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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Rubens Ricupero: a cegueira brasileira e o bom-senso mexicano

Prioridade para o México
Rubens Ricupero
Folha de S.Paulo, 26/05/2014

Nada na política brasileira para a América Latina possui a urgência de conceder finalmente ao México a prioridade que merece. Nesse sentido, é uma pena que os ciclos políticos dos dois países estejam sempre fora de sincronia.
Agora mesmo o México vive os primeiros tempos de um presidente jovem e dinâmico. Em poucos meses, o país votou cinco ou seis reformas que se consideravam impossíveis, inclusive a do petróleo.
Prepara terreno para vigoroso ciclo de crescimento com base em algo inimaginável no Brasil de hoje: um pacto negociado entre os três maiores partidos com vistas apenas ao interesse nacional.
O presidente Enrique Peña Nieto visitou o Brasil logo depois de eleito, suprimiu a exigência de vistos, mostrou-se convencido de que deveríamos nos tratar como sócios estratégicos preferenciais.
Nomeou para isso uma embaixadora de luxo, Beatriz Paredes, intelectual respeitada, ex-governadora de seu estado, ex-presidente do PRI, o partido no poder.
Havendo vontade política, seria a pessoa ideal para inaugurar a relação privilegiada que faz falta entre os dois países latino-americanos de maior população e economia mais expressiva.
Infelizmente, por aqui se vive clima de fim de reino, vazio de esperança e de sonho. O Brasil parece imitar o pior do México do passado, quando o PRI mantinha perpétuo controle do poder por meio da co-optação e da corrupção.
O nosso monstruoso presidencialismo de coalizão pode contar com 80 % do Congresso (em teoria), mas jamais seria capaz de aprovar um pacto em favor do Brasil.
Quando comecei a lidar como diplomata com os assuntos mexicanos, nos anos 1970, possuíamos indústria e capacidade empresarial incomparavelmente mais adiantadas.
Tudo isso acabou. Hoje, o México é o maior exportador de automóveis para os EUA e o terceiro maior para o resto do mundo. Enfrentou e venceu o choque de competitividade da China: conseguiu a proeza de ter custo de trabalho 15% inferior ao chinês.
Quatro anos atrás era moda exaltar o Brasil, onde se tinha a impressão de que tudo dava certo e descartar o México, à beira do colapso devido à guerra bárbara que o governo parecia estar perdendo contra o narcotráfico.
Hoje a situação se inverteu: o México ganha aplausos enquanto o Brasil só comparece na mídia internacional em razão das atrocidades dos presídios ou da incompetência nos preparativos da Copa.
Altos e baixos desse tipo ora favorecem um país, ora o outro. O importante é não ceder a uma rivalidade infantil e perceber que entre o maior latino-americano da Aliança do Pacífico e o maior do Mercosul deve haver coordenação em benefício mútuo e dos demais.
Não será com a China e a Ásia que vamos integrar nossas cadeias produtivas. Com o México, que já dispõe de acesso privilegiado ao mercado dos EUA e do Canadá, o projeto seria exequível.
Desde que não se repita o "diktat" da presidente Dilma que, em março de 2012, impôs ao México uma cota restritiva de automóveis, fazendo com os mexicanos o que fazem conosco os argentinos. O resultado, dois anos depois, é que não conseguimos mais vender automóveis nem à Argentina, nem ao México, nem a ninguém.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Amigos bolivarianos do Brasil constrangem sua politica externa - Rubens Ricupero

Para Ricupero, veto é 'constrangimento' para o Brasil
Denise Chrispim Marin
O Estado de S. Paulo, 7/12/2013

Segundo especialista, posição dos bolivarianos expõe a afinidade "parcial e limitada" desses países com o Brasil

Ao vetar o primeiro acordo efetivo da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 18 anos, os países bolivarianos sabotaram interesses do Brasil e constrangeram o governo de Dilma Rousseff. Nas últimas horas da reunião ministerial da OMC em Bali, ontem, Cuba, Venezuela, Bolívia e Nicarágua colocaram sobre a mesa de negociações

uma condição considerada descabida para aderirem ao acordo de facilitação do comércio - o fim do embargo dos Estados Unidos a Havana. A iniciativa abortou o consenso necessário em torno de um acerto que, apesar de modesto, fora apontado como primeiro passo para a retomada da Rodada Doha, suspensa desde 2007.

Segundo o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o veto expôs a "afinidade parcial e limitada" entre os membros da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) e o interesse do Brasil no campo internacional.

Nas searas da distribuição de renda e da justiça social, essa aproximação mostra-se mais visível. Mas, no plano da economia e do comércio internacional, embaraços similares foram registrados nas negociações sobre clima e meio ambiente em Copenhagen, em 2009, e na própria OMC, um ano antes.

"Os bolivarianos impuseram um novo constrangimento ideológico à nossa capacidade de ação. Nós andamos em más companhias", afirmou. "Fomos sabotados por nossos pretensos aliados, que já demonstraram querer apenas tumultuar nos encontros internacionais", completou Ricupero.

Uma última tentativa de romper o bloqueio e salvar o acordo de Bali foi iniciada ainda ontem - de noite, no Brasil. Desta vez, com maior pressão do Brasil e dos demais 154 membros da OMC sobre os quatro países bolivarianos.

Ricupero lembrou ter havido apenas dois episódios parecidos de veto na história das negociações multilaterais do comércio. O primeiro se deu em 1988 e o outro, em 1990, durante as discussões da Rodada Uruguai. Ambos foram capitaneados pelo Brasil e envolveram os demais países latino-americanos exportadores agrícolas.

Chantagem. Assim como Ricupero, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia surpreendeu-se especialmente com o argumento inusitado dos bolivarianos para bloquear o consenso sobre um acordo que, nas contas do Comitê de Comércio Internacional, traria benefícios da ordem de U$ 1 trilhão nas trocas de bens.

"Foi uma verdadeira chantagem. O tema do bloqueio comercial dos EUA a Cuba nunca foi suscitado na OMC e não tem nada a ver com o sistema multilateral de comércio", avaliou Lampreia.

O veto dos quatro países da Alba, em parte, foi atribuído por analistas à negligência do próprio governo brasileiro. Apesar de seu empenho para eleger o embaixador Roberto Azevêdo como diretor-geral da OMC, o Brasil demorou para se mobilizar em favor do acordo sobre facilitação do comércio e não atuou, como nas reuniões anteriores da OMC, como um dos protagonistas em Bali.

Segundo Sandra Polônia Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), não houve nem mesmo uma prévia mobilização interna, com consultas do governo com o setor privado, como se observa nas negociações de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.


"O encontro de Bali passou batido no Brasil. Independentemente do seu valor econômico, esse acordo seria caro ao País por provar que a OMC ainda tem capacidade negociadora e que o sistema multilatéral do comércio continua a ser relevante", afirmou Sandra.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O Brasil deu certo? - Rubens Ricupero e Mansueto Almeida

Acho que a pergunta não é bem essa, pois aparece claramente, dos dados disponíveis, que o Brasil NÃO deu certo.
A pergunta é: quando é que o Brasil vai, finalmente, dar certo?
Minha resposta é: não sei. Pelo andar da carruagem, vai demorar muito, pelo menos enquanto não retificarmos todas, eu disse TODAS, as políticas atualmente em curso, macro, setoriais, sociais, educacionais, etc., enfim, tudo.
Paulo Roberto de Almeida 

RUBENS RICUPERO


O Brasil deu certo?
Nos anos de fastígio, o governo passou à sociedade brasileira a crença de que "o céu era o limite"
Em Zurique ou Seul ninguém precisa asseverar que a Suíça ou a Coreia do Sul deram certo. A frequência com que se vem fazendo essa afirmação entre nós indica que aumentaram ultimamente as dúvidas, já consideráveis no passado.
Em parte, isso tem a ver com os protestos. Demoliram a ilusão de que o Brasil se tornara um país "normal", no qual as massas não precisavam descer às ruas para suprir falhas das instituições. Outra razão: a economia não cresce, e, um a um, todos os estímulos fracassaram.
Cedo ou tarde se esgotarão os recursos para transferências sociais, inviabilizando continuar a reduzir a pobreza e a desigualdade, acarretando a seguir a inelutável erosão dos ganhos conquistados.
De 1999 a 2012, segundo Mansueto de Almeida, as transferências de renda a famílias representaram a assombrosa porcentagem de 84% da alta da despesa não financeira do governo. A partir de 2003, a proporção superaria 91%! É óbvio não ser possível ir muito além disso.
A contrapartida não é apenas a falta de recursos para investir. Já não haverá dinheiro para mais nada, nem para inevitáveis aumentos de salários de funcionários. Se a expansão de gastos se devesse ao custeio da máquina governamental, conforme alegado por alguns, seria talvez mais fácil obter consenso na sociedade para reagir.
O problema é que num país com consciência de culpa pelo passado de escravidão e injustiça, "transferência social" soa como algo ilimitadamente desejável, do qual jamais se poderá ter o bastante. Não existe no Brasil nem de longe o horror moral que os americanos sentem pelos "entitlements", isto é, as garantias de transferência de dinheiro sem contrapartida.
Depende da liderança política a iniciativa de educar o país a fazer a distinção entre o mais e o menos desejável nas transferências, que vão da Bolsa Família aos benefícios do INSS, da Loas para idosos e doentes, aos mais abusados seguro-desemprego e abono salarial.
Nos anos de fastígio, o governo passou à sociedade a crença de que "o céu era o limite". Tomou por prova de que o Brasil tinha dado certo para sempre o que não passava do efeito da maré que, ao subir, eleva todos os barcos. Elogiava-se o presidente porque, em seu governo, todos ganhavam e ninguém perdia.
Agora que a maré começou a baixar, não há espaço para que todos ganhem e os conflitos distributivos voltam a aparecer, constituindo um dos elementos dos recentes protestos. Evitar que eles polarizem e radicalizem a sociedade como nos anos 1960 e na Venezuela e Argentina de hoje vai ser o desafio existencial do próximo governo.
Como tudo prenuncia a reeleição de governo que não passou no teste da realidade, alguns concluíram que teremos quatro anos de declínio lento e gradual, na melhor das hipóteses. Esses tentam se proteger como podem. Não é porque o Brasil deu certo que uma em cada dez vendas de imóveis em Nova York tem brasileiro como comprador.
Aos outros resta a esperança de que uma equipe econômica renovada regenere a economia e que de alguma maneira a mesma liderança convença políticos e sociedade a moderar o apetite distributivo.
(Folha de São Paulo, 25/11/2013)
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O nosso dilema: O Brasil deu certo?


Gostei muito do artigo do embaixador Rubens Ricupero na sua coluna de hoje no jornal Folha de São Paulo (a seguir). O embaixador mostra de forma muito clara o nosso dilema:
“Nos anos de fastígio, o governo passou à sociedade a crença de que "o céu era o limite". Tomou por prova de que o Brasil tinha dado certo para sempre o que não passava do efeito da maré que, ao subir, eleva todos os barcos. Elogiava-se o presidente porque, em seu governo, todos ganhavam e ninguém perdia.......Agora que a maré começou a baixar, não há espaço para que todos ganhem e os conflitos distributivos voltam a aparecer, constituindo um dos elementos dos recentes protestos”.
O nosso dilema é exatamente esse. Não há como, na próxima década, simplesmente fazer mais do mesmo. Aumentar todos os gastos sociais como fizemos desde 1999 e que foi possível porque a economia crescia mais rápida pelo efeito positivo de mais de uma década de reformas aliado ao boom de commodities. Daqui para frente terremos que fazer escolhas.
O comportamento do gasto público no Brasil nos últimos anos foi planejando de tal forma que se passou para a sociedade a sensação que poderíamos ter políticas distributivas muito ativas, recuperando nossas desigualdades de séculos em pouco mais de duas décadas, e ainda usufruir de um estado ativo na promoção de empresas e setores. Essa conta não fecha e só conseguimos viabilizar temporariamente esse modelo do “ganha-ganha” porque os gastos sociais tomaram conta da quase totalidade do orçamento e os estímulos setoriais passaram a ser financiados pelo crescimento da dívida bruta e empréstimos para bancos públicos.
Não há como ter um país que cresce como a China e tem políticas sociais na magnitude do Brasil, dado o nosso nível de renda per capita. As pessoas esquecem que o gasto público total (juros inclusive) no Brasil, em 2012, foi próximo a 40% do PIB, ante 25% do PIB da China de acordo como FMI. Adicionalmente, segundo as Nações Unidas, a China tem uma razão de dependência da (população idosa sobre população economicamente ativa) de 12,7%, ante 11.8% para o Brasil. No entanto, a China gasta com previdência 2.5% do PIB e Brasil 12% do PIB. Os brasileiros não querem ser a China.
Gasto Social no Brasil -2011/2012 - 23,5% do PIB
Gasto social PIBGasto social PIB
Fonte: SIAFI, Banco Mundial, Balanço do Setor Público. Elaboração: Mansueto Almeida
Na verdade, apenas o chamado gasto social público do Brasil (23,5% do PIB) é praticamente equivalente ao gasto total do setor público da China (25% do PIB) – ver gráfico em pizza acima. Assim, não dá para falar em “Chisil”– uma mistura de China e Brasil. Isso é uma aberração teórica e não ajuda no debate. O debate foi colocado muito bem e de forma sucinta pelo embaixador Rubens Ricupero no seu artigo.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Ricupero: Dilma tem visao estreita da diplomacia

A matéria já tinha sido postada aqui, na forma original publicada pelo jornal Valor Econômico, no próprio dia. Reproduzo apenas trecho destacado pelo político Cesar Maia, em sua coluna de 23/10/2013, já que ela precisa ser reafirmada.
Paulo Roberto de Almeida


EMB. RUBENS RICUPERO: DILMA TEM UMA VISÃO ESTREITA DA DIPLOMACIA!
        
(Trechos da longa e excelente matéria no Valor, 21) 1. Ao demitir, há pouco mais de dois meses, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, Dilma decidiu que havia chegado a hora de mudar. Mas não apenas o titular da pasta. A presidente, segundo interlocutores, quer arejar o estilo e as práticas de uma das mais antigas instituições brasileiras. Na última formatura, Dilma perguntou a um assessor: "Quantos são engenheiros?" Nenhum era. Engenheiros, acredita a presidente, teriam uma visão mais objetiva e direta para solucionar os problemas e desafios apresentados por um mundo tão complexo como o do século XXI.
        
2. As provas são rigorosas, exigem conhecimentos sólidos de história, relações internacionais, inglês avançado, francês e espanhol razoável. Mas agora, se depender da vontade da presidente, exames e curso terão mais exigências. Ela acha que os futuros representantes do país no exterior devem aprender e saber expressar-se em árabe, mandarim e russo, além dos imprescindíveis inglês, francês e espanhol. A presidente defende também que os jovens estudantes intensifiquem o conhecimento de relações comerciais e negócios e que reforcem o domínio do uso das redes sociais.
        
3. Dilma mandou cortar os orçamentos das representações no exterior destinados a almoços, jantares, coquetéis, aluguéis de carros. Ela, dizem seus assessores, acha que esses eventos são desperdício de tempo. Os diplomatas discordam e afirmam que os eventos constroem relações que resultam em negócios e oportunidades.  Se o temperamento de Dilma não se casa com os costumes da diplomacia, servidores reclamam de sua impaciência e cobranças ríspidas.
        
4. Diz o Embaixador Rubens Ricupero: "A presidente Dilma tem uma visão estreita do dia a dia da diplomacia. Ela não entende que é impossível separar diplomacia e política externa". Diz o ex-Ministro de FHC Celso Lafer: "Isso é um assunto de Estado. A política externa é de Estado. O presidente da República conduz a política externa e dará ênfase aos assuntos que considerar mais importantes. Mas essa política não pode ser resumida aos objetivos de um partido".

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O caso Saboia, por Rubens Ricupero: reconhecimento, nao castigo (FSP)


Rubens Ricupero,
Folha de S.Paulo, 2/09/2013

São raríssimos no Itamaraty e no Brasil casos como o de Eduardo Saboia, de funcionários que arriscam tudo por motivos de consciência. Só me lembro de dois em minha carreira: o do embaixador Jaime de Azevedo Rodrigues, que protestou contra o golpe de 64, e o de Miguel Darcy, que organizou rede para denunciar no exterior as torturas do regime militar.
É por isso que exemplos de coragem em defesa de princípios merecem medalha, não punições. Seria erro gravíssimo equiparar o ato de Saboia à insubordinação. Ele não agiu contra ordens do governo. Na verdade, não havia ordens e foi preciso agir no vazio calculado de instruções em que deixaram a embaixada.
A Convenção de Caracas sobre asilo diplomático é clara: compete ao país que concede o asilo julgar a natureza do delito e os motivos da perseguição, correspondendo ao governo local o dever de garantir imediatamente a saída do asilado do território. Tolerar que o governo boliviano recusasse o salvo-conduto por 15 meses é mais que condescendência culposa.
Trata-se de cumplicidade com o governo que já expropriou a Petrobras e ocupou suas instalações com tropas do Exército, recebendo em troca afagos, aumentos do preço do gás e apoio brasileiro na campanha eleitoral do presidente Morales.
Compare-se o silêncio frente à Bolívia com a indignação e a campanha pública do governo do Brasil no asilo do ex-presidente hondurenho Zelaya ou o desgaste do relacionamento com a Itália a fim de proteger criminoso condenado por vários homicídios. A diferença é que nesses dois casos os beneficiados eram companheiros de ideologia.
O que prova que, para este governo e o anterior, democracia, direitos humanos e asilo devem ser filtrados pelo prisma ideológico. Só valem se o favorecido pertence à mesma família ideológica.
Veja-se o contraste com o asilo, também na missão brasileira em La Paz, do presidente Hernando Siles, derrubado por golpe militar em 1930 e pai do futuro presidente Hernán Siles Zuazo.
Cercada a missão semanas a fio por turbas que exigiam a entrega do presidente, o então representante do Brasil temeu pela própria vida e quis deixar o posto. O Itamaraty, porém, exigiu que ele ficasse e defendesse o asilo com firmeza, obtendo finalmente a saída do asilado.
Desta vez, a decisão de retirar da Bolívia o senador perseguido foi tomada como medida extrema, depois de ter ficado claro pelas mensagens de e-mail que o empenho brasileiro pela libertação era um faz de conta. Se não tivesse feito nada e o asilado se suicidasse, como parecia iminente, o encarregado de negócios teria sido culpado de omissão de socorros.
Criminosos de guerra sempre alegaram que apenas cumpriam ordens. Nem o tribunal de Nuremberg, nem os posteriores, aceitaram a desculpa. Eichmann, exemplar funcionário do Holocausto, acabou enforcado. Valores como a vida, a liberdade e a proteção a perseguidos são incomparavelmente mais altos do que obedecer ordens. Se o governo se omite na sua defesa, cabe ao funcionário o dever de suprir a falha.

Ao mostrar ter a coragem que faltou a seus superiores, Saboia honrou os valores da Constituição e do povo brasileiro. Deve receber reconhecimento, não castigo.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), ministro da Amazônia e do Meio Ambiente, ministro da Fazenda (governo Itamar), embaixador em Genebra, Washington e Roma. Escreve quinzenalmente, aos domingos, na versão impressa de "Mercado".

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Republica Faraonica do Brasil (com a ajuda do BNDES)

Os governos mais incompetentes costumam ter os projetos mais grandiosos...

Pior que a Guerra do Paraguai
Rubens Ricupero
Folha de São Paulo, 07/01/2012

Somemos o custo de projetos faraônicos no Brasil e chegaremos a um atraso superior a 50 anos de guerra

"Maldita guerra, atrasa-nos meio século!". Francisco Doratioto, autor de magistral história da Guerra do Paraguai, foi buscar o título da obra nessa frase do barão de Cotegipe, logo no início do conflito.

Os fatos provaram que o líder baiano do Partido Conservador não se enganou. A Guerra da Tríplice Aliança não só infligiu ao Paraguai feridas das quais nunca se recobrou até nossos dias. A vitória nominal do Império do Brasil foi alcançada a custo tão alto que marcou o início do fim do regime.

Nesse sentido, ela se parece à vitória da França na Primeira Guerra Mundial, da qual o país jamais se reergueu. Ou a do Reino Unido na Segunda Guerra, início do irreversível declínio e fim do Império Britânico.

Por que seria que certas guerras, mesmo vitoriosas, têm esse poder fatídico de minar a vitalidade dos impérios? A resposta é que a guerra não deixa de ser um empreendimento humano com custos e consequências. Parte desse custo, a mais importante, é incalculável, pois é expressa em vidas perdidas, a cujo respeito só se pode repetir a frase de Malraux: "a vida de um ser humano não vale nada, mas nada vale a vida de um ser humano".

A parte restante corresponde aos recursos materiais destruídos. É o balanço entre esse custo e o resultado que determina se o impacto de qualquer empreendimento será perduravelmente negativo ou não.

O raciocínio aplica-se não apenas à guerra, mas às empresas coletivas mobilizadoras de recursos gigantescos. Até que ponto elas nos avançam ou nos retardam?

A que conclusão se chegaria se as universidades, sempre em busca de temas para teses, induzissem seus doutorandos a pesquisar o que nos custaram os projetos faraônicos, os elefantes brancos nos quais insistimos com persistência digna de melhor causa? Para não mergulhar muito longe no passado, pode-se começar pelo Programa Nuclear da era Geisel, a Transamazônica, a Perimetral Norte, a Ferrovia Norte-Sul, as iniciativas finalmente concluídas com retardo de anos e aumentos milionários de custo.

Lugar privilegiado deveriam ocupar nos estudos três projetos: a transposição do São Francisco, Belo Monte e o trem-bala. De vez em quando se tem a impressão de que foram abandonados, mas renascem incessantemente das próprias cinzas. Eu mesmo, no Ministério do Meio Ambiente e depois na Fazenda, ajudei a evitar por alguns anos o início do primeiro.

Quem visita a mostra de fotos do Brasil no Instituto Tomie Ohtake verá que já em 1989 os caiapós lutavam contra Belo Monte. Do trem-bala, cujo custo poderia alimentar a construção de incontáveis trens metropolitanos e metrôs, nem é preciso falar, tal sua evidente desnecessidade.

Acrescentemos os projetos de refinarias e o Comperj da Petrobras, cujos custos estimados se multiplicaram quase dez vezes; somemos o dinheiro derramado pelo BNDES no ralo insaciável dos monopólios falidos, das concessionárias incompetentes e chegaremos a um atraso seguramente superior aos 50 anos da Guerra do Paraguai!

Qual será o custo humano em pobreza, doença, ignorância dessa irracional insistência nas falsas prioridades?

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Mudanca na Estrategia Brasileira de Comercio - Rubens Ricupero


Recuo no comércio: estratégia ou tática?

Rubens Ricupero
Folha de São Paulo, segunda feira 1/10/2012, p. A-15

      Ninguém notou a mais importante mudança da política externa da presidente Dilma em relação ao governo Lula: o abandono das negociações da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Não é que se tenha anunciado isso de modo formal. Mas, ao aumentar as tarifas de uma centena de produtos, o governo sinalizou que no fundo já não acredita mais na possibilidade de conclusão da Rodada. Com efeito, a fim de ganhar algo nas negociações, o Brasil precisaria não só se abster de agravar a proteção, mas teria de efetuar reduções adicionais significativas nas tarifas de manufaturas.
Era o que o governo Lula havia aceito em julho de 2008 quando, junto com a Europa, fomos os protagonistas da última tentativa séria de garantir o êxito da Rodada, abortada pela recusa simétrica dos EUA, de um lado e da Índia e China, do outro.
Desde então nos retraímos e agora ingressamos em zona controvertida: praticamente voltamos as costas à estratégia de dar prioridade às negociações multilaterais da OMC, seguida por todos os governos brasileiros das décadas recentes. No governo Lula, a posição de privilegiar a OMC a fim de obter ganhos em agricultura se tornou uma das razões principais do prestígio e da credibilidade conquistadas pelo país nos foros internacionais.
Por que então a mudança súbita? Não se trata obviamente de capricho ou ideologia. A explicação é que a crise de competitividade, sobretudo da indústria, atingiu seu ponto crítico. O Brasil perdeu a capacidade de negociar acordos comerciais, multilaterais ou de qualquer tipo. Como viabilizar acordos que exigem concessões se essas vão expor ainda mais setores que mal se mantêm de pé apesar de doses maciças de anabolizantes?
É por isso que se supõe que o retrocesso (pois é disso que se trata) seja de ordem tática. Isto é, que se destina a ganhar tempo para que se recupere a competitividade. De nada serve pretender que não é protecionismo e sim medidas de defesa comercial. Essas últimas – antidumping, taxas compensatórias, salvaguardas – só podem ser aplicadas mediante processo regulamentado pela OMC. A ação brasileira não foi ilegal, mas teve caráter unilateral, não obedeceu ao formato das medidas de defesa e certamente violou o compromisso adotado pelos membros do G20 no sentido de não agravarem o nível de proteção.
Falta autoridade moral a Washington para protestar, pois a administração Obama deve ser o governo americano com menor contribuição à liberalização do comércio mundial de que se tem memória. Porém, o ponto não é esse. Se o governo brasileiro entendeu que não tinha alternativa do que dar esse grave passo, certamente o terá feito por dispor de estratégia coerente. Estratégia não só para melhorar as condições de competitividade, como começou a fazer parcialmente com redução de juros, correção do câmbio e anúncios sobre custo da eletricidade e melhoria de infraestrutura.
Se o esforço der certo, ainda será necessário ao Brasil ampliar seus mercados. Ao abrir, para isso, mão da OMC, só nos sobra o combalido Mercosul, que não convence ninguém como estratégia global. Será que temos efetivamente essa estratégia? 

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Acre: o momento decisivo de Rio Branco - Rubens Ricupero


Vocação acreana para o Pacífico

O Acre tem um defensor de sua história e nem sabe disso. Atualmente, Rubens Ricupero é um dos estudiosos mais especializados nos embates e disputas no campo diplomático que resultaram no ...
O Acre tem um defensor de sua história e nem sabe disso. Atualmente, Rubens Ricupero é um dos estudiosos mais especializados nos embates e disputas no campo diplomático que resultaram no Tratado de Petrópolis.
E falar sobre isso é conhecer em detalhes as estratégias de José Maria da Silva Paranhos, o Barão de Rio Branco. Com intenso trabalho de pesquisa, Ricupero já pode ser considerado um biógrafo do Barão, com mais um livro que deve ser publicado em breve. Em “O Acre - Momento Decisivo de Rio Branco”, ainda sem editora, apresenta de maneira concisa um dos momentos mais importantes da diplomacia brasileira.
Diplomata de carreira, ministro dos governos Tancredo, Sarney e Itamar Franco, ele foi, durante 10 anos, secretário geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio de Desenvolvimento), em Genebra. Hoje, é diretor da Faculdade de Economia e Relações Internacionais da FAAP e esteve no Acre a convite do prefeito de Rio Branco, Raimundo Angelim, para participar das atividades da Escola de Gestão do município.
Por que o Acre chama tanta atenção quando se estuda a diplomacia brasileira?
O Acre não possui uma questão de fronteiras como outras. Ele é um caso único e incomparável. Excepcional.
Por que?
Em todas as três Américas, o único episódio remotamente parecido é o do Texas, com a diferença que lá terminou com uma guerra em que o México acabou perdendo metade do território. E aqui, terminou com uma negociação que permitiu manter a paz. Outra diferença: o Acre era a única questão de fronteira do Brasil em que o Brasil admitia que a soberania era boliviana.
Tomamos o território por uma decisão diplomática?
Nos outros casos todos, o Brasil partiu do princípio de que o território era brasileiro. Aqui no Acre, não. Todos os ministros, do Império e da República, diziam que o Acre era boliviano. Essa diferença era fundamental. Outra diferença do caso daqui era que o Acre já estava povoado por brasileiros e era sede de uma das mais importantes atividades econômicas do século que era a extração e comercialização da borracha. Em todos os seringais, tinha-se investido 700 milhões de mil réis que eram equivalentes, na época, o equivalente a 43 milhões de libras esterlinas. Isso é mais de 20 vezes o que o Brasil vai pagar à Bolívia [2 milhões de libras esterlinas]. A Questão do Acre também se diferencia porque havia multiplicidade de países envolvidos: as pretensões do Peru não era poucas. Iam até Manaus. Outra coisa fundamental que diferencia o Acre: a opinião pública estava favorável à causa dos sublevados.
E o apoio do Amazonas nesse processo?
Pouca gente se dá conta disso. Houve participação do Pará também, mas o Amazonas teve participação importante. Isso não se gosta de dizer, mas as insurreições foram financiadas, armadas pelo Amazonas. Eles achavam que o Acre era parte do seu território. O Governo Federal reconhecia a soberania boliviana. Era contra essa ação do Amazonas que disfarçava o apoio por recear uma intervenção federal. Tudo isso junto, torna essa peça o maior desafio que o Rio Branco teve.
Se o Governo Federal reconhecia a soberania, por que o interesse diplomático?
A discussão não era sob argumentos geográficos. Barão do Rio Branco se torna ministro de Rodrigues Alves que tomou posse em 15 de novembro de 1902, quando a insurreição do Plácido de Castro estava em pleno vigor. A situação estava grave. O presidente da Bolívia, general José Manoel Pando, anunciou que iria marchar para o Acre. Nesse momento era que os bolivia-nos iriam reagir de fato.
Como o Barão de Rio Branco se diferenciou dos demais diplomatas que o antecederam?
Antes dele, os ministros não tinham querido nunca considerar que havia litígio entre Brasil e Bolívia. E isso enfraquecia a causa brasileira. Rio Branco não inventou a ideia de comprar o território ou dar de permuta uma parte do território brasileiro ou pagar os investidores do consórcio [Bolivian Sindicate, uma reunião de capitalistas com interesses econômicos na região que mais produzia borracha no país]. Essas ideias já tinham sido tentadas. Mas, o governo brasileiro não tinha uma estratégia. Se se não reconhecia o litígio, isso enfraquecia muito os argumentos do Brasil. A grande originalidade do Rio Branco foi declarar litigioso o território. E depois, é separar os adversá-rios. Ele exclui os peruanos da negociação. Ele neutraliza o Peru e os banqueiros do Rotchild. Com isso, a Bolívia estava isolada na negociação.
A estratégia dele foi provocar tensão para tentar uma reação da Bolívia?
Os bolivianos cometem dois erros capitais. O primeiro é a assinatura da concessão ao consórcio e o segundo é o anúncio de que vão mandar tropas. A diplomacia é um xadrez. Você move uma peça e o teu adversário outra. Os bolivianos tomaram a decisão infeliz de arrendar o território. Isso tira legitimidade da causa boliviana. Fica patente, por exemplo, que a Bolívia estaria disposta a deixar entrar na região uma ponta do imperialismo americano. Os países da região reagem e, no Brasil, isso galvaniza. E pressiona o Governo Federal a sair de sua paralisia.
Isso sem contar a decisão da Bolívia de radicalizar em plena negociação...
Aí complicou mais. Quando se inicia a negociação no Rio de Janeiro e chega a notícia de que o general Pando vai adiantar as tropas. Isso desencadeia uma reação forte do governo brasileiro que reforçou a presença militar na região. A Questão do Acre tem um caráter refundador da política externa.
Como assim?
A última fase diplomacia do Império levou o país a muitos conflitos, com intervenções no Uruguai, Argentina e, por último, o episódio do Paraguai. A República resolveu romper com essa tradição de conflito e queria cultivar o que os Positivistas chamavam de A Fraternidade das Pátrias Americanas. E o grande momento que essa fraternidade foi ameaçada foi na Questão do Acre. Das obras de Rio Branco, o Tratado de Petrópolis foi a mais importante.
Atualmente, o que as novas configurações na esfera econômica aqui no Acre exigem da diplomacia?
O Acre nasceu em função de uma conjuntura internacional. É, talvez, o estado brasileiro mais internacionalizado. A sua existência vem de um problema que é nacional. E o Acre, no futuro, vai ser marcado por essa vocação. Na medida em que os países do Pacífico se desenvolvem (e o Peru é um dos que mais cresce na região) e perdem o complexo de inferioridade que tinham, o Acre vai ter a vocação de desenvolver os laços com a costa do Pacífico. Cada vez mais o Acre precisa ser dotado de autorização para poder desenvolver uma negociação direta com as zonas limítrofes, seja na área da economia ou da Cultura.

sábado, 24 de março de 2012

Rubens Ricupero: debate sobre a desindustrializacao (2006)

Um texto de 2006, preparado com base nos relatórios da UNCTAD de 2003, que pode contribuir para o esclarecimento de um debate relevante.


Desindustrialização precoce: futuro ou presente do Brasil?        

Rubens Ricupero


  • O que se entende por desindustrialização precoce? 
A desindustrialização precoce é a variante patológica da chamada “desindustrialização positiva”. Quando a industrialização completou com êxito o processo do desenvolvimento e elevou a renda per capita a nível elevado e auto-sustentável, o setor manufatureiro começa a declinar, em termos relativos, como proporção do produto e do emprego. Isso ocorre em contexto de crescimento rápido e pleno emprego, no momento em que se atinge renda per capita entre $ 8,000 e $ 9,000, medidos em preços constantes de 1986, correspondendo hoje a valores nominais bem mais altos. O fenômeno é patológico quando aparece em economias onde a renda per capita é menos da metade ou até de um terço desse nível e em contexto de baixo crescimento e desemprego de massa. Nesse caso, o processo de industrialização abortou antes de dar nascimento a uma economia próspera de serviços, capaz de absorver a mão de obra desempregada pela indústria. É a “construção interrompida” do título do livro de Celso Furtado.

  • Onde ocorre o fenômeno?
Ele vem ocorrendo em numerosas economias da Africa, América Latina e do Oriente Médio no curso dos últimos 25 anos, desde a crise da dívida externa dos anos 80s. Em 2003, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) estudou o que vinha acontecendo no relatório Comércio e Desenvolvimento (Trade and Development Report) daquele ano, que pode ser encontrado e obtido no site da UNCTAD: www.unctad.org.

  • Qual foi o resultado do levantamento?
A UNCTAD chegou à conclusão de que, em relação a esse problema, as economias em desenvolvimento poderiam ser divididas em cinco grandes categorias, a saber:
    1. O grupo original e mais avançado dos “tigres” asiáticos (Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong), principalmente a Coréia do Sul e Taiwan, que já atingiram nível adiantado de maturidade industrial por meio de rápida acumulação de capital, crescimento do emprego em geral, da produtividade e do emprego industriais, assim como das exportações de manufaturas. Nessas economias, a porcentagem da produção industrial no PIB é bem superior à dos velhos países industrializados mas o rítmo da expansão da capacidade produtiva e da produção no setor industrial desacelerou-se muito em comparação ao que ocorria em décadas passadas.
    2. O segundo grupo, também maciçamente asiático, inclui a Malásia e a  Tailândia, bem como, em nível menos avançado, a China e, em grau menor, a India. São os países que, há várias décadas, vêm se industrializando de modo acelerado, aumentando a proporção de manufaturas no emprego, na produção e nas exportações, ao mesmo tempo em que estão transformando sua estrutura, passando dos produtos intensivos em mão de obra e recursos naturais para os artigos de média e alta tecnologia.
    3. O terceiro abrange os países que se integraram nas redes internacionais de produção mediante a concentração em operações intensivas em mão de obra destinadas à montagem de produtos cujos insumos são em grande parte importados. O México e as Filipinas, bem como, mais recentemente, países do Caribe e da América Central signatários de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, destacam-se na categoria. Tais economias tiveram rápido aumento no emprego industrial (o desemprego no México, por exemplo, é bem inferior ao da média da Argentina, do Brasil e do Chile). Outra característica do grupo é o veloz aumento de exportação de manufaturas. Não obstante, esses países vêm apresentando desempenho modesto em termos de investimento, de valor agregado em manufaturas, de crescimento da produtividade e de crescimento econômico de maneira geral.
    4. A quarta classe é a dos países que alcançaram um nível razoável de industrialização mas se revelaram incapazes de sustentar um processo dinâmico de aprofundamento industrial em contexto de crescimento rápido. É o caso da Argentina e, em nivel muito menos grave, o do Brasil, onde tem sido pobre o desempenho do investimento, a indústria vem perdendo importância relativa no emprego total e no valor adicionado, o crescimento da produtividade resultou mais da redução da mão de obra que da acumulação rápida e do progresso técnico, o upgrading industrial é ainda limitado e as exportações continuam  dominadas por produtos primários e manufaturas de baixo valor agregado. Nessas economias, o avanço em certas indústrias como a aeronáutica e de automóveis não teve a profundidade e o vigor necessários para disseminar-se pelo restante do tecido industrial e para  estabelecer um processo dinâmico e de alta tecnologia na indústria como um todo.
    5. O quinto grupo é o de países que obtiveram crescimento forte e sustentado mediante a intensificação da exploração de seus recursos naturais abundantes através de um rítmo acelerado de acumulação de capital. O exemplo mais notável é o do Chile. No entanto, essas economias têm demonstrado desempenho fraco em termos de valor agregado em manufaturas e de exportações industriais, persistindo nelas elevado desemprego. Parecem limitadas as perspectivas de mudança estrutural adicional e de futuro crescimento de produtividade na base exclusiva de estratégia fundamentada nos recursos naturais.    
  • O que emerge dessa análise comparativa?
O contraste entre a Asia do Leste e a América Latina é marcante. Todos os países maiores da América Latina (Argentina, Brasil, México) situam-se em grupos sem dinamismo em industrialização, mudança estrutural e aumento da produtividade, ao passo que a maioria das economias do leste asiático se encontra em vários estágios de industrialização de êxito. Persistem, portanto, as fraquezas estruturais que, a partir dos anos 80s, deram impulso a radicais mudanças de política na América Latina. Apesar dos avanços indiscutíveis, não há como negar que as reformas de políticas não conseguiram criar as condições necessárias para iniciar um rápido processo de acumulação de capital e de transformação tecnológica capaz de reestruturar as economias latino-americanas com vistas a enfrentar os desafios de integração no sistema globalizado de comércio. Tudo indica que existe relação nítida entre o prosseguimento e adensamento da industrialização e a criação dessas condições.

Não se poderia afirmar, ao contrário, que a desindustrialização é a consequência positiva do abandono da política de substituição de importações e da adoção de estratégia voltada para as exportações, permitindo a melhor alocação de recursos a setores nos quais essas economias são mais competitivas, como no de recursos naturais em agricultura e mineração?

Essa afirmação seria verdadeira se o declínio relativo da indústria tivesse coincidido com a aceleração significativa do crescimento, o que, de fato, ocorreu no Chile, mas não na Argentina, no Brasil e no México. Além disso, a comparação com economias européias ricas em recursos naturais como algumas da Escandinávia indica que, até mesmo no Chile, a porcentagem do emprego industrial no final dos anos 90s se situava apenas entre a metade e um terço do nível atingido pelos escandinavos, quando estes se encontravam em patamares de renda comparáveis. Nessas economias escandinavas ricas em recursos naturais, essa porcentagem só começou a cair a partir de nível de renda muito superior ao que sucedeu na América Latina.

Isso significa que não existiriam exemplos de países que alcançaram o desenvolvimento pleno sem industrialização, exclusivamente na base da exploração eficiente de recursos naturais?
Na verdade, a experiência histórica confirma que as economias de países como a Austrália, o Canadá e de alguns dos escandinavos, que utilizaram mais amplamente as exportações de produtos primários para atingir altos níveis de renda, passaram todas por períodos de forte desenvolvimento e diversificação da indústria como componentes essenciais de sua estratégia de crescimento. Mesmo as cidades-estados do nosso tempo – Hong Kong e Cingapura – hoje predominantemente economias de serviços, recorreram no início e por longo tempo à industrialização a fim de superar a estreiteza do mercado nacional e para deslanchar o processo de desenvolvimento.

De que maneira opera a industrialização nesse processo?
Em longo prazo, são as conquistas de produtividade que asseguram o êxito econômico e não apenas a acumulação de capital por si mesma. Um processo virtuoso de acumulação e crescimento sustentado está sempre associado a mudanças estruturais na produção e no emprego como resultado tanto da expansão e diversificação das atividades econômicas, passando da agricultura à indústria e desta aos serviços, quanto da evolução para atividades de maior valor adicionado dentro de cada setor, mediante a introdução de novos produtos e processos.
Há diferenças sensíveis entre os vários setores em termos dos respectivos potenciais para o progresso técnico e para o crescimento da produtividade. A importância de estabelecer uma ampla base industrial deriva justamente do grande potencial da indústria para um forte crescimento da produtividade e da renda. Esse potencial provém, do lado da oferta, da predisposição da indústria para desenvolver economias de escala, para a especialização e o aprendizado e, do lado da demanda, de condições globais de mercado e de preços habitualmente mais estáveis e favoráveis do que para os produtos primários, sujeitos a frequentes oscilações e com certa tendência a um declínio secular. Trabalhos de Kaldor e Kuznets demonstraram a existência de estreita corrrelação entre as taxas de crescimento da industrialização e da produtividade, assim como entre a aceleração do crescimento e o deslocamento do fator trabalho, do setor primário, de baixa produtividade, para o industrial, de produtividade mais elevada. Não se deve esquecer, aliás, que a agregação de valor a produtos primários da agropecuária e da mineração se faz geralmente mediante processos industriais, daí se originando  denominações como agro-indústria, indústria agro-alimentícia etc.

Mas, se as vantagens de manter forte base industrial são tão evidentes, como se explica que os países latino-americanos se tenham resignado a sacrificá-la em muitos casos? 
A explicação reside, em última análise, no impacto da crise da dívida dos 80s, verdadeiro divisor de águas que desviou, de maneira duradoura, muitos países da trajetória de desenvolvimento que até então vinham seguindo. Os latino-americanos tiveram de adotar drásticas mudanças de política econômica, no esforço para reduzir os níveis de endividamento e controlar inflações que ameaçavam deteriorar em hiperinflações. Embora tenha sido inegável o êxito em atingir alguns desses objetivos, as reformas nunca foram capazes de fazer com que o nível de investimento retornasse à fase pré-crise. De modo geral, a América Latina parece haver estabilizado seu nível de formação de capital em torno do investimento por ano de apenas 20% ou menos do PIB, significativamente inferior aos 25% considerados como o ideal para economias em estágio intermediário de desenvolvimento e igualmente muito abaixo da média do investimento prevalecente na fase pré-crise.
Tal situação de debilidade macroeconômica, de investimento insuficiente e de instabilidade permanente de taxas de juros e de câmbio preparou mal as economias latino-americanas para o “choque de competição” decorrente da liberalização comercial e financeira simultânea ao processo de ajuste. Inúmeros setores, especialmente na indústria manufatureira, não foram capazes, devido ao estado critico em que se encontravam, de reagir à concorrência de produtos importados no momento em que perderam a proteção. O processo latino-americano de abertura de choque, conduzido em fase de crítica precariedade da situação macroeconômica, contrasta com o das economias asiáticas, muito mais gradual, progressivo, seguro e realizado a partir de posição de força, por economias capazes de investir 30% ou mais do PIB anualmente e bafejadas por juros extremamente baixos, frequentemente subsidiados, por taxa de câmbio desvalorizada, carga tributária pequena e mínimos encargos trabalhistas e previdenciários.

Não é verdade, então, que a situação macroeconômica da região melhorou? 
Não até o ponto desejável. De fato, uma saudável macroeconomia exige não apenas estabilidade de preços, mas outras condições indispensáveis para propiciar níveis elevados de investimento. Muitas das condições que exercem forte influência nas decisões de investimento e de alocação de recursos, incluindo preços-chaves tais como a taxa de câmbio, a taxa de juros e os salários reais, de grande impacto na demanda agregada, têm sido extremamente instáveis no continente. Isso se deve, em parte, ao aumento da instabilidade do sistema internacional de pagamentos e à volatilidade externa associados com choques financeiros e comerciais. Por outro lado, alguma responsabilidade cabe igualmente à perda de autonomia em matéria de política macroeconômica resultante da rápida liberalização e da estreita integração nos mercados financeiros globais. Além disso, em lugar de “get the prices right”, as forças de mercado tenderam a manter as taxas de juros e de câmbio em níveis que impediram a rápida acumulação de capital e a mudança tecnológica. Em outras palavras, a nova estratégia econômica fracassou em produzir um meio-ambiente macroeconômico apropriado para encorajar investidores e empresas, apoiando-os na criação e expansão da capacidade produtiva e no aprimoramento da produtividade e da competitividade internacional.

Não se poderia descrever o que aconteceu na América Latina como mais uma manifestação do processo de “destruição criativa” de Schumpeter?
Seria difícil argumentar nesse sentido. Durante a fase de ajustamento pós-crise da dívida, estima-se que cerca de 7.000 firmas chilenas desapareceram, a maioria de porte médio. Na Argentina, esse número foi de l5. 000. Muitas foram substituídas por grandes empresas estrangeiras cujos setores de engenharia e de pesquisa e desenvolvimento se encontravam no país de origem. Algo similar ocorreu no Brasil com a aquisição por firmas estrangeiras de boa parte do setor de autopeças ( Cofap, Metal Leve ) e do setor eletrônico e de equipamento de telecomunicações sediado em Campinas. De novo, em muitos casos, o setor de pesquisa foi radicalmente reduzido ou teve sua natureza alterada, passando a ocupar-se apenas da adaptação da tecnologia da matriz a condições locais, o que se chama no jargão de “tropicalização” da tecnologia. Engenheiros de pesquisa foram reciclados em gerentes de vendas. Um estudo de Cimoli e Katz observa que, em 1974, o lançamento do Taurus pela Ford Argentina demandou 300.000 horas de trabalho por uma equipe de 120 engenheiros, ao passo que hoje, para produzir o “world car”, a Ford não emprega nenhum engenheiro na Argentina. O que houve, portanto, foi que a parte de “destruição” ocorreu na Argentina, enquanto a parte mais interessante, a da “criação”, foi transferida para o país exportador ou sede da empresa transnacional.
            O problema foi agravado por algumas das privatizações de empresas estatais que, em certos países, eram responsáveis, juntamente com universidades e instituições públicas, por 80% dos gastos em pesquisa tecnológica, em áreas como as telecomunicações e energia, como era o caso do Brasil. Frequentemente, repetiu-se aqui o padrão de muita destruição e pouca criação. O balanço líquido foi um retrocesso na geração local de tecnologia e o aumento de uma dispendiosa dependência tecnológica em relação ao estrangeiro. Essa foi uma das razões que levaram a uma mudança na composição da produção e das exportações de países da região, que se concentraram mais ainda do que no passado nos produtos oriundos de recursos naturais, distanciando-se dos setores com maior potencial de aumento da produtividade. Não é de admirar, nessas condições que, fora exemplos esporádicos como o da indústria aeronáutica, cuja existência, aliás, se deve a uma política de Estado, seja extremamente limitada a oferta de países como o Brasil em matéria de manufaturas de alta tecnologia e valor agregado capazes de competir com os produtos asiáticos em mercados altamente competitivos como os dos Estados Unidos e dos países europeus.

Que tipos de indústrias conseguiram sobreviver a essas condições adversas?
Como é sabido, muitas das indústrias de ponta, responsáveis pelos produtos mais dinâmicos do comércio mundial – computadores, componentes eletrônicos, máquinas e equipamentos de escritório, química fina, fármacos – praticamente desapareceram do panorama produtivo da América Latina, salvo sob o aspecto de linhas de montagem. O que sobrou foi basicamente: a) indústrias de processamento de recursos naturais a fim de produzir commodities industriais, tais como papel, celulose, suco de laranja, farelos e óleos vegetais, ferro, aço, alumínio, metais, cimento; b) indústrias de alimentos, de material de limpeza, cosméticos, de móveis etc; c) linhas de montagem de equipamento eletrônico, aparelhos de TV e vídeo, de telecomunicações como os telefones celulares; d) indústrias têxteis, de vestuário e calçados, crescentemente pressionadas pela concorrência chinesa; e) petroquímica em alguns países, graças à significativa proteção tarifária; f) indústria de automóvel e de equipamento de transporte, objeto de tratamento protetivo especial, às vezes no contexto de acordos subregionais como o Mercosur. Fora poucas exceções, como a da indústria automobilística, esses não são em geral os tipos de setores que desempenham papel decisivo para aumentar a competitividade internacional por meio da pesquisa e desenvolvimento de produtos e do progresso tecnológico.
            No caso do Brasil, o panorama é mais diversificado, já que o país foi capaz de preservar estrutura industrial bem mais ampla e completa do que na maioria de outras nações do continente. Essa estrutura, felizmente para nós, inclui até mesmo um setor bastante razoável de bens de capital, maquinária e equipamento. Alguns ou muitos desses setores sofrem hoje outro tipo de “choque de competição”, o da concorrência chinesa, que opera como uma espécie de segunda geração de pressões e desafios em relação ao primeiro impacto da liberalização dos anos 90s. A sobrevivência até o instante de base industrial mais diversificada no Brasil é razão a mais para identificar políticas e medidas de indiscutível qualidade econômica, que sejam capazes de evitar que a indústria, sobrevivente do primeiro choque, não se afogue agora no segundo.
            O processo de rápida liberalização produziu na América Latina dois padrões específicos, mas contrastantes na especialização industrial. Os países mais estreitamente ligados ao mercado dos Estados Unidos, seja pela vizinhança geográfica, seja por acordos comerciais, se concentraram nas indústrias de linha de montagem tipo maquiladoras que produzem quase exclusivamente para o mercado americano ou para reexportação para terceiros a partir dos EUA, criando empregos de baixa especialização e modestos salários. Por outro lado, as economias da América do Sul tais como as da Argentina, do Chile e, com as qualificações e diferenças acima expostas, no exemplo particular do Brasil, expandiram as indústrias baseadas em recursos naturais, aumentando a intensidade em capital de tais atividades, mas sem impacto correspondente na geração de empregos. Ambos os tipos de atividades possuem conteúdo relativamente baixo de valor agregado interno e nenhuma delas proporciona o gênero de transformação da produção nacional e do padrão exportador capaz de fazer do comércio um motor de crescimento.

O que fazer? 
Acima de tudo, evitar fórmulas simplistas e simplórias. Como, por exemplo, a do famoso “choque de competitividade” de vez em quando ressuscitada por assessores do Ministério da Fazenda e gente vinculada ao mercado financeiro. A última versão foi a da redução substancial das tarifas industriais.  Embora pareça supérfluo, não custa repetir que é absurdo falar de “choque de competitividade” no momento em que o setor produtivo enfrenta no Brasil condições incomensuravelmente mais adversas do que os concorrentes potenciais em todos os fatores-chaves determinantes da competitividade internacional, a saber, a taxa de juros, a taxa de câmbio, a carga tributária e o custo de transação resultante da infraestrutura de serviços.
Um fenômeno de causas tão complexas e variadas como é a desindustrialização precoce só poderá ser combatido por terapêutica igualmente diversificada, que contenha ingredientes capazes de atacar as raízes macroeconômicas descritas acima, assim como os problemas de diferente natureza aqui exemplificados na área de ciência e tecnologia, de pesquisa e desenvolvimento de produtos, de inovação etc. Identificar os diversos componentes de tal terapêutica é precisamente o objetivo do seminário que se realizará na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), no próximo dia 28 de novembro. Nessa ocasião, um dos mais importantes objetivos seria estimular um esforço sistemático e constante com vistas a valorizar o papel transformador e de liderança da indústria manufatureira no processo de desenvolvimento, reatando com a tradição de pioneiros como Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi. Para isso, será indispensável reagir contra o verdadeiro preconceito que, consciente ou inconscientemente, se criou contra o setor, voltando a dar-lhe condições normais para poder concorrer internacionalmente e sobreviver no âmbito interno.
Um elemento indispensável em tal sentido é uma estratégia para as negociações internacionais que não aumente ainda mais as dificuldades que já enfrenta em função das condições hostis de juros, câmbio e tributos internos. Esse perigo existe não só nas negociações de acordos de livre comércio como nas da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). Nestas últimas, ficou claro nas semanas recentes que a tática dos “usual suspects” em matéria de protecionismo agrícola (França et caterva) é repetir o bem-sucedido jogo utilizado na Rodada Uruguai: alegar a impossibilidade de qualquer movimento em agricultura se não houver antes concessões substanciais do Brasil principalmente, da India e de alguns outros em NAMA ou Non-Agricultural Market Access, isto é, em produtos industriais (e também em serviços). Conforme se sabe, pagamos, naquela ocasião, preço altíssimo em reduções tarifárias industriais, propriedade intelectual, medidas de investimento relacionadas ao comércio (como a proibição do conteúdo local ou índice de nacionalização no processo manufatureiro), em perda de flexibilidade ou “policy space” para adotar políticas de estímulo à indústria, de amplo e irrestrito uso pelos países avançados quando ainda se encontravam em fase de industrialização. Nossos ganhos em agricultura, em compensação, foram modestos e mais conceituais do que concretos.
No momento, algumas das fórmulas propostas em Genebra por países desenvolvidos implicariam reduções, da parte de países em desenvolvimento, de mais de dois terços na média ponderada das tarifas aplicadas e de mais de três quartos dos níveis atuais da média ponderada de suas tarifas consolidadas. Conforme tem sido demonstrado nos estudos recentes dos economistas da UNCTAD, S.F.Fernández de Cordoba, Sam Laird e David Vanzetti, tais reduções constituiriam cortes incomparavelmente mais profundos do que os efetivados pelos principais países ricos ao longo dos 30 anos após a Segunda Guerra Mundial. A experiência histórica indica que, no processo de industrialização, o que conta não é tanto o nível médio das tarifas, mas seu perfil setorial. A tarifa ideal é a desenhada para proteger o processo de aprendizagem e de aquisição de competitividade nos setores dinâmicos, não nas indústrias em declínio. Um dos fatores que diferenciaram a Coréia do Sul e Taiwan e explicam o êxito da industrialização dessas duas economias foi justamente uma estrutura tarifária racional inspirada no princípio da proteção seletiva e temporária (Yilmaz Akyuz, The WTO Negotiations on Industrial Tariffs: What is at Stake for Developing Countries, TWN, Penang, Malaysia, 2005).
Essa verdade nos aconselha extrema cautela nas atuais negociações, uma vez que as fórmulas mais favorecidas pelos negociadores representariam perdas substanciais e súbitas de proteção em setores como o automobilístico e o eletrônico, exatamente os que apresentam as características desejáveis de dinamismo e alta capacidade multiplicadora de efeitos benéficos para a indústria como um todo. 
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Nota: Salvo algumas observações pessoais, sobretudo em relação ao Brasil, o presente trabalho é, em grande parte, extraído do 2003 Trade and Development Report da UNCTAD, época em que desempenhei as funções de Secretário Geral da Organização. Busquei aqui organizar e sintetizar as principais teses e demonstrações do relatório, com ênfase nos capítulos IV (Economic Growth and Capital Accumulation), V (Industrialization, Trade and Structural Change), e VI (Policy Reforms and Economic Performance: the Latin American Experience). O mérito do trabalho cabe aos redatores do relatório, dentre os quais o Dr. Yilmaz Akyuz, então Diretor da Divisão sobre Globalização e Estratégias de Desenvolvimento e Chief Economist da UNCTAD e a seus principais colaboradores, Richard Kozul-Wright e Jorg Meyer.