Entre o final de 2003 e meados de 2006, eu trabalhei numa coisa -- desculpem o qualificativo -- chamada Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), presidido pelo então ministro-chefe da Secretaria de Comunicação do Governo, e membro da troika dirigente no início do governo Lula, Luiz Gushiken, que convidou este dissidente para compor sua equipe de "planejadores" porque confiava em minha capacidade analítica.
Não preciso dizer que discordei de todo o sentido de "planejamento" que eles -- os demais membros do NAE-PR -- pensavam imprimir ao governo brasileiro, e discordava da maior parte das propostas formuladas pelo grupo, que eram todas "grandiosas", e estatizantes.
Tenho a maior parte de minhas contribuições arquivadas em meu computador, mas hoje elas já estão relativamente defasadas, pois os governos da era lulopetista falharam em todas as suas políticas, macroeconômicas ou setoriais. Eu disse TODAS, e não excluo nenhuma, mas um dia escreverei a respeito.
Entre as propostas que julgo que ainda continuam válidas figuram as que seguem abaixo, relativas à qualidade da educação em apenas um ou outro de seus múltiplos aspectos (eu tratava da doença mental de sindicalistas petistas, e outros, que é a isonomia remuneratória).
Como a educação só fez afundar, e sempre, em toda essa era lulopetista, permito-me divulgar agora uma pequena parte de meu trabalho didático de quando eu estava "convivendo com o inimigo", ou seja, tentando convencer os petistas a serem um pouco mais racionais.
Não preciso dizer que falhei.
Mas, deixo aqui um pequeno testemunho de como tentei... inutilmente...
Eis a ficha do trabalho:
1509. “Incentivo
aos docentes e recursos diferenciados conforme o desempenho”, Brasília, 20
dezembro 2005, 5 p. Ambientações sugeridas no quadro do projeto de qualidade da
educação básica nas escolas públicas do Brasil, no âmbito do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de janeiro de 2016
QUALIDADE
DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DO BRASIL
SOLUÇÕES INOVADORAS
Ambientações sugeridas por
Paulo Roberto de Almeida
20 de dezembro de 2005
7. INCENTIVO AOS DOCENTES E RECURSOS DIFERENCIADOS CONFORME O
DESEMPENHO
o Remuneração diferenciada conforme o desempenho (do docente e do
aluno).
o Incentivo para o pagamento de professores.
o Incentivo para o repasse para as escolas.
o Incentivo para o repasse para os municípios.
o Recursos novos (do FUNDEB, por exemplo).
o Docentes como personagens de novela (acordo com a mídia).
1. Remuneração
diferenciada conforme o desempenho (do docente e do aluno)
A Constituição Federal de 1988, em seu o
Artigo 206, estabelece alguns princípios educacionais que apresentam interesse
para a questão da remuneração do magistério, podendo ser citados os seguintes:
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na
forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial
profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e
títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas
pela União;”
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1996) oferece, por sua vez, regras similares para o tratamento do pessoal do
magistério:
“Art. 67. Os
sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação,
assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira
do magistério público:
III - piso salarial
profissional;
IV - progressão
funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;”
A Carta federal e a LDB parecem, numa primeira
abordagem, bastante flexíveis na atribuição de competências diferenciadas ou
concorrentes entre os entes federados e entre o setor público e o privado no
oferecimento dos serviços educacionais, havendo uma concentração preferencial
dos municípios no ensino fundamental, dos estados no segundo ciclo e da União
no ensino superior. Mas, a própria CF e os estatutos do magistério também
impõem, inclusive em virtude da conhecida tradição centralista e burocrática da
administração pública brasileira, amarras poderosas no que tange à questão
salarial. Entre essas amarras situam-se a isonomia no
que se refere a salários e à carreira, que constituem poderosos fatores de
letargia e acomodação na performance do setor educacional brasileiro.
Como afirmado no inciso V do artigo 206, um desses
princípios é o piso salarial profissional e a existência de um “regime jurídico único para todas as instituições mantidas
pela União”, o que vale, por extensão, para os demais entes federados
igualmente, que tendem a equalizar o estatuto e as regras de contratação e de
remuneração de todos os profissionais do magistério, nos âmbitos estadual e
municipal. O princípio da isonomia de salários e de carreira está
invariavelmente presente em todos esses estatutos.
A experiência histórica brasileira aponta para a
unificação progressiva dos regimes contratuais no setor educacional, com forte
pressão corporativa para um tratamento igualitário, seja entre os níveis de
ensino, seja no que se refere à natureza dos estabelecimentos (pública ou
privada). No que se refere, por exemplo, ao ciclo superior, o surgimento da
UnB, sob a forma de fundação, deixou antever a possibilidade de um regime
flexível na admissão de seu pessoal próprio, inclusive pelo regime da CLT, em
bases puramente contratuais, portanto. Com o passar dos anos, todavia, as pressões
corporatistas, tendentes a atribuir a esse pessoal os mesmos privilégios dos
funcionários públicos – em especial, a estabilidade e a aposentadoria integral
– terminaram prevalecendo, atribuindo-se a todos eles o estatuto do
funcionalismo público, com regras salariais rígidas, criteriosamente
monitoradas pelos sindicatos das várias categorias.
O setor privado é, em princípio livre para remunerar o
pessoal contratado nos níveis que julgar adequados, mas a pressão das entidades
sindicais atua, igualmente, no sentido de colocar os salários em níveis
similares para a mesma categoria. O que terminou ocorrendo, independentemente
de variações salariais entre estados e municípios e em função da natureza da
instituição, foi uma equiparação absoluta dos índices de remuneração do pessoal
do magistério, independentemente dos níveis necessariamente diferenciados de
produtividade ou de empenho profissionais.
Ora, um dos princípios da atividade econômica, e
sobretudo do progresso social, é a existência de estímulos adequados à
iniciativa individual e ao esforço próprio de cada agente econômico envolvido
numa determinada atividade, entendendo-se assim os incentivos materiais ou
aqueles ligados ao prestígio social vinculado ao desempenho dessa atividade.
Outra não é a rationale do sistema
patentário ou de outras formas de propriedade intelectual, assim como a dos
“prêmios” ou adicionais de produtividade existentes no setor privado, como
forma de estimular a dedicação e o empenho dos agentes econômicos, quer eles
trabalhem em regime assalariado clássico, quer sob outras formas contratuais. A
busca de qualidade na “feitura” de algum produto ou serviço quaisquer está
sempre ligada à percepção de que essa melhoria de qualidade – ou aumento da
produtividade no trabalho – será justamente recompensada por algum ganho
material ou social pertinente.
O mesmo princípio deveria valer para o setor
educacional, cujo desempenho e qualidade – aferidos em testes aplicados aos
alunos, segundo critérios objetivos – estão diretamente vinculados ao grau de
preparação e dedicação demonstrados pelo professor. Esse reconhecimento foi
feito em diferentes países, sobretudo no nível universitário, com um retorno
assegurado em termos de performance nas atividades de ensino e pesquisa, o que
se manifesta na excelência da ciência e da tecnologia derivadas da
diferenciação salarial vinculada aos estímulos materiais concedidos aos
desempenhos de maior produtividade. Nos ciclos iniciais do ensino (básico,
portanto), a questão não se coloca tanto em termos de “produção” de ciência e
tecnologia, mas de desempenho escolar, medido objetivamente em testes
integrando o chamado PISA (Programme for
International Student Assesment). Nesses testes, o desempenho escolar
brasileiro tem sido próximo do catastrófico, inferior mesmo ao de muitos outros
países de renda per capita similar ou inferior à do Brasil.
A existência, no Brasil, de equanimidade (ou de
isonomia) no tratamento salarial atua como uma barreira e um desestímulo a um
desempenho superior e diversificado por parte dos agentes individuais do setor
educativo. A defesa dos interesses corporativos do magistério por esse poder
paralelo (e externo às entidades educacionais) que são os sindicatos acaba, por
outro lado, nivelando o piso salarial dos professores no mínimo denominador
comum, isto é, nos níveis salariais aceitáveis para o conjunto da categoria e
suportáveis pela instituição pagadora (pública ou privada). No plano
conjuntural, são conhecidas as limitações fiscais a uma grande expansão de
gastos públicos no setor educacional público, ademais de outros fatores
estruturais que tendem a drenar os recursos existentes para o sistema de ensino
superior. Mesmo com a previsão de algum aumento no volume de recursos totais
dirigos ao ensino básico – como resultado da aprovação do FUNDEB – não se
vislumbra uma melhoria dramática nos níveis de remuneração do magistério
engajado nos primeiros ciclos de ensino, com o que permaneceria certo
desestímulo financeiro e o consequente desprestígio social associados à
carreira de professor.
O grande desafio para o aumento da qualidade do ensino
no Brasil parece, assim, ser a capacidade do administrador público (e da
própria sociedade) de lograr estabelecer políticas
diferenciadas na gestão do pessoal, na fixação dos salários, na busca de maior
racionalidade nos gastos com pessoal, assim como certo equilíbrio ou proporções
mais justas entre despesas correntes e gastos com os investimentos e a
manutenção dos equipamentos. A solução inovadora passa, necessariamente, pela
premiação diferenciada atribuída ao desempenho individual e ao esforço do
agente engajado na melhoria de sua produtividade no ensino.
A questão que se coloca, portanto, é a de saber se o
Brasil será capaz de romper com a paralisia existente nessa área, introduzindo
formas inovadoras de remuneração ou de incentivo ao professor do ensino básico.
O consenso será certamente difícil de ser atingido, tendo em vista a natureza
essencialmente conservadora e defensiva das entidades e associações de defesa
dos interesses da classe, mas a preservação dos mesmos modelos registrados na
presente situação tende a preservar o status
quo e manter a inércia na busca pela melhoria da qualidade do ensino nas
instituições públicas.
2. Incentivo para o
pagamento de professores
Incentivos setoriais criados por determinação política
– e que não passam, portanto, pelos mecanismos de mercado e pelo sistema de
preços – tendem a criar distorções no jogo econômico da sociedade, uma vez que
os agentes ou os setores excluídos das possíveis benesses fiscais ou
tributárias, ou premiados com algum tipo de subsídio implícito ou explícito,
buscam equalizar as condições de competição no mercado lutando por concessões
similares ou superiores, com o que se estabelece uma corrida para ganhos
exclusivos que acaba atuando em detrimento das áreas ou setores não
contemplados pelo tratamento especial assim concedido, setores que, de forma
não surpreendente, soem ser a maioria da sociedade.
Independentemente das sinalizações exclusivas – e
excludentes – que possam, portanto, estar associadas a qualquer regime
econômico de incentivos setoriais, parece haver um forte caso a favor dos
incentivos vinculados ao setor educacional, uma vez que ele constitui a base de
toda e qualquer possibilidade de progresso social e de inovação tecnológica. A
criação de riqueza e a transformação estrutural dos processos produtivos estão
diretamente associados, como é conhecido na literatura, aos ganhos de
produtividade do trabalho humano, que se manifestam sob a forma de know-how, tecnologia, inovações
incrementais nos processos produtivos e invenções revolucionárias em relação ao
estado da arte. A base dos ganhos nos índices de produtividade do trabalho
humano é constituída, inquestionavelmente, pela qualidade dos recursos humanos,
vale dizer, pela educação de qualidade, o que coloca em primeiro plano a figura
do professor (ao lado, obviamente, dos materiais de ensino, que tendem a ser
produzidos por outros professores, e dos equipamentos de comunicação e
sistematização de dados).
Tendo em vista a centralidade da posição do professor
em qualquer sistema eficiente de aprendizado e transmissão de conhecimento, as
sociedades deveriam atribuir o devido destaque social e uma adequada
remuneração financeira a essa figura impar do processo de reprodução social. Ao
lado dos sistemas remunerativo—salários e ganhos de aposentadoria – e de
incentivo – adicionais por desempenho profissional –, caberia pensar, talvez,
em mecanismos fiscais de estimulo à carreira e à atividade magisterial. Esses
mecanismos podem estar contemplados em deduções tributárias nos ajustes anuais
do sistema impositivo ou em linhas de crédito vinculadas à aquisição de bens
diretamente relacionados com a atividade magisterial. Outro sistema possível de
ser contemplado seria a concessão de bolsas de estudos para formação e
aperfeiçoamento nas áreas vinculadas ao exercício da profissão, assim como
licenças remuneradas em estilo de ano sabático.
Os sistemas existentes, eventualmente em extinção, se
referem à aposentadoria integral e ao período menor de atividade profissional
com recolhimento previdenciário, o que caberia revisar do ponto de vista da
equidade nos sistemas público, inclusive do ponto de vista das vantagens
adicionais atribuídas por motivo de gênero (profissional feminina).
A questão que se coloca é a de saber se cabe,
adicionalmente ao estabelecimento de níveis de remuneração compatíveis com o
prestígio que deveria normalmente associado à carreira de professor, a
definição de formas de remuneração ou de incentivo vinculadas ao desempenho do
professor no desempenho efetivo de sua atividade docente.
3. Incentivo para o
repasse para as escolas.
Os mecanismos suscetíveis de serem pensados nesse
particular devem estar diretamente vinculados ao desempenho dos alunos e dos
professores das escolas, o que pode ser facilmente objeto de controle e
monitoramento, através de sistemas de avaliação periódicos e regulares. Em
outros termos, as escolas que apresentam uma melhora nos seus índices de
qualidade – mediante progressos no desempenho dos seus alunos nesses testes
repetidos – seriam contempladas com prêmios ou dotações especiais voltados para
o incremento de seus equipamentos próprios (por exemplo, computadores, livros,
esquipamentos de esporte etc.).
A rationale,
aqui, está diretamente vinculada à competição (ou à busca pela excelência), que
no entanto não deve ser absoluta, tendo em vista os desníveis regionais e as
imensas diferenças sociais que ainda caracterizam o Brasil. Os prêmios devem
ser atribuídos aos melhores dentro de determinadas categorias, ou tendo em
vista certos atributos próprios, como a progressão significativa sobre os
resultados anteriores do mesmo estabelecimento.
4. Incentivo para o
repasse para os municípios.
Os critérios podem ser similares ao item anterior, com
a particularidade de distinguir entre municípios com renda per capita
diferenciados ou com um determinado IDH. Os municípios seriam contemplados com
verbas não em função do número de estudantes, mas em função do desempenho
desses estudantes e o de suas escolas, nos mesmos testes de aferição da
qualidade do ensino.
5. Recursos novos (do
FUNDEB, por exemplo).
Caberia não esperar muito do novo Fundeb, que à
diferença do antigo Fundef – voltado tão somente para o ensino fundamental –,
vai conceder um volume um pouco maior de recursos públicos para todos os tipos
e categorias do ensino básico (infantil, fundamental e médio, além do técnico,
compreendido na categoria jovens e adultos). Haverá, portanto, uma dispersão
relativa dos recursos, o que, juntamente com a ideologia igualitarista e de
massas que atualmente permeia o setor, tenderá a agregar muito pouco para cada
aluno ou professor, não alterando radicalmente a situação do setor no que se
refere à qualidade do ensino.
A experiência histórica tem registrado que a estrita
vinculação de recursos orçamentários tem produzido irracionalidades setoriais
na alocação e na utilização desses recursos financeiros, gerando gastos
compulsórios em determinadas rúbricas, sem o necessário incentivo para o aumento
da eficiência no uso dos recuros existentes. A regulamentação do emprego dos
recursos adicionais poderia corrigir algumas dessas distorções, desde que a
definição do uso desses recursos pudesse se beneficiar de medidas
diferenciadoras como as sugeridas neste exercício.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 dezembro 2005
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