Um texto de 2010, que reflete a atmisosfera da época, mas que é interessante rever hoje, para constatar o que mudou, para melhor, no ambiente intelectual brasileiro.
Naquela época, o chefe da máfia que tomou de assalto o Brasil dois mandatos antes, tinha acabado de eleger sua sucessora, e parecia gozar do status de um semi-deus -- ou seja, bem mais que o carisma -- com quatro quintos de aprovação popular e uma capacidade de continuar engabelando as pessoas como nunca antes vista no Brasil.
O texto reflete, portanto, os sentimentos de isolamento em face da maré triunfante, quando era necessário, exatamente, que os poucos resistentes, como o que aqui escrevia então, se organizassem em quilombos de resistência em face da agressividade dos vitoriosos.
Creio que a situação mudou bastante, já não vivemos mais em quilombos, e a maré se inverteu. Mais um pouco serão os companheiros que deverão se concentrar em suas fortalezas, pois a massa da população vai se voltar contra eles, cada vez mais.
Transcrevo novamente para que se tenha uma ideia, cinco anos depois, dos sentimentos predominantes entre os poucos resistentes à tropa de bárbaros.
Paulo Roberto de Almeida
Quilombo
de resistência intelectual
Paulo
Roberto de Almeida
Blog Diplomatizzando
Em
situações de quase completa unanimidade, torna-se difícil, praticamente
impossível, manter uma posição dissidente, discordante da maioria. Somos
olhados como pessoas estranhas, suspeitos de alguma arrogância intelectual ou
de elitismo social, o que aos olhos da maioria aparece como um pecado capital.
No
entanto, esparsos na comunidade, existem muitos outros indivíduos que também
mantêm as mesmas reservas e restrições à ordem dominante, pessoas que se
ressentem dos consensos impostos e que gostariam de contribuir para um ambiente
de pluralidade e, sobretudo, de respeito à livre expressão de suas
discordâncias e propostas alternativas.
É o
momento, talvez, de se congregarem esforços na resistência intelectual, de
agrupar as forças contrárias atualmente existentes naquele conjunto que foi
chamado, em conformidade ao título desta nota, de quilombo, um espaço de
racionalidade, de defesa da razão, de não conformismo ou de não conformidade
com a aparente unanimidade (que pode ter sido construída por meios de
instrumentos espúrios). Trata-se, como alertado, de um foco de resistência, de
preservação da racionalidade em meio ao oceano de aprovação, de aparente
contentamento com a situação existente, de falsas utopias e de soluções
enganosas.
Um
quilombo é isso: uma fuga da ditadura dominante, uma pequena ilha de liberdade
nas trevas das paixões desatadas, uma centelha de esperança na libertação
futura, a preservação da autonomia em momentos de opressão, mesmo virtual ou
potencial. Todos os fascismos – e os socialismos não deixam de ser modalidades
dessa grande espécie – requerem a unanimidade. O quilombo da razão recusa a
unanimidade. Por enquanto é apenas isso...
Paulo
Roberto de Almeida
(Shanghai,
6.09.2010)
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