Do Brasil me pedem para resumir todos os impactos sobre o Brasil, decorrentes da Primeira Guerra Mundial, mas em apenas 1 minuto e meio, o que é provavelmente impossível.
Eu já tinha feito um texto guia, algum tempo atrás, que reproduzo novamente in fine, para quem ainda não leu.
Como não estou acostumado com essas gravações, tive de testar o tempo em diversas tentativas, e cheguei a duas gravações, cujos links posto aqui, e que talvez sejam acessíveis aos curiosos em geral.
Mas não considero isso uma aula, pois não é possível ser minimamente didático em menos de 2 mns.
Paulo Roberto de Almeida
Gravação de número 1:
https://www.dropbox.com/s/6c2wficdyddv28w/PRAlmeidaPrimeiraGuerra1.mov
Gravação de número 2:
https://www.dropbox.com/s/xvu7rv6aurce2e4/PRAlmeidaPrimeiraGuerra2.mov
A guerra de 1914-18 e o
Brasil
Impactos imediatos, efeitos
permanentes
Paulo Roberto de Almeida
1. O que era
o Brasil em 1914, e o que representou a guerra europeia?
Para abordar o impacto da
guerra de 1914-1918 sobre o Brasil seria preciso ter bem presente o que era o
Brasil em 1914, o que era a Europa, o que ela representava para o Brasil nessa
época, e o que a guerra alterou no padrão de relacionamento, direta e
indiretamente. Vamos resumir um complexo quadro político, econômico e diplomático.
O Brasil de cem anos atrás
era o café, e o café era o Brasil. Toda a política econômica, aliás toda a base
fiscal da República e dos seus estados mais importantes, assim como a própria
diplomacia, giravam em volta das receitas de exportação, que compreendiam tanto
ao próprio produto, e que faziam a riqueza dos barões do café, quanto os
impostos de exportação, que afluíam ao orçamento de São Paulo e dos demais estados
produtores. Dez anos antes, angustiados por um problema que eles próprios
haviam criado, a superprodução de café, esses estados realizaram um esquema de
valorização do produto, via retenção de estoques, no famoso Convênio de
Taubaté, para cujo financiamento tivemos, pela primeira vez, a participação de
bancos americanos. Os próprios banqueiros oficiais do Brasil, os Rothchilds de
Londres, haviam se recusado a fazer parte do esquema, pois se tratava de uma
típica manobra de oligopolistas contra os interesses dos consumidores. O Brasil
dominava então quase quatro quintos da oferta mundial de café, e essa posição lhe
assegurava a capacidade de fazer grandes manobras.
Mais tarde, em 1914,
justamente, outros concorrentes tinham entrado nesse lucrativo mercado, a
Colômbia, por exemplo, que sem poder competir em quantidade, começou a
dedicar-se a melhorar a qualidade dos seus cafés. Na mesma época, o Brasil
estava sendo processado em tribunais de Nova York, por praticas
anti-concorrenciais na oferta de café, justamente. Foi também quando os
mercados financeiros se fecharam repentinamente para o Brasil, com o estalar da
guerra em agosto desse ano. O Brasil sempre dependeu do aporte de capitais
estrangeiros, seja para financiar projetos de investimento em infraestrutura –
que eram feitos sob regime de concessão, num esquema muito similar ao que viria
a ser conhecido depois como PPP, ou seja, parcerias público-privadas, com
garantia de juros de 6% ao ano –, seja para o financiamento do próprio Estado,
que vivia permanentemente em déficit orçamentário.
O Brasil já tinha efetuado
uma operação de funding-loan en 1898, isto é, um empréstimo de consolidação
trocando os títulos das dívidas anteriores por novos títulos, e tinha
conseguido fazer um novo pouco antes da guerra, e já não mais teve acesso ao
mercado de capitais durante toda a duração do conflito europeu. Este representou
um tremendo choque para a economia brasileira, pois os mercados europeus ainda
eram importantes consumidores dos produtos primários de exportação, e os
principais ofertantes de bens manufaturados, equipamentos e, sobretudo,
capitais, ainda que os Estados Unidos já fossem o principal comprador do café
brasileiro desde o final do século 19, e que suas empresas já tivessem começado
a fazer investimentos diretos no Brasil.
2. Impactos
imediatos do conflito iniciado em 1914
O espocar dos canhões de
agosto representou, em primeiro lugar, uma interrupção nas linhas de
comunicação marítimas, já que a Alemanha tinha construído para si uma marinha
de guerra quase tão importante quanto a da Grã-Bretanha. Mais adiante a British
Navy consegue desmantelar boa parte da frota germânica, mas de imediato, os
transportes marítimos com os portos da Europa do norte foram bastante afetados
pelas batalhas navais e pela ação dos surpreendentes submarinos alemães. Mas
mesmo os estoques de café nos portos de Trieste, no Mediterrâneo, ficaram
retidos, sob controle dos impérios centrais, neste caso da monarquia
multinacional representada pela Áustria-Hungria, que seria desfeita com a
derrota em 1918.
O produto mais importante
de exportação do Brasil foi, assim bastante afetado pela perda de importantes
mercados consumidores, o que aumentou tremendamente a dependência da demanda
americana. Mas, os principais financiadores externos da jovem República ainda
eram banqueiros europeus, agora comprometidos com a compra de títulos da dívida
nacional de seus próprios países. A Alemanha também se tinha convertido num
importante parceiro comercial do Brasil, além de ter iniciado um itinerário
promissor com alguns investimentos diretos de suas empresas e casas comerciais.
Outros mercados do velho continente também se viram engolfados no conflito,
causando novos e continuados prejuízos ao Brasil.
O debate interno, sobre
quem o Brasil deveria apoiar na guerra europeia, também foi importante,
colocando importantes intelectuais em oposição, assim como tribunos e
magistrados dos dois lados da cerca. O grande historiador João Capistrano de
Abreu foi considerado um germanófilo, ao passo que Rui Barbosa insistiu na
culpa moral da Alemanha, que tinha invadido e esquartejado a Bélgica, um país
neutro. Uma das vítimas desse debate passional foi o próprio sucessor de Rio
Branco, o chanceler Lauro Muller, considerado talvez menos isento por causa de
sua ascendência alemã: ele renunciou ao cargo quando o Brasil fez a sua escolha.
A maior parte da classe culta no Brasil, os membros da elite que adoravam
gastar seus mil-réis nos cabarés de Paris, era evidentemente francófila, mas os
alemães ajudaram a empurrar o Brasil para o lado da aliança franco-britânica ao
atacarem navios comerciais brasileiros no Atlântico, quando o Brasil ainda era
oficialmente neutro no conflito. Acabamos entrando modestamente na guerra,
quase ao seu final, enviando um batalhão médico para a França.
No conjunto, a guerra
representou imensas perdas comerciais e financeiras para o Brasil, que tentou
se ressarcir, na conferência de paz de Paris, sem obter de verdade satisfação
plena por suas reivindicações de obter compensação pela apropriação de navios
alemães: os próprios países europeus se encarregaram de extorquir a Alemanha o
máximo que puderam, e o caso do Brasil não era julgado realmente importante em
face do conjunto de demandas dos países mais afetados pela guerra.
3. Impactos
de mais longo prazo, efeitos permanentes
Os efeitos mais
importantes da primeira guerra mundial, porém, não se limitaram aos terrenos
militar e comercial, mas foram verdadeiramente impactantes no domínio econômico
no seu sentido mais lato, provocando mudanças extremamente importante nas
políticas econômica de todos os países, com consequências negativas para todo o
mundo, e moderadamente positivas para o Brasil. Uma das primeiras consequências
econômicas da guerra foi a cessação de pagamentos entre os inimigos, o que era
lógico, com a cessação de toda relação comercial, confisco de bens e sequestro
de ativos financeiros. Os países suspenderam o famoso padrão-ouro, ou seja, a
garantia em metal das emissões de moeda papel; ainda que teoricamente em vigor,
para alguns países, e a despeito de tentativas de seu restabelecimento ao final
do conflito, ficou evidente que o lastro metálico tinha deixado de fato de ser
um fator relevante nas políticas monetárias dos países. Todos os governos,
depois de esgotadas as possibilidades de financiamento voluntário interno do
esforço de guerra – via emissão de bônus da dívida pública, e até mediante
empréstimos compulsórios – passaram a imprimir dinheiro sem maiores restrições,
provocando a primeira grande onda inflacionária nas economias contemporâneas.
Mais impactante ainda foi
a intervenção direta na atividade produtiva, não apenas desviando para a
produção de guerra quase todas as plantas industriais que tivessem alguma
relação com o aprovisionamento bélico, inclusive alimentar, de transportes e
comunicações, mas também via controles de preços, restrições quantitativas,
mobilizações laborais e vários outros expedientes intrusivos na vida do setor
privado. Nacionalizações e estatizações foram conduzidas por simples medidas
administrativas e a planificação nacional tornou-se praticamente compulsória. O
mundo nunca mais seria o mesmo, e nesse tipo de economia de guerra estaria uma
das bases dos regimes coletivistas que depois surgiriam na Europa, o fascismo e
o comunismo.
O Brasil não foi tão
afetado, naquele momento, pela estatização, mas ele também sofreu esses
impactos de duas maneiras. De um lado, as dificuldades de aprovisionamento e de
acesso a mercados levaram ao estímulo a novas atividades industriais no país,
ainda que com todas as restrições existentes para a compra de bens de produção
nos principais parceiros envolvidos no conflito. O mercado interno se torna
mais relevante para a economia nacional. De outro lado, o nacionalismo
econômico conhece um novo reforço nesse período. O Brasil já tinha uma lei do
similar nacional desde o início da República, mas a guerra ajuda a consolidar a
tendência introvertida, a vocação de autonomia nacional que já estavam
presentes no pensamento de tribunos e de empresários. O Brasil encontrou
naquela situação uma espécie de legitimidade acrescida para continuar
praticando aquilo que sempre fez em sua história: a preferência nacional e o
protecionismo comercial como políticas de Estado.
Este talvez seja o efeito
mais importante, ainda que indireto, da guerra europeia sobre o pensamento
econômico brasileiro, especialmente em sua vertente industrial. As gerações
seguintes, sobretudo aquelas que ainda viveram a crise de 1929, e uma nova
guerra mundial, dez anos depois, consolidaram uma orientação doutrinal em
economia que também tendia para o nacionalismo econômico, uma política
comercial defensiva, uma vocação industrial basicamente voltada para o mercado
interno e uma tendência a ver no Estado um grande organizador das atividades
produtivas, quase próxima do espírito coletivista que vigorou na Europa durante
o entre-guerras e mais além.
Essencialmente, a geração
de militares que passou a intervir de forma recorrente na vida política do
país, ao final da Segunda Guerra, e que depois assumiria o poder no regime
autoritário de 1964, era em grande medida formada por jovens cadetes que tinham
feito estudos e depois academias militares no entre-guerras e na sua sequência
imediata, e que tinham se acostumado exatamente com esse pensamento: um intenso
nacionalismo econômico, a não dependência de fontes estrangeiras de
aprovisionamento (sobretudo em combustíveis e em materiais sensíveis), a
introversão produtiva, a ênfase no mercado interno, enfim, tudo aquilo que nos
marcou tremendamente durante décadas e que ainda forma parte substancial do
pensamento econômico brasileiro.
Tudo isso, finalmente, foi
o resultado político e econômico da Primeira Guerra Mundial, que durante muito
tempo ficou conhecida como a Grande Guerra. Os custos e as destruições da
Segunda foram mais importantes, mas as alterações mais significativas nas
políticas econômicas nacionais, no papel dos Estados na vida econômica, já
tinham sido dadas no decorrer da Primeira. O mundo mudou, a Europa começou sua
longa trajetória para o declínio hegemônico, e o Brasil deu início ao seu
igualmente longo itinerário de nacionalismo econômico e de intervencionismo
estatal. Parece que ainda não nos libertamos desses dois traços relevantes do
caráter nacional.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 26 de junho de 2014.
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