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quinta-feira, 13 de maio de 2021

Entrevista sobre questões de meio ambiente e sobre a Amazônia - Paulo Roberto de Almeida (Radio Sputnik)

 3911. “Entrevista sobre questões de meio ambiente e sobre a Amazônia”, Brasília, 13 maio 2021, 7 p. Entrevista gravada, concedida à Radio Sputnik, em torno das declarações do enviado especial para Meio Ambiente do governo americano John Kerry. Enviada ao jornalista Arnaldo Risemberg, via WhatsApp. Colocado no SoundCloud, com a seguinte chamada: ‘Diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida analisa as declarações de John Kerry, enviado especial do presidente Joe Biden para o Clima, convocando o governo brasileiro para uma discussão conjunta em torno da preservação da Amazônia.’Entrevista com Paulo Roberto de Almeida By Sputnik Brasil; (link: https://soundcloud.com/sputnikbrasil/entrevista-com-paulo-roberto-de-almeida).

Matéria escrita neste link:  br.sputniknews.com: https://br.sputniknews.com/opiniao/2021051317517034-se-brasil-mantivesse-politica-ambiental-nao-haveria-pressao-dos-eua-opina-especialista/


Entrevista sobre Amazônia para a Radio Sputnik

  

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoresponder a questões de jornalistafinalidadedivulgação de áudio gravado] 

 

Introdução: 

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM O DIPLOMATA E PROFESSOR PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Amigos da Rádio Sputnik, ao participar de audiência com o Comitê de Relações Exteriores do Congresso dos Estados Unidos, o enviado especial do presidente Joe Biden para o clima, John Kerry, declarou que é preciso discutir com o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe de governo a questão da preservação da Amazônia porque, do contrário e de acordo com suas palavras, “a floresta vai desaparecer.”

Sobre estes assunto, vamos conversar com o diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, Professor de Economia Política nos Programas e Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), ex-professor do Instituto Rio Branco e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais dentre vários outros títulos.  

 

Boa tarde, prezado professor Paulo Roberto de Almeida. É um imenso prazer recebê-lo no programa da Rádio Sputnik.

Professor Paulo Roberto de Almeida, como o Sr., experiente diplomata, professor responsável pela formação de diplomatas, analisa estas palavras de John Kerry?

1) O Sr. entende que os Estados Unidos estão exercendo pressão sobre o Brasil na questão ambiental? E se a estão exercendo, quais são os objetivos do governo Biden?

2) O que o governo do Brasil pode fazer para se livrar destas pressões?

3) O Sr. acredita que, após a recente Cúpula do Clima conduzida e recepcionada pelo presidente dos Estados Unidos, o governo do Brasil mudará sua postura em relação à política ambiental? O presidente Jair Bolsonaro assumiu o compromisso internacional de controlar o desmatamento ilegal até 2030.

4) Do ponto de vista da preservação ambiental interna e das Relações Internacionais qual deve ser a postura correta do governo brasileiro, Professor Paulo Roberto de Almeida?

5) A questão ambiental tornou-se o norte das Relações Internacionais, Professor Paulo Roberto de Almeida?

Professor Paulo Roberto de Almeida, muito obrigado por esta entrevista para a Rádio Sputnik Brasil.

 

Link: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/enviado-de-biden-diz-que-precisa-discutir-com-brasil-para-amazonia-nao-desaparecer.shtml

 

 

Respostas de Paulo Roberto de Almeida: 

1) O Sr. entende que os Estados Unidos estão exercendo pressão sobre o Brasil na questão ambiental? E se a estão exercendo, quais são os objetivos do governo Biden?

PRA: Sim, inquestionavelmente o governo do presidente Joe Biden está exercendo uma clara pressão sobre o governo do presidente Bolsonaro, e não se trata de uma pressão do tipo egoísta, para atender a interesses próprios do governo americano ou dos Estados Unidos enquanto país ou enquanto economia, visando qualquer resultado ou vantagem bilateral, no caso unilateral, para os Estados Unidos, advinda dessa pressão visando conquistar qualquer benefício exclusivo e em benefício dos Estados Unidos. 

Trata-se de uma postura que pode ser enquadrada na categoria dos bens comuns, a defesa do meio ambiente, uma política com respeito às mudanças climáticas, a busca por um tipo de crescimento sustentável que desde muitos anos integra o que se chama de agenda global da comunidade internacional. Essa consciência emergiu nos anos 1980, no processo preparatório da Segunda Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a primeira tinha sido realizada em Estocolmo em 1972, quando os temas ainda tinham um tratamento preliminar e muito incipiente; foi quando a primeira-ministra da Noruega Gro Brundtland apresentou o seu relatório Nosso Futuro Comum, Our Common Future, que tive a oportunidade de ler ainda em 1987 em Genebra, em meados daquele ano. 

Em 1992 se realizou no Rio de Janeiro essa Conferência, com a participação praticamente universal dos membros da ONU, quando o Brasil acolheu mais de cem chefes de Estado que vieram para os compromissos finais; eu estive no Rio, como um dos diplomatas brasileiros encarregados de acompanhar um chefe de Estado. Essa conferência representou um marco nos compromissos internacionais, de cada um dos países, com obrigações diferenciadas para países avançados e em desenvolvimento, e criou, se se pode dizer, um novo clima na consciência universal quanto à responsabilidade humana, social, nacional, no campo das mudanças climáticas; o conceito de sustentabilidade passou a ser, a partir de então a palavra-chave nos esforços feitos a partir de então para enfrentar os desafios lançados ao mundo. 

Nestas últimas três décadas, com altos e baixo, avanços e recuos, avançou-se bastante não apenas na consciência dos efeitos dramáticos das mudanças climáticas e das pressões sobre os ambientes naturais, mas igualmente no conhecimento científico a respeito da natureza dessas pressões e dos esforços concertados que se deveria fazer para enfrentá-los ou pelo menos contorná-los, notadamente por meio das Conferências das Partes, que se reúnem regularmente com o apoio de uma comunidade inteira de pesquisadores e especialistas, e a participação de representantes diplomáticos e responsáveis setoriais de cada um dos países.

O que os Estados Unidos do governo Biden está fazendo desde que assumiu, em janeiro último, nada mais é, portanto, do que traduzir na prática os compromissos assumidos pelo país no contextos dos inúmeros acordos concluídos desde então, notadamente o Acordo de Paris de 2015, sobre mudanças climáticas, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas nessa área, com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa a partir de 2020. Assinado pelo presidente Obama, esse tratado foi “desassinado”, digamos assim, pelo presidente Donald Trump, assim que assumiu em 2017, derrogando, portanto, às obrigações assumidas pelos Estados Unidos naquela ocasião. O presidente Biden está honrando as obrigações assumidas pelo seu ex-chefe, e fazendo a sua parte no contexto de uma assunção de responsabilidades globais em face do problema, como um dos maiores países emissores de gases de efeito estufa. Não se pode dizer, portanto, que as pressões exercidas agora pelo governo Biden sobre o Brasil se devam a qualquer objetivo nacional, unilateral, mas à consciência de que todos os países têm uma responsabilidade pelo nosso futuro comum. 

No caso do Brasil, justamente, o maior peso das emissões de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global se deve ao desmatamento, à destruição da floresta amazônica, o maior repositório mundial de reservas naturais do planeta, responsável em grande medida por equilíbrios, ou desequilíbrios climáticos que afetam todo o planeta. Essa preocupação dos Estados Unidos é igualmente partilhada pela maior parte dos países que assumiram de boa fé suas obrigações no contexto da sustentabilidade planetária. 

 

2) O que o governo do Brasil pode fazer para se livrar destas pressões?

PRA: Vamos deixar bastante claro uma coisa. O Brasil tinha deixado de ser, desde muito tempo, uma espécie de “vilão ambiental”, o que talvez tenha sido o caso dos argumentos defendidos em prol do nosso desenvolvimento industrial por ocasião da primeira conferência, a de Estocolmo em 1972, e por isso vinha sendo apontado como um mau exemplo na questão da sustentabilidade. Desde os anos 1980 mudamos radicalmente nossa postura, e na segunda conferência, a Rio-92, assumimos plenamente nossa parte de responsabilidade na correção dos desequilíbrios apontados, sob a forma de esforços nacionais ambiciosos na contenção do desmatamento e de outras formas de degradação dos recursos naturais. Nosso conceito se elevou enormemente no cenário internacional, e por ocasião da assinatura do Tratado de Paris o Brasil era reconhecido como um país líder no tratamento da questão do meio ambiente e do desenvolvimento. Não havia, portanto, nenhuma pressão indevida, unilateral ou multilateral, contra o Brasil no cenário internacional, ao contrário, éramos considerados um protagonista chave na conciliação dos interesses de economias avançadas e países em desenvolvimento no trato da questão. 

O que houve, nos Estados Unidos do governo Trump, e no Brasil do governo Bolsonaro, não apenas um recuo em relação aos compromissos assumidos solenemente ao abrigos dos instrumentos anteriormente acordados, mas uma negação em toda linha da agenda da sustentabilidade e da ação em torno da mudança climática, uma espécie de negacionismo político sem apoio em qualquer evidência científica quanto a esses desafios. As pressões agora advindas do governo Biden – mas elas já existiam anteriormente por parte de países europeus e de ONGs ambientalistas – devem, portanto, ser colocadas nesse contexto das preocupações legítimas da comunidade internacional com a postura do governo Bolsonaro. 

Não tem nada a ver com esses fantasmas da “internacionalização da Amazônia” e outras bobagens do gênero – cobiça de multinacionais sobre supostos recursos fabulosos existentes naquela região – e sim com uma preocupação legítima quanto ao papel que a Amazônia exerce nos equilíbrios ambientais globais. Em outros termos: se o Brasil tivesse dado continuidade às políticas ambientalistas e preservacionistas implementadas desde o governo Collor, passando por Fernando Henrique Cardoso e os governos do PT, inclusive o de Michel Temer, não haveria nenhuma pressão sobre o Brasil, qualquer que fosse o governo.

 

3) O Sr. acredita que, após a recente Cúpula do Clima conduzida e recepcionada pelo presidente dos Estados Unidos, o governo do Brasil mudará sua postura em relação à política ambiental? O presidente Jair Bolsonaro assumiu o compromisso internacional de controlar o desmatamento ilegal até 2030.

PRA: A Cúpula do Clima, uma iniciativa unilateral dos Estados Unidos e pessoal do presidente Joe Biden, que é um ambientalista e um multilateralista – totalmente diferente, portanto, do seu predecessor – se dá num contexto muito importante: a volta do seu país ao Acordo de Paris e a busca de novos compromissos ambiciosos em favor de seus objetivos, até de ampliá-los ou de acelerar sua implementação. O discurso do presidente Bolsonaro não corresponde, manifestamente, ao que ele próprio pensa a respeito do assunto, mas sim ele procedeu a uma leitura burocrática, e pouco convincente, de um texto preparado pelo pessoal competente do Itamaraty, mas sem qualquer intenção de cumprir o que prometia. Aliás, o controle do desmatamento ilegal até 2030 já era um compromisso assumido anteriormente, apenas reafirmado agora, mas no mesmo dia o presidente fez exatamente aquilo que disse que não faria, ou seja, retirou recursos dos mecanismos de controle e de repressão às práticas ilegais de desmatamento na Amazônia. Ou seja, compromisso zero com o seus discurso. O que leva a crer que a postura não mudou, apenas o discurso mudou na superfície.

 

4) Do ponto de vista da preservação ambiental interna e das Relações Internacionais qual deve ser a postura correta do governo brasileiro, Professor Paulo Roberto de Almeida?

PRA: A resposta é muito simples, em teoria, ainda que complicada na prática. Seguir o consenso científico em torno das razões das mudanças climáticas, elevar o grau de consciência a respeito da importância da Amazônia para a nossa própria economia, e não apenas para o agronegócio, atentar para os efeitos dramáticos do desmatamento e da degradação ambiental para nosso abastecimento em água e até alimentar. Nós já tínhamos enveredado por esse caminho, teria bastado dar continuidade aos esforços feitos desde os anos 1990. O que o governo Bolsonaro fez nessa área não foi apenas um crime contra nós mesmos, mas um atentado contra nossos vizinhos e toda a comunidade internacional, que tem o direito legítimo de questionar nossa responsabilidade sobre recursos naturais que podem até ser juridicamente nossos, situados sob nossa soberania nacional, mas que moralmente e politicamente também dizem respeito ao resto da Humanidade. 

 

5) A questão ambiental tornou-se o norte das Relações Internacionais, Professor Paulo Roberto de Almeida?

PRA: Eu não diria o norte, pois questões de paz e segurança internacional, de desenvolvimento, de pobreza, de imigração por causa de guerras e da miséria, da fome, da criminalidade transnacional – lavagem de dinheiro, tráficos de toda sorte – continuam a preocupar os países e os organismos internacionais, mas sem dúvida que desequilíbrios ambientais, desastres naturais cada vez mais frequentes, dado o assalto das comunidades humanas aos recursos naturais, assim como as pandemias causadas por essa invasão da natureza e a captura de espécies animais aparecem como um dos problemas globais, ao lado dos grandes espaços relativamente indevassados nos mares e nos espaços supra terrestres. Cada vez mais o tema ocupa diplomatas, especialistas, cientistas e líderes políticos. A questão ambiental, está aí para permanecer pelo futuro previsível.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3911, 13 de maio de 2021

Colocado no SoundCloud, com a seguinte chamada: ‘Diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida analisa as declarações de John Kerry, enviado especial do presidente Joe Biden para o Clima, convocando o governo brasileiro para uma discussão conjunta em torno da preservação da Amazônia.’Entrevista com Paulo Roberto de Almeida By Sputnik Brasil; (link: https://soundcloud.com/sputnikbrasil/entrevista-com-paulo-roberto-de-almeida).

 

 

Matéria da imprensa: 

Enviado de Biden diz que precisa dialogar com Brasil para Amazônia não desaparecer 

Em audiência no Congresso americano, John Kerry considerou positivas as conversas iniciais 

Folha de S. Paulo, 12.mai.2021 às 17h33 

Em audiência no Comitê de Relações Exteriores do Congresso americano, o enviado de Joe Biden para o clima, John Kerry, disse nesta quarta-feira (12) que, se não discutir a preservação da Amazônia com o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), "a floresta vai desaparecer".

"Estamos dispostos a conversar com eles, não com tapa-olhos, mas sabendo onde já estivemos", afirmou o ex-secretário de Estado americano, que chamou de positivas as conversas, iniciadas semanas atrás. "Esperamos que a intenção possa ser traduzida em ação efetiva e verificável."

John Kerry, enviado dos EUA para o clima
John Kerry, enviado dos EUA para o clima - Brendan Smialowski-22.abr.21/AFP

Kerry reconheceu que o Brasil vinha diminuindo os níveis de desmatamento entre 2004 e 2012 e disse que o país estava "fazendo progressos". Mas pontuou que as proteções ao ambiente foram revertidas sob o que chamou de "regime Bolsonaro" —o termo "regime" é usualmente aplicado a ditaduras e governos autoritários.

Sobre o avanço das negociações com o governo brasileiro, o ex-secretário de Estado durante a administração de Barack Obama afirmou que o objetivo americano é conseguir montar uma nova estrutura de fiscalização das ações na floresta em que todos "possam confiar". "Tivemos essa conversa. Eles dizem que estão comprometidos em aumentar o orçamento e montar uma nova estrutura."

Um dia depois de prometer mais verba para fiscalização na Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada por Biden, em abril, Bolsonaro oficializou um corte de recursos para a área relacionada a mudanças do clima, controle de incêndios florestais e fomento a projetos de conservação do meio ambiente.

Em seu discurso no encontro virtual, o líder brasileiro afirmou ter determinado a duplicação dos recursos destinados a ações de fiscalização ambiental. De acordo com interlocutores de Bolsonaro, estimava-se que o aumento de recursos para a fiscalização ambiental ficasse em torno de R$ 115 milhões.

No entanto, o Orçamento de 2021 sancionado por ele não incluiu o incremento prometido e ainda cortou quase R$ 240 milhões da pasta do Meio Ambiente. Há duas semanas, o governo americano questionou o Brasil sobre o corte de recursos e, durante reunião com os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Carlos França (Relações Exteriores), no dia 30, Kerry mostrou preocupação com as notícias sobre a diminuição do orçamento e quis saber o que havia acontecido.

Segundo relatos à Folha, os brasileiros argumentaram que a tesourada tinha sido inevitável porque a cúpula ocorrera às vésperas da sanção do Orçamento de 2021 e não houvera tempo hábil para evitá-la. Salles e França, porém, argumentaram que uma recomposição orçamentária do Ministério do Meio Ambiente deve ocorrer em breve.

No Congresso americano, o enviado de Biden citou a preocupação com pesquisas científicas que dizem que a Amazônia já libera mais carbono do que consome e que há risco de que ela deixe de ser uma floresta tropical. "Precisamos resolver isso."

Questionado pela deputada Susan Wild, democrata da Pensilvânia, se os EUA estavam negociando diretamente com indígenas brasileiros, além de com o governo, Kerry disse que ainda não houve encontros diretos, mas que representantes deles estão sendo consultados pelos americanos.

"As preocupações deles são primordiais. Eles têm muita voz e precisam ser ouvidos", afirmou.