Acho que a pergunta não é bem essa, pois aparece claramente, dos dados disponíveis, que o Brasil NÃO deu certo.
A pergunta é: quando é que o Brasil vai, finalmente, dar certo?
Minha resposta é: não sei. Pelo andar da carruagem, vai demorar muito, pelo menos enquanto não retificarmos todas, eu disse TODAS, as políticas atualmente em curso, macro, setoriais, sociais, educacionais, etc., enfim, tudo.
Paulo Roberto de Almeida
RUBENS RICUPERO
O Brasil deu certo?
Nos anos de fastígio, o governo passou à sociedade brasileira a crença de que "o céu era o limite"
Em Zurique ou Seul ninguém precisa asseverar que a Suíça ou a Coreia do Sul deram certo. A frequência com que se vem fazendo essa afirmação entre nós indica que aumentaram ultimamente as dúvidas, já consideráveis no passado.
Em parte, isso tem a ver com os protestos. Demoliram a ilusão de que o Brasil se tornara um país "normal", no qual as massas não precisavam descer às ruas para suprir falhas das instituições. Outra razão: a economia não cresce, e, um a um, todos os estímulos fracassaram.
Cedo ou tarde se esgotarão os recursos para transferências sociais, inviabilizando continuar a reduzir a pobreza e a desigualdade, acarretando a seguir a inelutável erosão dos ganhos conquistados.
De 1999 a 2012, segundo Mansueto de Almeida, as transferências de renda a famílias representaram a assombrosa porcentagem de 84% da alta da despesa não financeira do governo. A partir de 2003, a proporção superaria 91%! É óbvio não ser possível ir muito além disso.
A contrapartida não é apenas a falta de recursos para investir. Já não haverá dinheiro para mais nada, nem para inevitáveis aumentos de salários de funcionários. Se a expansão de gastos se devesse ao custeio da máquina governamental, conforme alegado por alguns, seria talvez mais fácil obter consenso na sociedade para reagir.
O problema é que num país com consciência de culpa pelo passado de escravidão e injustiça, "transferência social" soa como algo ilimitadamente desejável, do qual jamais se poderá ter o bastante. Não existe no Brasil nem de longe o horror moral que os americanos sentem pelos "entitlements", isto é, as garantias de transferência de dinheiro sem contrapartida.
Depende da liderança política a iniciativa de educar o país a fazer a distinção entre o mais e o menos desejável nas transferências, que vão da Bolsa Família aos benefícios do INSS, da Loas para idosos e doentes, aos mais abusados seguro-desemprego e abono salarial.
Nos anos de fastígio, o governo passou à sociedade a crença de que "o céu era o limite". Tomou por prova de que o Brasil tinha dado certo para sempre o que não passava do efeito da maré que, ao subir, eleva todos os barcos. Elogiava-se o presidente porque, em seu governo, todos ganhavam e ninguém perdia.
Agora que a maré começou a baixar, não há espaço para que todos ganhem e os conflitos distributivos voltam a aparecer, constituindo um dos elementos dos recentes protestos. Evitar que eles polarizem e radicalizem a sociedade como nos anos 1960 e na Venezuela e Argentina de hoje vai ser o desafio existencial do próximo governo.
Como tudo prenuncia a reeleição de governo que não passou no teste da realidade, alguns concluíram que teremos quatro anos de declínio lento e gradual, na melhor das hipóteses. Esses tentam se proteger como podem. Não é porque o Brasil deu certo que uma em cada dez vendas de imóveis em Nova York tem brasileiro como comprador.
Aos outros resta a esperança de que uma equipe econômica renovada regenere a economia e que de alguma maneira a mesma liderança convença políticos e sociedade a moderar o apetite distributivo.
(Folha de São Paulo, 25/11/2013)
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Gostei muito do artigo do embaixador Rubens Ricupero na sua coluna de hoje no jornal Folha de São Paulo (a seguir). O embaixador mostra de forma muito clara o nosso dilema:
“Nos anos de fastígio, o governo passou à sociedade a crença de que "o céu era o limite". Tomou por prova de que o Brasil tinha dado certo para sempre o que não passava do efeito da maré que, ao subir, eleva todos os barcos. Elogiava-se o presidente porque, em seu governo, todos ganhavam e ninguém perdia.......Agora que a maré começou a baixar, não há espaço para que todos ganhem e os conflitos distributivos voltam a aparecer, constituindo um dos elementos dos recentes protestos”.
O nosso dilema é exatamente esse. Não há como, na próxima década, simplesmente fazer mais do mesmo. Aumentar todos os gastos sociais como fizemos desde 1999 e que foi possível porque a economia crescia mais rápida pelo efeito positivo de mais de uma década de reformas aliado ao boom de commodities. Daqui para frente terremos que fazer escolhas.
O comportamento do gasto público no Brasil nos últimos anos foi planejando de tal forma que se passou para a sociedade a sensação que poderíamos ter políticas distributivas muito ativas, recuperando nossas desigualdades de séculos em pouco mais de duas décadas, e ainda usufruir de um estado ativo na promoção de empresas e setores. Essa conta não fecha e só conseguimos viabilizar temporariamente esse modelo do “ganha-ganha” porque os gastos sociais tomaram conta da quase totalidade do orçamento e os estímulos setoriais passaram a ser financiados pelo crescimento da dívida bruta e empréstimos para bancos públicos.
Não há como ter um país que cresce como a China e tem políticas sociais na magnitude do Brasil, dado o nosso nível de renda per capita. As pessoas esquecem que o gasto público total (juros inclusive) no Brasil, em 2012, foi próximo a 40% do PIB, ante 25% do PIB da China de acordo como FMI. Adicionalmente, segundo as Nações Unidas, a China tem uma razão de dependência da (população idosa sobre população economicamente ativa) de 12,7%, ante 11.8% para o Brasil. No entanto, a China gasta com previdência 2.5% do PIB e Brasil 12% do PIB. Os brasileiros não querem ser a China.
Gasto Social no Brasil -2011/2012 - 23,5% do PIB
Fonte: SIAFI, Banco Mundial, Balanço do Setor Público. Elaboração: Mansueto Almeida
Na verdade, apenas o chamado gasto social público do Brasil (23,5% do PIB) é praticamente equivalente ao gasto total do setor público da China (25% do PIB) – ver gráfico em pizza acima. Assim, não dá para falar em “Chisil”– uma mistura de China e Brasil. Isso é uma aberração teórica e não ajuda no debate. O debate foi colocado muito bem e de forma sucinta pelo embaixador Rubens Ricupero no seu artigo.
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