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terça-feira, 29 de julho de 2014
Primeira Guerra: os generais estao sempre lutando a guerra anterior - Adam Hochschild
segunda-feira, 28 de julho de 2014
A Primeira Guerra Mundial e o Brasil - Paulo Roberto de Almeida (Mundorama)
1. O que era o Brasil em 1914, e o que representou a guerra europeia?
Para abordar o impacto da guerra de 1914-1918 sobre o Brasil seria preciso ter bem presente o que era o Brasil em 1914, o que era a Europa, o que ela representava para o Brasil nessa época, e o que a guerra alterou no padrão de relacionamento, direta e indiretamente. Vamos resumir um complexo quadro político, econômico e diplomático. Saiba mais
Transcrevo o artigo:
1. O que era o Brasil em 1914, e o que representou a guerra europeia?
Para abordar o impacto da guerra de
1914-1918 sobre o Brasil seria preciso ter bem presente o que era o
Brasil em 1914, o que era a Europa, o que ela representava para o Brasil
nessa época, e o que a guerra alterou no padrão de relacionamento,
direta e indiretamente. Vamos resumir um complexo quadro político,
econômico e diplomático.
O Brasil de cem anos atrás era o café, e o
café era o Brasil. Toda a política econômica, aliás toda a base fiscal
da República e dos seus estados mais importantes, assim como a própria
diplomacia, giravam em volta das receitas de exportação, que
compreendiam tanto ao próprio produto, e que faziam a riqueza dos barões
do café, quanto os impostos de exportação, que afluíam ao orçamento de
São Paulo e dos demais estados produtores. Dez anos antes, angustiados
por um problema que eles próprios haviam criado, a superprodução de
café, esses estados realizaram um esquema de valorização do produto, via
retenção de estoques, no famoso Convênio de Taubaté, para cujo
financiamento tivemos, pela primeira vez, a participação de bancos
americanos. Os próprios banqueiros oficiais do Brasil, os Rothchilds de
Londres, haviam se recusado a fazer parte do esquema, pois se tratava de
uma típica manobra de oligopolistas contra os interesses dos
consumidores. O Brasil dominava então quase quatro quintos da oferta
mundial de café, e essa posição lhe assegurava a capacidade de fazer
grandes manobras.
Mais tarde, em 1914, justamente, outros
concorrentes tinham entrado nesse lucrativo mercado, a Colômbia, por
exemplo, que sem poder competir em quantidade, começou a dedicar-se a
melhorar a qualidade dos seus cafés. Na mesma época, o Brasil estava
sendo processado em tribunais de Nova York, por praticas
anti-concorrenciais na oferta de café, justamente. Foi também quando os
mercados financeiros se fecharam repentinamente para o Brasil, com o
estalar da guerra em agosto desse ano. O Brasil sempre dependeu do
aporte de capitais estrangeiros, seja para financiar projetos de
investimento em infraestrutura – que eram feitos sob regime de
concessão, num esquema muito similar ao que viria a ser conhecido depois
como PPP, ou seja, parcerias público-privadas, com garantia de juros de
6% ao ano –, seja para o financiamento do próprio Estado, que vivia
permanentemente em déficit orçamentário.
O Brasil já tinha efetuado uma operação
de funding-loan en 1898, isto é, um empréstimo de consolidação trocando
os títulos das dívidas anteriores por novos títulos, e tinha conseguido
fazer um novo pouco antes da guerra, e já não mais teve acesso ao
mercado de capitais durante toda a duração do conflito europeu. Este
representou um tremendo choque para a economia brasileira, pois os
mercados europeus ainda eram importantes consumidores dos produtos
primários de exportação, e os principais ofertantes de bens
manufaturados, equipamentos e, sobretudo, capitais, ainda que os Estados
Unidos já fossem o principal comprador do café brasileiro desde o final
do século 19, e que suas empresas já tivessem começado a fazer
investimentos diretos no Brasil.
2. Impactos imediatos do conflito iniciado em 1914
O espocar dos canhões de agosto
representou, em primeiro lugar, uma interrupção nas linhas de
comunicação marítimas, já que a Alemanha tinha construído para si uma
marinha de guerra quase tão importante quanto a da Grã-Bretanha. Mais
adiante a British Navy consegue desmantelar boa parte da frota
germânica, mas de imediato, os transportes marítimos com os portos da
Europa do norte foram bastante afetados pelas batalhas navais e pela
ação dos surpreendentes submarinos alemães. Mas mesmo os estoques de
café nos portos de Trieste, no Mediterrâneo, ficaram retidos, sob
controle dos impérios centrais, neste caso da monarquia multinacional
representada pela Áustria-Hungria, que seria desfeita com a derrota em
1918.
O produto mais importante de exportação
do Brasil foi, assim bastante afetado pela perda de importantes mercados
consumidores, o que aumentou tremendamente a dependência da demanda
americana. Mas, os principais financiadores externos da jovem República
ainda eram banqueiros europeus, agora comprometidos com a compra de
títulos da dívida nacional de seus próprios países. A Alemanha também se
tinha convertido num importante parceiro comercial do Brasil, além de
ter iniciado um itinerário promissor com alguns investimentos diretos de
suas empresas e casas comerciais. Outros mercados do velho continente
também se viram engolfados no conflito, causando novos e continuados
prejuízos ao Brasil.
O debate interno, sobre quem o Brasil
deveria apoiar na guerra europeia, também foi importante, colocando
importantes intelectuais em oposição, assim como tribunos e magistrados
dos dois lados da cerca. O grande historiador João Capistrano de Abreu
foi considerado um germanófilo, ao passo que Rui Barbosa insistiu na
culpa moral da Alemanha, que tinha invadido e esquartejado a Bélgica, um
país neutro. Uma das vítimas desse debate passional foi o próprio
sucessor de Rio Branco, o chanceler Lauro Muller, considerado talvez
menos isento por causa de sua ascendência alemã: ele renunciou ao cargo
quando o Brasil fez a sua escolha. A maior parte da classe culta no
Brasil, os membros da elite que adoravam gastar seus mil-réis nos
cabarés de Paris, era evidentemente francófila, mas os alemães ajudaram a
empurrar o Brasil para o lado da aliança franco-britânica ao atacarem
navios comerciais brasileiros no Atlântico, quando o Brasil ainda era
oficialmente neutro no conflito. Acabamos entrando modestamente na
guerra, quase ao seu final, enviando um batalhão médico para a França.
No conjunto, a guerra representou imensas
perdas comerciais e financeiras para o Brasil, que tentou se ressarcir,
na conferência de paz de Paris, sem obter de verdade satisfação plena
por suas reivindicações de obter compensação pela apropriação de navios
alemães: os próprios países europeus se encarregaram de extorquir a
Alemanha o máximo que puderam, e o caso do Brasil não era julgado
realmente importante em face do conjunto de demandas dos países mais
afetados pela guerra.
3. Impactos de mais longo prazo, efeitos permanentes
Os efeitos mais importantes da primeira
guerra mundial, porém, não se limitaram aos terrenos militar e
comercial, mas foram verdadeiramente impactantes no domínio econômico no
seu sentido mais lato, provocando mudanças extremamente importante nas
políticas econômica de todos os países, com consequências negativas para
todo o mundo, e moderadamente positivas para o Brasil. Uma das
primeiras consequências econômicas da guerra foi a cessação de
pagamentos entre os inimigos, o que era lógico, com a cessação de toda
relação comercial, confisco de bens e sequestro de ativos financeiros.
Os países suspenderam o famoso padrão-ouro, ou seja, a garantia em metal
das emissões de moeda papel; ainda que teoricamente em vigor, para
alguns países, e a despeito de tentativas de seu restabelecimento ao
final do conflito, ficou evidente que o lastro metálico tinha deixado de
fato de ser um fator relevante nas políticas monetárias dos países.
Todos os governos, depois de esgotadas as possibilidades de
financiamento voluntário interno do esforço de guerra – via emissão de
bônus da dívida pública, e até mediante empréstimos compulsórios –
passaram a imprimir dinheiro sem maiores restrições, provocando a
primeira grande onda inflacionária nas economias contemporâneas.
Mais impactante ainda foi a intervenção
direta na atividade produtiva, não apenas desviando para a produção de
guerra quase todas as plantas industriais que tivessem alguma relação
com o aprovisionamento bélico, inclusive alimentar, de transportes e
comunicações, mas também via controles de preços, restrições
quantitativas, mobilizações laborais e vários outros expedientes
intrusivos na vida do setor privado. Nacionalizações e estatizações
foram conduzidas por simples medidas administrativas e a planificação
nacional tornou-se praticamente compulsória. O mundo nunca mais seria o
mesmo, e nesse tipo de economia de guerra estaria uma das bases dos
regimes coletivistas que depois surgiriam na Europa, o fascismo e o
comunismo.
O Brasil não foi tão afetado, naquele
momento, pela estatização, mas ele também sofreu esses impactos de duas
maneiras. De um lado, as dificuldades de aprovisionamento e de acesso a
mercados levaram ao estímulo a novas atividades industriais no país,
ainda que com todas as restrições existentes para a compra de bens de
produção nos principais parceiros envolvidos no conflito. O mercado
interno se torna mais relevante para a economia nacional. De outro lado,
o nacionalismo econômico conhece um novo reforço nesse período. O
Brasil já tinha uma lei do similar nacional desde o início da República,
mas a guerra ajuda a consolidar a tendência introvertida, a vocação de
autonomia nacional que já estavam presentes no pensamento de tribunos e
de empresários. O Brasil encontrou naquela situação uma espécie de
legitimidade acrescida para continuar praticando aquilo que sempre fez
em sua história: a preferência nacional e o protecionismo comercial como
políticas de Estado.
Este talvez seja o efeito mais
importante, ainda que indireto, da guerra europeia sobre o pensamento
econômico brasileiro, especialmente em sua vertente industrial. As
gerações seguintes, sobretudo aquelas que ainda viveram a crise de 1929,
e uma nova guerra mundial, dez anos depois, consolidaram uma orientação
doutrinal em economia que também tendia para o nacionalismo econômico,
uma política comercial defensiva, uma vocação industrial basicamente
voltada para o mercado interno e uma tendência a ver no Estado um grande
organizador das atividades produtivas, quase próxima do espírito
coletivista que vigorou na Europa durante o entre-guerras e mais além.
Essencialmente, a geração de militares
que passou a intervir de forma recorrente na vida política do país, ao
final da Segunda Guerra, e que depois assumiria o poder no regime
autoritário de 1964, era em grande medida formada por jovens cadetes que
tinham feito estudos e depois academias militares no entre-guerras e na
sua sequência imediata, e que tinham se acostumado exatamente com esse
pensamento: um intenso nacionalismo econômico, a não dependência de
fontes estrangeiras de aprovisionamento (sobretudo em combustíveis e em
materiais sensíveis), a introversão produtiva, a ênfase no mercado
interno, enfim, tudo aquilo que nos marcou tremendamente durante décadas
e que ainda forma parte substancial do pensamento econômico brasileiro.
Tudo isso, finalmente, foi o resultado
político e econômico da Primeira Guerra Mundial, que durante muito tempo
ficou conhecida como a Grande Guerra. Os custos e as destruições da
Segunda foram mais importantes, mas as alterações mais significativas
nas políticas econômicas nacionais, no papel dos Estados na vida
econômica, já tinham sido dados no decorrer da Primeira. O mundo mudou, a
Europa começou sua longa trajetória para o declínio hegemônico, e o
Brasil deu início ao seu igualmente longo itinerário de nacionalismo
econômico e de intervencionismo estatal. Parece que ainda não nos
libertamos desses dois traços relevantes do caráter nacional.
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quinta-feira, 17 de julho de 2014
A Grande Guerra e o Brasil: dois depoimentos de menos de 2 mns cada... - Paulo Roberto de Almeida
Eu já tinha feito um texto guia, algum tempo atrás, que reproduzo novamente in fine, para quem ainda não leu.
Como não estou acostumado com essas gravações, tive de testar o tempo em diversas tentativas, e cheguei a duas gravações, cujos links posto aqui, e que talvez sejam acessíveis aos curiosos em geral.
Mas não considero isso uma aula, pois não é possível ser minimamente didático em menos de 2 mns.
Paulo Roberto de Almeida
Gravação de número 1:
https://www.dropbox.com/s/6c2wficdyddv28w/PRAlmeidaPrimeiraGuerra1.mov
Gravação de número 2:
https://www.dropbox.com/s/xvu7rv6aurce2e4/PRAlmeidaPrimeiraGuerra2.mov
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Oriente Medio: revisitando os 14 pontos de Woodrow Wilson - David Ignatius (WP)
David Ignatius
The Washington Post, 9/07/2014
As U.S. policymakers ponder the future shape of the Middle East, they should perhaps recall that the United States was opposed to the 1916 Sykes-Picot agreement, the famous “line in the sand” that is now said to be dissolving.
The United States’ opposition back then was based on its rejection of the secret diplomacy between Britain and France that produced the plan to divide the Ottoman Empire after World War I. The United States opposed this neo-colonial carve-up of the region and called instead for the right to national self-determination.
The tragedy of the U.S. role in the modern Middle East is that it became, without entirely intending or realizing it, the protector of the very post- imperial order it once resisted. That story could fill a book, but for now, let’s refresh our memories about the alternative U.S. vision when the Ottoman Empire collapsed.
President Woodrow Wilson enunciated his framework in his famous “Fourteen Points” statement in January 1918, nine months after the United States had entered World War I. Following the armistice in November 1918, Wilson’s idealistic formula was a contentious centerpiece of debate at the Versailles peace conference. It was an inspiration to those who felt victimized by the old order and an annoyance to France and Britain.
Britain and France prevailed at Versailles, imposing a peace settlement so selfish and shortsighted that it all but guaranteed the rise of a revanchist Germany leading to World War II, and the endless headaches of the modern Middle East. It was, as David Fromkin titled his great 1989 history, “A Peace to End All Peace.” It’s this very fabric that is now ripping apart, as civil wars in Syria and Iraq create de-facto partitions of those countries. The question facing policymakers is whether to redraw the lines or let the region devolve into smaller cantons, like the ethnically cohesive “vilayets” of Ottoman times.
My sense is that it’s too early to judge whether the post-1919 boundaries are finished. After all, Lebanon was effectively partitioned during its 15-year civil war, but Lebanese national identity proved strong enough that its sovereignty was restored in the Taif Agreement of 1989. I’d guess that the Syrian national idea will survive over time, too. I’m not as sure about Iraq, but in any event, these are questions for the peoples of the region to decide, not outsiders.
What can Wilson’s Fourteen Points teach us that’s relevant to the current debate? The first five have some bearing, and they’re worth noting carefully because they set a framework for any reexamination of the Middle East map. Let’s list them, with some notations:
(1) “Open covenants of peace, openly arrived at.” This was Wilson’s reaction to the cynical private deal-making of Sir Mark Sykes and Francois Georges-Picot, which appalled observers such as T.E. Lawrence. Lesson for today: Any new order in the region must have buy-in from the region itself, starting with regional kingpins Iran and Saudi Arabia.
(2) “Absolute freedom of navigation upon the seas.” Still crucial for the United States, the world’s leading maritime power, is ensuring oil flow in the Strait of Hormuz and the Persian Gulf. But as U.S. power recedes, will China embrace this open, rules-based maritime order?
(3) “The removal, so far as possible, of all economic barriers.” The only hopeful vision of the region is one that begins with free trade, in which labor and capital flow across Israeli and Arab boundaries. This economically integrated Middle East could be astonishingly profitable.
(4) “National armaments will be reduced to the lowest point consistent with domestic safety.” The logic of a nuclear-weapons-free Middle East is becoming increasingly obvious, even to Israelis. Does Israel really benefit from a world in which Iran, Egypt and Saudi Arabia compete to match Israel’s undeclared deterrent?
(5) “In determining . . . questions of sovereignty, the interests of the populations concerned must have equal weight with the equitable claims of the government whose title is to be determined.” The heart of the matter. One implication: Kurdish aspirations to nationhood don’t trump Iraqi sovereignty, but they deserve equal weight.
Let us ponder, finally, the self-declared “Islamic State,” which meets none of these Wilsonian conditions. Indeed, it is a textbook example of illegitimate state-making.
The only positive aspect of the Islamic State is that the jihadists, by declaring their caliphate, have given their neighbors (and the world’s counterterrorism forces) an address. Any state that makes itself a safe haven for terrorism becomes a target. In that sense, the Islamic State was born with a suicide pill in its mouth.