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domingo, 15 de julho de 2018

Uma revelacao surpreendente, uma explicacao necessaria - Paulo Roberto de Almeida

Uma revelação surpreendente, uma explicação necessária

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: retirar fundamento de um boato; finalidade: esclarecimento público]

Minha atenção foi chamada, recentemente, para uma revelação surpreendente, feita em tom de confidência por um amigo que a ouviu, direta ou indiretamente, de algum colega diplomata, segundo a qual eu estaria integrando a equipe de apoio de um dos candidatos às próximas eleições presidenciais – ou seja, fazendo parte de um grupo de formulação de políticas – e que eu poderia vir a ser membro de seu ministério, na área das relações exteriores, se por acaso esse candidato, classificado à direita no âmbito do espectro político, viesse a ser eleito. Não sei exatamente de onde pode ter saído tal “informação”, mas ela não corresponde absolutamente à minha postura, na atual campanha eleitoral, por motivos que julgo relevante explicar, por simples cuidado de transparência, aliás confirmada em relação a minha produção intelectual e atividades públicas, objeto de registro e divulgação em minhas ferramentas de comunicação social, como por exemplo o blog Diplomatizzandoe o meu site pessoal, nos quais estão consignadas minhas listas de trabalhos originais e os publicados. 
Não estou, por razões de ética profissional e de simples acatamento a uma postura totalmente independente em relação a partidos e movimentos políticos, a serviço de qualquer um dos atuais ou futuros candidatos à presidência da República, assim como não postulo, e não desejo, por razões eminentemente práticas, exercer qualquer cargo executivo em eventual governo que venha a tomar posse em janeiro de 2019. Preservo total autonomia de pensamento e ação no terreno da política e, embora seja um cidadão consciente de minhas obrigações cívicas nessa área, não aspiro cargos ou assessorias em qualquer governo que venha a se formar a partir das eleições de outubro do corrente ano. Pretendo manter minha atitude de distanciamento crítico em relação a qualquer um dos candidatos à presidência do Brasil, em especial em relação ao candidato ao qual pretendem, contra a minha vontade, me vincular politicamente.
Essa revelação surpreendente pede algum esclarecimento sobre suas prováveis origens, assim como minha postura aqui exposta apela a uma explicação credível; é a isto que se destina a presente nota. Meus colegas de carreira estão quase amplamente informados, mas não necessariamente o público externo, de que, dentre os diplomatas que, na vigência dos governos do PT, foram considerados como “adversários políticos” de um regime que eu nunca hesitei em considerar nefasto ao Brasil, eu fui o único que permaneci, na inteira vigência daquele “reinado”, sem qualquer cargo ou função na Secretaria de Estado, aliás até o presente momento. Desde o início de 2003, quando fui expressa e deliberadamente vetado para um cargo no Itamaraty, ao qual eu tinha sido convidado em razão de minha capacitação na área, atravessando os dois governos Lula e um e meio de sua sucessora, e até o momento mesmo do impeachment, em maio de 2016, eu nunca exerci qualquer função na Secretaria de Estado, vetado que estava para o exercício das atividades às quais eu estava vinculado por dever de ofício, e isso contrariamente a normas administrativas a que o Ministério deveria estar adstrito. Já me expliquei, em diversas ocasiões, mas especialmente em dois textos divulgados em meu blog pessoal – uma primeira vez em 18 de dezembro de 2016, uma segunda em 26 de junho de 2018: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/uma-longa-travessia-do-deserto.htmlhttps://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/duas-pedras-no-meio-do-caminho-paulo.html– sobre como transcorreu essa longa travessia do deserto funcional a que estive relegado, um exílio involuntário que durou exatamente o dobro de meu primeiro exílio, voluntário, a que fui levado durante o período da ditadura militar. 
Pois bem, a que se poderia atribuir a “informação” em questão, dado que sempre fui extremamente discreto quanto às minhas escolhas políticas, mas deliberadamente aberto e transparente quanto ao que penso em relação a políticas e políticos em geral? Provavelmente ao fato que nunca escondi o que pensava – e isto está registrado em inúmeros trabalhos publicados desde antes de 2003 – sobre o partido companheiro e suas políticas esquizofrênicas para a administração do país. Paralelamente às minhas atribuições profissionais na carreira diplomática, exerço desde sempre atividades complementares no mundo acadêmico, sendo autor de muitos livros e artigos sobre os mais diversos assuntos de interesse em meu universo de preocupações intelectuais. Pode-se dizer que fui o único diplomata a ter escrito e publicado artigos e livros que podem ser classificados como objetivamente – e até subjetivamente – críticos em relação ao regime e suas políticas públicas, especialmente sua política externa, que sempre chamei de “lulopetismo diplomático”. 
Entendo que devo a essa postura de objeção pessoal à maior parte das políticas companheiras, em especial na área externa, o fato de ter sido agora alinhado “à direita” do espectro político, posição que rejeito não apenas por convicções ideológicas, mas também porque ela não corresponde absolutamente à verdade dos fatos. Aliás, eu nunca fui crítico do PT e das políticas companheiras porque estas e o seu partido seriam “de esquerda”, o que eu considero plenamente admissível no terreno das opções políticas disponíveis a qualquer cidadão consciente e participante ativo do jogo político, como aliás eu mesmo sou, mesmo sem estar integrado a qualquer partido, o que nunca fiz e não pretendo fazer. Sempre fui opositor daquelas políticas e de seus promotores pelo fato singelo de que sempre considerei que eles fossem totalmente ineptos na condução das políticas públicas, e por saber, de antemão – o que depois se revelou amplamente – que eles eram tremendamente corruptos no exercício do poder, além de dominados por um inaceitável espírito totalitário. 
Creio que os inúmeros textos meus divulgados a esse respeito – a maior parte deles livremente disponíveis nas ferramentas pessoais e na plataforma Academia.edu, e os mais representativos no livro Nunca antes na diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais(Appris) – podem ter causado essa impressão de que eu estaria identificado com, ou trabalhando para, um desses candidatos também crítico aos companheiros, o que eu desminto formalmente. Recentemente formulei algumas propostas de política econômica externa – notadamente o capítulo sobre “relações internacionais” no livro organizado por Jaime Pinsky, Brasil: o futuro que queremos(Contexto, 2018) – o que pode, mais uma vez, ter aberto espaço para esse tipo de associação que absolutamente inexiste. 
Se ouso ser ainda mais transparente quanto às minhas preferencias políticas, posso confirmar, formalmente, que não sou, nem pretendo ser, eleitor do candidato em questão, por divergir filosoficamente, e absolutamente, de suas posturas gerais em uma variedade muito ampla de terrenos e políticas públicas. Se existe algum candidato que se aproxima mais ou menos daquilo que eu mesmo penso quanto à natureza e sentido das medidas que deveriam ser implementadas por algum estadista (até aqui inexistente) eventualmente alçado à condição de presidente, esta pessoa seria o candidato do partido Novo, com o qual a minha interface de ideias é mais ampla e bem mais convergente. Depois de ter sido marxista na juventude, sou, na idade madura, um libertário puro. 
Espero que estas minhas explicações sejam suficientes para eliminar qualquer questionamento quanto às minhas preferências políticas, ou qualquer “revelação” de que eu estaria interessado em exercer cargos executivos, mesmo em minha área de trabalho. Sou, e pretendo continuar sendo, um espectador engajado, e não mais do que isso. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de julho de 2018

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Relacoes internacionais do Brasil: 5 pontos essenciais para as eleicoes presidenciais de 2018 - Paulo Roberto de Almeida

Estas são as notas que havia elaborado previamente à entrevista concedida a jornalista do Instituto Millenium sobre possíveis temas eleitorais, mas que não utilizei na gravação, a não ser por defender ideias, digamos assim, "similares" às que vão aqui expostas. A leitura deste texto não dispensa, portanto, uma audição da gravação feita, que está disponível nas coordenadas abaixo: 

Relações internacionais do Brasil: 5 pontos essenciais para as eleições presidenciais de 2018

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: Entrevista em formato de podcast para o Instituto Millenium; finalidade: abordar questões de política externa relevantes nas eleições de 2018]


Introdução: a baixa incidência relativa das relações externas nas eleições de 2018
As relações internacionais do Brasil, à diferença talvez de ocasiões anteriores, não deverão assumir papel relevante na campanha presidencial e nos debates eleitorais em 2018, uma vez que não existem grandes crises que afetem o Brasil ou que tenham uma interface externa, como podem ter sido, por exemplo, o problema da dívida externa e dos acordos com o Fundo Monetário Internacional em ocasiões passadas. Ainda em 2002, para relembrar uma dessas ocasiões, o Partido dos Trabalhadores, junto com os chamados movimentos sociais, organizava manifestações, petições, plebiscitos contra o pagamento da dívida externa, contra o projeto americano de um acordo comercial hemisférico, a Alca, Área de Livre Comércio das Américas, assim como se manifestava de maneira geral contra supostas ameaças vindas dos investimentos diretos estrangeiros em setores considerados estratégicos pela esquerda brasileira.
Tudo isso ficou para trás agora, como a própria ameaça de uma suposta “crise internacional”, já amplamente superada em 2014, para justificar a deterioração da situação econômica brasileira, amplamente provocada pela gestão inepta e corrupta do mesmo Partido dos Trabalhadores nas eleições presidências daquele ano. A tremenda crise que o Brasil viveu entre 2015 e 2017, e que ainda exerce seus efeitos devastadores em termos do número de desempregados – mais de 13 milhões, sem falar do tradicional subemprego e dos já excluídos do mercado de trabalho –, essa crise que eu chamo de A Grande Destruição lulopetista da economia – depois da Grande Depressão dos anos 1930 e da Grande Recessão de 2008 – foi inteiramente fabricada no Brasil, mas os companheiros ainda tentavam atribuir seus efeitos a uma não existente crise internacional, totalmente inventada por uma propaganda distorcida.
Atualmente, a despeito do baixo crescimento europeu, a maior parte das economias nacionais vem crescendo a taxas satisfatórias, com destaque para países da Ásia Pacífico e mesmo para alguns vizinhos latino-americanos, que resolveram se integrar à economia mundial, como são, por exemplo, os membros da Aliança do Pacífico. O Brasil, infelizmente, vai demorar algum tempo para retomar taxas adequadas de crescimento econômico, em função dos problemas acumulados pela gestão incompetente do PT nos dez anos que vão de 2006 a 2016.
Não há, portanto, grandes culpas a atribuir à situação econômica internacional pelas nossas dificuldades presentes, o que deve deslocar o debate eleitoral para os problemas já detectados nos últimos dois anos, e que ainda demandam equacionamento adequado: a grave crise fiscal, as reformas estruturais não feitas, entre elas, em primeiro lugar, a da Previdência, uma rebaixa dos níveis extorsivos de tributação, a continuidade dos programas de redução das despesas públicas, excessivas e justamente responsáveis pelos desajustes atuais, na União e nos estados, assim como a melhoria dos péssimos indicadores de desempenho educacional, o principal fator que incide sobre os níveis de produtividade, notoriamente baixos no caso do Brasil.
Ainda assim, existem diversos pontos das relações internacionais do Brasil que podem ser suscitados na campanha eleitoral e que vale a pena abordar ainda que de maneira sintética, pois deles dependem um melhor desempenho econômico do país, capazes de contribuir para o emprego, para o crescimento, para o aumento da renda e para uma maior inserção internacional do Brasil. Vamos a eles.

1. Abertura econômica internacional e liberalização comercial
A primeira tarefa de uma política externa renovada, e consequentemente também a de sua diplomacia profissional, é a de contribuir para um processo de crescimento sustentado da produtividade na economia, pela redução do custo do capital e pelo aperfeiçoamento do capital humano, os dois elementos mais importantes da produtividade total de fatores, junto com as demais externalidades positivas que cabe ao Estado prover de forma eficiente.
A melhor maneira que eu vejo de atingir esses objetivos passa por uma abertura econômica ampla e pela liberalização comercial, ou seja, um acolhimento mais dinâmico de investimentos diretos estrangeiros e a redução de nossa ainda alta proteção tarifária. Ambas medidas constituem, essencialmente, decisões de política doméstica, bem mais do que de política externa, que pode porém auxiliar na implementação desses dois objetivos maiores. Mas a maneira de fazê-lo é necessariamente uma tarefa de política interna, tanto por razões estruturais quanto conjunturais, e é fácil identificar as razões.
O Brasil é hoje um país introvertido, o mais fechado do G-20, o grupo de nações economicamente mais importantes do mundo, que todas possuem coeficientes de abertura externa bem superiores ao exibido pelo Brasil. Ou seja, somos nós que estamos errados, não os outros, ao manter restrições ao capital estrangeiro e barreiras muito elevadas contra as importações. Grande parte de pequenos e grandes contrabandos, em nível individual ou já como obra de grupos criminosos, se deve, na verdade, ao enorme protecionismo comercial praticado pelo Brasil. Somos nós que somos fechamos ao mundo, somos nós que condenamos o povo a consumir produtos caros e de baixa qualidade, somos nós que obrigamos nossos empresários a se abastecer internamente a custos bem mais altos, o que os torna pouco competitivos externamente e que justamente redundou nessa desindustrialização precoce a que assistimos sob o desastroso regime econômico do lulopetismo, e que nos levou à maior recessão de toda a nossa história. Em resumo, somos estruturalmente, sistemicamente protecionistas e o mundo não tem absolutamente nada a ver com isso.
Temos, portanto, de corrigir isso, o que implica, obviamente tratar da questão da nossa incorporação às chamadas cadeias globais de valor, o fenômeno característico do atual estágio das relações econômicas internacionais. Todos os economistas sabem, mas os empresários também, que a maior parte do comércio internacional não se dá em nível de produtos acabados, mas sim com base em partes e peças, acessórios, bens e insumos intermediários, muitas vezes transacionados entre filiais das mesmas empresas, ou entre companhias associadas, componentes diversos fabricados nos mais diferentes países que depois são assemblados naquele que apresenta as melhores condições para sua fase final, com base na mão-de-obra ou na automação (mas as duas estão intimamente ligadas atualmente), que é a confecção última antes de se lançar o produto no mercado.
O Brasil está singularmente ausente dessas cadeias de valor, como existem hoje disseminadas em quase todos os continentes, com destaque para o Atlântico Norte e, crescentemente para a bacia do Pacífico, ou seja a Ásia oriental e a costa pacífica do hemisfério americano. A esse respeito, as políticas setoriais da gestão lulopetista entre 2003 e 2016 foram singularmente desastrosas, típicas reproduções do que já era inadequado em décadas passadas, que foram as políticas substitutivas de importações, tal como preconizadas pelo pessoal da velha Cepal e ainda hoje, pasmem, por certos economistas da UniCamp. Essas políticas, industriais e comerciais, se baseavam na proteção comercial das indústrias nacionais, no pesado apoio dado pelo Estado às empresas já instaladas no país – ainda que fossem estrangeiras, como as montadoras de automóveis – e em diversos outros mecanismos fiscais e financeiros de apoio e de generosos subsídios. Foi o caso, por exemplo, do Inovar-Auto, da dupla Guido Mantega-Fernando Pimentel, um típico exemplo daquilo que eu chamo de stalinismo industrial, ou seja, a tentativa ilusória de tentar fazer uma indústria de automóveis num circuito fechado ao próprio Brasil e os sócios do Mercosul.
Além de totalmente equivocada em suas concepções e efeitos práticos, essa medida ainda infringiu compromissos internacionais do Brasil no âmbito da OMC, em função dos quais o Brasil foi condenado no sistema de solução de controvérsias dessa organização, tendo de modificar vários pontos de sua legislação discriminatória. O governo ainda não anunciou como será o sistema substitutivo ao censurado pela OMC, mas minha postura é a de que políticas setoriais devem, não apenas serem o máximo possível homogêneas e universais – ou seja, sem beneficiar exclusivamente um ramo ou outro – mas também conformes a nossas obrigações internacionais.
Quanto ao método de se efetuar essa abertura econômica e essa liberalização comercial, muitos recomendam negociações externas com parceiros comerciais do Brasil, novos ou velhos, no plano multilateral ou regional, eventualmente bilateral. Eu diria que não vejo muito espaço, atualmente, para grandes negociações externas, uma vez que existe um retraimento no plano multilateral, depois do fracasso quase completo da Rodada Doha da OMC, compensado por um avanço nos arranjos minilateralistas, nos planos plurilateral e bilateral. Mas este é um caminho praticamente barrado para os membros do Mercosul, que se encontram ainda na etapa já superada do simples acesso a mercados, quando a maior parte dos países e dos blocos já se encontram envolvidos em acordos de segunda ou de terceira geração. Cabe ainda reconhecer a baixa disposição dos países do Mercosul e dos membros da União Europeia em oferecer reais concessões, mesmo em acesso a mercados, quando se constata o insucesso repetido das diversas fases do longuíssimo processo de negociações birregionais UE-Mercosul.
Esse cenário pouco propenso a barganhas negociadoras recomendaria, portanto, uma medida bem mais simples: a abertura unilateral, ou seja, a redução não negociada das nossas próprias tarifas aduaneiras, que muitos acusariam ser uma concessão sem barganha, o que me parece rematada bobagem. Cabe relembrar, se as pessoas ainda não sabem, que as tarifas são punições contra o nosso próprio bolso, pois somos nós que pagamos, não os exportadores, assim como é um completo absurdo a aplicação de PIS-Cofins sobre as importações, quando produtos importados não têm absolutamente nada a ver o financiamento da seguridade social nacional.
Tudo isso, ou seja, a imposição de tarifas aduaneiras proibitivas – ou seja, a continuação da substituição de importação do passado – e a extensão do PIS-Cofins a produtos importados – que os industriais brasileiros consideram ser apenas uma equalização das condições de concorrência, quando essa medida deveria ser considerada inconstitucional – ocorre porque os empresários nacionais afirmam não poder concorrer com a produção importada pois a carga tributária no Brasil é excessiva. Isso é mais um absurdo: se os industriais nacionais consideram que não podem concorrer com produtos estrangeiros isentos de tributação deveria lutar pela extinção da tributação extorsiva, não impor as mesmas condições aos bens importados, tornando-os mais caros aos consumidores nacionais.
Em outros termos, nessa e em outras áreas da economia nacional, o ambiente de negócios no Brasil se encontra completamente deformado, e é preciso mudar isso de forma urgente, pois os industriais brasileiros vêm perdendo mercados estrangeiros e nichos de mercado no próprio Brasil.

2. O problema do Mercosul e da integração regional na América do Sul
O Mercosul, de 2003 a 2016, deixou de ser uma ferramenta para a inserção internacional do Brasil, tal como tinha sido concebido no início dos anos 1990, e tornou-se um problema triplo: diplomático, econômico e de política comercial. Os desvios quanto aos objetivos do TA, detectados ainda na fase 1995-1999, foram ampliados depois da crise argentina, e tremendamente potencializados pelo curso errático das políticas adotadas pelas administrações Kirchner e Lula a partir de 2003. O tripé essencial para a continuidade do bloco – liberalização comercial para dentro, política comercial unificada para fora e coordenação de políticas macro e setoriais – foi totalmente desvirtuado a partir daquela época, em favor de uma politização indevida das instituições próprias ao bloco, seguindo-se uma verdadeira anarquia institucional.
No campo das negociações externas, ocorreu um desastre incomensurável, ao se adotar uma postura defensiva baseada no mínimo denominador comum, que passou a ser o protecionismo ordinário argentino. A implosão ideológica da Alca e a crença ingênua num acordo com a UE foram dois passos irrefletidos no caminho da insensatez. Nada avançou a partir de então, a não ser acordos ridículos na dimensão Sul-Sul, e um com Israel, apenas para compensação visual. Não estranha, assim, que vizinhos mais sensatos tenham procurado suas próprias soluções para comércio e investimentos, ao negociar acordos com os EUA, com a UE e outros parceiros, e ao adotar seus próprios esquemas de liberalização real dos fluxos comerciais (Aliança do Pacífico), já pensando na grande integração produtiva que terá seu centro na bacia do Pacífico e até no Índico, reunindo todos os grandes atores do comércio internacional (dos EUA à Austrália e NZ, e toda a Ásia Pacífico integrada na globalização). Brasil e Mercosul estão totalmente ausentes desse novo universo absolutamente central da atual e futura economia mundial.
Pior ainda foi a expansão indevida, totalmente política, do Mercosul em direção de vizinhos pouco propensos a adotar os mecanismos básicos da união aduaneira tal como definida em 1991 e supostamente implementada (com defeitos) em 1995. O ingresso desastroso da Venezuela, a suspensão ilegal do Paraguai, a abertura apressada e injustificada a parceiros incapazes de cumprir os requisitos básicos do TA e do POP (como Bolívia, Equador, talvez Suriname) não apenas não retificam o que foi feito de errado no Mercosul, como acrescentam novos problemas ao edifício instável do bloco.
Existem diferentes problemas no e do Mercosul, nenhum deles derivado de mecanismos e instituições do próprio bloco, todos eles derivados de políticas, atitudes e comportamentos das administrações nacionais. Os problemas se situam na zona de livre comércio, mas também na união aduaneira. Nem consideramos aqui o problema da Venezuela, que derivou de seu próprio caos econômico: ela sequer deveria ter sido admitida, alias de forma irregular, e também demorou para que ela fosse colocada em quarentena e mantida isolada das negociações externas.
No plano do livre comércio, caberia fazer um mapeamento dos impedimentos práticos à sua total consecução, e isolar esses setores numa espécie de “caixa amarela”, para então começar a discussão sobre seu enquadramento ou dispensa semipermanente. No campo da união aduaneira, caberia, igualmente, contabilizar e identificar os fluxos que são levados ao abrigo e fora da TEC, para um diagnóstico mais detalhado da situação. O mais importante, porém, seria um exercício de exame das políticas comerciais dos quatro membros – uma espécie de TPRM-OMC, adaptado às configurações do bloco – com vistas a ter um panorama real, e realista, sobre todas as políticas nacionais compatíveis e incompatíveis com os objetivos do bloco. Apenas a partir desse diagnóstico mais preciso se poderá partir para o terreno das prescrições de políticas, algumas simplesmente diplomáticas, mas a maior parte dependente de definições nas próprias políticas comerciais e industriais do Brasil (e dos sócios).
Impossível fazer qualquer proposta realista sobre o maior problema diplomático do Brasil sem partir de uma visão muito clara quanto às demais definições de políticas nacionais, no campo econômico, certamente, mas também no das relações com a Argentina e com os demais parceiros prioritários do Brasil (que não são os do Ibas, do Brics, ou fantasias sulistas do gênero, mas), basicamente, EUA, UE, China, Argentina, demais sul-americanos, e todos os demais, nessa ordem. Em síntese, o Mercosul precisaria voltar a ser um componente na estratégia brasileira de inserção internacional na economia mundial, não o problema que ele é hoje. 

3. O problema do Brics: o que fazer com um grupo heterogêneo?
Trata-se, provavelmente, do primeiro agrupamento que surgiu nos anais da diplomacia mundial não por indução interna, mas por sugestão externa. A sugestão não tinha qualquer caráter diplomático, mas se tratava de uma assemblagem de oportunidades visando unicamente altos ganhos para investidores privados, conjunção efetuada sob o signo de uma sigla atraente, que possuía apelo suficiente, do ponto de vista jornalístico, para seduzir até mesmo experientes diplomatas e um ou outro homem de Estado. 
O problema do Brics, para o Brasil, é que ele não deveria existir, pelas “leis naturais” da diplomacia, ou em função dos interesses nacionais do Brasil. O Brasil seria um país suficientemente maduro, pelo menos no que toca sua diplomacia, para atuar em completa independência, sem muletas de qualquer grupo, formal ou de ocasião, no plano multilateral, bilateral, regional. Mas este já é um outro problema, de mentalidade, ou comportamental, que caberia examinar em outro contexto. Vamos ficar no problema do Brics para o Brasil.
A constituição do grupo engaja a responsabilidade internacional do Brasil, enquanto nação respeitada na comunidade de nações. A complicação é dupla: o Brics amarra o Brasil a propostas e iniciativas que não teriam e não têm nada a ver com os seus interesses nacionais, bilaterais, regionais ou multilaterais, com países que diferem amplamente, por suas características, do tipo de ação diplomática que conviria conduzir nesses âmbitos, e em função de agendas que seriam melhor conduzidas em total autonomia de ação, em quaisquer frentes que se possa pensar: na governança mundial, nas questões da paz e da segurança internacional, nos valores humanitários e dos direitos humanos, na gestão dos recursos naturais, nas negociações multilaterais, enfim, num sem número de terrenos.
O Brics não é um problema para o Brasil, que pode manter suas relações com cada um deles mediante canais já testados por sua diplomacia. Mas o Brics representa uma camisa de força que pode comprometer sua margem de ação internacional. Os ganhos aparentes de presença e de visibilidade internacional são claramente ofuscados pela amarras contraditórias que se tem de fazer no contexto do grupo. Um balanço de ganhos e perdas pode comprovar esse diagnóstico.

4. Relações com os países desenvolvidos
Existem muitos desafios nas relações com os países desenvolvidos, quaisquer que sejam eles; mas as oportunidades são ainda maiores. Na última década e meia, sob o lulopetismo, o Brasil se orgulhou de conduzir uma política externa voltada para o Sul. Não consigo imaginar como alguém pode se demonstrar satisfeito com andar com uma perna só, ou usar uma única mão nas tarefas diárias, ou tapar voluntariamente um olho, para conduzir o seu carro assim, de forma caolha. Sempre achei isso uma atitude de restrição unilateral incompreensível,na medida em que, sendo o mundo amplo, diverso e diversificado, não haveria nenhum motivo para se amputar a si próprio, preferindo uma situação de menores escolhas, do que uma outra, totalmente aberta ao leque de oportunidades oferecidas por todos os países do globo, aliás, mais do que um leque, um círculo inteiro de possibilidades de cooperação e de intercâmbio, em total liberdade mental. Os que escolhem usar tal tipo de viseira só podem fazê-lo por preconceito ideológico ou por discriminação política.
Todo determinismo geográfico é, por natureza, contraproducente. Não se poderia esperar, por exemplo, obter o estado da arte em ciência e tecnologia quando se restringem as escolhas a determinados parceiros do globo, ainda que eles sejam chamados de “parceiros estratégicos”.
A primeira inconsequência é justamente a de dividir o mundo entre desenvolvidos e em desenvolvimento, como se duas únicas categorias mentais, dois universos puramente conceituais, fossem capazes de resumir e abranger toda a complexidade e multiplicidade das situações humanas e sociais, num planeta variado que exibe todos os tipos de avanços civilizatórios, um continuum histórico que vai de tribos primitivas a sociedades do conhecimento, baseadas em inteligência artificial. O capital humano nunca teve pátria, apenas os governos é que limitam a liberdade do capital humano. As grandes descobertas, as maiores invenções acabam beneficiando o conjunto da humanidade.
Mas, alguns espíritos tacanhos consideraram que, em virtude do fato bem estabelecido de que a maior parte das invenções, descobertas e inovações ocorrem bem mais nos países já avançados, isso consagraria algum monopólio natural, uma tendência à concentração do conhecimento, e do seu desfrute, e que os países menos avançados só poderiam ser “explorados” pelos primeiros. Assim, passam a recomendar esquemas de cooperação no âmbito Sul-Sul, como se duas ignorâncias pudessem ser substitutos a uma grande sabedoria. A Constituição brasileira já caiu nessa erro monumental, ao consagrar no seu texto de 1988 a proibição de que universidades brasileiras tivessem em seu corpo docente professores estrangeiros, equívoco felizmente eliminado alguns anos depois.
Não se pode dispor de nenhuma fórmula mágica para impulsionar o processo de desenvolvimento brasileiro contando apenas com a cooperação internacional, seja ela com países avançados ou com “parceiros estratégicos” do Sul maravilha. Os desafios principais estão mesmo no próprio país, pois as evidências relativas aos ganhos de escala permitidos por uma educação de qualidade são tão notórios que não seria preciso insistir neste ponto. O Brasil precisa empreender uma revolução educacional, em todos os níveis. De onde sairão os ensinamentos adequados para esse empreendimento monumental? Ora, as respostas são tão evidentes que sequer me concedo o direito de expressar qualquer preferência geográfica. Se alguém aí pensou em Xangai, não na China, mas Xangai, como exemplo e modelo de uma educação de qualidade, tal como refletido nos exames do PISA, estou inteiramente de acordo: façam como Xangai, que já é, para todos os efeitos práticos, mais avançada do que qualquer país desenvolvido em matéria de educação de qualidade. 

5. A necessidade de reformas estruturais e o pedido de ingresso na OCDE
O Brasil necessita de reformas estruturais importantes, a serem implementadas nos planos interno e externo, e é nesse contexto que se situa a importante decisão tomada pelo atual governo no sentido de solicitar adesão plena do Brasil à OCDE. Ela constitui, não um “clube de países ricos”, mas um “clube das boas práticas”, e pode contribuir para esse processo de reformas profundas que o Brasil deve perseguir no seu próprio interesse nacional. A OCDE possui notória expertise e vasta experiência nos terrenos das reformas fiscais, setoriais e sociais, com destaque para as áreas de políticas comercial, industrial, tecnológica e educacional, ou seja, tudo o que o Brasil necessita para deslanchar um novo salto no plano do crescimento sustentado. Os requerimentos de entrada podem, aliás, apoiar as reformas.
As reformas mais difíceis são, sem dúvida alguma, a fiscal e a tributária, uma conectada à outra, mas aqui também o know-how acumulado pela OCDE nessa área pode se revelar valioso, em várias dimensões. Na política comercial, os estudos da OCDE já provaram fartamente que restrições a um comércio mais livre redundam sempre num declínio da produtividade do trabalho, e portanto dos padrões de vida. O protecionismo comercial brasileiro dificulta, e de fato impede, uma maior integração de nossas empresas às cadeias globais de valor, que constituem o lado mais conspícuo da globalização microeconômica, que é onde se processa, junto com as ferramentas de comunicação social, o lado mais relevante desse fenômeno abrangente e inescapável.
A política externa brasileira sempre teve como princípio organizador uma mal definida “diplomacia do desenvolvimento”. Tratava-se, na verdade, mais de um slogan e, mesmo, uma ideologia, do que propriamente uma doutrina adequadamente elaborada, resultando de uma combinação improvisada de prescrições vagamente influenciadas pelo desenvolvimentismo latino-americano da CEPAL e de demandas de tratamento preferencial e mais favorável para países em desenvolvimento emanadas da UNCTAD. Ao abrigo dessas correntes de pensamento, ocorriam vibrantes discursos defendendo “espaços de políticas econômicas” em prol de “projetos nacionais de desenvolvimento”, o que servia de razão, de justificativa e de defesa para o protecionismo tarifário, para as restrições aos investimentos estrangeiros em determinados setores, para os monopólios estatais em indústrias ditas “estratégicas”, para restrições aos fluxos de bens, de serviços e de capitais em nome do equilíbrio do balanço de pagamentos, da preservação da autonomia tecnológica, ademais de diversos outros expedientes, mal coordenados entre si, mas que de fato atuaram contrariamente ao grande objetivo pretendido, que era o de romper a barreira do subdesenvolvimento para alcançar o patamar das nações ricas.
O Brasil não esteve sozinho nesses experimentos desenvolvimentistas, já que acompanhamos os mesmos tipos de políticas da maioria dos países latino-americanos, que, se bem sucedidas em sua implementação reiterada e teimosa ao longo de décadas, deveriam levar o continente àquele grande objetivo. Ora, o que se assistiu, ao longo do período, foi a superação gradual dos países latino-americanos pelos da Ásia Pacífico, praticamente uma troca de lugares na economia mundial, tanto em termos de pautas exportadoras, de diversificação industrial, de ofertas competitivas em bens e serviços, quanto da atração de investimentos diretos estrangeiros. A América Latina, e com ela o Brasil, reduziu seus índices de participação nos intercâmbios mundiais, ao passo que os países da Ásia Pacífico começaram a ocupar frações crescentes desses fluxos globais.
Está, portanto, mais do que na hora de substituir essa mal definida “diplomacia do desenvolvimento com preservação da autonomia nacional” por uma vigorosa política de “integração à economia mundial”, com a adoção consequente de medidas econômicas e de políticas setoriais visando à inserção das empresas brasileiras nos padrões competitivos da globalização. A OCDE poderá subsidiar a redefinição dessas políticas no novo sentido pretendido, mesmo quando a adesão formal não se realize, pois nada deveria impedir o Brasil de reformar soberanamente o conjunto de políticas nas áreas industrial, comercial e tecnológica na direção da integração mundial, abandonando o prejudicial nacionalismo pretensamente autonomista, mas que é de fato redutor de nossas possibilidades de progresso econômico.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de janeiro de 2018