Entrevista - Jorge Lanata
Uma voz contra Cristina Kirchner
O apresentador de TV que mais denuncia a corrupção na Argentina revela que empresas são obrigadas a pagar propinas mensais ao governo. Corajoso, não teme represálias
Há anos me perguntam qual governo foi pior e qual roubou mais. Sempre respondi que isso não interessa. Importa é quem está roubando agora. Estou convencido, porém, de que a corrupção hoje é até maior do que na gestão do presidente Carlos Saúl Menem (1989 a 1999). Os Kirchner criaram um novo tipo de corrupção. No governo Menem, os políticos pediam propinas para autorizar certas obras públicas ou direcionar licitações. O casal Kirchner foi muito além.
Eles participam das empresas como se fossem sócios. A corrupção é muito mais estrutural. Se uma companhia quer vencer um leilão para construir uma ponte, eles concedem. No entanto, passam a cobrar 10% do lucro corporativo daquele momento em diante. Não basta o empresário pagar propina uma única vez. Todo dia 5, para sempre, um burocrata vai passar na recepção das empresas para pegar uma mala com o pagamento. Na lista de quem tem mais dinheiro na Argentina, além dos ricos de sempre, três nomes do sul do país, a região dos Kirchner, entraram para o grupo recentemente. Todos estão vinculados ao governo. São eles Lázaro Báez, empreiteiro, Cristóbal López, dono de empresas de petróleo, e Gerardo Ferreyra, da Electroingeniería, uma construtora de obras públicas.
Foi a série de revelações que chamamos A Rota do Dinheiro K. Em abril, o Periodismo para Todos exibiu uma reportagem mostrando que Lázaro Báez, amigo e sócio do casal Kirchner e dono de uma empreiteira que realizava obras públicas na província de Santa Cruz, tirou do país 55 milhões de euros de forma ilegal. O dinheiro saía de Río Gallegos, na província de Santa Cruz, fazia escala operacional em Buenos Aires e seguia para ser depositado em contas na Suíça e de empresas em paraísos fiscais, como Belize. Mostramos que Báez está envolvido com lavagem de dinheiro, superfaturamento de obras públicas e evasão de divisas. Báez, um ex-funcionário do Banco de Santa Cruz, tornou-se nos últimos anos um empresário com investimentos nos setores imobiliário, hoteleiro e de petróleo. Tem 3 bilhões de dólares. Quanto disso é dele, quanto seria de Néstor e quanto é de Cristina? Não tenho ideia, mas estou certo de que uma parte foi para ela.
A esta altura, o dinheiro não importa tanto, porque já se acumulou muito. Não estão nem aí para isso. A grande questão é permanecer no poder. Não duvido que a presidente renunciaria para preservar a mística se encontrasse um jeito de manter influência na Casa Rosada no futuro, já que não pode se reeleger.
Máximo é um dos principais conselheiros da presidente. Ele integra a chamada mesa chica, que toma as decisões. Essa cúpula é formada pela mãe, pelo filho, por Carlos Zannini, secretário para assuntos legais, e Héctor Icazuriaga, o secretário de Inteligência. Mas Máximo não tem carisma. É um homem que não fala. Outro dia, por casualidade, ele deu entrevistas sobre a doença da mãe, no aeroporto de Santa Cruz. Era difícil escutar sua voz. Ele não está capacitado para o cargo.
Essa foi uma década desperdiçada. Nunca entrou tanto dinheiro na Argentina e nunca se perdeu tanto. O país passou dez anos gastando o que tinha, imaginando que depois alguém virá pagar a conta. Mesmo com os recursos vindos das exportações, a proporção de pobres continua em torno de 30% da população e a de indigentes, em 15%. Há muito clientelismo. A educação não funciona. A política exterior é absurda. Viramos amigos do Irã e brigamos com o Uruguai, nosso vizinho. O controle de câmbio fracassou e as reservas internacionais em dólares estão acabando. Um ajuste é urgente e necessário, mas ninguém quer fazê-lo.
Este governo se sente incomodado com a questão da audiência. Embora seus membros e empresários amigos tenham investido milhões de pesos em veículos de comunicação, nenhum programa chapa-branca consegue mais de 3 pontos de audiência. Eles têm dinheiro, mas não têm talento. O texto da lei limita para os meios privados um máximo de 35% do mercado de televisão aberta. As empresas também não podem alcançar mais de 35% da população em televisão a cabo nem possuir mais de dez licenças de rádio. Mas audiência não é algo que possa ser repartido assim, por decreto. Uma cidade pode ter 400 rádios que ninguém ouve e uma que concentra todo o interesse dos ouvintes. O que determina o público é a qualidade. Meu programa na Rádio Mitre alcança 52% dos ouvintes no seu horário. O que o governo espera que eu faça? Que peça às pessoas que não me escutem? Não posso fazer isso. Se o governo tivesse bons programas, eles teriam 50% da audiência. Não conseguem isso porque o povo não é idiota. O jornalismo oficialista só funciona quando não tem concorrentes. Em Cuba, o Granma vende jornais apenas porque não existem outras opções.
Não consegui saber ainda quanto a Lei de Mídia vai nos afetar. Num primeiro momento, o governo ameaçou o Clarín com um ultimato. Diziam que as autoridades decidiriam com quais empresas o grupo ficaria. Depois, o Clarín apresentou um plano de adequação, que está sendo analisado. Neste ano, estaremos no ar até 8 de dezembro. A princípio, voltaremos em abril, mas o retorno é uma incógnita. Não sei se o canal continuará existindo ou se vamos sofrer intervenção do governo. Se for assim, eu não ficarei. Espero que eles façam direito as contas, porque neste momento o custo político de nos tirar do ar seria muito grande. Cinco milhões de argentinos nos veem todos os domingos. Temos uma audiência média de 20 pontos, um índice que é um delírio para um dominical jornalístico. Nenhum programa que fala de política na Argentina se compara a isso. O governo até mudou o horário do campeonato argentino de futebol, em maio passado, para que as partidas coincidissem com o início do PPT. Com televisores ligados nos jogos, achavam que perderíamos audiência. Nós levamos a melhor. Das vinte vezes em que competimos com o futebol, o placar foi favorável à nossa equipe em quinze.
O Clarín não é um monopólio. Tecnicamente, isso só acontece quando um fornecedor controla o mercado de um produto ou serviço. A Argentina tem vários canais de televisão aberta, centenas de jornais, milhares de rádios. Esses meios de comunicação pertencem a diferentes proprietários e há um cenário plural de opiniões.
Pesquisas recentes mostram que apenas uma minoria crê nos propósitos declarados das autoridades (de acordo com a consultoria Management & Fit, 30% creem que a lei busca democratizar os meios). A maior parte dos argentinos acredita que os meios de comunicação devem ter o direito de publicar ou transmitir o conteúdo que quiserem sem o controle do governo. É evidente que a Lei de Mídia foi feita contra um grupo em particular, o Clarín. Essa é a única empresa contra a qual o governo briga atualmente. Se a lei fosse aplicada de forma isenta, outros empresários teriam de se adaptar, mas eles não têm sofrido represálias por causa disso. Uma das cláusulas diz que uma empresa que oferece serviços públicos não pode ter um canal. No entanto, a emissora de televisão Telefé é controlada pela Telefónica da Espanha, que por sua vez provê serviços de telecomunicações. Nenhuma pressão foi feita. A desculpa é que a Telefónica argentina não tem nada a ver com a da Espanha. Outro exemplo: o Canal 9 é de um empresário da América Central, o mexicano Ángel González González, que produz novelas. Esse canal ignora a regra segundo a qual uma porcentagem dos programas deve ser produzida localmente. O governo nada faz. Permite que esse canal viole a Lei de Mídia com um monte de enlatados, contanto que exibam programas pró-governo.
Ultimamente, não tenho recebido tantas. Na época em que eu dirigia o jornal Página/12, a redação recebeu cinco ameaças de bomba. O clima agora está mais calmo, mas não pacífico. Em outubro do ano passado, quando viajei à Venezuela para cobrir as eleições, fui acusado pelos chavistas de fazer espionagem. Nosso grupo tinha sete pessoas. Fomos presos e forçados a apagar toda a filmagem que tínhamos feito. Um desastre. Liguei para o embaixador argentino na Venezuela, mas o diplomata não nos ajudou em nada. Ele fez tudo o que era possível para agradar a Hugo Chávez. Só nos liberaram duas horas depois.
Eles hostilizam os profissionais de uma maneira incrível. Se um jornalista menos conhecido descobre irregularidades no governo, geralmente decide não publicá-las. Tem medo da reação. Além disso, poucos querem brigar com o chefe, pois oito em cada dez veículos argentinos são fiéis à Casa Rosada. Essa situação obviamente gera muita autocensura.
Claro! Mais até do que as denúncias. Os políticos querem ser respeitados. São muito solenes. Se alguém ri deles, ficam desarmados. Os gregos, com a sátira, faziam humor político. No Brasil, o Pasquim brigava com a ditadura usando o humor. Na minha carreira, sempre fiz isso. Quando dirigi o jornal Página/12, o então presidente Menem nos chamou de “imprensa amarela”. No dia seguinte, o jornal chegou às bancas todo impresso em páginas amarelas. O humor é essencial para nos aproximar dos jovens. Eles começam a assistir ao nosso programa para se divertir, mas acabam ficando e escutando a parte política. Rir é bom.
De todos os lados. Às vezes, até de funcionários do governo. Quanto mais briga interna há na máquina estatal, mais dados ficam disponíveis para os jornalistas. Em geral, nenhuma informação é inocente. Quando alguém me conta algo, é por algum interesse pessoal. Para mim, o que importa é investigar se a denúncia é verdadeira. Não tenho de proteger ninguém. Temos ainda mais denúncias esperando a hora para entrar no programa.
Espere para ver.
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