com a frustração dos dois planos, encerra-se o interesse americano no Brasil — e, em consequência, os motivos da Casa Branca para apoiar pleitos brasileiros, disse Stuenkel.
— A aproximação de Brasília com Washington só funciona quando o Brasil consegue entregar algo aos EUA — afirmou Stuenkel. —  O que se fala em Washington é que o Brasil não conseguiu entregar nada na Venezuela, e a cada dia fica mais evidente que Brasil dificilmente conseguirá ajudar a conter a presença chinesa  na América Latina. Era óbvio, mas o que [o deputado federal] Eduardo Bolsonaro, [o chanceler] Ernesto Araújo e [o assessor internacional da Presidência] Filipe Martins diziam era que o Brasil teria como fazer algo, o que não aconteceu. Com isso, a aproximação de Bolsonaro com Washington se encerra, porque não há mais nada que Washington possa querer de Brasília.
A OCDE, fundada em 1961, diz em seu site que visa "moldar políticas que promovam prosperidade, igualdade, oportunidade e bem-estar para todos". A adesão ao grupo tem sido ultimamente considerada um selo de qualidade para países que buscam mostrar à comunidade internacional que suas nações estão abertas ao mercado internacional.
A adesão ao grupo também é utilizada por governos de países em desenvolvimento para promover reformas internas.
O Brasil apresentou seu pedido de adesão à OCDE em maio de 2017, durante o governo de Michel Temer.
Colaborou André Duchiade