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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Politica Externa e Interesse Nacional: uma síntese do meu pensamento - Paulo Roberto de Almeida

Política Externa e Interesse Nacional: uma síntese do meu pensamento

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota complementar ao texto para o seminário do IRICE

        Deixo de lado o texto reflexivo que já submeti, para conhecimento geral, sobre os dois conceitos duplos deste evento, que está disponível no blog Diplomatizzando e em minha página na plataforma Academia.edu, e passo a desenvolver algumas outras reflexões sobre as conexões teóricas e práticas entre eles.
        A Política Externa, com maiúsculas, se apresenta simplesmente como sendo o conjunto das orientações de ações, no campo internacional, que é expedido por quem ocupa o poder político do Estado num determinado momento, em função supostamente do assim chamado Interesse nacional, igualmente com maiúsculas.
        Creio que aí começa o erro e os problemas: a Política Externa raramente representa ou se confunde com o Interesse Nacional, por mais bem articulado que este esteja sendo apresentado num momento dado da História. A Política Externa geralmente, ou mais frequentemente representa aquilo que interessa às oligarquias, ou à oligarquia que ocupa o poder de governo, de ação do Estado num determinado momento. Pois não nos enganemos: o poder num Estado é sempre dominado por quem está no governo desse Estado, independentemente de como se chegou ao poder ou da coloração política ou inclinações sociais dos que mandam.
        Sempre é uma oligarquia e é ela que determina a Política Externa, não um suposto Interesse Nacional. Vamos observar na prática, no concreto.
        Desde 1808, ou seja, há mais de 217 anos temos relações exteriores conduzidas a partir do país, do Rio de Janeiro, ou antes, de Salvador da Bahia. Qual foi o primeiro gesto da política externa tomado em 1808? A abertura dos portos, uma necessidade e um agradecimento à potência protetora dos interesses da oligarquia que dominava Portugal na época, uma das poucas oligarquias que sobreviveu ao terremoto napoleônico em curso na Europa.
        Depois, foi a tomada de Caiena, um gesto puramente europeu, de vingança, não uma medida que beneficiasse exatamente o Brasil. Mais adiante, a invasão da Cisplatina que também era um gesto pensado em direção de um velho problema subsistente das disputas geopolíticas entre Portugal e Espanha. No intervalo, os tratados de comércio, navegação e defesa, preservando os interesses nacionais da potência protetora, imediatamente condenados pelo primeiro estadista do Brasil, Hipólito da Costa, no seu Correio Braziliense, inteiramente pensado, produzido e distribuído a partir do que era a Super Potência da época.
        Depois veio o tal de Reino Unido ao de Portugal e Algarves, uma ficção, claro, mas adotada em função do Congresso de Viena, onde Portugal era tratado com o mesmo desdém que as grandes potências da época devotavam às potências médias e pequenas. O Brasil sempre foi, reconhecidamente, uma potência média, o que somos até hoje, a despeito das ilusões de convertê-lo em Grande Potência entretidas no auge da ditadura militar.
        E qual foi a grande atitude de Política Externa de Portugal em Viena? A defesa do tráfico e da escravidão, em beneficio da oligarquia que ocupava o poder em Portugal e na sua colônia mais rica, na verdade a que produzia mais recursos para o Estado português, de fato para as oligarquias no poder nos dois Estados, teoricamente equiparados. O que se conseguiu arrancar na época foi a proibição do tráfico escravo, apenas ao norte do Equador, o que deixava livre, no momento suas rotas mais lucrativas, ao sul do Equador.
        Depois vieram vários ajustes, comerciais e diplomáticos, sempre em favor das oligarquias no poder nos dois Estados, entre eles o principal, a independência do Brasil, no mesmo momento em que se tramava a recolonização do país nas Cortes de Lisboa, em favor das oligarquias lusitanas. Os ajustes se fizeram e o Brasil se pôs em marcha, sempre com esse critério básico, o de proteger e manter os interesses das oligarquias, não o Interesse Nacional.
        O primeiro chanceler brasileiro, de fato o primeiro ministro brasileiro de um Gabinete português no Rio de Janeiro, José Bonifácio, era, como Hipólito da Costa, a favor da extinção imediata do tráfico escravo e da escravidão em médio prazo, substituindo-a pela imigração regular, o que não se fez obviamente: continuamos com o condenado tráfico durante mais um quarto de século, até onde foi possível, sem maiores constrangimentos para as oligarquias, e com o nefando sistema servil durante sessenta anos mais, e com resistência para extingui-lo, alguns projetos prolongando sua sobrevivência até praticamente as primeiras décadas do século XX.
Corte para um gesto de independência comercial: a reforma tarifária de 1844, que supostamente deveria abrir o caminho da industrialização no Brasil. Na verdade, a medida foi adotada mais por razões fiscais do que industrializantes. Durante em século e meio mais, talvez até hoje, o Brasil foi um dos Estados que exibiu as maiores tarifas protetoras do mundo inteiro, baseado no conceito, não de alíquotas aduaneiras, mas no de defesa efetiva, ou seja, valor dos impostos de importação sobre o montante total das importações, como informado pelos estudos do professor Jeffrey Williamson, de Harvard. O Brasil só foi parcialmente superado nessa prática pelas tarifas americanas durante a Guerra de Secessão no século XIX e pela Alemanha nazista nos anos 1930, no resto do tempo, longo temo, fomos os mais protecionistas do planeta.
        No início da era republicana, os motivos passaram a ser também industrializantes, ao lado dos objetivos fiscais ainda presentes, assim como a famosa Lei do Similar Nacional, explicitamente mercantilista, e que sobreviveu até o governo Collor, em 1990, depois de gloriosas décadas de bons serviços prestados às velhas e novas oligarquias.
        Toda a política econômica externa, de 1844 até os dias que correm, sempre foi explicitamente concebida e aplicada em favor das oligarquias nacionais, jamais, ou muito pouco, em favor do interesse nacional.
        Assim foi na defesa do tráfico e da escravidão, assim foi na defesa dos interesses protecionistas das novas oligarquias, assim continua sendo nos dias de hoje em praticamente todas as esferas da vida nacional.
        O trabalho de formação de capital humano, de defesa consequente da educação e da saúde da população em geral sempre foi deixado em segundo ou terceiro plano, como constatou Monteiro Lobato desde as primeiras décadas da República, logo convertendo o pobre Jeca Tatu, desmatador a fogo das florestas existentes, em vítima inocente da ignorância e da insalubridade.
        Seus esforços editoriais e educacionais, levados com enérgico empenho empresarial ao início, logo foram levados ao terreno infantil, nos anos 1920 e sobretudo nos anos 30, decepcionado que ficou com a incúria das oligarquias.
        Termino relembrando o primeiro grande debate econômico, talvez o único a ser rememorado ainda hoje, que ocorreu ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1944-45, entre Eugenio Gudin, um engenheiro e economista neoclássico, e Roberto Simonsen, um industrialista paulista que, em 1931, fez traduzir, e converter em Bíblia dos industriais brasileiros, o livro do estadista romeno Mihail Manoilesco sobre a teoria do protecionismo e do intercâmbio desigual, uma atualização, em 1928, das teses de indústria infante do economista alemão da primeira metade do século XIX, Friedrich List, um adepto das tarifas hamiltonianas.
        Pois bem, a despeito da clara vitória obtida no plano da teoria econômica e dos fundamentos das políticas macroeconômicas e setoriais por Eugenio Gudin, quem obteve a vitória, no plano da prática, foi o protecionista e subvencionista Roberto Simonsen, pois todas as políticas econômicas, e em consequência as políticas externas, adotadas de 1945 em diante, até hoje, foram sempre de cunho intervencionista e de planejamento estatal do que supostamente seria o interesse nacional permanente.
        As consequências foram as de um notável atraso, comparativamente a outros países, até colocados em escala inferior na industrialização, revelado durante todo o pós-guerra, até que, na prática, as orientações gudinianas, de aproveitamento das vantagens comparativas agrícolas, de solidez e equilíbrio nas políticas macroeconômicas e de importância da educação de base, foram reconhecidas, de modo explicito nos mandatos de FHC.
        Mas, por razões justamente do atraso social e educacional durante todos aqueles anos, entramos em nova recaída no protecionismo e no estatismo desde o início do presente século, do qual ainda não nos recuperamos. Todas as políticas econômicas e dm consequência as externas também, têm sido conduzidas consistentemente em favor das oligarquias do poder, representadas pelas forças políticas, de direita, de centro ou de esquerda, que ocupam o governo a intervalos regulares. Gudin venceu, mas apenas parcialmente, na prática, mas as ideologias, as orientações de política externa permanecem simonsenianas, em favor das oligarquias, não do Interesse nacional. Termino por aqui.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5119, 20 novembro 2025, 4 p.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Politica Externa e Interesse Nacional - debate com Vitelio Brustolin, Karina Stange Calandrin e Paulo Roberto de Almeida

WEBINAR

21 de novembro (sexta feira) às 17 h


O Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE),  no âmbito do portal Interesse Nacional,  convida para encontro virtual sobre o tema

Politica Externa e Interesse Nacional

Expositores

O evento é gratuito e a transmissão será pelo canal do YouTube.