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terça-feira, 13 de outubro de 2020

A evolução tecnológica do agronegócio - Xico Graziano

Xico Graziano demonstra como o agronegócio não é só moderno, mas indispensável igualmente. 

Xico Graziano destaca evolução tecnológica do agronegócioa Brasil

XICO GRAZIANO
Poder360, 25.set.2020 (sexta-feira) - 6h00


Todos os municípios líderes de polos agrícolas no Brasil têm IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) acima da média dos Estados onde se localizam. Vejam algumas referências:

  1. Rondonópolis tem IDH de 0,755 e Sinop tem IDH de 0,754, contra 0,725 do Mato Grosso.
  2. Balsas tem IDH de 0,687, contra 0,639 do Maranhão.
  3. Luiz Eduardo Magalhães tem IDH de 0,716, contra 0,660 da Bahia.
  4. Rio Verde tem IDH da 0,754, contra 0,735 de Goiás.
  5. Dourados tem IDH de 0,747, contra 0,729 do Mato Grosso do Sul.
  6. Araçatuba tem IDH de 0,788, contra 0,783 do Estado de São Paulo.

O IDH superior dos municípios líderes do agronegócio comprova que o efeito multiplicador das atividades geradas no agro beneficia toda a sociedade. A renda agregada se distribui, os empregos indiretos crescem, o comércio se dinamiza. Basta ver o ânimo dos shoppings centers, das revendas de veículos, das oficinas, escritórios, dos inúmeros serviços associados ao mundo rural.

Esse dinamismo econômico provocado pelos modernos polos de agronegócio não é ainda bem entendido pela economia clássica. Nesta, divide-se a economia de um país em 3 setores: primário (agricultura), secundário (indústria) e terciário (comércio). Tal esquematização servia, antigamente, para analisar as economias onde a agricultura era tradicional, a indústria puxava e os serviços começavam.

Acontece que, no Brasil, desde os anos de 1980, as cadeias produtivas ligadas ao agro foram se tornando mais e mais complexas, envolvendo outros setores, de processamento, de insumos e máquinas, de crédito, de tecnologia, chegando até o consumo da população com marcas nas gôndolas do supermercado.

Esse movimento contemporâneo que gerou o atual agronegócio agrega muito valor aos produtos finais. Quando uma tonelada de soja, ou de carne, sai para a distribuição interna, ou é exportada pelo porto, nela está contida elevada dose de tecnologia. Poderosos investimentos em conhecimento foram capazes de elevar a produtividade dos fatores de produção rural, na média dos últimos 40 anos, em cerca de 3,4% ao ano.

Ou seja, não vivemos mais no mundo separado entre indústria e agricultura, e nem esta é mais, como se dizia, primária. Segundo o Cepea/Esalq/USP, o PIB do agronegócio sobre o PIB brasileiro cravou 21,4% em 2019. Esta é a fatia da riqueza brasileira gerada a partir da produção rural.

Nesta fatia, a produção rural, propriamente dita, representa apenas 22% do valor total do agronegócio. Ou seja, lavouras e pecuária, atividades que se praticam dentro da porteira das fazendas, já é parte menor do agronegócio. Incrível.

A agroindústria de processamento (frigoríficos, lacticínios, usinas de açúcar, celulose, torrefação de café) gera valor maior, de 30%, dentro do agronegócio como um todo. Já os chamados agrosserviços (assistência técnica, transporte de cargas, varejo, açougues, quitandas, restaurantes, finanças, propaganda, exportação, etc.), lideram o PIB do agronegócio com peso de 42%.

Resumindo: a produção da roça, hoje em dia, faz movimentar uma roda gigantesca de atividades econômicas, gerando renda e empregos que se espalham pelo país. No século 21, o rural dinamiza o urbano.

Certos economistas tradicionais ainda pensam a agricultura como antigamente. Este é o erro, grave, cometido por Luis Piemonte, em seu artigo publicado aqui no Poder360, intitulado “País focado no agronegócio será sempre desigual”.

Piemonte pensa que ainda praticamos… “a milenar agricultura, aprendida nos primórdios da humanidade (cujo) caminho normal é confiar apenas na ajuda da mãe terra, jogando nela sementes e esperando que se desenvolvam para colher, ensacar e vender”.

Meu Deus, será que o professor nunca leu nada sobre a evolução tecnológica recente do agro? Já ouviu falar na Embrapa? Em que mundo vive Luis Piemonte?

O Brasil ainda não descobriu a força de seu agro, pois se apega ao raciocínio econômico tradicional e vê apenas rasas commodities onde existe profundo valor agregado. Invertendo o raciocínio de Piemonte, eu diria: o grão de soja agrega tecnologia a cada safra, tal qual o telefone celular agrega funcionalidades ano a ano.

Em termos globais, a Austrália e a Nova Zelândia, países fortemente agrícolas, mostram elevado IDH, ocupando respectivamente o 6º e o 14º lugar no ranking mundial de qualidade de vida.

Conclusão: não é verdade que um “país focado no agronegócio será sempre desigual”. Cqd.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

MST: um movimento anacronico, como as ideias de quem o sustenta - Xico Graziano

O País sem o MST

O Estdo de S.Paulo, 06 de agosto de 2013
XICO GRAZIANO *
Noutro dia, em seminário do PT na Bahia, Lula alisava seu ego político quando lançou um enigma: "Eu fico pensando o que seria o Brasil se não fosse o MST". A resposta me brotou fácil: haveria mais prosperidade e paz no campo. Explico o porquê.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) originou-se em 1979, motivado pela luta agrária dos colonos gaúchos nos municípios de Ronda Alta e Sarandi. O regime militar, que comandava o País na época, tentou desmantelar, pelas mãos do famigerado coronel Curió, aquela inquietação camponesa. Ao contrário, porém, sustentado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e apoiado por líderes da oposição democrática, o episódio prosperou, agigantando-se o acampamento de sem-terra.

Cinco anos depois, 8 mil pessoas invadiram a Fazenda Annoni, demonstrando uma ousadia que, de pronto, ganhou a simpatia da opinião pública. O sucesso da empreitada guindou a nova organização à liderança da ação "antilatifundiária" no campo. Seu antípoda, criado no debate da Constituinte, era a União Democrática Ruralista (UDR). Seu rival "interno", de quem procurou sempre se diferenciar, era a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), considerada "pelega" pela esquerda de então. A sociedade em mudança adotou o MST.

Assim, no estrebuchar da ditadura, renascia no País a tese da reforma agrária. Agora, porém, a causa vinha despida de sua lógica econômica, conforme fora idealizada nos anos 1960, para se carregar de conteúdo social. Com a bênção da Teologia da Libertação, um pedaço de terra redimiria os excluídos do campo. Nascia uma utopia agrária.

Ruíra em 1989 o Muro de Berlim. Por aqui, findos os anos de chumbo, avançava a redemocratização. Simultaneamente, avançava a modernização capitalista da agricultura, modificando a dinâmica do agro; antigos latifúndios viravam empresas rurais. Mais à frente, o Plano Real retirou da terra ociosa seu ganho especulativo, empurrando-a para a produção. Começava o império da tecnologia na agropecuária brasileira.

Nesse caminhar da História, a bandeira revolucionária do MST começou a perder seu brilho. Foi então que a organização decidiu, em 1995, mudar sua estratégia, partindo para o confronto direto com os fazendeiros do País: invadiu a Fazenda Aliança, situada em Pedra Preta (MT). Pertencente a um conceituado líder ruralista, a propriedade mantinha excelente rebanho, elevado rendimento, 29 casas de alvenaria, 160 quilômetros de cercas, 21 empregados registrados, reserva florestal intacta. Um brinco produtivo.

Acabou nesse momento o MST "do bem". Inaugurando a fase ulterior da crise agrária, as invasões de propriedades tomaram conta do Brasil, avançando especialmente contra as pastagens de gado. Incontáveis "movimentos" surgiram alhures, arrebentando cercas, roubando gado, fazendo "justiça" com as próprias mãos. Verdadeiras quadrilhas disfarçaram-se de pobres coitados e saquearam regiões, como no sul do Pará. Banditismo rural.

O MST militarizou-se. Seus quadros passaram a fazer treinamento centralizado, o comando definiu regras de comportamento e seleção. Centros passaram a oferecer cursos de capacitação, baseados na cartilha básica intitulada Como Organizar a Massa. Doutrinação pura. Nascido como "movimento social", o MST transformou-se em rígida organização, adentrando a cidade. Recrutando miseráveis urbanos, montou uma "fábrica de sem-terra" no País. Nunca mais a reforma agrária encontrou seu eixo.

Como teria sido a reforma agrária sem o terrorismo das invasões de terras?

Primeiro, seria certamente um programa mais bem planejado, articulado, e não um remendo açodado para resolver conflitos. Não trombaria com a agronomia nem com a ecologia, projetando assentamentos tecnicamente viáveis. Não faria da reforma agrária um foco de devastação ambiental, conforme se verifica em toda a Amazônia. Não confundiria remanescentes florestais com terra inculta, promovendo uma infeliz união da miséria com a depredação ecológica, como, entre tantos exemplos, provam a Fazenda Zabelê, no litoral de Touros (RN), ou a Fazenda Araupel, em Rio Bonito do Iguaçu (PR).

Segundo, os beneficiários da reforma teriam aptidão reconhecida para a lide rural, jovens habilitados, filhos de agricultores familiares, jamais viriam dos excluídos da cidade. O vestibular da terra seria a capacitação, nunca a invasão. Os assentamentos rurais estariam baseados na produção tecnológica, integrada ao circuito de mercado, nunca firmada na roça de subsistência, isolada. Os novos produtores se emancipariam, seriam titulados, e não, como ocorre hoje, se tornariam subservientes ao poder.

Terceiro, e em decorrência dos anteriores, a reforma agrária seria menor em tamanho, porém muito maior em qualidade. Geraria produção e renda. Daria à sociedade retorno do investimento público. Hoje, acreditem, nem se avalia o custo-benefício dos assentamentos. Nunca se mediu sequer a produção agropecuária advinda das áreas reformadas no Brasil, que atingem 90 milhões de hectares, envolvendo 1,2 milhão de assentados. Ninguém sabe quanto nem o que produzem.

Conclusão: o distributivismo agrário resultou na mais onerosa e fracassada política social da História brasileira. Para se ter uma ideia, o custo médio de cada assentado beira os R$ 100 mil, valor que manteria uma família durante 13 anos recebendo um salário mínimo mensal. Com uma agravante: pelas mãos raivosas dos invasores de terra se criou no País um foco contínuo de encrenca, antipatias, inimizades. Cizânia agrária.

O que seria do Brasil se não fosse o MST? Respondo ao Lula, tranquilamente: mais produtivo e fraterno no campo.
* XICO GRAZIANO É AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Regionalizacao do crescimento brasileiro - Xico Graziano

Rumo ao interior
Xico Graziano (www.xicograziano.com.br)
de S. Paulo, terça-feira, 05 de fevereiro de 2013

O Brasil está interiorizando seu desenvolvimento. Basta averiguar um traço espacial da economia brasileira em 2012: o PIB da Região Centro-Oeste apresentou crescimento de 3,3%. Apesar de modesto, esse valor foi sete vezes maior do que o verificado na Região Sudeste, que subiu apenas 0,5%. Rumo ao interior.

É muito interessante perceber tal fenômeno, apontado pela consultoria Tendências. Onde impera o setor industrial - em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, parte também no Espírito Santo - anda capengando o País. Já onde domina a agropecuária - nos Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e até no Distrito Federal - instala-se um círculo virtuoso de prosperidade. Embora sofrendo as deficiências da infraestrutura logística e, de certa forma, amargando o descaso do governo, os agronegócios têm animado a economia brasileira.

Esse dinamismo observado nas regiões mais longínquas, distantes da orla atlântica, pode configurar, com o passar do tempo, uma nova fase do desenvolvimento nacional. Com a expansão da fronteira agrícola instalam-se as agroindústrias e distribuidoras de insumos, trilham-se estradas e ferrovias para transportar a safra, cresce a população atrás do emprego. Novas oportunidades de negócios surgem, chega o comércio, geram-se renda e riqueza onde somente havia poeira, ou mata virgem. Cidades florescem.

Já ocorreram antes, em outras condições históricas, tais deslocamentos espaciais da economia. Nas origens, a produção do açúcar nordestino progressivamente ocupou parte da Zona da Mata, uma faixa de terra litorânea, estreita, desde o Rio Grande do Norte até o sul da Bahia. Solos férteis e firmes, conhecidos como "massapê", cobertos com Mata Atlântica, suportaram os dois primeiros séculos da Colônia.

Grande movimento se deu também por causa da descoberta do ouro nas Minas Gerais. Começou assim a ocupação de vasta área, então quase desabitada, que viria a acolher um quinto da população brasileira. Fruto dessa alteração espacial no dinamismo da economia e da sociedade, a capital do País se deslocaria, em 1763, de Salvador para o Rio de Janeiro. Rodava o mundo da fortuna.

Com a descoberta da riqueza do café, a bebida que revolucionou a economia brasileira, a próspera viagem da economia adentrou o Vale do Paraíba, atingiu São Paulo e mirou as terras roxas de Campinas, para depois alcançar Ribeirão Preto. Os cafezais tomaram um descanso com a crise de 1930, mas depois ganharam fôlego e voltaram, soberbos, para desbravar o norte do Paraná. Linda saga do "ouro verde".

Andanças secundárias deixaram sua marca na ocupação histórica do vasto território. Pode-se relatar a colonização do Vale Amazônico na busca da coleta florestal, do cacau, da pesca e, um século depois, da borracha natural; o estabelecimento da atividade pecuária nos friorentos pampas gaúchos; ou, ainda, a ousadia portuguesa dos arrozais no Maranhão colonial. Momentos de expansão do sonho da prosperidade.

É curioso perceber que a extensa área do Centro-Oeste permaneceu relativamente afastada desses ciclos da economia nacional. Sua localização, muito distante da costa, criava dificuldades de acesso. Goiás, que experimentou certo dinamismo com a mineração, somente viria a ser, em termos, redescoberto com a fundação de Goiânia (1933), a nova capital do Estado que substituiria a histórica Vila Boa (atual Cidade de Goiás). Em 1988 dele se desmembraria o Estado do Tocantins.

Mato Grosso contou com a ajuda da navegação fluvial para ser inicialmente desbravado. Subindo ao longo do Rio Paraguai, ou descendo pelo Rio Tietê, os colonizadores e bandeirantes atingiram o povoado de Albuquerque. A capital da extensa província se deslocaria para Cuiabá (1835), mas nenhuma força econômica verdadeiramente a impulsionava. A valorização da pecuária motivou a separação, em 1977, do jovem Estado de Mato Grosso do Sul.

Fora as longas distâncias, outra característica básica domina a Região Centro-Oeste: nela se situa grande parte do Cerrado brasileiro, bioma assentado em 23,9% do território nacional. Com vegetação típica, árvores pequenas, cascorentas e retorcidas, decorrentes da estação extremamente seca que impera entre maio e setembro, os solos do Cerrado apresentam baixa fertilidade e acidez elevada. Até os anos 1950 nenhum agrônomo imaginava que poderiam tornar-se produtivos.

Aconteceu, porém, uma espécie de milagre da tecnologia agrícola. Utilizando calcário e fertilizantes, aquelas chapadas do Cerrado, consideradas imprestáveis, foram se transformando em exemplos mundiais de agricultura, ostentando produtividades maiores do que as antigas regiões da terra roxa. Mais ainda: o temor da erosão, maldito na agricultura tradicional, acabou vencido pelo plantio direto, sistema que não exige aração nem gradeação do terreno todo para se efetuar a semeadura. Uma revolução tecnológica.

Resultado: em menos de 30 anos uma verdadeira corrida para o oeste desbravou o Cerrado. Protagonizado por lavradores gaúchos, paranaenses e paulistas, esse "eldorado" tupiniquim abriu as portas do progresso na região - e sem devastação, pois a área cultivável do Cerrado ocupa apenas metade do total. Hoje o Centro-Oeste já responde por 41% da safra nacional de grãos, liderado por Mato Grosso, que sozinho produz 25%. Fora o rebanho bovino, de elevada qualidade genética. Incrível.

Daqui a, talvez, duas décadas, estará consolidada uma nova geografia econômica no Brasil. A facilidade na comunicação, se for complementada por fortes investimentos na logística, terá vencido, definitivamente, a distância que manteve amordaçado o potencial produtivo do Centro-Oeste. Longe do litoral, perto do futuro.

* Xico Graziano é agrônomo e foi secretário de Agricultura e secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Feijao capitalista (o MST nao gosta...) - Xico Graziano

Boa parte das imagens e representações que a comunidade acadêmica brasileira de ciências sociais mantém sobre a agricultura brasileira e sobre as chamadas "relações de producao" no campo é deformada pela abordagem simplista ou simplesmente falsa, derivada de concepções (marxistas ou não) equivocadas sobre o setor e seus principais atores sociais e agentes econômicos. 
Abaixo o artigo de um expecialista que também conhece a literatura a respeito. 
Paulo Roberto de Almeida

Feijão capitalista 
Xico Graziano (www.xicograziano.com.br)
O Estado de S. Paulo, terça-feira,  22 de janeiro de 2013

Boa parcela da opinião pública acredita que a comida do povo vem do agricultor familiar, enquanto o agronegócio capitalista serve ao comércio exterior. Ledo engano. O equívoco nasce de uma ideia antiga, superada. Hoje manda a integração produtiva no campo.

A começar do ciclo açucareiro colonial, no Nordeste, a historiografia consagrou distintas funções, e certa oposição, entre a grande propriedade rural, dominante, e a agricultura de subsistência, que vivia em suas beiradas. Existia, realmente, um dualismo. Escritores famosos, como Caio Prado Jr., sempre descreveram a grande lavoura - o latifúndio ou a plantation - como aquela destinada à exportação, de açúcar, cacau ou borracha. Produzir alimento básico era coisa de pobre.

Quando chegou o ciclo da mineração, no século 18, o deslocamento da população - a maioria escrava - rumo ao Sudeste, exigiu fortalecer a produção de alimentos. Desde os pampas gaúchos, dedicado à pecuária e ao seu valioso charque de carne, por todo o Centro-Sul surgiram novos agricultores, animados por atenderem o consumo interno criado nas atividades auríferas das Minas Gerais.

Mais tarde, na economia cafeeira de São Paulo, já livre da escravidão, o colonato favoreceu o cultivo de gêneros alimentícios, seja entre as ruas do cafezal novo, seja em áreas destacadas da fazenda. Caminhava a economia livre. Mas a crescente demanda nas cidades brasileiras trouxe à tona a questão do abastecimento urbano. Em 1901, relatava Alberto Passos Guimarães - A Crise Agrária, 1978 -, quase 43% das importações brasileiras, em valor, representavam produtos básicos, incluindo feijão, fava, milho, arroz, banha e manteiga. Com escassez os preços elevaram-se, estimulando os pequenos agricultores. Plantar comida passava a oferecer lucro.

A partir da grande crise mundial, dos anos 1930, a diversificação da economia brasileira, na cidade e no campo, aprofundou-se. Décadas depois, com o forte êxodo rural alargando as metrópoles, a necessidade do abastecimento nas periferias transformou definitivamente a agricultura de subsistência em próspero negócio. Além do tradicional arroz com feijão, os moradores do asfalto exigiam ovos, carnes, verduras e legumes, frutas, leite; aos roceiros bastava produzir e vender. Daí surgiram os Ceasas, sacolões, varejões e, claro, os supermercados. Mudou a distribuição no varejo dos alimentos.

Mudou também, e muito, o caráter da produção rural. Ela ganhou escala e tecnologia, cresceu em produtividade, integrou-se às agroindústrias, aprendeu a comercializar, buscou financiamento. O raciocínio guarda lógica: as cidades brasileiras jamais teriam sido abastecidas - e bem ou mal o foram - sem uma grande transformação ocorrida no campo. Que prossegue acelerada.

Nesse processo histórico, as análises dualistas sobre a agricultura perderam razão. Sim, existem ainda os tradicionais agricultores de subsistência, a maioria empobrecida no semiárido nordestino. Enfraqueceu-se, porém, com a modernização agrária a antiga oposição entre a grande e a pequena produção. Ambas, com tecnologia, passaram a ser regidas pela lucratividade do mercado, seja interno, seja externo. Assim, tornaram-se complementares, e muitas vezes se confundiram. Vejam alguns exemplos.

Típica da velha família rural, a banha de porco acabou substituída na cozinha pelos óleos vegetais. O mais barato, de consumo popular, origina-se do esmagamento do grão da soja. Pois bem, no Paraná e no Rio Grande do Sul, grandes plantadores da oleaginosa, 90% da produção advém de agricultores familiares, ligados às grandes cooperativas exportadoras. Ou seja, a mesma agricultura que gera divisas garante a fritura na mesa. Sem distinção.

No café, a maior parte da safra brota das lavouras mineiras, grandemente ligadas às cooperativas. A Cooxupé, a maior delas, aglutina 12 mil cafeicultores, sendo 80% pequenos produtores rurais. Do embarque total de grãos nos pátios da cooperativa (2011), perto de 15% se destinou às torrefadoras do mercado interno; a grande parte seguiu exportada. Pequenos, juntos, ficam grandes.

Em cada ramo da agropecuária nacional se pode verificar essa junção entre o agronegócio capitalista e a produção familiar, sendo difícil separar, no destino, o mercado interno do externo. Na cultura da cana, em que preponderam os grandes usineiros, cerca de 70% do açúcar se exporta, mas o etanol, que enche o tanque dos veículos, dos pobres principalmente, fica aqui dentro.

Quem produz frango, o agricultor familiar ou o agronegócio? Resposta fácil: ambos. As empresas frigoríficas representam grandes negócios, privados ou cooperativados; já os avicultores, a elas integrados, são familiares. 

E o feijão? A maioria da produção, é verdade, advém de pequenos produtores. Estes, entretanto, não se configuram mais como de subsistência, vendendo apenas o excedente. Que nada. Espelham agricultores altamente tecnificados.

Nos Estados Unidos, sabe-se, a mecanização da agricultura provocou, ao mesmo tempo, o aumento da escala de produção e o fortalecimento da gestão familiar, preponderante por lá. Tal processo se caracteriza, por aqui, especialmente em Mato Grosso, onde enormes fazendas produzem soja e milho, nas lavouras tocadas pelos próprios produtores e seus filhos. Negócios gigantes, familiares.

Essas histórias mostram que ser familiar não necessariamente significa ser pequeno. E comprovam que pequeno agricultor pode, perfeitamente, participar do agronegócio, quer contribuindo para a exportação, quer alimentando o povo.

Pode acreditar: inexiste oposição entre agricultura familiar e agronegócio. O feijão virou capitalista.

* XICO GRAZIANO É AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR

terça-feira, 3 de abril de 2012

Meli-melo ambiental: ou a confusao da Rio+20 - Xico Graziano

A Rio+20 ameaça tornar-se uma Rio+caos, pelo menos no plano das deliberações, dos debates, das resoluções.
Como o planeta inteiro quer resolver todos os seus problemas -- e mais alguns, de sobra -- com resoluções idealistas, o que vai se ter, na verdade, é muita transpiração, e pouca inspiração, como sempre aliás, nessas reuniões multilaterais muito amplas.

Não sou dos catastrofistas, e não acho que o mundo vai acabar apenas porque a geração atual -- gastadora, perdulária, ecologicamente irresponsável -- não vem fazendo aquilo que os ambientalistas vivem recomendando que ela faça: economia, não consumo, recomposição, reconversão, reciclagem, etc.
Acho que o mercado, e o sistema de preços, vão sinalizar perfeitamente a raridade relativa dos bens naturais e daqueles produzidos pelo homem, e, no devido tempo, vai inflexionar os processos produtivos para os mais sustentáveis do ponto de vista econômico. Pode não ser o do agrado dos ambientalistas, mas provavelmente será o mais lógico e o mais economicamente racional.
O resto é debate cansativo.



X-Tudo Ambiental
Xico Graziano
O Estado de S.Paulo, 3/04/2012

Passado duas décadas, desde quando se realizou a Rio 92, a ONU resolveu organizar no Brasil uma nova Conferência mundial. Concebida para avaliar o desenvolvimento sustentável, a Rio+20 ameaça ser um fracasso. Sua complexa agenda virou uma torre de Babel.
A primeira Conferência mundial sobre meio ambiente ocorreu em 1972, na cidade sueca de Estocolmo. Lá nasceu o importante Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Começava a serem conhecidos, cientificamente, os limites da Terra à explosão populacional humana. Consequências ecológicas do crescimento econômico.
Importante relatório da ONU, divulgado 15 anos depois, intitulado “Nosso Futuro Comum”, definiu as bases do conceito que virou mantra na atualidade: o desenvolvimento sustentável. Derivado da noção pioneira do “ecodesenvolvimento”, proposta pelo economista polonês Ignacy Sachs, o termo propunha conciliar a economia com a ecologia. Mais tarde, na Cúpula da Terra (nome original da Rio 92), ampliou-se a compreensão sobre o tema, consagrando o famoso tripé da sustentabilidade: ecologicamente equilibrada, socialmente justa, economicamente viável.
Ao se incorporar na temática do desenvolvimento econômico, a causa do ambientalismo, antes restrita aos idealistas e visionários, ganhou importância. A sociedade global mudava a compreensão sobre seu devenir. O crescimento predatório, que emite notas promissórias contra o futuro, perdeu cartaz, abrindo espaço para o surgimento da economia verde, novo paradigma da civilização.
Em tese, tudo resolvido; na prática, imensas dificuldades. As Nações jamais consolidaram passos subsequentes, necessários para obter governança global sobre o meio ambiente. As empresas, por seu lado, perderam tempo tratando a sustentabilidade apenas como uma jogada de marketing, pouco modificando os processos tecnológicos de produção. Entre as pessoas, a conscientização ecológica jamais ultrapassou as elites da sociedade. Em consequência, anda atrasado o enfrentamento consistente da crise ambiental.
Falta também clareza sobre a idéia central. Desde quando se formulou o conceito do desenvolvimento sustentável, suas três dimensões  - ambiental, social, econômica - disputam espaço político em sua agenda. Se, num primeiro momento, a luta ambiental se robusteceu ao ser incorporada nos processos decisórios da economia, aos poucos o ambientalismo passou a dividir seu ativismo com grupos centrados nas desigualdades sociais. Uma sociedade miserável, afinal, não pode ser considerada sustentável.
Especialmente nos países emergentes, como o Brasil, os dilemas elementares do crescimento – emprego, moradia, energia, transportes – exigem obras que pressionam fortemente as variáveis ambientais. Nesse sentido, o preservacionismo radical, coerente nos países ricos, por aqui soa elitista. Por isso a ideia da sustentabilidade, mais ampla, ganhou espaço, forçando o ambientalismo a ser realista. Mais que eloqüentes palavras, ações concretas.
Noutra linha, certas organizações fizeram da sustentabilidade uma estratégia de combate à exclusão humana, fornecendo uma grife aos movimentos ligados à erradicação da miséria e à justiça social. Estes, agora, pegaram carona nos preparativos da Rio+20 e praticamente dominaram a mídia sobre a reunião.  Negros, feministas, sem-terra, índios, gays, causas humanitárias variadas se imiscuiram com o ambientalismo, resultando boa confusão, teórica e política.
Resultado: a Rio+20 perdeu seu foco original, ligado à crise ecológica da civilização. Assim argumentam os cientistas, militantes da causa ambiental, laureados com o prêmio Planeta Azul, uma espécie de Oscar da sustentabilidade. O físico José Goldemberg é um do lideram a grita contra essa deformação nos debates pré-Conferência, marcada para início de junho. Rubens Ricúpero, diplomata decisivo para o sucesso da Conferência de há vinte anos, esclarece: "Se a questão ambiental não for encaminhada de maneira satisfatória, se o clima aquecer demais, não teremos nem social nem econômico (...) virá o colapso total".
Para piorar o quadro, entidades (que se julgam) esquerdistas passaram a contestar o tema da economia verde, proposto originalmente pela ONU, argumentando que esverdear os processos produtivos interessa apenas ao capitalismo. Para libertar os povos oprimidos, defendem, será necessária uma nova e ampla “revolução”, que, obviamente, ninguém sabe definir qual, nem como. Nem onde.
Assim nos aproximamos da Rio+20. Nesse contexto, provavelmente nada de importante nela se decidirá. Uma avaliação séria, se viesse a ser realizada, mostraria que, a despeito de boas ações aqui e ali, a civilização humana continua caminhando para o colapso. Inexiste uma força coordenadora, decisória, que enquadre a sociedade global na agenda futurista. Esta governança, que poderia ser o grande assunto do encontro, será provavelmente substituído pelas resoluções de sempre, genéricas, que empurram o problema com a barriga.
A grande Conferência da ONU deve configurar, infelizmente, apenas uma grande festa ideológica, cujo brilho até poderá ajudar no avanço da consciência ecológica mundial, mas que não deixará marca registrada. Haverá uma mistureba semelhante ao recheio daqueles sanduiches do tipo X-Tudo: uma fatia da diplomacia internacional, uma rodela de terceiromundismo clássico, pitadas da Via Campesina, pedacinhos de ambientalismo com molho oriundo dos povos oprimidos, um caroço do empresariado inteligente amolecido pelas entidades científicas, tempero blá blá blá à vontade.
Fica delicioso, enche a barriga, mas não guarda o gosto de nada.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Novo Codigo Florestal: uma confusao dos diabos...

Felizmente, um agrônomo entendido esclarece um pouco o que está em jogo nesse debate até agora infeliz no Brasil, tanto no Parlamento, quanto fora dele.

Triste Peleja
Xico Graziano - AgroBrasil
O Estado de S. Paulo, terça-feira, 15 de Junho de 2010

Nada positiva essa encrenca sobre o Código Florestal. A opinião pública anda confusa, até assustada. Argumentos esdrúxulos partem de ambos os lados, tanto dos ambientalistas quanto dos ruralistas. Virou um besteirol rurambiental.

Embora contenha defeitos, não é verdade que o relatório Aldo Rebelo escancare as portas da destruição florestal. Tampouco é aceitável acusar, como fez o deputado, as ONGs ambientalistas de servirem ao capital internacional. Agricultor não é sem-vergonha nem ecologista serve à maldade. A radicalização só atrapalha a superação desse sério impasse sobre a legislação florestal do País.

Bandidos contra mocinhos funciona bem no cinema, não na roça. Nessa matéria, que importa ao futuro da sociedade, não pode haver vencedores nem vencidos. Será imperdoável votar uma proposta de modificação do Código Florestal que derrote o ambientalismo, por mais estranhas que sejam certas posições dentro dele. Por outro lado, se o ruralismo perder para a ingenuidade verde, melhor seria decretar o fim da agricultura. Ninguém sabe, assim procedendo, como viveriam os seres humanos.

O dilema entre produzir e preservar não comporta pensamento obscurantista nem simplista. Ao contrário, somente a luz do conhecimento poderá encontrar saídas que levem ao novo, e imprescindível, modelo civilizatório. O mundo alimenta, hoje, 6,5 bilhões de habitantes, seguindo há séculos, no campo e nas cidades, uma trajetória de confronto com a natureza. Até 2050 a população talvez se estabilize em 9 bilhões de pessoas. Vai piorar a pegada ecológica.

Querer praticar a agricultura predatória dos antepassados será burrice incomensurável. Por outro lado, defender a regressão agrícola soa insano. Conclusão: somente a tecnologia agropecuária resolve esse impasse, fundamentando uma proposta conciliadora entre a produção e a preservação. Uma saída negociada que unifique as posições em disputa. Nem tanto a Deus nem tanto ao diabo. O caminho do meio.

A agricultura sustentável deve fazer parte da solução, não do problema ambiental. Um roteiro de consenso para a reformulação do Código Florestal deve começar por expor seus porquês. Vamos lá. Quatro fortes razões justificam alterar a lei elaborada em 1965:

1) Existe dificuldade em conceituar a reserva florestal legal nas propriedades abertas antes da vigência da lei. Áreas de agricultura consolidada exigem tratamento distinto de locais ainda cobertos com vegetação nativa.

2) Certas áreas chamadas de preservação permanente, como várzeas, encostas e topos de morro, servem há décadas à agricultura de arroz, uva, café, entre outras, exigindo sua legalização produtiva.

3) Agricultores que, na Amazônia Legal, abriram terras antes de 1995, quando a reserva obrigatória era de 50% da área da fazenda, não podem ser criminalizados pela posterior elevação dessa proteção ambiental para 80%. Raciocínio semelhante vale para o cerrado.

4) A legislação precisa auxiliar o agricultor a resgatar seu passivo ambiental, favorecendo a recuperação especialmente das matas ciliares, aquelas que protegem rios e nascentes. Corredores ecológicos mais valem que pedaços de reserva isolados no território.

Existem várias possibilidades para avançar nesses quatro pontos básicos, adequando o Código Florestal à realidade presente, sem punir os agricultores de bem. Sendo assim, é aceitável:

1) Permitir a utilização de sistemas agroflorestais que misturem culturas com espécies arbóreas, inclusive exóticas, para facilitar a recuperação de áreas degradadas.

2) Realizar a compensação de passivo ambiental noutro local, fora da propriedade, mesmo ultrapassando o território do Estado quando houver identidade de bioma, na mesma bacia hidrográfica.

3) Incluir a área de preservação permanente (APP) no cômputo da reserva legal (RL), desde que o agricultor firme compromisso de recuperação ambiental com prazo máximo de dez anos.

4) Oferecer aos Estados maior capacidade de normatização e execução prática da lei florestal, estimulando o fortalecimento dos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente.

Mas existem limites que não podem ser ultrapassados. É, portanto, inaceitável que o Congresso Nacional:

1) Anistie os fazendeiros que desmataram recentemente suas reservas florestais, afrontando conscientemente a legislação, particularmente após 2001, data da última alteração do Código Florestal.

2) Facilite novos desmatamentos, em qualquer bioma e para qualquer tamanho de propriedade; ao contrário, deve estabelecer uma moratória mínima de cinco anos na supressão de florestas nativas em todo o País.

3) Diminua o tamanho da reserva legal obrigatória, uma instituição genuinamente brasileira.

Decididamente, há espaço para compor uma boa posição entre o ambientalismo e o ruralismo, valorizando ambos. Para tanto, porém, é preciso superar o argumento polarizado. O raciocínio dualista, predominante na tradição ocidental, sempre opõe o bem contra o mal, o certo e o errado, santo contra pecador. Poderosa na religião, tal lógica costuma prejudicar a evolução das ideias e a solução dos problemas da sociedade. Assim acontece agora com a reformulação do Código Florestal.

Será necessário substituir esta briga atual, em que todos saem perdendo, por um jogo de vencedores, bom para o meio ambiente, bom para a agricultura. Acontece que nenhum jogo de futebol da Copa do Mundo chegaria ao final sem arbitragem. A grande culpa por essa encrenca recai sobre o governo Lula, que parece se divertir assistindo à triste peleja entre os agricultores e os ambientalistas.

Um descaso contra a galinha dos ovos de ouro do País.