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domingo, 17 de janeiro de 2016

Brasilianistas: Kenneth Maxwell, ingles, sobre Richard Morse, um americano diferente

Eu estava em Washington quando Richard Morse faleceu, e participei de uma homenagem a ele organizada por Thomas Cohen, diretor da Oliveira Lima Library, da Catholic University of America, feita na catedral católica de Washington, quando falaram diversos alunos e discípulos de Morse, inclusive Dain Borges, se bem me lembro.
Morse era efetivamente diferente, e dentre seus trabalhos seminais, posso referir-me não apenas ao seus estudo sobre São Paulo, feito no início dos anos 1950, mas também a um artigo seminal -- que não sei se li em inglês ou numa versão traduzida em alguma revista brasileira -- comparando São Paulo e Manchester, não apenas como cidades, mas como pensamento econômico nas épocas de seus respectivos processos de industrialização.
Li O Espelho de Próspero e tinha essa informação de que não tinha sido publicado em inglês, pois discrepava profundamente da maneira como os brasilianistas e os latino-americanistas americanos em geral interpretavam a América Latina.
Foi um grande brasilianista, sem dúvida alguma, e foi uma pena não termos tido sua colaboração no livro que organizei sobre os brasilianistas: O Brasil dos Brasilianistas (Paz e Terra, 2002), e em sua versão americana Envisaging Brazil (Wisconsin, 2005). Mas tampouco tivemos a colaboração de Kennet Maxwell: eu lhe havia solicitado um ensaio sobre, justamente, as discrepâncias entre as análises dos brasilianistas americanos e a produção própria do "brasilianismo brasileiro", ou seja, como os americanos leram os grandes mestres brasileiros. Kenneth Maxwell, um brasilianista inglês especializado na Inconfidência Mineira, até que começou a fazer o seu trabalho, mas nunca terminou, e fui assim obrigado a deixá-lo fora de nosso volume. Uma pena.
Em todo caso, aproveitem este belo artigo publicado agora por ele.
Paulo Roberto de Almeida
Anápolis, 17/01/2016

Brasilianistas, abençoados sejam!

Morse acreditava que a cultura latino-americana tinha a sua própria importância, para além de mero reflexo da americana 

Kenneth Maxwell

O Globo, 15/01/206

Redescobri, esses dias, um artigo de ocasião de Richard Morse sobre os “brasilianistas”. Em 1980, fui eleito para a cadeira do Comitê de Estudos do Brasil da Associação Histórica Americana. Era um mandato de dois anos. Nós decidimos dedicar a sessão anual a uma discussão sobre as recentes publicações dos “brasilianistas”. No primeiro ano, convidamos Fernando Novais, da Universidade de São Paulo, para Nova York. Em 1981, convidamos Richard Morse para Los Angeles.
Richard McGee Morse era, à época, professor de História em Stanford. Nascido em 1922, a sua família estava entre os primeiros colonos da Nova Inglaterra, ali se instalando no início do século XVII. Ele estudou em Hotchkiss, o colégio mais prestigiado de Connecticut. Depois, como o seu pai, estudou na Princeton University.
Depois de prestar serviço militar no Pacífico durante os estágios finais da Segunda Guerra, doutorou-se na Columbia University. A sua tese era a história do desenvolvimento urbano de São Paulo, publicada no Brasil em 1970. Ele, então, lecionou na Universidade de Porto Rico, em Yale e Stanford, até o encerramento de sua carreira como diretor do Programa Latino-Americano no Wilson Centre em Washington. Ele sempre fora, apesar do seu criticismo da estreiteza acadêmica, um burocrata muito habilidoso. No começo dos anos 70, ele dirigiu o escritório da Fundação Ford, no Rio.
O seu livro mais célebre foi “O espelho de Próspero — Cultura e ideias na América”, publicado pela Cia. das Letras, em 1988. Morse sempre acreditou que a cultura latino-americana tinha a sua própria importância, para além de mero reflexo da americana. O livro é uma rica exploração histórica das experiências culturais que formaram a Ibero-América. Antonio Candido destacou sobre a obra: “rara erudição e intuição construtiva”. Mas nem todos a receberam bem no Brasil. Simon Schwartzman achou o livro “profundamente equivocado e potencialmente danoso em suas implicações”. Os mexicanos foram mais complementares. Enrique Krause, escrevendo em sua revista literária “Letras livres”, elogiou Morse pela sua afirmação de que os latino-americanos tinham, de fato, criado uma civilização original. “O espelho de Próspero” nunca foi publicado na língua nativa de Morse.
Em 1954, ainda na Columbia University, Richard Morse se casou com Emerante de Pradines, uma cantora e bailarina haitiana. Tiveram dois filhos. Um deles, Richard Auguste Morse, graduou-se em Princeton, como o pai e o avô, mas seguiu os passos da mãe, tornando-se uma figura proeminente da música haitiana, além de gerenciar o Hotel Oloffson, em Porto Príncipe, que serviu de inspiração para o Hotel Trianon da obra “Os comediantes”, de Graham Greene.
Richard McGee Morse morreu em Pétionville, no Haiti, em 2001. “Ema” continua viva, aos 97 anos, assim como a influência deste mestre do “eroticismo de ideias”. Eu ainda me recordo das caras nervosas dos reunidos em Los Angeles, quando Morse fez as suas observações sobre os brasilianistas: “Abençoados sejam! O que no mundo ainda há a se fazer?” Morse não conseguiu resistir à analogia ao “Que fazer?”, de Lênin. Sempre gentil, mas também implacável, ele os criticava: todos ali sabiam que estavam sendo insultados, mas ninguém realmente entendia como e por quê.

Kenneth Maxwell é historiador

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/brasilianistas-abencoados-sejam-1-18478744#ixzz3xUxCJVCm
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