Vergonha do Brasil e do Itamaraty: uma expressão pessoal de meu profundo desconforto moral com o desgoverno que rebaixa o conceito externo da nação.
Ingressei na carreira diplomática em plena ditadura, e durante alguns anos continuei resistindo ao regime militar, usando nomes de guerra para escrever contra o autoritarismo e mesmo contra aspectos da “diplomacia blindada” que tivemos em algumas fases da ditadura.
Mas a política externa não era o pior aspecto do regime militar, quando comparada, por exemplo, à idiotice da censura política e da repressão cultural, ou até, no limite, à repressão desapiedada de opositores pacíficos do regime, entre os quais eu me incluía.
Melhoramos muito em todos os aspectos desde 1985, embora a vergonha das desigualdades sociais tenha continuado impérvia desde então, a despeito de melhorias pontuais em governos passados.
Mas um aspecto passou a me constranger desde as eleições presidenciais de outubro de 2018: jamais, até 2018-19, senti tanta vergonha da política externa e da diplomacia como nos últimos 4 anos.
Tenho profunda tristeza pelo que ocorreu com nossa imagem internacional e com o lado deprimente e depressivo que atingiu — o verbo não é muito forte — o Itamaraty, sobretudo na primeira fase do atual governo, quando a gestão da Casa de Rio Branco esteve entregue à franja lunática que rebaixou o conceito da diplomacia profissional e da própria política externa de forma nunca antes vista na história do país.
Não consigo imaginar o estado de espírito da maioria dos meus colegas diplomatas e não consigo entender como alguém da carreira possa ainda admitir, apoiar ou defender o atual desgoverno, conduzido por um desequilibrado ex-militar, um indigno representante das masmorras dos anos de chumbo da ditadura militar.
Os valores e princípios da diplomacia profissional brasileira foram espezinhados e conspurcados pelos que humilham a nação no mundo.
Sei que este meu protesto não tem nenhuma relevância no atual contexto eleitoral; eu apenas desejei registrar meu sentimento num momento decisivo da trajetória do Brasil: vamos atravessar o Bicentenário da Independência numa situação de profunda divisão do país.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5/09/2022