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sexta-feira, 1 de julho de 2022

Richard Morse: um americano intranquilo - Fernando José Coscioni resenha livro de Ana Claudia Veiga de Castro

 Sem ter conhecido pessoalmente Richard Morse, quando organizei encontros e uma obra sobre a tribo brasilianista enquanto estive em Washington— publiquei O Brasil dos Brasilianistas, 1945-2000 —, pois que Morse vivia no Haiti, ainda assim estive na missa post-mortem organizada em sua homenagem na catedral da Catholic University of America, pouco depois de sua morte. O livro está disponível em minha página de Academia.edu.

Paulo Roberto de Almeida 



O HISTORIADOR GRINGO FISSURADO PELA PAULICÉIA 

Fernando José Coscioni

Livro esplêndido, especialmente para quem gosta de história intelectual com abordagens comparadas entre países distintos. Fala sobre a trajetória de Richard Morse (1922-2001), importante historiador norte-americano, especialista em América Latina, que lecionou por décadas em Yale. 

A autora, Ana Claudia Veiga de Castro (professora da USP), elucida, com enorme riqueza de detalhes e rigor primoroso de pesquisa, as condições de produção, as influências intelectuais e a recepção da obra "Da comunidade à metrópole: biografia de São Paulo", que foi publicada, com suporte do aparato cultural da prefeitura, por Morse em 1954, na ocasião das comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo. 

O livro do historiador americano, que é, na realidade, uma adaptação da sua tese de doutorado defendida na Universidade de Columbia em 1952, até hoje é considerado uma espécie de marco inaugural da historiografia urbana da maior cidade brasileira. 

Morse fez, posteriormente, algumas modificações pontuais na obra e, à luz de considerações sobre o desenvolvimento do debate envolvendo a questão da especificidade da urbanização latino-americana, republicou o trabalho em 1970, na famosa coleção "Corpo e Alma do Brasil", com o título de Formação Histórica de São Paulo: de comunidade a metrópole".  

O ponto mais rico da obra de Ana Claudia é a reconstrução das redes de sociabilidade e das influências de Morse. 

A autora enfatiza a relação do norte-americano com o paradigma de pesquisa "ecológico" da Escola de Chicago (especialmente com Robert Park e Louis Wirth), com a sensibilidade etnográfica de seu orientador, o antropólogo Frank Tannenbaum (latino-americanista de mão cheia e grande estudioso da história mexicana), com as discussões da teoria da modernização, que vinham da sociologia do início do século (Simmel e Tönnies principalmente) e da obra de Robert Redfield (debates que, como sabemos, estavam centrados na reflexão sobre o impacto "desorganizador" e "anômico" que a urbanização trazia, ao fragilizar os vínculos "comunitários" e impor a impessoalidade e a aceleração de uma ordem social baseada nas operações "matemáticas" impessoais de uma economia monetária), com a preocupação com a "cultura" urbana e a personalidade das cidades, problemática herdada dos estudos seminais do polímata Lewis Mumford, e, sobretudo, com o meio intelectual e artístico paulistano dos anos 1940 e 1950, especialmente a partir de seu contato com o grupo uspiano formado por Antonio Candido, Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes, e também com artistas modernistas e arquitetos. 

Morse construiu sua interpretação da evolução histórica paulistana a partir de uma preocupação com a delimitação do "ethos" que teria prevalecido na cidade nos momentos históricos que compreendem o período que vai do pós Independência política do Brasil até o meio do século XX. 

Para isso, em parte por influência de Antonio Candido (que falou em "momentos decisivos" e na "formação" da literatura brasileira), o historiador tomou como referência uma abordagem culturalista do desenvolvimento de São Paulo, que partia das análises das obras de Álvares de Azevedo e Mário de Andrade com o objetivo de enxergar nelas um retrato do "ethos" que teria marcado a cidade no início e no meio do século XIX, no caso de Azevedo, o "romântico", e no início do século XX, no caso de Andrade, o "modernista". 

Sem abrir mão da descrição dos aspectos sociais, econômicos e geográficos do desenvolvimento histórico da Paulicéia, Morse incorpora, segundo a autora, a oposição binária entre "romantismo" e "modernismo" como o principal polo organizador de sua leitura da evolução da metrópole. 

Um grande destaque dessa pesquisa é a maneira intrincada através da qual a autora articula uma série de movimentos da história intelectual brasileira e norte-americana com o contexto global do pós II Guerra, momento em que os EUA começavam a realizar, em grande medida por razões geopolíticas, uma série de investimentos em pesquisas acadêmicas e em redes de colaboração intelectual para compreender melhor a América Latina, dos quais o historiador se beneficiou amplamente para viabilizar a sua empreitada. 

A enorme região do continente americano exercia, nos anos 1940 e 1950, grande atração sobre jovens intelectuais como Morse, que queriam descobrir a "outra América", aquela não protestante, de matriz ibérica e católica, que gerou uma cultura híbrida e mestiça, e que, no entendimento do historiador, representava, à época, uma espécie de evidência da possibilidade de que haveria uma outra maneira de ser moderno, que combinasse modernidade e capitalismo com formas mais "flexíveis" de sociabilidade e de organização institucional que não fossem tão rígidas quanto as formas sociais modernas engendradas pelo desenvolvimento histórico dos países centrais (aqui, o historiador oferece claramente um contraponto à tese do déficit de modernidade do Brasil como um problema a ser superado, que marca a argumentação de Sérgio Buarque em "Raízes do Brasil"). 

Por fim, em meio a todo esse rico contexto histórico e intelectual de Brasil e EUA nas décadas de 1940 e 1950, São Paulo, no bojo do espírito de redescoberta do país e do lugar dos paulistas na história nacional, fomentado pelo modernismo (já não mais em sua fase pioneira, é verdade), vivia um período importantíssimo da sua história, caracterizado, entre outras coisas, pela sua consolidação definitiva como a cidade mais importante do Brasil, que culminou no febril ano de 1954, no qual ocorreram intensas comemorações do IV Centenário e foi inaugurado, junto com todo o complexo do Ibirapuera, o Monumento às Bandeiras, de Brecheret, que havia começado a ser construído décadas antes.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Brasilianistas: Kenneth Maxwell, ingles, sobre Richard Morse, um americano diferente

Eu estava em Washington quando Richard Morse faleceu, e participei de uma homenagem a ele organizada por Thomas Cohen, diretor da Oliveira Lima Library, da Catholic University of America, feita na catedral católica de Washington, quando falaram diversos alunos e discípulos de Morse, inclusive Dain Borges, se bem me lembro.
Morse era efetivamente diferente, e dentre seus trabalhos seminais, posso referir-me não apenas ao seus estudo sobre São Paulo, feito no início dos anos 1950, mas também a um artigo seminal -- que não sei se li em inglês ou numa versão traduzida em alguma revista brasileira -- comparando São Paulo e Manchester, não apenas como cidades, mas como pensamento econômico nas épocas de seus respectivos processos de industrialização.
Li O Espelho de Próspero e tinha essa informação de que não tinha sido publicado em inglês, pois discrepava profundamente da maneira como os brasilianistas e os latino-americanistas americanos em geral interpretavam a América Latina.
Foi um grande brasilianista, sem dúvida alguma, e foi uma pena não termos tido sua colaboração no livro que organizei sobre os brasilianistas: O Brasil dos Brasilianistas (Paz e Terra, 2002), e em sua versão americana Envisaging Brazil (Wisconsin, 2005). Mas tampouco tivemos a colaboração de Kennet Maxwell: eu lhe havia solicitado um ensaio sobre, justamente, as discrepâncias entre as análises dos brasilianistas americanos e a produção própria do "brasilianismo brasileiro", ou seja, como os americanos leram os grandes mestres brasileiros. Kenneth Maxwell, um brasilianista inglês especializado na Inconfidência Mineira, até que começou a fazer o seu trabalho, mas nunca terminou, e fui assim obrigado a deixá-lo fora de nosso volume. Uma pena.
Em todo caso, aproveitem este belo artigo publicado agora por ele.
Paulo Roberto de Almeida
Anápolis, 17/01/2016

Brasilianistas, abençoados sejam!

Morse acreditava que a cultura latino-americana tinha a sua própria importância, para além de mero reflexo da americana 

Kenneth Maxwell

O Globo, 15/01/206

Redescobri, esses dias, um artigo de ocasião de Richard Morse sobre os “brasilianistas”. Em 1980, fui eleito para a cadeira do Comitê de Estudos do Brasil da Associação Histórica Americana. Era um mandato de dois anos. Nós decidimos dedicar a sessão anual a uma discussão sobre as recentes publicações dos “brasilianistas”. No primeiro ano, convidamos Fernando Novais, da Universidade de São Paulo, para Nova York. Em 1981, convidamos Richard Morse para Los Angeles.
Richard McGee Morse era, à época, professor de História em Stanford. Nascido em 1922, a sua família estava entre os primeiros colonos da Nova Inglaterra, ali se instalando no início do século XVII. Ele estudou em Hotchkiss, o colégio mais prestigiado de Connecticut. Depois, como o seu pai, estudou na Princeton University.
Depois de prestar serviço militar no Pacífico durante os estágios finais da Segunda Guerra, doutorou-se na Columbia University. A sua tese era a história do desenvolvimento urbano de São Paulo, publicada no Brasil em 1970. Ele, então, lecionou na Universidade de Porto Rico, em Yale e Stanford, até o encerramento de sua carreira como diretor do Programa Latino-Americano no Wilson Centre em Washington. Ele sempre fora, apesar do seu criticismo da estreiteza acadêmica, um burocrata muito habilidoso. No começo dos anos 70, ele dirigiu o escritório da Fundação Ford, no Rio.
O seu livro mais célebre foi “O espelho de Próspero — Cultura e ideias na América”, publicado pela Cia. das Letras, em 1988. Morse sempre acreditou que a cultura latino-americana tinha a sua própria importância, para além de mero reflexo da americana. O livro é uma rica exploração histórica das experiências culturais que formaram a Ibero-América. Antonio Candido destacou sobre a obra: “rara erudição e intuição construtiva”. Mas nem todos a receberam bem no Brasil. Simon Schwartzman achou o livro “profundamente equivocado e potencialmente danoso em suas implicações”. Os mexicanos foram mais complementares. Enrique Krause, escrevendo em sua revista literária “Letras livres”, elogiou Morse pela sua afirmação de que os latino-americanos tinham, de fato, criado uma civilização original. “O espelho de Próspero” nunca foi publicado na língua nativa de Morse.
Em 1954, ainda na Columbia University, Richard Morse se casou com Emerante de Pradines, uma cantora e bailarina haitiana. Tiveram dois filhos. Um deles, Richard Auguste Morse, graduou-se em Princeton, como o pai e o avô, mas seguiu os passos da mãe, tornando-se uma figura proeminente da música haitiana, além de gerenciar o Hotel Oloffson, em Porto Príncipe, que serviu de inspiração para o Hotel Trianon da obra “Os comediantes”, de Graham Greene.
Richard McGee Morse morreu em Pétionville, no Haiti, em 2001. “Ema” continua viva, aos 97 anos, assim como a influência deste mestre do “eroticismo de ideias”. Eu ainda me recordo das caras nervosas dos reunidos em Los Angeles, quando Morse fez as suas observações sobre os brasilianistas: “Abençoados sejam! O que no mundo ainda há a se fazer?” Morse não conseguiu resistir à analogia ao “Que fazer?”, de Lênin. Sempre gentil, mas também implacável, ele os criticava: todos ali sabiam que estavam sendo insultados, mas ninguém realmente entendia como e por quê.

Kenneth Maxwell é historiador

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/brasilianistas-abencoados-sejam-1-18478744#ixzz3xUxCJVCm
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