Esquizofrenia cambial apenas como primeira etapa: o destino final é a fuga de capitais, a desvalorização, a inflação, enfim, um filme que já vimos antes.
Quanto vai durar? Depende das reservas e do aumento da corrupção na manipulação das diversas taxas de câmbio: sempre tem espertinhos que obtêm uma taxa mais favorável para depois vender mais caro no mercado livre.
O resultado é a crise final, que prevejo para o final de 2014...
Paulo Roberto de Almeida
Por César Felício | De Buenos Aires
Valor Econômico, 20/11/2013
A presidente argentina, Cristina Kirchner, deve empossar hoje
os novos ministros da Economia, Axel Kicillof, da Agricultura, Ricardo
Casamiquela, e o ministro-chefe do Gabinete, Jorge Capitanich, ponto de partida
para uma guinada econômica que se avalia como iminente e que deve começar pela
política cambial. Desde o início do ano, as reservas internacionais da
Argentina caíram 26%, de US$ 43,3 bilhões para US$ 32,2 bilhões, ou só cinco
meses de importações.
Kicillof é um crítico do desalinhamento cambial. O dólar
está cotado a 6,04 pesos, e economistas estimam que seria preciso desvalorizar
a moeda entre 20% e 60% para repor a competitividade da economia. Antes de
entrar para o governo, em 2011, Kicillof defendeu a volta do sistema de câmbio
múltiplo, em que o dólar teria cotações diferentes para exportações, importações,
operações financeiras, de turismo e de investimento.
O recurso foi usado em situações de crise, nos governos de
Juan Perón (1973-1974), Raúl Alfonsín (1983-1989) e Eduardo Duhalde
(2002-2003). Nos primeiros dois casos, a experiência não deteve a queda de
reservas, houve megadesvalorizações e o país caminhou para surtos
inflacionários e recessivos de grandes proporções. No caso de Duhalde, o câmbio
múltiplo foi adotado como saída para o atrelamento do peso ao dólar, que
vigorou de 1991 a 2001. Teve curta duração, produziu inflação em níveis menores
e marcou o início da recuperação econômica do país. "O desdobramento pode
levar ou não a um desequilíbrio, dependendo do resultado fiscal", disse o
economista Eduardo Curia, vice-ministro da Economia em 1990.
Na equipe econômica de Cristina, Kicillof externou
preocupação com a sobrevalorização do peso. "Existe na Argentina uma
tendência permanente de valorização da moeda. Os produtos agropecuários de
exportação produzem entrada permanente de divisas, e o dólar se torna barato. O
liberalismo leva a uma apreciação da moeda, e a indústria perde
competitividade. É preciso impedir esta tendência", disse, por exemplo, em
outubro de 2012, ao apresentar o Orçamento no Congresso.
Entre os observadores do mercado argentino, há dúvidas sobre
o real poder que Kicillof terá. "Cristina sempre foi uma concentradora de
poder, e seus ministros eram meros executantes. Precisamos aguardar o que irá
mudar não apenas na forma, mas no conteúdo das políticas", afirmou o presidente
do centro dos importadores (Cira), Diego de Santisteban.
O contrapeso ao poder de Kicillof poderá ser Jorge
Capitanich. Na Argentina, o ministro-chefe do Gabinete tem atribuições de
coordenador do governo e, em tese, teria ascendência sobre Kicillof. Este papel
não foi exercido pelos dois últimos ocupantes do cargo, Juan Manuel Abal Medina
e Aníbal Fernandez, mas nenhum dos dois tem pretensões presidenciais, como é o
caso de Capitanich, até esta semana governador da província do Chaco. "Ele
é um político da máquina peronista e pode representar a mudança de rumo mais
substancial no governo", afirmou Alejandro Ovando, da consultoria IES.
Outro amortecedor possível do poder de Kicillof é o novo
presidente do Banco Central, Juan Carlos Fábrega. Funcionário de carreira do
Banco de La Nación Argentina, Fábrega ganhou espaço no governo por ser amigo de
juventude do marido e antecessor de Cristina, Néstor Kirchner, morto em 2010.
"Ele é um soldado de Cristina, vai manter o Banco Central financiando o
Tesouro, mas é aberto ao diálogo com o sistema financeiro, ao contrário da
antecessora", afirmou o economista Aldo Abram, da Fundação Liberdade e
Progresso, em uma referência à ex-presidente do BC Mercedes Marcó del Pont.
O mercado argentino reagiu mal às mudanças: a Bolsa de
Buenos Aires caiu 6,55%, uma queda mais acentuada que a de outros países, como
Brasil, Peru, Venezuela, Colômbia, México e Chile.
Por César Felício | De Buenos Aires
Em 2001, ano em que a Argentina foi à bancarrota e teve que
desvalorizar a sua moeda, um dos muitos atingidos pela crise foi um bar chamado
Espero Infinito, no bairro portenha de Palermo Hollywood. O local, famoso pelos
recitais de música que trazia todas as quintas-feiras, foi a única experiência
conhecida no mundo privado do economista Axel Kicillof, de 42 anos, o novo
ministro da Economia do país, que tomará posse hoje.
O estilo alternativo é uma das heranças que Kicillof ainda
cultiva de seu tempo na cena cultural de Buenos Aires. Jamais visto de gravata
no Ministério da Economia, seu visual se destaca pelas camisas sociais
entreabertas e as longas costeletas no rosto. Kicillof é informal mesmo em suas
exposições institucionais, como quando chamou de "palhaços" e
"imbecis" os que se opuseram à estatização da petroleira YPF, em
2012, oportunidade em que ainda definiu as expressões "ambiente de
negócios" e "segurança jurídica" como "horríveis".
Após sua breve experiência como empresário, Kicillof se
firmou como um especialista na história das ideias econômicas na Universidade
de Buenos Aires (UBA). Escreveu "Fundamentos da Teoria Geral: As
Consequências Teóricas de Lord Keynes", um livro de 498 páginas, dois anos
depois de "De Smith a Keynes, Sete Lições de História do Pensamento
Econômico", de 372 páginas.
Seu pensamento é firmemente intervencionista. "Quando
há problemas de contração econômica, o que se necessita é fazer uma política
monetária expansionista, que contribui para reduzir as taxas de juros de forma
a facilitar a liquidez e o crédito. Isso está em qualquer manual", disse,
ao expor o Orçamento de 2013 ao Senado, justificando a expansão da emissão
monetária no patamar de 40% ao ano.
"Trata-se de um keynesiano em sentido único: defende a
política fiscal expansionista e não vê necessidade de moderar o gasto
público", comentou, em reserva, o economista-chefe de uma entidade
empresarial.
Kicillof é frequentemente tachado de marxista, desde que foi
nomeado vice-ministro da Economia. Mas ele se irrita com o rótulo. "É um
adjetivo usado para agitar fantasmas que a imprensa tem. Sou um estudioso do
marxismo", disse num programa de TV simpático ao governo.
Em público, a nomeação de Kicillof foi elogiada no mundo de
negócios, com comentários positivos do magnata do petróleo Alejandro
Bulgheroni, do grupo Bridas, do dono da Corporação América, Eduardo Eurnekian,
do presidente da Associação de Bancos, Jorge Brito, entre outros.
A nomeação não foi surpresa no meio empresarial, dado a
fraqueza do titular do cargo até esta semana, Hernán Lorenzino. De fato, era
Kicillof, como vice-ministro, que conduzia a política de remuneração das
empresas do setor de petróleo e energia. Foi ele que ocupou o primeiro plano
para anunciar subsídio para o setor habitacional e o aumento da carga tributária
sobre o setor do biodiesel.
Nas tensas negociações comerciais entre Argentina e Brasil,
era Kicillof que costumava trazer a posição da Casa Rosada. Lorenzino se
ocupava apenas dos temas ligados à dívida externa. Mesmo o operador das
barreiras comerciais que afetaram o Brasil, o secretário do Comércio Interior,
Guillermo Moreno, deixou de ter protagonismo nessas reuniões, segundo relato de
diplomatas argentinos e de membros do governo brasileiro.
Como vice-ministro, raras vezes Kicillof se pronunciou sobre
o país vizinho. "Estamos muito vinculados com a economia brasileira.
Quando o Brasil vai mal, isso se faz sentir na Argentina de maneira imediata.
Não acreditem que negando o que se passa no Brasil vamos fazer com que os
fenômenos deixem de existir", disse na exposição do Orçamento,
justificando problemas econômicos argentinos como decorrência do desaquecimento
da economia brasileira.
Sua aproximação com a corrente peronista La Campora,
liderado pelo filho da presidente Cristina Kirchner, Máximo Kirchner, começou a
ser gestada quando ainda era aluno da UBA e montou o movimento estudantil
Tontos Mas Não Tanto, para disputar o poder nos centros acadêmicos contra o
rival Franja Morada, corrente universitária do partido União Cívica Radical
(UCR), de centro-direita. Com companheiros dessa época, ele criou, já como
professor universitário, o Cenda, um centro de estudos de esquerda.
Foi desse posto que Kicillof foi recrutado por Mariano
Recalde, o novo presidente da então recém-estatizada Aerolineas Argentinas,
para se tornar seu assessor como subgerente financeiro da empresa, em 2009. Em
seu período no cargo, a estatal aumentou seu prejuízo anual de US$ 563 milhões
para US$ 666 milhões, um resultado atribuído por Recalde a fatores externos,
como a suspensão de voos pela erupção do vulcão Puyuhue, no Chile.
Da Aerolineas, Kicillof foi designado por Cristina, em 2011,
para representar o Estado na diretoria da Siderar, uma subsidiária do grupo
Techint. O governo argentino havia estatizado dois anos antes os fundos de
pensão, que detinham 26% do capital da empresa. A nomeação causou grande
resistência do conglomerado siderúrgico, o maior grupo privado na Argentina,
que temeu por uma gradual estatização.
Segundo relatam os jornalistas Esteban Rafele e Pablo
Fernandez Blanco no livro "Os Patrões da Argentina", o acionista
majoritário, Paolo Rocca, só levantou suas objeções depois de receber garantias
da própria presidente Cristina, por meio de um interlocutor, de que não haveria
um avanço do Estado sobre o controle da empresa.
Do ponto de vista prático, a presença de Kicillof no
conselho não alterou o desenvolvimento do grupo empresarial, que ainda em 2011
compraria o controle da brasileira Usiminas. No plano retórico, houve tensão.
Em 2012 Rocca publicamente criticou o governo argentino pela perda de
competitividade do país. Já como vice-ministro, Kicillof foi duro ao comentar:
"Ele não conhece o desempenho de sua própria empresa. Podíamos baixar o
preço da chapa de aço para quebrá-lo, mas não vamos fazer isso".
Por César Felício | De Buenos Aires
O secretário de Comércio Interior da Argentina, Guillermo
Moreno, pediu demissão ontem. A demissão foi imediatamente aceita, e Moreno foi
nomeado adido econômico na embaixada argentina na Itália. O economista, que
estava no cargo desde abril de 2006, era a figura mais polêmica da equipe
econômica. Ele se notabilizou por pressionar empresários por ordens não
escritas e por ter feito uma intervenção no Indec, o instituto de estatísticas
do governo, que passou a divulgar índices de inflação distante da realidade.
A queda tende a reforçar o poder do novo ministro da
Economia, Axel Kicillof, que toma posse hoje. E fortalece o novo ministro-chefe
do Gabinete, Jorge Capitanich. Coloca em xeque ainda todo o seu grupo dentro do
governo, formado pela secretária de Comércio Exterior, Beatriz Paglieri, a
presidente do Indec, Ana Maria Edwin, e a secretária de Defesa do Consumidor,
Maria Colombo.
Em 2012, Moreno foi o principal executor das Declarações
Juradas de Antecipação de Importações (DJAI), um mecanismo que fez com que
todas as importações passassem a ser analisadas caso a caso, o que atingiu
severamente o intercâmbio comercial com o Brasil. A pedido da presidente Dilma Rousseff, ele deixou de participar de reuniões bilaterais. Este
ano, ele se desgastou por uma série de iniciativas mal sucedidas, que
sinalizaram para uma perda de poder interno. A de alcance maior foi o insucesso
da política de anistia para quem repatriasse dólares enviados ilegalmente para
o exterior.
Um país mal governado sempre pode piorar, como tem provado e
pode provar mais uma vez a presidente Cristina Kirchner com a recém-anunciada
reforma de seu Ministério. Analistas econômicos receberam com sinais de
preocupação a escolha do economista Axel Kicillof, secretário de Política
Econômica, para chefiar o Ministério da Economia no lugar de Hernán Lorenzino.
O novo ministro é conhecido defensor da intervenção estatal nas empresas e nos
mercados e partidário do câmbio múltiplo. Consultores independentes também
receberam com reservas a nomeação do presidente do Banco de la Nación, Juan
Carlos Fábrega, para substituir Mercedes Marcó del Pont no comando do já
enfraquecido e um tanto desmoralizado Banco Central. Se uma parte dos maus
presságios desses economistas se confirmar, novos erros deverão complicar a
situação econômica argentina, já difícil. Uma parcela da conta poderá ficar
para o Brasil, já prejudicado, há vários anos, pelo protecionismo de seu maior
parceiro sul-americano e indisfarçável emperramento do Mercosul.
Tão preocupante quanto a nomeação de Kicillof para o
Ministério da Economia é a manutenção do secretário de Comércio Interior,
Guillermo Moreno, principal articulador do controle de preços, da manipulação
de índices de inflação. É também o responsável pelo protecionismo comercial,
uma política praticada tanto por medidas abertas quanto por pressões e ameaças
nunca declaradas oficialmente, mas denunciadas com frequência por empresários
de vários setores.
Essa política tem sido facilitada pela atitude das
autoridades brasileiras, propensas, há vários anos, a aceitar desaforos e
imposições de governos da região ideologicamente aparentados. Em algumas
ocasiões, essas autoridades foram além da mera aceitação. Justificaram e
apoiaram esses desaforos, como no caso da invasão armada de instalações da
Petrobrás na Bolívia, e também quando aconselharam industriais brasileiros a
aceitar e "negociar" as barreiras comerciais argentinas.
Mesmo como estratégia de apoio a vizinhos em dificuldades
esse tipo de política nunca poderia dar certo. O apoio jamais poderia ser mais
que temporário e condicional. Além disso, o governo petista sempre foi
obviamente movido por outras considerações - uma afinidade ideológica com o
autoritarismo misturada com a ilusão de uma liderança regional sempre
desmentida pelos fatos.
O apoio do governo brasileiro aos desmandos praticados em
países vizinhos nunca foi calibrado por uma avaliação crítica e minimamente
sensata. O intervencionismo kirchnerista sempre se traduziu em medidas toscas,
demagógicas e imediatistas e nunca em políticas de longo alcance. O resultado
geral só poderia ser o agravamento de uma situação econômica já complicada.
Sem investimento e sem modernização, a maior parte da
indústria argentina continuou pouco produtiva e com escasso poder de
competição. A proteção comercial garantida pela política dos Kirchners jamais
foi condicionada, de fato, à busca de maior eficiência. Isso emperrou tanto o
funcionamento interno do Mercosul quanto a diplomacia conjunta. Sem surpresa, o
governo argentino continua entravando a já demorada e complicada negociação de
um acordo de livre-comércio com a União Europeia.
Anos de intervencionismo inepto e primário minaram os
fundamentos da economia. As reservas cambiais diminuíram de US$ 52 bilhões em
janeiro de 2012 para os atuais US$ 32,3 bilhões. Uma reforma nas regras do
Banco Central ampliou as possibilidades de uso de reservas pelo Tesouro. A
reforma ocorreu na gestão da economista Mercedes Marcó del Pont, disposta a
apoiar os desmandos da presidente Cristina Kirchner, mas contrária à ideia,
defendida por Kicillof, de múltiplas taxas de câmbio.
A mudança ministerial, segundo as primeiras avaliações, dará
força à presidente para um intervencionismo mais amplo e mais perigoso. Se
essas avaliações estiverem certas, vai ficar mais dura a disputa entre os
governos argentino e venezuelano pela taça do maior acúmulo de erros
econômicos.
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