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quinta-feira, 1 de junho de 2023

Lula quer ser 'original' em plano de paz para Guerra da Ucrânia, diz Zelenski à Folha - Patrícia Campos Mello (FSP)

 Lula não é exatamente "original": ele pretende ser indispensável para a paz no mundo...

Lula quer ser 'original' em plano de paz para Guerra da Ucrânia, diz Zelenski à Folha

Presidente ucraniano reforça convite para se encontrar com líder brasileiro e se exime de culpa por desencontro no G7


KIEV

Com o figurino habitual, camiseta e calça militares, Volodimir Zelenski aparece no palácio presidencial, em Kiev, para ser entrevistado por sete veículos de imprensa da América Latina, entre os quais a Folha.

Para entrar lá, os jornalistas passaram por cinco checagens de segurança e só puderam levar seus blocos de anotações, deixando de fora telefones, bolsas e até as suas próprias canetas, item depois fornecido aos repórteres pelo governo ucraniano. O temor é que a Rússia rastreie o sinal dos celulares para mirar o presidente com os mísseis que lançam diariamente sobre o país desde fevereiro do ano passado.

Zelenski respondeu a perguntas durante uma hora e 40 minutos. Na entrevista, afirmou que quer se reunir com Luiz Inácio Lula da Silva para ouvir as propostas do líder brasileiro para acabar com a guerra promovida pela Rússia. Criticou, porém, o que chamou de falta de vontade e de tempo do petista para se reunir com ele em Hiroshima, na cúpula do G7, grupo que reúne algumas das maiores economias globais.

Segundo Zelenski, o desencontro que impediu uma reunião no Japão não foi culpa da Ucrânia, o que contradiz afirmações do governo brasileiro —Lula disse que o ucraniano não apareceu na hora marcada.

Ele também alfinetou o petista pela falta de apoio para a criação de um tribunal especial internacional que julgue crimes de agressão na guerra e disse que o líder brasileiro quer ser "original" em suas propostas.

"Lula quer ser original, e devemos dar essa oportunidade a ele. Agora, é preciso responder a algumas perguntas muito simples. O presidente acha que assassinos devem ser condenados e presos? Creio que, se tiver a oportunidade, ele dirá que sim. Ele encontrará tempo para responder a essa questão? Ele não achou tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa pergunta."


Os países da América Latina têm reagido à guerra de formas diversas. Há desde condenações firmes à Rússia por países como Chile e Uruguai até posições mais nuançadas, como de Brasil, Colômbia ou Argentina. Mas nenhum governo, com exceção de declarações da Guatemala neste sentido, aderiu às sanções contra a Rússia. Como o senhor vê essa postura da região? A questão das sanções à Rússia não é a prioridade. Primeiro, é necessário saber o que está realmente acontecendo, analisar que tipo de guerra se trata, entender que a Rússia nos atacou e está destruindo a vida, as crianças, os lares, as escolas e as universidades todos os dias. É preciso saber que 50 mísseis e drones foram disparados contra Kiev em um único dia, incluindo drones iranianos. Dispararam contra instalações militares, objetivos militares? Isso é ridículo. Por isso, não se pode abordar a questão das sanções desse jeito.

Já tivemos um progresso, as pessoas falam que se trata de uma guerra da Rússia contra a Ucrânia, antes diziam que era uma guerra civil. Agora, se dão conta que nem sequer é uma guerra entre Rússia e Ucrânia. A Rússia atacou a Ucrânia, e a Ucrânia está se defendendo com ações militares adequadas. Não é que as pessoas estejam defendendo cinco ou seis hectares de terra onde plantam tomates ou pepinos –estão defendo sua liberdade, sua eleição, o direito de uma pessoa viver aqui. As sanções são um outro passo. Não são muitos os países latino-americanos que não apoiam a Ucrânia, a maioria apoiou a última resolução da ONU [de fevereiro, que condenou a invasão e teve apoio do Brasil].


Claro que o bolso das pessoas é sempre uma preocupação próxima, então quando recebem uma conta de energia mais alta dizem a elas: "Isso é causado pela guerra". E a pessoa pensa: "Como podemos impor sanções? Seria ainda mais difícil para nós. Confio no que vejo na TV". E a propaganda da Rússia é muito poderosa. Muitos países latino-americanos têm uma relação forte com a época soviética, e muitas pessoas nem se dão conta de que a Ucrânia era parte da União Soviética. Dentro desse contexto histórico, as sanções são uma coisa pequena, mas são importantes para isolar o governo autoritário do Kremlin e sua tentativa de se apoderar da Ucrânia para que ela volte a fazer parte de uma União Soviética.

presidente do Chile, Gabriel Boric, é um líder jovem, de esquerda, um dos poucos da América Latina que condenaram mais energicamente a invasão. Mas o Partido Comunista e a Frente Ampla, da coalizão de Boric, não foram ao pronunciamento que o senhor fez no Congresso chileno. Levando em conta esse exemplo, como o senhor vê a postura das esquerdas latino-americanas em relação à guerra? Temos uma relação muito boa [com Boric], é um líder jovem, com ideias progressistas e apoia a Ucrânia. Fizemos pedidos para falar na maioria dos Parlamentos da América Latina, mas só tivemos a oportunidade de fazer isso em dois, Chile e México, e a Guatemala sempre nos apoiou. Não digo isso para criticar nenhum país, a América Latina pode apoiar quem quiser. Mas nenhum partido, comunista ou não, pode violar direitos. Será que os políticos têm filhos diferentes dos nossos? Por acaso gostariam que um míssil caísse na casa deles? Duvido. Por isso, não me importa país, raça ou partido. Também não acredito em esquerdistas ou direitistas extremistas. Creio nas pessoas. E se são pessoas normais, vão combater [violação de direitos]. Se a pessoa é uma merda, sinto muito, então ela é uma merda, não importa de que cor ou planeta seja.

O senhor gostaria de fazer uma reunião bilateral com Lula? Por que não conseguiram se reunir na cúpula do G7? Como o senhor vê a proposta de paz dele, que prevê iniciar negociações sem pré-condições?

 Não é a primeira vez que digo publicamente, e também já disse diretamente ao presidente, e reitero que quero me encontrar com ele. Já ofereci a realização de uma reunião em qualquer formato. Já convidei várias vezes o presidente Lula para vir à Ucrânia. Estivemos em contato com a equipe dele quando ele estava na Espanha e em Portugal, pensei naquele momento porque a distância era menor e talvez ele conseguisse encontrar um tempo. No G7, tive várias reuniões bilaterais. Disseram que a gente não havia tentado nem se esforçado para encontrá-lo, isto não é verdade. Não é gente séria, substantiva, que está dizendo isso.


Precisamos conversar. É importante conversar com o maior número possível de países para que eles apoiem a Ucrânia ou não apoiem a Rússia. Se não estão dispostos a apoiar a Ucrânia, infelizmente, é importante que entendam os detalhes do que está acontecendo. É importante que a grande potência, o representante da América Latina, o Brasil, esteja envolvido e no mesmo patamar de outros países na discussão da fórmula da paz. [Os brasileiros] podem ter seus próprios pontos de vista sobre qual deveria ser o caminho para a paz. Tudo bem, estamos dialogando, somos civilizados. Mas precisamos conversar. E, para haver uma conversa, é preciso que haja vontade. Já me dispus a encontrá-lo muitas vezes. Acredito que se criará uma nova oportunidade. Alguma coisa não deu certo [para o encontro] no G7, não quero entrar em detalhes, mas definitivamente não foi por nossa causa que não deu certo.

Por que é importante criar um tribunal especial internacional para julgar os crimes de agressão no contexto da Guerra da Ucrânia? O Brasil não manifestou apoio à criação dessa corte, mas Chile, Colômbia e Uruguai, sim. O senhor espera apoio do Brasil? 

O presidente Lula quer ser original. E devemos dar a ele essa oportunidade. Agora, é preciso responder a algumas perguntas muito simples. Primeiro: O presidente acha que assassinos devem ser condenados e presos? Creio que, se ele tiver a oportunidade, dirá que sim. Ele vai achar tempo para responder a essa pergunta? Ele não achou um tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa questão. E aí responderá que assassinos devem ser presos.

Se milhares de pessoas foram assassinadas na Ucrânia —não sabemos quantas dezenas de milhares foram mortos e torturados nas partes de nosso território ocupadas pelos russos—, os assassinos estavam cumprindo ordens? Se foi um assassinato em massa, deveria ser presa a pessoa que mandou outras pessoas fazerem isso? Acho que [Lula] dirá: bom, provavelmente, os assassinos em massa são sádicos. E, portanto, deveriam estar na prisão. Então, se o presidente quiser ser original, ele pode dizer: "O tribunal que a Ucrânia propõe não é adequado, mas eu sei –dirá o presidente Lula– como colocar os assassinos atrás das grades de uma maneira mais rápida, sem tribunal". Bom, aí a Ucrânia ficará muito contente em receber este conselho do presidente Lula de como colocar os assassinos do Kremlin na prisão de forma ainda mais rápida. Estamos sempre abertos a qualquer inovação na aplicação das leis.

Os presidentes de Colômbia, Argentina e México negaram o pedido dos EUA para enviar armamentos à Ucrânia. Propuseram, em vez disso, uma trégua imediata de cinco anos para negociar um plano de paz. O que o senhor acha dessa proposta? Uma trégua com a Rússia não é uma trégua. Quando assumi a Presidência, tínhamos os Acordos de Minsk, e regularmente nos reunimos com os russos e mediadores. Mas, durante todos esses anos, houve disparos, feridos e mortos. E era uma trégua. Isso é o que sugerem nossos colegas de Argentina, México e Colômbia: um conflito congelado. É o que mais convém à Rússia.

Congelar o conflito significa que a Rússia terá tempo para acumular tropas para a ocupação total. Um conflito congelado prejudica qualquer ambiente de investimentos, porque o investidor entende que pode recomeçar uma guerra depois de amanhã, e esse país então não se desenvolve, as pessoas não sabem como vão formar uma família, ter filhos, que futuro terão. Em 2019, [a ex-primeira-ministra alemã] Angela Merkel, [o presidente francês] Emmanuel Macron, Putin e eu nos reunimos na França. Foi difícil, porque a Rússia não quer resolver nada, isso os beneficia. Ela provou isso com a Moldova e a Geórgia. Onde estão esses Estados? Olhem para o cenário na Abecásia, na Transdnístria. O conflito congelado não permitiu a eles se desenvolverem, com alto crescimento do PIB. A Rússia quer ocupar os Estados que faziam parte da União Soviética. E você me diz que esses líderes querem cinco anos de trégua. Para quê?

Para que a Rússia entenda como burlar as sanções, para que consiga produzir mais mísseis? Para que aprenda a driblar o [sistema de defesa antiaérea] Patriot e mate mais gente? Não faz sentido uma trégua de cinco anos, ou a ideia é esperar que Putin morra? Talvez achem que, em cinco anos, esse homem, que parece se alimentar da força e da vida de outras pessoas, vai morrer, e aí não haverá mais conflito.

No México, o presidente Andrés Manuel López Obrador assumiu uma postura de neutralidade para preservar suas relações com a Rússia. Como vê essa posição? Sei que a sociedade mexicana apoia a Ucrânia, isso é o mais importante. Os líderes precisam ter em mente que não é Putin quem os elege, são os mexicanos. E ele precisa governar fazendo aquilo que foi eleito para fazer. Tive a chance de me dirigir ao Parlamento mexicano. Tudo o que quero com meus discursos, com meu encontro com Lula, é dizer que é muito difícil ir até a América Latina durante a guerra. Mas estou disposto e pedi a quase todos os países.

A Ucrânia afirma que o fim do conflito deve prever a devolução de todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia, além do julgamento e da responsabilização de Putin e de todas as pessoas que possam ter violado direitos humanos na guerra. Isso não parece uma proposta de negociação, mas o resultado de uma vitória militar total. Há margem para negociação? A Rússia não tem direito de negociar até desocupar os territórios. Veja, não é até que a Ucrânia os desocupe militarmente, é até que a Rússia vá embora. Se querem falar comigo e com o mundo civilizado, não devem esperar até serem retirados à força, porque serão retirados e, quando isso acontecer, com o Exército, perderemos mais gente. Se a Rússia quer uma solução diplomática, então que saia da Ucrânia. Não fiquem esperando até que tenhamos um monte de mortos e os retiremos à força. É muito importante reduzir o número de mortes.

Segundo reportagens publicadas pelo jornal The Washington Post a partir de vazamento de documentos oficiais americanos, o senhor teria defendido atacar alvos dentro do território russo. É possível uma vitória da Ucrânia sem atacar alvos militares na Rússia? 

A guerra não está acontecendo no território russo, independentemente do que diga o The Washington Post. A guerra está no front, e é a maior e mais complexa guerra terrestre no continente europeu nos últimos cem anos. Não está acontecendo nada no território da Rússia. Se estivéssemos atacando fortemente alvos na Rússia, haveria um monte de vítimas, certo? Nós sabemos o que fazem os 50, 100 mísseis que eles mandam para cá todos os dias. Na Federação Russa, se houvesse vítimas, todo o espaço informativo russo estaria falando sobre isso.

Em algum momento o senhor viu alguma cena que o fez pensar "não consigo mais"? 

É muito difícil entender o que virá depois e entender que havia uma vida antes da guerra. Não tenho respostas. Nem para o meu futuro. Antes, sempre sabia o que queria estar fazendo em cinco anos. Agora, não posso dizer. Só tenho um objetivo: ganhar. Estou muito concentrado nisso. É um traço da minha personalidade: quando me concentro em algo, faço o melhor que posso. Talvez não seja o melhor, mas é o melhor que posso.

Para muitos na América Latina, o país a que se deve temer, por seu histórico de intervenções, são os Estados Unidos, eles são vistos como a nação imperialista. Quando as pessoas lhe dizem que esta é uma guerra dos EUA, ou que é uma guerra por procuração, o que o senhor responde? 

Sou muito grato aos EUA e ao povo americano, que nos ajudou muito. Sou muito grato a todos os nossos aliados. Mas não podemos esquecer que conseguimos resistir graças ao nosso povo, que se defende, que combateu mesmo quando não tinha armas modernas. Ao mesmo tempo, é um erro dizer que esta guerra é só nossa.

A Rússia não vai parar na Ucrânia, ela vai seguir tentando atacar outros países. Irá a outras nações, incluindo as da Otan. E então a Otan entrará em guerra para defender seus membros, e pode ser a Terceira Guerra Mundial. Uma guerra como a nossa, híbrida, com ataques cibernéticos, valas comuns, torturas, mas em vários países. De alguma forma, a Ucrânia é uma ação preventiva. Nossa capacidade de se recuperar, de vencer, é de certa maneira uma prevenção contra uma grande tragédia global.

E há uma narrativa recente sobre a Otan, alguém da América Latina ou da Ásia disse isso, que a guerra ocorre porque a Ucrânia quer entrar na Otan. A Ucrânia quer entrar na Otan porque, geopoliticamente, está na Europa, onde está a maioria dos países da aliança. E se não for a Otan, qual é a outra aliança ou instituição que vai nos defender? Como a Ucrânia vai se proteger de provocações? Ninguém ataca os países da Otan. Estamos aqui [em guerra]. Outros países não têm fronteiras com a Rússia.

O senhor pode falar algo sobre a contraofensiva que foi anunciada? Estamos preparando uma contraofensiva. Não posso dar detalhes, nem dizer quando será.

A jornalista viajou a convite do Public Interest Journalism Lab




sexta-feira, 12 de maio de 2023

Plano de paz do Brasil pode funcionar com cansaço de países na guerra, diz Amorim - Patricia Campos Mello (FSP)

 Guerra da Ucrânia Diplomacia Brasileira Governo Lula

Plano de paz do Brasil pode funcionar com cansaço de países na guerra, diz Amorim

Assessor de Lula se reuniu com Zelenski e sugeriu modelo de 'negociação por proximidade' entre Rússia e Ucrânia

São Paulo

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa, Celso Amorim, propôs ao presidente da UcrâniaVolodimir Zelenski, o início de um processo diplomático chamado de "negociações por proximidade", mesmo antes de a Rússia desocupar os territórios que capturou.

Nesse modelo, dois países em conflito se reúnem em uma cidade e se comunicam por meio de intermediários não alinhados a nenhum deles, trocando informações sobre posicionamentos e ideias e se preparando para o contato direto.

O assessor especial para política externa do presidente Lula, Celso Amorim, durante reunião no Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, em Kiev
O assessor especial para política externa do presidente Lula, Celso Amorim, durante reunião no Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, em Kiev - Divulgação Governo da Ucrânia

Zelenski tem deixado claro que o único plano de paz aceito pela Ucrânia tem como condição prévia a desocupação dos territórios ucranianos e reforçou esse posicionamento nas redes sociais após o encontro com Amorim nesta quarta-feira (10).

Mesmo assim, o ex-chanceler se mostrou otimista. "Ele ouviu", disse à Folha, descrevendo a reação do ucraniano às ideias do Brasil para a paz.

 

Qual foi o objetivo da sua visita à Ucrânia? O objetivo foi a criação de confiança, manutenção do diálogo. A negociação tem várias etapas, a primeira é a criação de confiança entre os atores. Para isso, ela foi muito positiva.

Zelenski abordou a ideia de criar um tribunal internacional para julgar o crime de agressão? Qual é o posicionamento do Brasil nesse sentido? Não abordou. Para cada lado, a agressão é vista de forma diferente. Se você falar com os russos, eles vão dizer que as populações russas do leste da Ucrânia também estão sendo atacadas. Eu compreendo a posição dos ucranianos, eles querem naturalmente mostrar como foram vítimas da agressão, mas eu não quero ficar nisso.

Acho importante, até comentei com Zelenski, o processo diplomático chamado "negociações por proximidade", citado por Thomas Pickering. É um método usado com sucesso em situações análogas [Pickering foi embaixador dos EUA na ONU e citou a abordagem que envolve países terceiros em artigo na revista Foreign Affairs].

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    O terceiro país seria o Brasil ou a China? A China é um país que tem grande influência, comentei com o presidente Zelenski. Não estou dizendo se ele concordou ou não. E o Brasil também tem muita influência, por suas características. É só ver a importância que a mídia internacional dá à posição do Brasil.

    Em tuíte após a reunião com o senhor, Zelenski afirmou que "o único plano capaz de deter a agressão russa é a fórmula de paz da Ucrânia". Ou seja, ele continua rejeitando a ideia de negociar antes de a Rússia desocupar os territórios ucranianos. Ele vai verbalizar dessa forma, da mesma maneira que os russos dizem que esse não é o melhor momento para negociar. Mas a gente não pode desistir. Desistir é a pior opção. Haverá um momento, até mesmo pelo cansaço dos países que apoiam um ou outro, em que o dano causado pela guerra será maior do que prejuízo causado por alguma concessão. Nesse momento, é importante que já haja países que estejam articulados, para que a oportunidade não escape entre os dedos. Eu acho que esse pode ser o papel do Brasil.

    O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que "se a Rússia parar de lutar, acaba a guerra. Se a Ucrânia parar de lutar, acaba a Ucrânia", em alusão à possibilidade de que Moscou fique com os territórios capturados. Como vê essa declaração? Temos conversado com os americanos também, sabemos de algumas preocupações deles. Mas as situações econômicas e políticas vão evoluindo. Respeito muito a posição dele, mas acho que tudo isso é muito retórico. Chegará o momento em que os países terão que optar entre a paz e a vitória; a vitória não virá claramente para nenhum dos dois.

    Existe justamente essa aposta da Rússia de que o Ocidente vai se cansar, por motivos econômicos e políticos, de ajudar a Ucrânia, e que assim os russos vencem o conflito. Poderá sim haver o cansaço, mas o que é uma vitória de um ou de outro? É difícil de dizer. Ninguém levará tudo que quer de jeito nenhum. Então qual será a concessão fundamental?

    Como o senhor vê a proposta de Zelenski de fazer uma cúpula Ucrânia-América Latina? Na minha opinião, isso mostra que ele tem confiança no Brasil.

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    Mesmo ele dizendo que o único jeito de parar a agressão russa é a fórmula ucraniana que implica desocupação dos territórios? Eu não esperaria que ele dissesse outra coisa. Eu não fui para lá para dizer "esta proposta aqui está certa ou errada". Eu também conversei com Putin durante uma hora. A gente não tem uma tese, queremos apenas tornar o diálogo mais próximo, possível, talvez inicialmente de uma forma indireta. Eu não o vi reagir negativamente a essa ideia indireta. Mas não estou dizendo que ele concordou.

    Zelenski encarou com boa vontade o Brasil como mediador? Ele ouviu. A gente tem que ir falando, conversando, até surgir uma situação, às vezes algum aspecto específico, humanitário, alimentar, e aí expandir a negociação.

    Eles levaram o senhor para Butcha (cidade ucraniana onde corpos foram encontrados nas ruas e em valas comuns após a retirada russa)? Sim, mas em Butcha vimos uma igreja, e dentro dela, uma exposição fotográfica. Obviamente nós somos contra as atrocidades e as mortes em qualquer lugar que ocorram. São imagens fortes, não vou entrar em detalhes. Mas não dá para tirar conclusões totalmente, são fotos.

    Quais são os próximos passos? Continuar conversando. Esta visita era um passo importante que tinha que ser dado para mostrar que o Brasil é a favor da paz, não de A ou de B.

    Zelenski convidou Lula a ir para a Ucrânia. Há previsão para a viagem? Não discuti isso com o presidente.

    E há um convite da Rússia para o fim de junho. Tudo isso será avaliado.


    Raio-X | Celso Amorim, 80

    Atual assessor-chefe da assessoria especial da Presidência da República, é considerado o principal conselheiro de Lula na área de política externa. Foi chanceler por dois períodos: primeiro no governo de Itamar Franco, de 1993 a 1995, e, depois, nos governos Lula 1 e 2, de 2003 a 2011. Nesse meio-tempo, chefiou a missão brasileira na ONU, em Nova York e em Genebra.


    sábado, 27 de março de 2021

    Uma das cartas dos 300 diplomatas que querem ver EA longe, bem longe - Patricia Campos Mello (FSP)

     Grupo de mais de 300 diplomatas publica carta para pedir saída de Ernesto

    Manifesto acusa política externa atual de causar graves prejuízos às relações internacionais e à imagem do Brasil

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    SÃO PAULO

    Um grupo de mais de 300 diplomatas publicou neste sábado (27) uma carta pública acusando a política externa atual de causar “graves prejuízos para as relações internacionais e à imagem do Brasil” e pedindo a saída de Ernesto Araújo da chefia do Ministério das Relações Exteriores.

    “Esperamos, com essas reflexões, oferecer mais elementos para que as necessárias e urgentes mudanças na condução da política externa ganhem maior apoio na sociedade”, diz a carta, obtida pela Folha. “A crise da Covid-19 tem revelado que equívocos na política externa trazem prejuízos concretos à população.”

    Ernesto atravessa sua maior crise desde que assumiu o Itamaraty. Ele está ameaçado de demissão devido a pressões da cúpula do Congresso, de militares, do agronegócio e de grandes empresários

    Entre os autores do manifesto, que circula entre congressistas, há ao menos dez embaixadores, cargo do topo da carreira do Itamaraty. Eles, porém, não podem se identificar, porque se assim fizessem estariam violando a Lei do Serviço Exterior.

    O chanceler Ernesto Araújo após encontro no Palácio do Alvorada, em Brasília
    O chanceler Ernesto Araújo após encontro no Palácio do Alvorada, em Brasília - Ueslei Marcelino - 24.mar.21/Reuters

    O artigo 27 da regra determina que é necessário “solicitar, previamente, anuência da autoridade competente, na forma regulamentar, para manifestar-se publicamente sobre matéria relacionada com a formulação e execução da política exterior do Brasil”.

    Um dos signatários da carta disse à Folha que, embora insuficiente, a saída do chanceler é fundamental para a reversão da perda de credibilidade do Brasil no cenário internacional e um sinal importante para desbloquear possibilidades de cooperação futuras fundamentais nesse momento de pandemia.

    De acordo com uma outra diplomata que apoiou a publicação do manifesto, o objetivo é prestar contas à sociedade brasileira, mostrando que boa parte dos servidores não está de acordo com a orientação dada atualmente ao ministério. Segundo ela, o Itamaraty "não é o Ernesto" e pode fazer muito mais pelo país.

    A diplomata ainda afirma que o sentimento geral na pasta é de "vergonha e frustração" e questiona quais interlocutores estrangeiros gostariam de dialogar com alguém que se refere ao coronavírus como "comunavírus" e que critica frequentemente o que ele mesmo define como globalismo.

    Um dos idealizadores da carta afirma que, devido à disciplina dos diplomatas e a um senso forte de hierarquia dentro Itamaraty, até agora não havia ocorrido um movimento organizado de resistência, apesar do crescente descontentamento com Ernesto "desde os primeiros absurdos da sua gestão".

    Segundo esse diplomata, no entanto, a situação nas últimas semanas “ultrapassou todos os limites”. Ele cita, como exemplo, o fato de Ernesto ter tentado deixar o Brasil fora do Covax, mecanismo da OMS para distribuição de vacinas a países em desenvolvimento, por achar que se trata de uma iniciativa globalista.

    Assim, diz ele, o acúmulo de situações que "beiram a irresponsabilidade criminosa" levou a essa manifestações pública, algo que classificou como atípico e excepcional. Ainda de acordo com esse funcionário do Itamaraty, existe um sentimento muito forte de revolta e de impotência, algo que ele diz ouvir todos os dias, de embaixadores no exterior a colegas em Brasília.

    Por fim, o diplomata relata escutar semanalmente piadas de colegas estrangeiros, porque "ninguém leva o Ernesto a sério". Agora, porém, com a explosão no número de mortes diárias por Covid, ele diz que muitos entenderam não se tratar apenas de "um lunático excêntrico", mas de "uma figura nefasta, um criminoso".

    A carta aponta que, nos últimos dois anos, "avolumaram-se exemplos de condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo com os códigos mais elementares da prática diplomática”. “Além de problemas mais imediatos, como a falta de vacinas, de insumos ou a proibição da entrada de brasileiros em outros países, acumulam-se danos de longo prazo na credibilidade internacional do país.”

    Segundo um outro signatário, em nenhum outro momento da história brasileira, nem durante a ditadura militar, o Itamaraty esteve tão isolado, "sequestrado por uma seita, distante da sociedade". "É importante que a sociedade saiba que isso não é culpa dos diplomatas e que nosso silêncio não é cumplicidade.”

    Leia, abaixo, a íntegra da carta.

    Brasília, 27 de março de 2021,

    Nos últimos dias, o Brasil superou a trágica marca de 300 mil mortes por COVID-19, tendo o papel do Itamaraty na resposta à pandemia ganhado grande relevância no debate nacional. Neste momento, às vésperas da celebração do dia do diplomata, não há o que se comemorar. Pelo contrário, nunca foi tão importante reafirmar os preceitos constitucionais que balizam as relações exteriores da República Federativa do Brasil, definidos no artigo 4º da Constituição Federal de 1988, assim como as melhores tradições do Itamaraty.

    Historicamente, a política externa brasileira caracterizou-se por pragmatismo e profissionalismo. O corpo diplomático, formado por concurso público desde 1945, sempre investiu no diálogo respeitoso e construtivo, com interlocutores internos e internacionais, com a imprensa e o Parlamento. A Constituição de 1988 consagrou princípios fundamentais pelos quais nossa diplomacia deve guiar-se, entre eles a independência nacional; prevalência dos direitos humanos; o repúdio ao terrorismo e ao racismo; e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

    Nos últimos dois anos, avolumaram-se exemplos de condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo os códigos mais elementares da prática diplomática. O Itamaraty enfrenta aguda crise orçamentária e uma série numerosa de incidentes diplomáticos, com graves prejuízos para as relações internacionais e a imagem do Brasil. A crise da Covid-19 tem revelado que equívocos na condução da política externa trazem prejuízos concretos à população. Além de problemas mais imediatos, como a falta de vacinas, de insumos ou a proibição da entrada de brasileiros em outros países, acumulam-se danos de longo prazo na credibilidade internacional do país.

    Nesse contexto e diante da gravidade do momento, sentimos ser nosso dever complementar os alertas emitidos pela academia, pelo empresariado, pelos movimentos sociais, por prefeitos, por governadores e pelo Congresso Nacional, a respeito dos graves erros na condução da política externa atual. Nunca foi tão importante apelar à mudança e à retomada das melhores tradições do Itamaraty e dos preceitos constitucionais 
    conquistas da nossa sociedade e instrumentos indispensáveis para a promoção da prosperidade, justiça e independência em nosso país.

    Esta carta foi elaborada por diplomatas da ativa que não podem assiná-la como desejariam em razão de dispositivos da Lei do Serviço Exterior, que a propósito deveriam ser reexaminados tendo em conta sua flagrante inconstitucionalidade. Esperamos, com essas reflexões, oferecer mais elementos para que as necessárias e urgentes mudanças na condução da política externa ganhem maior apoio na sociedade, contribuindo, assim, para os esforços de superação das crises sanitária, econômica, social e política enfrentadas pelo Brasil.