CÚPULA AMAZÔNICA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 8/08/2023
Pela quarta vez, os presidentes dos países amazônicos vão se encontrar no âmbito da cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Criada em 1995, a Organização, com sede em Brasília, integrada por Brasil, Bolívia, Peru, Venezuela, Guiana, Surinã, Colômbia e Equador, é uma decorrência de um tratado assinado em 1978. Para a reunião ocorrendo hoje e amanhã em Belém do Pará, foram convidados representantes de países com florestas tropicais como a Indonésia, Congo Brazzaville, República Democrática do Congo e de entidades governamentais e civis para debater o desenvolvimento econômico associado à preservação ambiental.
A OTCA não tem atuação autônoma. Apoia as decisões negociadas e aprovadas pelos oito países membros e desenvolve projetos e programas na Amazônia. A cooperação de organismos internacionais para a preservação da floresta poderia ser muito ampliada e complementaria os esforços nacionais, caso os governos decidam dar maior protagonismo a OTCA e ampliar a atuação da instituição junto aos organismos internacionais, inclusive financeiros.
A OTCA ocupou, até aqui, um espaço reduzido na política externa brasileira. Muito pouco aproveitada, a Organização foi ignorada totalmente na última década, apesar de todas as críticas que a política ambiental brasileira vem enfrentando no exterior. Tivesse o Tratado sido melhor aproveitado, o foco das criticas teria sido dividido entre todos os países amazônicos que, em larga medida, deixaram de combater os ilícitos que ocorreram na região com o desmatamento, as queimadas e o garimpo. Mais recentemente, toda essa situação ficou agravada com a crescente presença do crime transnacional envolvendo drogas, armas e minérios. Sem falar no tratamento dispensado às comunidades indígenas.
No encontro presidencial, do ponto de vista diplomático, a cúpula representará oportunidade para retomar e reforçar o diálogo e a região amazônica. A cúpula é o início de um processo com a definição de uma nova agenda para o desenvolvimento integrado com inclusão social e responsabilidade climática, através de mecanismos concretos de cooperação e ampliação dos laços entre órgãos do governo, sociedade civil e acadêmica dos oito países.
Na preparação do encontro, o presidente Lula encontrou-se com o presidente Petro da Colômbia, que havia convidado a OTAN e os EUA para apoiar atividades para reduzir o desmatamento da floresta do lado colombiano e havia manifestado preocupação com a exploração de petróleo na região.
O encontro de cúpula não tem uma agenda definida, devendo cada chefe de governo apresentar suas propostas e sugestões. O Brasil deverá reiterar seu compromisso de desmatamento zero até 2030 e, se possível, criar metas comuns de desmatamento; buscar maior integração nos esforços das ações para o combate aos ilícitos, representados pelas queimadas, pelo garimpo, a destruição da floresta e para a proteção das comunidades indígenas em toda a região. O combate ao crime transnacional que hoje se espalha pelos países amazônicos, assim como a maior e mais efetiva presença do Estado certamente estará na pauta do encontro. A proposta formulada por Lula da inclusão no âmbito do TCA do Parlamento Amazônico criado em 1989, com sede em Lima, hoje fora do Tratado, também deverá ser apreciada.
Será importante que nessa reunião de cúpula seja explicitada a vontade política de fortalecer a cooperação entre todos os Estados Amazônicos e a OTCA. O trabalho da sociedade civil e das comunidades originárias deveria ser estimulado e apreciado para que sua voz seja ouvida pelos governos nas questões de desenvolvimento sustentável, cujos desafios econômicos, sociais, tecnológicos são gigantescos. Até aqui, os Estados amazônicos atuaram ou deixaram de atuar de forma isolada e descoordenada. As políticas e ações nacionais deveriam ser complementados por ações coletivas, discutidas de forma regional no âmbito do TCA. Vigilância nas fronteiras para combater o crime organizado, cooperação transnacional das polícias, ações para reduzir os ilícitos, controle dos incêndios, da qualidade da água e do mercúrio utilizado no garimpo ilegal, entre outros desafios, muito se beneficiariam da coordenação entre os governos da região amazônica. Ações para atrair financiamento internacional e critica `as barreiras comerciais, sem mencionar a União Europeia, deverão ser examinadas. A questão da proibição exploração de petróleo na Amazônia e a meta comum de desmatamento zero, por falta de consenso, deverão constar, de forma indireta, no exageradamente longo documento final da Cúpula. Questão relevante para o sucesso de uma ação coordenada será a confiança mútua e um real compromisso de transparência na troca de informações sobre essas questões para facilitar a tomada de decisões rápidas e eficientes e a busca de recursos externos, sempre preservando a soberania de todos os países.
Espera-se que as posições conjuntas do encontro sejam levadas a outros fóruns relevantes como a Assembleia Geral das Nações Unidas, a Cúpula do G-20 a ser presidida pelo Brasil em 2024 e a COP a realizar-se em Dubai proximamente, onde a sustentabilidade ambiental será discutida junto com questões econômicas e sociais da região.
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras.