Política internacional e relações econômicas internacionais do Brasil: podcast com alunos da UFPB
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Notas para entrevista oral com alunos de Relações Internacionais da UFPB.
1) A identidade brasileira no sistema internacional depende da imagem que os outros países têm do Brasil. Nesse sentido, podemos relacionar a busca por uma participação mais frequente em foros multilaterais à uma vontade brasileira em consolidar a imagem de um país confiável e engajado, que não se preocupa somente com questões de segurança e de desenvolvimento, mas também com as “low politics” como as temáticas ambientais e de direitos humanos?
PRA: A imagem do Brasil já estava relativamente consolidada até 2018: a de um país desigual, injusto com os seus pobres, os seus índios, com os seus recursos florestais, com muita corrupção, mas também vibrante do ponto de vista de avanços sociais, democráticos e com uma diplomacia de alta qualidade, ativo participantes em todos os foros regionais e multilaterais, com propostas originais e sempre buscando o consenso entre todos os membros de organismos multilaterais e nas mais difíceis negociações, seja no plano econômico e comercial, no terreno ambiental, nos direitos humanos e sociais. Ou seja, elementos negativos e positivos de nossa identidade nacional e da imagem internacional, sem necessariamente se fazer uma distinção entre high ou low politics, assuntos de paz e segurança, por um lado, temas sociais e ambientais, por outro. Os demais países sabem exatamente o que é o Brasil, pois possuem representação no país e existem muitos correspondentes internacionais aqui. Eles sabem distinguir, por exemplo, as frases atribuladas de um presidente sem qualquer credibilidade externa e as declarações formais feitas na ONU e em outros foros internacionais e regionais; sabem que o Itamaraty não é, pelo menos agora, aquela confusão mental e os argumentos ridículos contra o globalismo do ex-chanceler acidental. Acredito que a maior parte dos países aguardam uma mudança de direção no país em 2023.
2) Na atualidade, você acha que o Brasil, ao votar na ONU junto com países como a Arábia Saudita e junto aos EUA pelo embargo contra Cuba, tem comprometido as iniciativas multilaterais e o prestígio internacional do país?
PRA: De fato, a postura ideológica da gestão anterior no Itamaraty prejudicou muito a imagem internacional do Brasil, mas algumas correções foram feitas a partir de abril de 2021, no plano da diplomacia, com alguns resíduos bizarros que ainda ficaram na política externa. Alguns desses temas que destoam muito dos governos anteriores, sobretudo no campo dos direitos sociais, dos direitos humanos e da proteção às minorias, são identificados com esses resíduos ideológicos da postura pessoal do presidente, não expressando a postura real da diplomacia, e sim a postura pessoal do pequeno grupo que cerca o presidente.
3) Dos cinco países do BRICS, apenas a China e a Índia despontam como promessas de grandes economias no futuro. Tendo em vista esse cenário, nós poderíamos afirmar que o BRICS fracassou?
PRA: O BRICS não é uma agência formuladora de políticas econômicas ou produtora de ideias elaboradas de governança, e sim um mero mecanismo de consulta e coordenação criado de maneira totalmente artificial, pois que resultando de uma assemblagem arbitrária feita por um economista de um grande banco, focando bem mais oportunidades de negócios para investidores institucionais, com base numa projeção conjunturalmente otimistas em torno de perspectivas de crescimento. O BRICS não pode ter fracassado porque ele não desenha políticas macroeconômicas ou setoriais, sequer oferece planos de investimentos, a despeito de um banco que se comporta como os demais bancos multilaterais: análise de custo e benefício quanto a projetos de investimento. O BRICS sempre foi bem mais a China do que todos os demais membros reunidos, embora a Índia tenha apresentado um ciclo dinâmico de crescimento econômico nas últimas duas décadas. O fato é que os países membros do BRICS não possuem nenhum acordo de comércio preferencial entre si, e praticamente não são convergentes nas grandes definições de políticas públicas fundamentais.
4) Sobre a área comercial do multilateralismo, gostaríamos de perguntar sobre como tem sido a abordagem brasileira nesses espaços nas últimas décadas. FHC em sua gestão como presidente, por exemplo, lidou bastante com a inserção do Brasil no mundo globalizado e desde então essa passou a ser a grande linha de atuação do país nas instituições internacionais. O quanto dessa redefinição perdura até o contexto atual?
PRA: O liberalismo econômico da era FHC foi, de fato, plantado na curta era Collor, que deu início a uma revisão das grandes linhas das políticas comercial, industrial e até nuclear do Brasil, que perdurou, de forma surpreendente no curto governo Itamar Franco e foi expandido nos dois mandatos do governo FHC. A parte multilateral foi de certa forma continuada nos governos lulopetistas, mas não ocorreu mais abertura econômica ou liberalização comercial, como tampouco privatizações no plano interno. Mas foi reforçada a dimensão regional da política externa, mas praticamente sem nenhum conteúdo econômico, a não ser atuação do BNDES no financiamento – em muito casos misturados a corrupção – de grandes projetos em benefício de corporações brasileiras, na América Latina e na África, sobretudo. Mas essas mesmas empresas foram responsáveis por uma projeção externa exagerada da corrução nesses negócios com parceiros regionais e africanos. No cômputo global, houve poucos avanços no campo das cadeias de valor, ou seja, o Brasil continua ausente dos grandes intercâmbios globais, a não ser como fornecedor de commodities.
5) Tratando do multilateralismo, sabemos que as instituições exercem um papel de grande importância. Em relação ao Brasil, podemos estabelecer que o nosso país pôde se beneficiar do multilateralismo através da expansão da sua diplomacia política, ainda que estivesse inserido em acordos não tão benéficos economicamente.
PRA: A política diplomática do Brasil já era multilateralista no período anterior à ONU e desde então a vertente multilateral tornou-se o eixo central da política externo do país, junto com a dimensão regionalista, mais afirmada a partir dos anos 1990. Houve certa letargia nas negociações de acordos comerciais e de investimentos, mas persistia uma inclinação favorável até o advento da diplomacia bizarra do governo Bolsonaro. Desde 2019, os sinais emitidos foram os mais contraditórios, sobretudo na vertente multilateral, justamente, e de forma ainda mais enfática no terreno do meio ambiente, contribuindo para isolar o Brasil no plano internacional. Pela ação exclusiva do seu presidente, e do anterior chanceler acidental, o Brasil realmente converteu-se num pária internacional, jamais consultado para tratar de alguns dos grandes temas da agenda internacional. Desacordos internos ao Mercosul também dificultaram avanços em novos acordos bilaterais ou plurilaterais.
A partir de um novo governo, dotado de uma diplomacia “normal”, isto é, convergente com valores e princípios clássicos em nossa postura externa, será possível recuperar o terreno perdido em quatro anos de quase total nulidade diplomática.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4138: 27 abril 2022, 3 p.